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Traduções culturais no ensino da língua alemã no Brasil

Cultural translations of teaching the German language in Brazil

Resumo

O artigo analisa várias traduções culturais (BACHMANN MEDICK: 1998BACHMANN MEDICK, D. „Dritter Raum: Annäherungen an ein Medium kultureller Übersetzung“. In: DÖRING, Tobias; BREGER, Claudia (orgs.). Figuren der/des Dritten: Erkundungen kultureller Zwischenräume. Amsterdam: Rodopi, 1998, 19-36.; 2019BACHMANN MEDICK, D. „Übersetzung und Transnationalität“. In: BASSELER, Michael; NÜNNING, Ansgar (orgs.). Fachdidaktik als Kulturwissenschaft. Konzepte, Perspektiven, Projekte. Trier: WVT, 2019, 257-270.), ou seja, a negociação dinâmica de significados, sob uma perspectiva transcultural (WELSCH: 2017WELSCH, W. Transkulturalität, Realität und Aufgabe. New Academic Press: Wien, 2017.) no ensino da língua alemã no Brasil. Apresentamos primeiramente uma retrospectiva histórica dos livros de ensino, nos quais observamos representações estereotipadas. Depois oferecemos exemplos de etnografia multissituada (MARCUS: 1995MARCUS, G. E. Ethnography in/ of the world system: the emergence of multi-sited ethnography. Annual Review of Anthropology, n. 24, 95-117, 1995.; 2011MARCUS, G. E. Multi-sited ethnography: five or six things I know now about it now. In: COLEMAN, Simon; VON HELLERMANN, Pauline. Multi-sited ethnography: problems and possibilities in the translocation of research methods. London: Routledge, 16-34, 2011.), derivada de um diário etnográfico. Assim sendo, introduzimos registros de observação participante, comentários e conversas de 2012 a 2024 sobre o ensino de alemão em sala de aula (para iniciantes, avançados e proficientes), em um instituto privado de língua e cultura alemãs no Rio de Janeiro, com a utilização dos livros didáticos Menschen (A2.2Menschen A2.2 Kursbuch. München: Hueber, 2013., B1.1Menschen B1.1 Kursbuch. München: Hueber , 2014., B1.2Menschen B1.2 Kursbuch. München: Hueber , 2014.), Sicher (C1.1Sicher C1.1. Deutsch als Fremdsprache. München: Hueber Verlag , 2016., C1.2Sicher C1.2. Deutsch als Fremdsprache. München: Hueber Verlag , 2016.) e Auf neuen Wegen (C2). Nos referimos especialmente à tradução cultural dos países e das pessoas de línguas alemãs e o diálogo com o culturalmente outro. Assim, apresentamos práticas pedagógicas além do eurocentrismo, em sala de aula, em uma excursão, em palestras culturais e na projeção de filmes em um cineclube. Por fim, nos referimos à interconectividade multimodal dessas atividades. Desse modo, descrevemos a projeção do filme alemão “A Massai Branca” (2005), que se passa no Quênia, junto com as aulas ministradas em que discutimos criticamente as relações (neo)coloniais dos países de línguas alemãs.

Palavras-chaves:
ensino de alemão; tradução cultural; transcultural; etnografia; eurocentrismo

Abstract

The article analyses various cultural translations (BACHMANN MEDICK: 1998BACHMANN MEDICK, D. „Dritter Raum: Annäherungen an ein Medium kultureller Übersetzung“. In: DÖRING, Tobias; BREGER, Claudia (orgs.). Figuren der/des Dritten: Erkundungen kultureller Zwischenräume. Amsterdam: Rodopi, 1998, 19-36.; 2019BACHMANN MEDICK, D. „Übersetzung und Transnationalität“. In: BASSELER, Michael; NÜNNING, Ansgar (orgs.). Fachdidaktik als Kulturwissenschaft. Konzepte, Perspektiven, Projekte. Trier: WVT, 2019, 257-270.), which means the dynamic negotiation of meanings, through a transcultural perspective (WELSCH: 2017WELSCH, W. Transkulturalität, Realität und Aufgabe. New Academic Press: Wien, 2017.) by teaching the German language in Brazil. Firstly, we present a historical retrospective of the textbooks used for teaching German, in which stereotypical representations can be observed. Furthermore, multi-sited ethnography examples (MARCUS: 1995MARCUS, G. E. Ethnography in/ of the world system: the emergence of multi-sited ethnography. Annual Review of Anthropology, n. 24, 95-117, 1995.; 2011MARCUS, G. E. Multi-sited ethnography: five or six things I know now about it now. In: COLEMAN, Simon; VON HELLERMANN, Pauline. Multi-sited ethnography: problems and possibilities in the translocation of research methods. London: Routledge, 16-34, 2011.) from our ethnographic diary are provided. It contains participant observation, comments and conversations, recorded between 2012 and 2024, and refers to teaching German as a foreign language in class (to beginners, advanced and intermediate students) at a private language and cultural institute in Rio de Janeiro with the textbooks Menschen (A2.2Menschen A2.2 Kursbuch. München: Hueber, 2013., B1.1Menschen B1.1 Kursbuch. München: Hueber , 2014., B1.2Menschen B1.2 Kursbuch. München: Hueber , 2014.), Sicher (C1.1Sicher C1.1. Deutsch als Fremdsprache. München: Hueber Verlag , 2016., C1.2Sicher C1.2. Deutsch als Fremdsprache. München: Hueber Verlag , 2016.) and Auf neuen Wegen (C2). We especially refer to the cultural translation of the German speaking countries and people representations, as well as the dialogue with the cultural-other. Introduced are thus pedagogic practises beyond eurocentrism in class, during an excursion, and presentations on culture and German film screening in a cinema club. Finally, we refer to the multimodal interconnectivity of cultural translation activities. Accordingly, we describe the screening of the German film “The White Massai” (2005) set in Kenya. Together with the fiction film we describe classes in which the (neo)colonial relations of the German speaking countries are discussed.

Keywords:
teaching German; cultural translation; transcultural; ethnography; eurocentrism

1 Introdução2 2 Um grande agradecimento ao meu chefe Ricardo Freitas, aos meus colegas, os meus criativos alunos e os funcionários do Instituto Cultural Germânico. Muito obrigado aos meus colegas do Núcleo de Estudos Território e Resistência na Globalização (NUREG), sediado no departamento de Geografia Humana da UFF e liderado pelo professor Rogério Haesbaert. Gostaríamos também de agradecer muito a minha orientadora de doutorado Ligia Chiappini por discutir o texto e ter ajudado na revisão. Agradecimento também pela revisão das professoras Cleydia Regina Esteves e Erica Schlude Wels e a discussão do texto com Florian Ledesma.

No atual cenário global, observamos uma vertiginosa aceleração do mundo. O antropólogo Arjun Appadurai (1996APPADURAI, A. Modernity at Large. Cultural dimensions of globalization. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1996.) tinha observado já há quase trinta anos atrás que o surgimento de novas mídias e os processos de migração transformariam o mundo radicalmente. Isto significa pessoas cada vez mais em movimento, de forma voluntária como turistas e trabalhadores, ou de forma involuntária como refugiados de crises e guerras. As pessoas se conectam através de e-mails, mensagens de texto ou aplicativos, se comunicam, criam seus mundos reais, virtuais e imaginados através de redes sociais, assistem televisão e acessam à internet, plataformas de streaming ou frequentam os tradicionais cinemas e teatros.

Aumenta a intensidade dos processos de comunicação, o conhecimento sobre o culturalmente outro3 3 Com o “culturalmente outro”, nos referimos nesse artigo ao estrangeiro, àquele que não procede dos países das línguas alemãs. Essa denominação utilizamos como relacional e relativa ao contexto. , as compreensões e particularmente as incompreensões, os desentendimentos e os mal-entendidos se expandem e aprofundam. Esses múltiplos fluxos de imagens, ideias (APPADURAI 1996APPADURAI, A. Modernity at Large. Cultural dimensions of globalization. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1996.; 2013APPADURAI, A. The Future as Cultural Fact: Essays on the Global Condition. London: Verso, 2013.) e mediações (MARTÍN BARBERO 1993MARTÍN-BARBERO, J. De los medios a las mediaciones: comunicación, cultura y hegemonía. Barcelona: Gustavo Gili, 1993.)4 4 Segundo o educomunicólogo David Buckingham, hoje em dia, quase tudo é de alguma forma mediado (CALIXTO, LUIZ-CARVALHO, CITELLI 2020apudRIAL Y COSTAS 2021b). requerem cada vez mais a compreensão da linguagem e dos seus específicos contextos culturais.

Nesse cenário, percebemos uma analogia significativa entre o estudo das culturas e o ensino de línguas estrangeiras5 5 Onde se iniciou o debate sobre a dinâmica escrita multilocal da cultura no canônico livro de Clifford e Marcus (2016) em 1986 com seus desdobramentos precoces na Germanística brasileira (BOLLE 1999) até a recepção atual na Germanística nos Estados Unidos (WEBER 2024). . Em outros termos, a analogia descreve as trocas entre a observação participante no campo de pesquisa da antropologia e o ensino de línguas em sala de aula. Nos dois contextos, podemos destacar a tradução cultural como a base das trocas da compreensão do culturalmente outro, estrangeiro.

Nos campos de línguas e literatura, prevalece uma longa tradição dos estudos de tradução em que se ressaltam suas duas funções diferentes, condensadas nas palavras de Schleiermacher, grande literato do romantismo. O escritor alemão diferencia entre a aproximação do leitor ao autor na tradução, fiel ao original, e à aproximação do texto ao leitor, para torná-lo mais compreensível. Schleiermacher (apudBUDEN 2008BUDEN, B. Kulturelle Übersetzung. Einige Worte zur Einführung ins Problem. In: BUDEN, Boris; NOWOTNY, Stefan (orgs.). Übersetzung: Das Versprechen eines Begriffs. Wien: Taurus Verlag, 2008, 9-28.: 9) escolhe a primeira versão, para que o leitor aprenda a lidar “com algo estrangeiro/ estranho” (ausländisch).

Essa ideia, imbricada de elementos do outro estrangeiro/ estranho nos processos da tradução, remete às longas discussões nas ciências sociais e humanas sobre identidade e alteridade6 6 Vide a compilação de textos canônicos sobre identidade de Althusser, Bhabha, Foucault, Hall, Kristeva, e Lacan, entre outros (GAY; EVANS; REDMAN 2000). , e vai servir como nossa bússola para esse estudo. Transcendendo ideias rígidas, e meramente linguísticas de tradução, vamos utilizar o termo de Doris Bachmann Medick (1998BACHMANN MEDICK, D. „Dritter Raum: Annäherungen an ein Medium kultureller Übersetzung“. In: DÖRING, Tobias; BREGER, Claudia (orgs.). Figuren der/des Dritten: Erkundungen kultureller Zwischenräume. Amsterdam: Rodopi, 1998, 19-36.; 2019BACHMANN MEDICK, D. „Übersetzung und Transnationalität“. In: BASSELER, Michael; NÜNNING, Ansgar (orgs.). Fachdidaktik als Kulturwissenschaft. Konzepte, Perspektiven, Projekte. Trier: WVT, 2019, 257-270.). A germanista alemã retoma ideias de Walter Benjamin e de Homi Bhabha ao considerar a tradução cultural como constante negociação de significados entre os dois lados (BACHMANN MEDICK 2019BACHMANN MEDICK, D. „Übersetzung und Transnationalität“. In: BASSELER, Michael; NÜNNING, Ansgar (orgs.). Fachdidaktik als Kulturwissenschaft. Konzepte, Perspektiven, Projekte. Trier: WVT, 2019, 257-270.).

Ao seguirmos esse enfoque de tradução cultural, consideramos fundamental levar em conta as desigualdades coloniais na América Latina (QUIJANO 2005QUIJANO, A. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: QUIJANO, Anibal (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociales. Buenos Aires: CLACSO , 1-27, 2005.) e também escravagistas no Brasil (MIGNOLO; WALSH 2018MIGNOLO, W.; WALSH, C. On Decoloniality: Concepts, Analytics, Praxis. Durham: Duke University Press, 2018.) ao aplicarmos uma perspectiva de(s)colonial7 7 Segundo Haesbaert (2023: 9) que utiliza tanto “decolonial” quanto “descolonial” para se referir ao conjunto de pensamentos diferentes que combatem a colonialidade. que desconstrói ideias de supostas superioridades culturais e eurocentristas. Dessa maneira, não classificamos culturas como entidades nacionais fechadas, homogêneas e monolíticas. Acreditamos em “culturas”, como formas plurais imbricadas e heterogêneas, indo além dos estereótipos culturais nacionais. Por isso, pretendemos superar análises culturais simplistas de “interculturalidade”8 8 Manifesto na longa discussão da didática de ensino de língua estrangeira alemã, idealizando a compreensão do culturalmente outro, que se iniciou na década de 1990 (BREDELLA; CHRIST 1994). , ao propormos uma perspectiva “transcultural” (WELSCH 2017WELSCH, W. Transkulturalität, Realität und Aufgabe. New Academic Press: Wien, 2017.)9 9 Lembrando o exemplo de Welsch (2017) sobre transculturalidade, em que o autor destaca que um camponês alemão pode ter mais em comum com um camponês chinês do que este último com um intelectual chinês. que faz jus às acima relatadas negociações complexas de significados.

Incluímos no nosso estudo recortes da nossa etnografia multissituada (MARCUS 1995MARCUS, G. E. Ethnography in/ of the world system: the emergence of multi-sited ethnography. Annual Review of Anthropology, n. 24, 95-117, 1995.; 2011MARCUS, G. E. Multi-sited ethnography: five or six things I know now about it now. In: COLEMAN, Simon; VON HELLERMANN, Pauline. Multi-sited ethnography: problems and possibilities in the translocation of research methods. London: Routledge, 16-34, 2011.)10 10 Quer dizer, pretende-se descrever, explicar e negociar as trocas com e sobre o culturalmente outro. , referida aos textos didáticos (Menschen A2.2Menschen A2.2 Kursbuch. München: Hueber, 2013., B1.1Menschen B1.1 Kursbuch. München: Hueber , 2014., B1.2Menschen B1.2 Kursbuch. München: Hueber , 2014.; Sicher C1.1Sicher C1.1. Deutsch als Fremdsprache. München: Hueber Verlag , 2016., C1.2Sicher C1.2. Deutsch als Fremdsprache. München: Hueber Verlag , 2016.; Auf neuen Wegen C2), e às experiencias com eles em sala de aula11 11 Em instituto privado de ensino de línguas e culturas alemãs, no Rio de Janeiro e Niterói, e desde 2020 no formato online (veja RIAL Y COSTAS 2021b). nos últimos doze anos de ensino de alemão no Brasil12 12 Um enfoque etnográfico dinâmico de vários ângulos e locais, baseado em observação participante, entrevistas, conversas e pensamentos em relação ao ensino de alemão no Brasil, registrado em um diário etnográfico entre 2012-2024, e já aplicado em estudos anteriores (RIAL Y COSTAS 2021A; RIAL Y COSTAs 2021b). Cabe destacar nesse contexto de “culturalmente outro(s)” minha própria origem, de mãe alemã e pai uruguaio. . Além disso, ela abrange também atividades complementares, sendo elas aulas de conversação, palestras culturais13 13 Antes do formato online, as palestras e o cineclube ocorreram nas unidades de Tijuca e Niterói do instituto cultural, e nos institutos parceiros no Jardim Botânico, no Leblon e na Universidade Unilasalle em Niterói. e um cineclube alemão, inclusive sinergias com a vida “real” das línguas alemãs.

2 O ensino de alemão no Brasil com livros didáticos alemães

Ao oferecermos uma retrospectiva histórica sobre os livros didáticos utilizados no ensino de língua alemã no Brasil nas últimas décadas, percebemos que por muito tempo essas publicações eram de cunho estruturalista. Observamos que retomam e reforçam estereótipos e simplificações culturais em livros didáticos obsoletos do século 20, como Themen (1983Themen. Ismaning: Hueber, 1983.). Um exemplo emblemático encontramos no livro didático Die Suche de 1993 (BOHUNOVSKY 2005BOHUNOVSKY, R. Imagens de uma língua: reflexões sobre o ensino de alemão como língua estrangeira no Brasil. Pandaemonium Germanicum, São Paulo, n. 9, 327-344, 2005.: 333), no qual aparece uma garota seminua alemã-brasileira com um papagaio no ombro que ajuda alunos a explicar questões culturais. A representação dessa tradução cultural fantasmagórica classificamos como estereotipada, caricata e neocolonial. Predomina nela uma exotização ao retomar o eufemismo violento da narrativa nacional brasileira de mestiçagem de forma distorcida, já que a personagem nasceu depois de um encontro entre um aventureiro alemão e uma mulher brasileira.

Particularmente nos últimos vinte anos tem-se observado alguns exemplos diferentes no material didático que tem sido desenvolvido, ao se incorporar novas tendências sobre questões interculturais, político-sociais e de gênero. Porém, os livros produzidos e publicados na Alemanha, na Áustria ou na Suíça, continuam com um olhar da própria matriz cultural. Eles representam esses países como bem-organizados e com ótima tecnologia, sem se referir a crises ou guerras. Luxemburgo e Liechtenstein são quase completamente omitidos nas representações, e os países vizinhos, Suíça e Áustria aparecem particularmente com temas ligados ao folclore, à natureza e à culinária, ou às diferenças nas variedades linguísticas das línguas alemãs14 14 Como se mostra no extenso estudo quantitativo sobre a baixa representatividade de temas ligados à Áustria, Suíça e Liechtenstein nos livros didáticos usados no ensino de alemão no Brasil (VOERKEL, HUANG 2020: 46). . Embora mostrem as sociedades dos países das línguas alemãs de uma forma mais atualizada e com um enfoque metodológico comunicativo, constatamos uma ênfase hiperbólica no positivo, ao reproduzirem estereótipos culturais como disciplina, pontualidade e pessoas que trabalham muito. Ainda observamos a exclusão de temas fundamentais da história alemã, como o período colonial alemão, o nazismo e o holocausto15 15 A representante da América Latina da editora Hueber indicou em uma apresentação em Niterói do livro Menschen em novembro de 2018, que a casa editorial não pretendia ofender as pessoas com temas desagradáveis. .

Dentro dessas novas tendências de materiais didáticos produzidos nesse século na Europa, escolhemos alguns exemplos paradigmáticos e representativos para analisar suas traduções culturais. Nesse enfoque, selecionamos particularmente exemplos nos quais se representa o culturalmente outro, ou estrangeiro, e a conexão das pessoas dos países de línguas alemãs com o exterior. Cabe ressaltar que se trata de questões imbricadas, em que se unem as realidades escritas e produzidas nos livros de texto com a forma de trabalhar com eles em sala de aula e as reações e trocas valiosas com os alunos. Essas observações são derivadas do nosso diário etnográfico entre 2012-2024. Em síntese, podemos ressaltar que as questões didáticas entram em diálogo com as antropológicas e vice-versa.

De modo geral, e apesar de os livros serem destinados para o mercado, percebemos em algumas das publicações textos na contramão do que foi dito acima. Particularmente em Sicher C1.2Sicher C1.2. Deutsch als Fremdsprache. München: Hueber Verlag , 2016., identificamos textos sobre pobreza na Alemanha (Sicher C1.2Sicher C1.2. Deutsch als Fremdsprache. München: Hueber Verlag , 2016.: 93), inclusive um relato sobre um alemão em Geldstreik, em greve de dinheiro, que vive exclusivamente com a ajuda e solidariedade dos outros, que resgata comida vencida de supermercados (Sicher C1.2Sicher C1.2. Deutsch als Fremdsprache. München: Hueber Verlag , 2016.: 86-87)16 16 Como no livro Studio D de 2007, que contém um artigo sobre o desemprego na Alemanha (SCHMIDT 2017: 9). .

No entanto, constatamos uma representação desproporcional particularmente de pessoas jovens e esteticamente vistas como bonitas com fenótipo branco e de olhos claros em publicações vistosas, idealizadas para o fácil consumo dos seus leitores. De modo geral, observamos grandes diferenças dentro dos respectivos livros. Portanto surge um outro aspecto a ser pesquisado futuramente sobre autoria, perguntando quem escreve afinal esses livros didáticos de língua estrangeira? Quer dizer, fazem-se necessário estudos sobre as conexões entre as estratégias didáticas, sociopolíticas, mercantilistas das editoras, bem como das equipes que compõem os textos e dos respectivos autores17 17 A ideia surgiu pelo estudo da antropologia do jornalismo de Hannerz (2002), que mostra como eram produzidas as notícias internacionais sobre as regiões diferentes da África em um único escritório. .

Análise e experiencias com livros didáticos alemães no Brasil, nível A (iniciantes)

A seguir, vamos analisar alguns dos livros mais recentes e quais tipos de tradução cultural podemos registrar ao considerarmos todos os três níveis de aprendizagem. Sendo eles de iniciantes, avançados e proficientes, quer dizer, A, B e C segundo o Quadro Europeu de Referência. No nível de iniciantes de língua alemã A2.2 Menschen (2013Menschen A2.2 Kursbuch. München: Hueber, 2013.) se supera a tradição da tendência de representar pessoas e famílias alemãs culturalmente homogêneas, sem grande variação18 18 Bohunovsky (2005) destaca na sua análise de livros didáticos a falta de estrangeiros e a reprodução de clichês heteronormativos, com o único exemplo de um menino nigeriano no livro Stufen que cozinha. Lembra também das representações monoculturais nos livros didáticos tradicionais de ensino de inglês ou francês do final do século 20 na Alemanha com estereotípicas famílias nacionais como os Pearson para o ensino de inglês, e os Leroc para o francês. Só no decorrer do tempo observamos a inserção de uma família indiana inglesa, os Khan já no começo do século 21. Schmidt (2017: 17) ainda faz referência a um senhor japonês que mora na Alemanha no livro didático Studio D. Este livro inovador inclui também várias biografias de estrangeiros e filhos de imigrantes na Alemanha, e mostra também uma aluna negra na capa do livro (Studio D: 2007). .

Identificamos a referência ao aluno de alemão Paul (Menschen A2.2Menschen A2.2 Kursbuch. München: Hueber, 2013.: 4) que conhece uma alemã na praia do seu não especificado país natal, provavelmente de língua espanhola. Ele conta para uma colega sobre seu processo de aprendizagem de alemão. Nos áudios da respectiva unidade, percebe-se um sotaque alemão estrangeiro, encenado artificialmente como espanhol por um falante alemão. Estiliza-se, assim, Paul como o culturalmente outro, embora seja estudante talentoso, que aprende alemão em um curso de idiomas, tendo inclusive conseguido uma bolsa para estudar na Alemanha.

Predomina um tom de flerte, de entrelinhas, no sentido de Leerstellen de Iser, ao se referir indiretamente à intenção dele de aprender alemão, que pode confundir o motivo de aprendizagem, com um possível motivo romântico. Chegamos a esse raciocínio porque na conversa com a colega, Paul relata que a mulher alemã conhecida na praia foi a “primeira dele”, e a colega que parece ser interessada no rapaz pergunta: “a primeira o que?”. Quando o estudante responde “minha primeira professora”, ela faz um comentário aliviado. Esse tom de flerte ambivalente é mantido quando Paul fala que se apaixonou e a colega responde visivelmente decepcionada, “ah é, você se apaixonou mesmo?”. Novamente, a estudante consegue alívio com a resposta dele: “Não, me apaixonei pela Alemanha” (Menschen A2.2Menschen A2.2 Kursbuch. München: Hueber, 2013.: 9-10).

Nesse contexto, destacamos o uso da ambivalência como estratégia de texto para vincular o discurso do amor romântico ao motivo de aprender o alemão. Essa construção acontece com a percepção de Paul ser espanhol ou hispano-americano, e uma bela mulher alemã sendo o motivo para a aprendizagem de alemão. Dessa forma, faz-se referência a um clichê do outro cultural, do latin lover irresistível. O último se enfatiza no fato de que o Paul do livro atrai atenção pela sua beleza, confirmada por comentários de alunos dando risada em sala de aula, como naquele de Leila19 19 Todos os nomes dos alunos foram trocados por nomes fictícios para preservar a privacidade deles. , estudante de medicina em abril de 2020: “Olha ele, é um gato, pode ser até brasileiro”.

Através dessa interpelação, cria-se uma conexão com o estudante de língua estrangeira. O outro cultural não especificado, mas provavelmente de algum país Hispano-Americano, serve dessa maneira para projeções múltiplas de identificação e o desejo de aprender o alemão. Essa estratégia cultural afetiva é ligada a outras estratégias didáticas interculturais para aprofundar o vínculo com o idioma.

Identificamos, ainda na estratégia psicológica afetiva, em um exercício no qual se pergunta pela própria biografia de aprendizagem de alemão, ligada a questões psicolinguísticas, a criação de uma conexão direta com o aluno de alemão. Em outras palavras, pergunta-se como se aprende melhor uma língua estrangeira: pela visão, pela audição, pela comunicação, pela cognição ou pelos gestos. Nesse contexto, observamos uma aproximação afetiva por perguntar pela palavra alemã predileta dos alunos. Uma vez mais, levantam-se questões transculturais ao apresentar a citação da palavra alemã preferida de uma estudante espanhola que menciona a conexão entre as duas palavras leben e lieben (viver e amar - Menschen A2.2Menschen A2.2 Kursbuch. München: Hueber, 2013.: 11), com a diferença mínima de uma única letra. Isso despertou vários debates filosóficos, psicológicos, linguísticos e transculturais em sala de aula com belos resultados, associações e relatos das próprias experiências de vida e autorreconhecimentos.

Na mesma publicação observamos a contínua repetição de supostas práticas culturais típicamente alemãs, como em uma unidade sobre o grande sucesso da série policial Tatort (cena do crime -Menschen A2.2Menschen A2.2 Kursbuch. München: Hueber, 2013.: 17-19) e o costume de assistir esse programa televisivo em bares com amigos cada noite de domingo. No entanto, sendo este um costume que deve ser praticado apenas a nível regional, não nacional, segundo observações próprias na Alemanha e o desconhecimento mais generalizado de tal prática.

Precisamos destacar uma outra unidade da mesma publicação didática em que um casal alemão viaja de moto a Romênia (Menschen A2.2Menschen A2.2 Kursbuch. München: Hueber, 2013.: 29-31). Sendo isso algo inusitado, frente aos estereótipos culturais, embora evoque também a imagem histórica do alemão aventureiro desbravando terras distantes, no estilo de Alexander von Humboldt. Seria isso uma nova ideia neocolonial de exploração do desconhecido, ou apenas um recorte sobre um casal não convencional alemão que gosta de viagens em moto?

Não podemos dar uma resposta clara e contundente. Por um lado, contamos com um registro (Menschen A2.2Menschen A2.2 Kursbuch. München: Hueber, 2013.: 30) de um diário de viagem na internet que lembra os relatos dos exploradores do passado histórico. Ele contém poucas referências às pessoas locais, e apenas ressalta o que acontece na viagem com os pontos turísticos visitados. Pensando bem, trata-se, pelo outro lado, também de uma viagem para um lugar inusitado, muitas vezes visto por alemães com preconceito por conta do grande número dos estigmatizados habitantes Sinti e Roma.

Cabe acrescentar que o casal visita a Romênia em um meio de transporte não muito comum para viagens internacionais. Ainda constam registros no diário de viagem em locais diferentes, como por exemplo sobre um cemitério de cruzes coloridas. Descritas com a figura retórica de personificação ao chamá-las de fröhlich (alegre), quebra-se assim os clichês da escrita tradicional sobre viagens.

A viagem do casal a Romênia teve repercussão em uma animada discussão em aula, quando alunos perguntavam por que os dois viajam de moto e por que escolhem um país no leste da Europa como destino, porém, sem fazer referências às existentes estigmatizações sobre o país na Alemanha. Ensejando, assim, um novo debate sobre preconceitos e discriminação. Neste aspecto, o tema da unidade ganhou outra dimensão transcultural, aquela da segurança pública. No caso, isso evidenciou percepções sobre a vida de forma diferente. Quando o estudante de engenharia Márcio perguntou, em abril de 2022, se não era perigoso fazer uma viagem daquela maneira, sugerimos para ele olhar no relato de viagem em que ocorre um acidente de rua. Insatisfeito, Márcio respondeu que se isso acontecesse nas estradas perto da sua moradia no Rio de Janeiro, haveria muito perigo de assalto. Dois alunos oriundos de Niterói comentaram que na vizinhança deles, no bairro nobre Icaraí e na tranquila Região dos Lagos, não existia aquele perigo. A discussão em aula se transformou, então, em uma discussão transcultural sobre segurança pública e sobre lugares considerados seguros ou perigosos.

Análise e experiencias com livros didáticos alemães no Brasil, nível B (avançados)

No nível avançado B de aprendizagem de alemão identificamos textos mais complexos, de variedade e profundidade temática maior no livro da mesma série Menschen (pessoas, B1.1Menschen B1.1 Kursbuch. München: Hueber , 2014., B1.2Menschen B1.2 Kursbuch. München: Hueber , 2014.). A primeira unidade do livro (B1.1) condensa a escolha de vários temas nos textos didáticos apresentados. Trata-se da unidade intitulada Freundschaften (amizades - Menschen B1.1Menschen B1.1 Kursbuch. München: Hueber , 2014.: 9-11). Nela, uma jovem estudante alemã consegue uma bolsa de estudos para estudar arqueologia na Bulgária como a sua avó, e comemora a boa notícia com familiares, amigos e o professor que escreveu a carta de recomendação para ela. Sendo isso um bom exemplo do empoderamento familiar feminino com a continuidade de estudo de mulheres, evoca-se, no entanto, também o clichê de superioridade cultural. Ou seja, aquele da Alemanha rica em que supostamente os habitantes podem estudar onde quiseram, também em cursos sem grande demanda no mercado de trabalho.

No livro didático B1.2 de Menschen, constatamos a essência em torno das questões de tradução cultural: mal-entendidos, vistos como o objetivo didático principal da unidade, ou como consta no sumário do livro: Von Missverständnissen erzählen, nachfragen, und Verständnis sichern (Menschen B1.2Menschen B1.2 Kursbuch. München: Hueber , 2014.: 4). A tradução linguística para o português seria: “falar de mal-entendidos, perguntar e garantir sua compreensão”. Em alemão, temos a palavra sichern para “garantir”, pois ela significa também “fazer algo com segurança”, e neste ponto se condensa o título do livro didático intitulado de Sicher. Essa sobredeterminação de significados exemplifica a grande fricção do tema principal deste artigo: a problemática da tradução e a impossibilidade de ter certezas ou seguranças absolutas quando se entra nesses processos de tradução. Podemos concluir que existem várias possibilidades de negociar equivalências, sempre dependendo do texto e do contexto cultural.

Além disso, no livro Menschen B1.2Menschen B1.2 Kursbuch. München: Hueber , 2014. (9), registramos uma cena de áudio em que um casal alemão pede uma refeição. Às risadas, o casal pede o “advogado com molho de vinagre” e dá uma lição à garçonete estrangeira que não percebeu o erro de tradução do francês para o alemão no cardápio do restaurante: em vez de traduzir avocat por “abacate” (Avocado), houve a confusão com a palavra parecida Advokat que significa “advogado”. O exemplo do texto parece ser construído. E apesar de ele seguir a lógica de relatar um mal-entendido cultural de forma didática e supostamente bem-humorada, podemos destacar neste ponto uma certa forma de pedantaria e esnobismo. Este parece ser o caso, devido ao fato de que o casal aparenta debochar da garçonete que fala alemão com um forte sotaque francês e não parece acompanhar toda a conversa. A forma como se explica o mal-entendido para a garçonete e as altas risadas podem comprovar isso. A cena ecoa em perguntas que os alunos fizeram a respeito, como a estudante de letras Alice, em outubro de 2019, sobre o motivo de a atendente do restaurante “ser esculachada” (ela usou a gíria em português para expressar sua indignação).

Em um próximo passo, o mesmo livro didático oferece um exercício para esclarecer mal-entendidos linguísticos culturais, de diferentes estrangeiros. O leitor não sabe de onde eles vêm, apenas podemos adivinhar pelos nomes e pelo sotaque nos áudios. Novamente, a cultura matriz concreta fica vaga, é oferecida como projeção múltipla para as identificações dos alunos. Os mal-entendidos se referem à uma tradução linguística errada, e palavras polissêmicas, pronunciadas ou entoadas de forma errada.

Gostaríamos de nos referir ao exemplo da polissemia, no caso da palavra Schlange, que em alemão pode significar tanto “fila” quanto “cobra”. No áudio dos exercícios sobre os mal-entendidos, ouvimos um relato sobre o intercambista de nome Phuong. O intercambista quase desiste de sua visita ao zoológico na última hora, porque o pai da família anfitriã comenta sobre uma lange Schlange (uma fila grande) na entrada. Porém, o rapaz entende o outro significado da palavra e se assusta porque já tinha sido mordido por um desses répteis no seu país de origem.

Outra vez, podemos questionar se existe uma exotização do culturalmente outro e do seu habitat, não explicitamente definidos, pois exceto por um exemplo em que a família é oriunda dos Estados Unidos, o leitor não sabe de onde vêm as pessoas. Phuong, no caso, parece ser um nome asiático, talvez vietnamita, e o sotaque artificialmente encenado no áudio sugere ser de um país daquela região também. Essa região homogeneizada com “Ásia” é indiretamente associada com perigo, porque o rapaz teria sido mordido por uma cobra naquela região.

As ressonâncias das narrativas em sala de aula ressaltam a complexidade do tema dos mal-entendidos. Poucos alunos conseguiram entender a diferença dos significados porque os demais não conheciam a polissemia da palavra alemã Schlange, significando tanto “fila” quanto “cobra”. Nesse contexto consideramos emblemático o comentário de Ana, estudante de farmácia, em maio de 2021, que perguntou se os textos deveriam ser entendidos como piadas e declarou que não achou graça neles. Podemos concluir que a tradução linguística cultural está diretamente ligada ao tom de humor que varia dependendo da matriz cultural.

Análise e experiencias com livros didáticos alemães no Brasil, nível C (proficientes)

No nível de proficientes, podemos apresentar um leque bastante amplo de unidades e exercícios que tratam diretamente as questões de interculturalidade, pois há uma compreensão maior do idioma e do seu contexto cultural. Por um lado, tem-se aí continuidade dos temas interculturais dos livros didáticos Sicher (C1.1Sicher C1.1. Deutsch als Fremdsprache. München: Hueber Verlag , 2016., C1.2Sicher C1.2. Deutsch als Fremdsprache. München: Hueber Verlag , 2016.), nas suas edições para os níveis de C1. Neles, destacam-se questões claramente voltadas para o mercado profissional dos alunos, a fim de prepará-los para se comunicarem bem em um contexto cultural de língua alemã. Isso se manifesta, por exemplo, em exercícios sobre contatos comerciais, sendo uma unidade toda sobre o tema. Identificamos nela colocações de base cultural homogênea, sem contextualizar as respectivas referências. Assim, observamos uma complicada compreensão auditiva sobre as maneiras diferentes como alemães e chineses lidam com negociações em empresas, supostamente os alemães sendo sempre diretos e os chineses não conseguindo falar “não” (Sicher C1.2Sicher C1.2. Deutsch als Fremdsprache. München: Hueber Verlag , 2016.: 136).

Não é apenas nas publicações do nível A e B de Menschen que muitas vezes se apaga a origem cultural das pessoas de outros países, inclusive a procedência nacional e regional. Nesse nível mais avançado, podemos observar também um outro tipo de homogeneização cultural, aquele de justapor a cultura alemã com a do culturalmente outro, chinês, em um sentido essencialista.

No caso do exercício de compreensão auditiva mencionado, o aluno não sabe nada sobre a procedência regional chinesa da personagem do livro. Apesar disso, e indo além dos estereótipos, em maio de 2023, registramos uma reflexão profunda sobre as questões colocadas em sala de aula. Isso foi devido a um comentário do aluno Leo, estudante de engenharia civil e que trabalha em uma empresa chinesa no Rio de Janeiro. O estudante propôs uma discussão sobre as relações entre as regiões da Alemanha e as específicas regiões do Brasil, já sugerindo a questão do regionalismo. No próximo passo, conversamos em aula sobre a necessidade de não apenas especificar a origem da pessoa oriunda do Brasil, sendo ela carioca, baiana, paulista, etc., se não também transferindo esse conhecimento ao contexto alemão através de uma tradução transcultural.

Podemos citar alguns outros exemplos nos livros C1 de Sicher em que se mostra o culturalmente outro em situação de necessidade, chegando na Alemanha para tentar uma vida melhor. Identificamos, por exemplo, um longo texto sobre uma estudante sérvia e outra vietnamita que cursam o mestrado na Alemanha, textos auditivos de uma culturalmente estereotipada faxineira polonesa na Alemanha e um tradutor neozelandês, assim como outro exemplo de uma médica inglesa que, inclusive, aprendeu alemão para poder exercer a profissão na Alemanha e para poder estar com o parceiro alemão. Igualmente achamos um exercício sobre uma carta de motivação, escrita por uma estudante polonesa que pretende estudar na Suíça. Resumindo, percebemos que a Alemanha e a Suíça são representados como países idealizados para realizar sonhos. Outra vez, podemos observar uma clara forma de eurocentrismo com construções de suposta superioridade e uma continuidade capitalista das questões coloniais (Quijano 2005QUIJANO, A. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: QUIJANO, Anibal (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociales. Buenos Aires: CLACSO , 1-27, 2005.)20 20 Contamos com poucas referências sobre alemães que vão morar em outros países nos livros didáticos de alemão. Uma exceção é o livro didático Studio D em que consta uma unidade sobre migração, sendo a Alemanha chamada pais de imigração e também de emigração. Nesse texto se apresentam as biografias de um berlinense que emigrou a Noruega, e uma alemã que foi morar na Áustria (Studio D: 180). . Em síntese, a tradução cultural visualiza clichês culturais existentes e retoma particularmente a narrativa dos países ricos procurados por pessoas de outros lugares mais pobres.

Para encerrar nosso estudo, gostaríamos de mencionar alguns exemplos do nível de proficientes C2 do livro didático de alemão Auf neuen Wegen de 2003. Nessa publicação, percebemos a difusão da ideia de uma Hochkultur, alta cultura alemã, ao se referir de forma erudita e complicada às diferenças entre canções tradicionais alemães. Fora isso, o livro apresenta trechos de clássicos da literatura alemã em versão de língua dificilmente compreensível hoje em dia, o que não levou apenas ao desinteresse de alguns alunos, se não também ao descontentamento de outros21 21 Precisamos levar em conta que para o nível C2 não existe material didático alemão atualizado. O mais moderno, Erkundungen, foi publicado em 2013, com tecnologia ultrapassada, ainda em formato de CD. .

Em vez de contextualizar e introduzir os diferentes tipos de música e literatura alemãs, o aluno se encontra, pois, imerso no antigo clichê cultural de aprender uma língua difícil. No anterior, podemos encontrar em um exercício a paródia de um monólogo do Fausto de Goethe. Apesar de ter ouvido a paródia quatro vezes e com ajuda de vocabulário e esclarecimento do contexto cultural, histórico e literário, a compreensão ficou bem complicada para os alunos. A tradução cultural foi conseguida consequentemente apenas com a ajuda de textos e vídeos adicionais sobre o tema.

Além disso, no quesito de tratar questões transculturais, como na unidade sobre choques culturais (Auf neuen Wegen 2003Auf Neuen Wegen. Deutsch als Fremdsprache für die Mittelstufe und Oberstufe. München: Hueber Verlag, 2003.: 138-139), os alunos leem textos de um crítico cultural alemão sobre as experiências dele nos Estados Unidos e aplicam seu modelo estruturalista sobre choques culturais. De novo, não foi a tradução cultural pelos exercícios do livro que levou ao aprofundamento de questionamentos culturais da própria situação dos alunos, mas foi o veículo em que os alunos começam a trocar ideias sobre experiências no exterior, como destacou Micaela, mestranda em biologia, em uma aula em junho de 2017: “Levei um choque cultural quando fui a Recife nas minhas últimas férias”. Novamente, observamos como os próprios alunos conseguem desconstruir grandes unidades monolíticas culturais e nacionais, e negociam significados, ligando-os às suas próprias experiências locais.

Outros exemplos disso foram identificados por nós em exercícios sobre a variação da distância física nas diferentes culturas - mais uma vez, a ideia de essências culturais nacionais marcou o ponto de partida para discussões, nas quais se revelaram as complexidades e o caráter imbricado de articulações e práticas culturais. Em outros termos, o anterior pode se resumir no comentário de Elena, estudante de fisioterapia, em novembro de 2018, em sala de aula: “Apenas estando no meu intercâmbio em Dresden, percebi que além de brasileira, também sou latino-americana”.

Traduções transculturais em sala de aula e fora dela

Em nossa análise anterior, apontamos que os livros didáticos de alemão mostram questões culturais com alguma variedade e complexidade temática. Igualmente recorrem às estratégias mercantilistas de persuasão, ao apagamento do culturalmente outro, retomando antigos estereótipos culturais como a suposta superioridade cultural alemã. Em vista disso, consideramos fundamental relatar outros tipos de vivências e traduções culturais da própria experiência docente, além dos livros. Ela ressalta particularmente questões culturais complexas, não “interculturais”, mas, como mencionado acima, “transculturais” (WELSCH 2017WELSCH, W. Transkulturalität, Realität und Aufgabe. New Academic Press: Wien, 2017.) para ensinar, apreender e viver a cultura como algo vivo, plural, dinâmico, heterogêneo e em constante movimento nos seus complexos processos de traduções culturais.

Gostaríamos de oferecer um pequeno resumo de atividades de traduções culturais na caminhada de doze anos de ensino de língua e cultura alemãs sob uma ótica transcultural entre 2012 e 2024. Assim, ensinamos língua e cultura alemãs para estudantes de alemão e, ao mesmo tempo, ministramos cursos em português sobre cultura alemã através do imaginário e do cinema em um instituto privado de língua e cultura no Rio de Janeiro e em Niterói. Seguimos a concepção geral do instituto de prover uma plataforma cultural com galeria de arte, inclusive vernissages, palestras e cineclube, com o intuito de trocar informações dos países de língua alemã, da sigla DACHLL (Alemanha, Áustria, Suíça, Luxemburgo e Liechtenstein) sobre o cotidiano, política, cultura, audiovisual e esporte.

Muitas vezes, desconstruímos imagens dos países de língua alemã e iniciamos profundas discussões a respeito. Um exemplo para o que foi dito ocorreu em 2012 no curso de cultura alemã em português, no qual se contrapunha uma Alemanha idealizada à uma mais realista. Assim, foi proposto um filme de marketing da Alemanha como anfitriã da Copa do Mundo de 2006 chamado de “Alemanha, país das ideias”. O filme, idealizado por uma agência de publicidade, foi oposto aos relatos de sobrevivência e de grandes problemas de adaptação de brasileiros em Berlim na série televisiva “O mundo segundo os brasileiros” da Rede Bandeirantes.

Uma série de palestras entre 2013-201922 22 Inclusive, um colóquio internacional e cineclube junto com o professor titular alemão Marco Bosshard sobre literaturas e filmes do e sobre o holocausto em agosto de 2018 no Instituto Cultural na Tijuca, no Rio de Janeiro. de curiosidades sobre Alemanha, novas mídias, xenofobia, neonazismo e a explosão cultural em Berlim após a queda do muro completam essa ideia de traduções, trocas e negociações culturais, sempre sob uma ótica antirracista, a favor do empoderamento e da diversidade.

Adicionalmente, ministramos aulas de conversação e cultura sobre o cotidiano e o passado histórico-cultural dos países de língua alemã. Nessa mesma lógica, organizamos um cineclube mensal com filmes em língua alemã de todas as vertentes com legendas e diálogos em português, no qual se retoma questões culturais, sociopolíticas e históricas já apresentadas em aula.

Desde 2021, desenvolvemos uma nova metodologia em que oferecemos atividades análogas ao cineclube em alemão para ligar o Weltwissen (conhecimento sobre o mundo) ao saber concreto de alemão. Retomamos questões levantadas na projeção dos filmes e nas conversas com o público em português. Aprendemos e discutimos criticamente um novo vocabulário temático multimodal, que abre novos corredores interconectados em novas zonas de contato afetivas através de traduções culturais do alemão para o português e vice-versa.

Essa construção de novas zonas de contato “traduzimos” também culturalmente em eventos extracurriculares, como em 2012, em uma excursão com os alunos para a cidade de Nova Friburgo, fundada por imigrantes alemães e suíços. Visitamos a queijaria suíça, a fábrica de chocolates suíços e o museu do imigrante suíço e alemão para os alunos terem uma ideia sobre os processos migratórios envolvendo sua terra natal, além de entenderem como são ligadas a Suíça e a Alemanha ao Brasil23 23 Faz parte também o reconhecimento do próprio sobrenome suíço de um aluno de Nova Friburgo. O aluno teve a vontade de viajar à Suíça para conhecer seus familiares distantes no Fribourg original suíço que deu o nome à cidade de Nova Friburgo, e que foi fundada por imigrantes desse país. .

Os alunos elaboraram então apresentações sobre o museu, a fábrica de chocolate e a queijaria suíços, e sobre as imigrações dos alemães e suíços para Nova Friburgo em projetos que apresentaram em alemão no instituto e que faziam parte da nota oral. Assim, juntamos a parte cultural com a linguística e a afetiva, e os alunos traziam os interesses ou pesquisas deles em relação à DACHLL, assim fazendo suas próprias traduções culturais afetivas24 24 Podemos relatar outros exemplos desses projetos culturais obrigatórios, como o resumo da tese de doutorado sobre danças frenéticas na Alemanha medieval, a breve apresentação de dissertação de mestrado sobre energias renováveis na Alemanha e na Suíça, um estudo sobre o filme experimental na Alemanha da década de 1920 e outro sobre o rei dos francos Carlos Magno, sendo o aluno o xará dele. .

Ainda organizamos outros eventos para assistirmos jogos da seleção alemã na Copa do Mundo de 2014, 2018 e 2022, convidando também colegas alemães da Escola Alemã Corcovado, no Rio de Janeiro, para termos trocas sobre língua e cultura alemã com pessoas oriundas de regiões diferentes.

Em suma, e citando o escritor uruguaio Eduardo Galeano (1993GALEANO, E. Las palabras andantes. Buenos Aires: Catálogos, 1993. ), abria-se várias janelas para as culturas dos países de língua alemã e olhava-se, junto com os alunos, os panoramas históricos e contemporâneos. Nas experiências dentro e fora de sala de aula, o professor se viu tanto como tradutor cultural quanto aluno e criador de momentos e zonas de contato (PRATT 1992PRATT, M. L. Imperial Eyes: Travel Writing and Transculturation. New York: Routledge, 1992.) afetivas para os alunos se engajarem em traduções culturais, em processos dinâmicos, de belas trocas e mútuas aprendizagens e questionamentos.

Sinergias interconectadas de tradução transcultural e de(s)colonial em aula

Na última parte deste artigo, gostaríamos de mencionar um exemplo em que condensamos as ideias de transculturalidades dessas novas zonas de contato de traduções culturais através de uma ótica de(s)colonial e transcultural, e também de forma multimodal e interconectada. Quer dizer, a conexão e retomada de várias atividades pedagógicas por um período de vários meses para poder aprofundá-lo com informações e trocas culturais e históricas. Escolhemos um exemplo sobre um tema marginalizado na memória coletiva alemã, no ensino escolar e no ensino de alemão como língua estrangeira no Brasil. Trata-se do legado colonial alemão ligado à culpa histórica e à dívida com os povos originários pelas injustiças e atrocidades cometidas, inclusive o genocídio na Namíbia.

Para a preparação e sensibilização sobre o tema e inspirados nas ideias mencionadas na introdução de Bachmann Medick, Haesbaert, Mignolo/ Walsh, Quijano, Welsch e também Conrad / Randeria (2002CONRAD, S. RANDERIA, S. Jenseits des Eurozentrismus: Postkoloniale Perspektiven in den Geschichts- und Kulturwissenschaften. Frankfurt am Main: Campus, 2002. )25 25 Com estudos práticos sobre a herança colonial no cotidiano, também incluindo a linguagem. , ministramos uma aula de conversação e cultura em maio de 2023. Nela foram abordados os terrores do colonialismo alemão na África com duas reportagens históricas, exercícios de compreensão auditiva e de conversação sobre o tema. Aprendemos e discutimos criticamente o vocabulário específico histórico-colonial e estigmatizante a respeito. O vocabulário anterior inclui palavras ainda utilizadas hoje em dia, como Schutzgebiet (protetorado colonial), Südfrucht (“frutas do sul”, denominação colonial para frutas vindas das então colônias) e Kolonialwarenladen (loja de bens das colônias)26 26 Hoje em dia ainda usado para a área de bens importados em supermercados suíços, como por exemplo a cadeia Migros. , desvendando os vestígios de um racismo linguístico embutido no cotidiano. Nesse contexto, apresentamos também outra prática racista existente no imaginário coletivo da Alemanha, onde se costuma falar sobre África como se fosse um país e não um continente. Igualmente, discutimos processos coloniais históricos e neocoloniais no mundo atual.

Para o cineclube, selecionamos o filme Die weisse Massai (A Massai Branca) de 2005DIE WEISSE MASSAI. Filme, Constantin Film, 2005., uma adaptação cinematográfica alemã de um romance autobiográfico da suíça Corinne Hoffmann que trata a história de amor e de desamor da suíça Carola e o guerreiro samburu Lemalian no Quénia. Depois, organizamos o cineclube com o filme legendado, acompanhado por um diálogo em português com alunos e convidados do instituto em maio de 2023.

Contextualizamos esse filme altamente neocolonial e exotizado. Ressaltamos e discutimos, nesse ponto, com o público que a tradução cultural eurocentrista da diretora alemã Hundgeburth e do romance sensacionalista e eurocentrista de Hoffmann foram uma tradução e invenção cultural das experiências dela, em que trocou a etnia do então marido para fins de marketing. Assim, o não tão conhecido grupo étnico dos samburu foi substituído pelos massai, conhecido pelos safaris e pelo turismo para o Quênia.

Durante a conversa, discutimos fatos e práticas coloniais. Identificamos a chegada da mulher branca Carola no Quénia rural que abre uma loja e tenta impor a própria visão cultural ao marido e à população local. No longa-metragem, percebemos também “tradutores culturais” próprios, figuras que explicam as diferenças culturais, como uma alemã casada com um samburu e um pastor italiano. Igualmente, o público destacou as figurações coloniais de exotismo do outro cultural, questionando motivos racistas e estigmatizantes na narrativa do filme e a ligação da Suíça com o colonialismo. Ademais, foi tematizada a continuidade capitalista das práticas coloniais antigas, resumidas nas palavras de Renata, médica cinéfila convidada ao cineclube: “A protagonista Carola foi realizar sua fantasia no Quênia, ela tinha o dinheiro para realizá-la, sem se preocupar com as pessoas locais. Em qualquer momento ela podia ter ido embora porque era rica”.

Em atividade complementar de conversação e cultura em novembro de 2023 em língua alemã, e retomando as ideias sobre mal-entendidos culturais, pedimos para os alunos selecionarem um exemplo do filme projetado ou da própria experiência para refletir sobre o tema. A sinergética discussão rendeu vários pontos interessantes, como o questionamento da estudante de química Maria sobre a escolha da protagonista suíça do filme ao casar-se de branco, mesmo sendo isso um mau agouro nas crenças locais dos samburu no Quênia.

Finalmente, a estudante de relações internacionais Ananda, interessada no tema, propôs acrescentar uma aula para assistirmos o clipe da música Ausländer (estrangeiro) da polêmica banda alemã de rock Rammstein. Seguimos o pedido da aluna e vimos o clipe sobre empreitadas neocoloniais alemãs dentro da estética provocadora de paródia. O resultado foram atividades em grupo com discussões sobre questões coloniais históricas e atuais, questionando quando uma pessoa é ou pode se tornar estrangeiro. Isso foi condensado pelo comentário do professor de medicina social Carlos, impressionado com o clipe, no final de novembro de 2023: “Para mim, mostrou de forma irônica a relação da suposta superioridade da Europa com o mundo, e me lembra os escritos do antropólogo Arjun Appadurai”.

Essas atividades, tanto de forma imanente na narrativa do longa-metragem quanto nas sequências de exercícios em aula com referências históricas e também atuais da cultura pop, deram a possibilidade de construir uma zona de contato dinâmica multimodal. Nela, desconstruímos estereótipos culturais racistas e coloniais, acrescentamos conhecimento e instigamos à autorreflexão. E que haja, nas palavras de Walter Benjamin (1921; 1972BENJAMIN, W. Die Aufgabe des Übersetzers. In: BENJAMIN, Walter. Gesammelte Schriften, v. IV, n. 1. Kleine Prosa. Baudelaire-Übertragungen. Frankfurt a. M.: Suhrkamp, 1972 [1921], 9-21.), sempre um “pós-amadurecimento” (Nachreife) da palavra alheia, estranha e/ou estrangeira no processo da negociação de significados na tradução transcultural.

Palavras finais

Neste artigo, analisamos várias traduções culturais no ensino da língua alemã no Brasil sob uma ótica transcultural (WELSCH: 2017WELSCH, W. Transkulturalität, Realität und Aufgabe. New Academic Press: Wien, 2017.). Utilizamos o termo da germanista alemã Bachmann Medick (2019BACHMANN MEDICK, D. „Übersetzung und Transnationalität“. In: BASSELER, Michael; NÜNNING, Ansgar (orgs.). Fachdidaktik als Kulturwissenschaft. Konzepte, Perspektiven, Projekte. Trier: WVT, 2019, 257-270.) que define a tradução cultural como constante negociação de significados entre os dois lados da tradução.

Para oferecermos uma contextualização histórica do estudo, apresentamos uma retrospectiva analítica dos livros didáticos de alemão como língua estrangeira. Observamos neles uma tradição de uma suposta superioridade cultural alemã que recorre a estereótipos culturais, como no obsoleto Themen (1983Themen. Ismaning: Hueber, 1983.) e também na publicação Die Suche (BOHUNOVSKY 2005BOHUNOVSKY, R. Imagens de uma língua: reflexões sobre o ensino de alemão como língua estrangeira no Brasil. Pandaemonium Germanicum, São Paulo, n. 9, 327-344, 2005.: 333). Neste texto identificamos a figura de uma garota seminua alemã-brasileira caricata que retoma a ideia essencialista da eufemística narrativa nacional brasileira de mestiçagem.

Nas próprias experiências com livros didáticos atuais como docente de língua e cultura alemã em um instituto privado de língua e cultura alemãs no Rio de Janeiro, Niterói e no formato online nos últimos doze anos, identificamos representações das culturas alemãs e do outro cultural estrangeiro menos estereotipadas. Nos referimos ao próprio material empírico do nosso diário etnográfico entre 2012-2024 em uma metodologia etnográfica multissituada (MARCUS 1995MARCUS, G. E. Ethnography in/ of the world system: the emergence of multi-sited ethnography. Annual Review of Anthropology, n. 24, 95-117, 1995.; 2011MARCUS, G. E. Multi-sited ethnography: five or six things I know now about it now. In: COLEMAN, Simon; VON HELLERMANN, Pauline. Multi-sited ethnography: problems and possibilities in the translocation of research methods. London: Routledge, 16-34, 2011.) para analisarmos traduções culturais das línguas alemãs dentro e fora de sala de aula. No estudo do nosso material didático visualizamos a exclusão de temas como o período colonial, o nazismo e o holocausto. Registramos a quase omissão de Luxemburgo e Liechtenstein, com poucas referências aos vizinhos folclorizados da Suíça e da Áustria. Igualmente, percebemos que se desenha a imagem de uma Alemanha idealizada, com poucas exceções.

Trabalhando com os textos didáticos em sala de aula, relatamos no nível de iniciante A2.2 do livro Menschen o suposto costume alemão de assistir semanalmente a série policial Tatort em barzinhos, e sobre uma viagem de motocicleta de um casal alemão para Romenia que levou a discussões gerais sobre segurança pública em aula. Identificamos ainda a figura artificial de Paul, um outro cultural não especificado. Observamos que ela serve como estratégia de marketing que liga o desejo de aprender alemão ao desejo romântico, criando múltiplas possibilidades de identificação que repercutem nas reações dos alunos em aula. Igualmente, percebemos estratégias psicolinguísticas afetivas interculturais ao se perguntar pelo processo de aprendizagem de alemão dos alunos e ao se referir à palavra preferida de uma estudante espanhola.

Nas experiências empíricas de ensino no nível B1.1 com o livro didático de alemão Menschen da mesma série, identificamos uma unidade na qual uma jovem alemã vai cursar arqueologia na Bulgária, o que evoca o clichê da Alemanha rica em que as pessoas podem estudar onde e o que quiseram. Além disso, no nível de B1.2 do mesmo livro, encontramos um exemplo sobre um erro de tradução em um cardápio, que faz clientes alemães ridicularizarem a garçonete estrangeira, o que foi criticado pelos alunos em sala de aula. O último exemplo é reforçado por um outro, no qual se evoca a polissemia errônea em alemão, que liga a origem difusa asiática a um continente ocupado por animais perigosos, o que foi confirmado pelos questionamentos dos alunos em aula.

No ensino do nível C1.2 de proficientes com a publicação Sicher, achamos um registro de homogeneizações culturais em que alemães são representados como diretos e chineses como indiretos. Quando um aluno levantou uma questão sobre regionalismo em sala de aula, as questões transculturais de tradução cultural foram tratadas de forma complexa. No mesmo nível C1.1 e 1.2, identificamos também registros em algumas unidades sobre estrangeiros que vivem nos países de línguas alemãs para realizarem seus sonhos, que interpretamos como forma de eurocentrismo.

Finalmente, nas aulas do nível C2 com o livro erudito Auf neuen Wegen, registramos textos complexos com falta de contextualização cultural, como a parodia de um monologo do Fausto de Goethe e um texto sobre choques culturais. Como nos exemplos anteriores, foi a tradução cultural dos exercícios que levou ao aprofundamento transcultural da matéria, condensado na analogia de uma aluna carioca descrevendo as férias no próprio país, em Recife, como choque cultural. Observamos nesse ponto como os alunos conseguem desconstruir grandes unidades monolítico-culturais nacionais, como “Brasil” ou “Alemanha”, e readaptando-as nas próprias traduções culturais.

Podemos constatar que os livros didáticos analisados oferecem uma certa variedade temática, e ao mesmo tempo identificamos limitações nas representações do culturalmente outro estrangeiro, e nas traduções culturais dos países e pessoas das línguas alemãs. Uma maior complexidade a respeito conseguimos através das trocas e negociações culturais em aula.

Desse modo, acrescentamos na última parte do artigo formas dinâmicas de traduções culturais além dos livros de texto. Apresentamos experiências com palestras culturais sobre temas atuais dos países de línguas alemãs, uma excursão à cidade fundada por imigrantes suíços e alemães de Nova Friburgo, aulas de conversação sobre temas culturais do cotidiano e o filme alemão (do cineclube do instituto cultural) A Massai Branca que se passa no Quênia. Descrevemos os resultados do diálogo em português e as aulas de conversação e cultura em alemão a respeito do colonialismo alemão na África e do racismo na linguagem cotidiana, e ligamos, assim, o Weltwissen na língua materna com o novo vocabulário na língua estrangeira. Por iniciativa de uma aluna, acrescentamos uma aula sobre desejos e desconstruções neocoloniais alemãs com uma atividade que pergunta quando uma pessoa é ou se torna estrangeira, além de colocações identitárias fixas como “nós” e “eles”.

Com as atividades analisadas, criamos uma zona dinâmica de contato interconectada e multimodal afetiva com novos conhecimentos e desconstruções de estereótipos, exemplificado pela forma corrente no imaginário alemão de homogeneizar erroneamente a África como se fosse um país e não um continente.

Gostaríamos de destacar que falta pesquisa sobre a conexão entre as estratégias de marketing das editoras dos livros didáticos, as equipes responsáveis para a composição dos livros e os respectivos autores para visualizar as relações da colonialidade do saber e seus nexos contextuais e institucionais, como observamos no caso da figura de Paul e a não especificada origem de várias outras pessoas estrangeiras, também observado na figura do asiático Pheung. Podemos sugerir para “traduzir” mais profundamente essas informações e sua função como múltiplas projeções culturais generalizadas.

Em síntese, no presente artigo, mostramos o quanto é importante ir além do mero ensino com livros didáticos em sala de aula. Em outros termos, ressaltamos a criação de zonas de contato culturais multimodais e interconectadas afetivas com a língua alemã além das simplificações culturais e do eurocentrismo. Sugerimos para isso uma aprendizagem transcultural para entender, reconhecer e valorizar o culturalmente outro estrangeiro, inclusive as diferenças regionais. Muitas vezes, ele já se encontra fragmentariamente dentro de nós mesmos e vice-versa, o que destacamos através dos processos de tradução cultural. Consequentemente, a tradução cultural sempre deveria ser aplicada em uma ótica de tradução transcultural.

Para terminar, não devemos nos esquecer da sombra colonial e escravista no Brasil, que impossibilita muitas pessoas excluídas desta sociedade desigual, aprenderem uma língua estrangeira. Com menos probabilidade ainda quando se trata da língua alemã, que requer uma preparação específica e carece de uma respectiva infraestrutura pedagógica no país. Portanto, não gostaríamos de concluir, sem antes ressaltar inovadores projetos escolares, como o multilíngue “Criança Global”, em que os alunos podem estudar alemão em três escolas públicas no Rio de Janeiro com enfoque especial em competências culturais desde 201827 27 O ensino ocorre em regiões periféricas, particularmente com famílias de baixa renda (VAZ FEREIRA; MARQUES SCHÄFER; BOLACHO FILHO SANT’ANNA, 2022: 8), entre eles o CIEP Professor Darcy Ribeiro em Campo Grande (VAZ FEREIRA; MARQUES SCHÄFER; BOLACHO FILHO SANT’ANNA, 2022: 8, 20). .

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  • DIE WEISSE MASSAI. Filme, Constantin Film, 2005.
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  • Studio D. Berlin: Cornelsen Verlag, 2007.
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  • WEBER, A. D. Former Neighbours, Future Allies? German Studies and Ethnography in Dialogue. Berghahn Books: New York, 2024.
  • WELSCH, W. Transkulturalität, Realität und Aufgabe. New Academic Press: Wien, 2017.
  • 2
    Um grande agradecimento ao meu chefe Ricardo Freitas, aos meus colegas, os meus criativos alunos e os funcionários do Instituto Cultural Germânico. Muito obrigado aos meus colegas do Núcleo de Estudos Território e Resistência na Globalização (NUREG), sediado no departamento de Geografia Humana da UFF e liderado pelo professor Rogério Haesbaert. Gostaríamos também de agradecer muito a minha orientadora de doutorado Ligia Chiappini por discutir o texto e ter ajudado na revisão. Agradecimento também pela revisão das professoras Cleydia Regina Esteves e Erica Schlude Wels e a discussão do texto com Florian Ledesma.
  • 3
    Com o “culturalmente outro”, nos referimos nesse artigo ao estrangeiro, àquele que não procede dos países das línguas alemãs. Essa denominação utilizamos como relacional e relativa ao contexto.
  • 4
    Segundo o educomunicólogo David Buckingham, hoje em dia, quase tudo é de alguma forma mediado (CALIXTO, LUIZ-CARVALHO, CITELLI 2020CALIXTO, D.; LUZ-CARVALHO, T.; CITELLI, A. David Buckingham: a educação midiática não deve apenas lidar com o mundo digital, mas sim exigir algo diferente. Comunicação & Educação, São Paulo, v. 25, n. 2, 127-137, 2020.apudRIAL Y COSTAS 2021bRIAL Y COSTAS, G. Dos novos meios às novas mediações: o ensino remoto nos tempos de pandemia. Comunicação & Educação , v. 26, n. 1, 145-155, 2021b. ).
  • 5
    Onde se iniciou o debate sobre a dinâmica escrita multilocal da cultura no canônico livro de Clifford e Marcus (2016CLIFFORD, J.; MARCUS, G. (orgs.). A escrita da cultura. Poética e política da etnografia. Rio de Janeiro: Eduerj, 2016.) em 1986 com seus desdobramentos precoces na Germanística brasileira (BOLLE 1999BOLLE, W. Etnopoesia. Observações sobre a obra de Hubert Fichte. Pandaemonium Germanicum , São Paulo, n. 3, 15-44, 1999.) até a recepção atual na Germanística nos Estados Unidos (WEBER 2024WEBER, A. D. Former Neighbours, Future Allies? German Studies and Ethnography in Dialogue. Berghahn Books: New York, 2024.).
  • 6
    Vide a compilação de textos canônicos sobre identidade de Althusser, Bhabha, Foucault, Hall, Kristeva, e Lacan, entre outros (GAY; EVANS; REDMAN 2000GAY, P.; EVANS, J.; REDMAN, P. (orgs.). Identity: a reader. London: Sage Publications, 2000. ).
  • 7
    Segundo Haesbaert (2023HAESBAERT, R. Territóririo e descolonialidade: sobre o giro(multi)territorial/de(s)colonial na “América Latina”. Buenos Aires: CLACSO, 2021.: 9) que utiliza tanto “decolonial” quanto “descolonial” para se referir ao conjunto de pensamentos diferentes que combatem a colonialidade.
  • 8
    Manifesto na longa discussão da didática de ensino de língua estrangeira alemã, idealizando a compreensão do culturalmente outro, que se iniciou na década de 1990 (BREDELLA; CHRIST 1994BREDELLA, L.; CHRIST, H. (orgs.). Didaktik des Fremdverstehens. Giessener Beiträge zur Fremdsprachendidaktik. Tübingen: Narr, 1994.).
  • 9
    Lembrando o exemplo de Welsch (2017WELSCH, W. Transkulturalität, Realität und Aufgabe. New Academic Press: Wien, 2017.) sobre transculturalidade, em que o autor destaca que um camponês alemão pode ter mais em comum com um camponês chinês do que este último com um intelectual chinês.
  • 10
    Quer dizer, pretende-se descrever, explicar e negociar as trocas com e sobre o culturalmente outro.
  • 11
    Em instituto privado de ensino de línguas e culturas alemãs, no Rio de Janeiro e Niterói, e desde 2020 no formato online (veja RIAL Y COSTAS 2021bRIAL Y COSTAS, G. Dos novos meios às novas mediações: o ensino remoto nos tempos de pandemia. Comunicação & Educação , v. 26, n. 1, 145-155, 2021b. ).
  • 12
    Um enfoque etnográfico dinâmico de vários ângulos e locais, baseado em observação participante, entrevistas, conversas e pensamentos em relação ao ensino de alemão no Brasil, registrado em um diário etnográfico entre 2012-2024, e já aplicado em estudos anteriores (RIAL Y COSTAS 2021ARIAL Y COSTAS, G. Locating the Favela: Place and Representation in the Marvelous City of Rio de Janeiro. In: KALOGERAS, Y. D.; KARDUX, Johanna C.; MUELLER, Monika; NYMAN, J. (orgs.). Palimpsests in ethnic and postcolonial literature and culture. Cham: Palgrave Macmillan, 143-168, 2021a.; RIAL Y COSTAs 2021bRIAL Y COSTAS, G. Dos novos meios às novas mediações: o ensino remoto nos tempos de pandemia. Comunicação & Educação , v. 26, n. 1, 145-155, 2021b. ). Cabe destacar nesse contexto de “culturalmente outro(s)” minha própria origem, de mãe alemã e pai uruguaio.
  • 13
    Antes do formato online, as palestras e o cineclube ocorreram nas unidades de Tijuca e Niterói do instituto cultural, e nos institutos parceiros no Jardim Botânico, no Leblon e na Universidade Unilasalle em Niterói.
  • 14
    Como se mostra no extenso estudo quantitativo sobre a baixa representatividade de temas ligados à Áustria, Suíça e Liechtenstein nos livros didáticos usados no ensino de alemão no Brasil (VOERKEL, HUANG 2020VOERKEL, J.P.; HUANG, Z. Plurizentrik und DACH-Bezug bei Lehrwerken. Pandaemonium Germanicum , São Paulo, v. 23, n. 41, 24-50, 2020.: 46).
  • 15
    A representante da América Latina da editora Hueber indicou em uma apresentação em Niterói do livro Menschen em novembro de 2018, que a casa editorial não pretendia ofender as pessoas com temas desagradáveis.
  • 16
    Como no livro Studio D de 2007, que contém um artigo sobre o desemprego na Alemanha (SCHMIDT 2017SCHMIDT, C. O livro didático de língua alemã no ensino superior brasileiro: análise de aspectos socioculturais e discursivos. Traços de Linguagem, Cáceres, v. 1, n. 2, 9-26, 2017.: 9).
  • 17
    A ideia surgiu pelo estudo da antropologia do jornalismo de Hannerz (2002HANNERZ, U. Among the Foreign Correspondents: Reflections on Anthropological Styles and Audiences. Ethnos, v. 67, n. 1, 57-74, 2002.), que mostra como eram produzidas as notícias internacionais sobre as regiões diferentes da África em um único escritório.
  • 18
    Bohunovsky (2005BOHUNOVSKY, R. Imagens de uma língua: reflexões sobre o ensino de alemão como língua estrangeira no Brasil. Pandaemonium Germanicum, São Paulo, n. 9, 327-344, 2005.) destaca na sua análise de livros didáticos a falta de estrangeiros e a reprodução de clichês heteronormativos, com o único exemplo de um menino nigeriano no livro Stufen que cozinha. Lembra também das representações monoculturais nos livros didáticos tradicionais de ensino de inglês ou francês do final do século 20 na Alemanha com estereotípicas famílias nacionais como os Pearson para o ensino de inglês, e os Leroc para o francês. Só no decorrer do tempo observamos a inserção de uma família indiana inglesa, os Khan já no começo do século 21. Schmidt (2017SCHMIDT, C. O livro didático de língua alemã no ensino superior brasileiro: análise de aspectos socioculturais e discursivos. Traços de Linguagem, Cáceres, v. 1, n. 2, 9-26, 2017.: 17) ainda faz referência a um senhor japonês que mora na Alemanha no livro didático Studio D. Este livro inovador inclui também várias biografias de estrangeiros e filhos de imigrantes na Alemanha, e mostra também uma aluna negra na capa do livro (Studio D: 2007Studio D. Berlin: Cornelsen Verlag, 2007.).
  • 19
    Todos os nomes dos alunos foram trocados por nomes fictícios para preservar a privacidade deles.
  • 20
    Contamos com poucas referências sobre alemães que vão morar em outros países nos livros didáticos de alemão. Uma exceção é o livro didático Studio D em que consta uma unidade sobre migração, sendo a Alemanha chamada pais de imigração e também de emigração. Nesse texto se apresentam as biografias de um berlinense que emigrou a Noruega, e uma alemã que foi morar na Áustria (Studio DStudio D. Berlin: Cornelsen Verlag, 2007.: 180).
  • 21
    Precisamos levar em conta que para o nível C2 não existe material didático alemão atualizado. O mais moderno, ErkundungenErkundungen. Deutsch Als Fremdsprache C2. Leipzig: Schubert Verlag, 2013., foi publicado em 2013, com tecnologia ultrapassada, ainda em formato de CD.
  • 22
    Inclusive, um colóquio internacional e cineclube junto com o professor titular alemão Marco Bosshard sobre literaturas e filmes do e sobre o holocausto em agosto de 2018 no Instituto Cultural na Tijuca, no Rio de Janeiro.
  • 23
    Faz parte também o reconhecimento do próprio sobrenome suíço de um aluno de Nova Friburgo. O aluno teve a vontade de viajar à Suíça para conhecer seus familiares distantes no Fribourg original suíço que deu o nome à cidade de Nova Friburgo, e que foi fundada por imigrantes desse país.
  • 24
    Podemos relatar outros exemplos desses projetos culturais obrigatórios, como o resumo da tese de doutorado sobre danças frenéticas na Alemanha medieval, a breve apresentação de dissertação de mestrado sobre energias renováveis na Alemanha e na Suíça, um estudo sobre o filme experimental na Alemanha da década de 1920 e outro sobre o rei dos francos Carlos Magno, sendo o aluno o xará dele.
  • 25
    Com estudos práticos sobre a herança colonial no cotidiano, também incluindo a linguagem.
  • 26
    Hoje em dia ainda usado para a área de bens importados em supermercados suíços, como por exemplo a cadeia Migros.
  • 27
    O ensino ocorre em regiões periféricas, particularmente com famílias de baixa renda (VAZ FEREIRA; MARQUES SCHÄFER; BOLACHO FILHO SANT’ANNA, 2022VAZ FEREIRA, M.; MARQUES SCHÄFER, G.; BOLACIO FILHO SANT’ANNA, E. DaF an öffentlichen Schulen am Beispiel eines Projekts in Rio de Janeiro. Pandaemonium Germanicum , São Paulo, v. 25, n. 45, 1-28, 2022.: 8), entre eles o CIEP Professor Darcy Ribeiro em Campo Grande (VAZ FEREIRA; MARQUES SCHÄFER; BOLACHO FILHO SANT’ANNA, 2022VAZ FEREIRA, M.; MARQUES SCHÄFER, G.; BOLACIO FILHO SANT’ANNA, E. DaF an öffentlichen Schulen am Beispiel eines Projekts in Rio de Janeiro. Pandaemonium Germanicum , São Paulo, v. 25, n. 45, 1-28, 2022.: 8, 20).
Editora: Érica Schlude Wels

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2024

Histórico

  • Recebido
    15 Jan 2024
  • Aceito
    06 Jun 2024
Universidade de São Paulo/Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/; Programa de Pós-Graduação em Língua e Literatura Alemã Av. Prof. Luciano Gualberto, 403, 05508-900 São Paulo/SP/ Brasil, Tel.: (55 11)3091-5028 - São Paulo - SP - Brazil
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