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Marcos Filosóficos da Hermenêutica Tradutória1 1 Artigo apresentado ao curso de especialização em Metodologia da Tradução: Língua Inglesa pela Faculdade Frassinetti do Recife (FAFIRE), no ano de 2022, como trabalho de conclusão de curso, com orientação da Profa. Margareth Patápio. Gostaria de agradecer especialmente ao Prof. Dr. Robert de Brose Pires pela revisão e indicações valiosas que em muito enriqueceram este artigo.

The Philosophical Cornerstones of Translational Hermeneutics

Resumo

O artigo propõe-se a apresentar as principais referências teóricas e filosóficas que circunscrevem a pesquisa contemporânea em hermenêutica tradutória, tal qual representada por pesquisadores como Radegundis Stolze, Bernd Stefanink, Larissa Cercel, e muitos outros. Os conteúdos percorridos vão desde uma apresentação histórico-filológica da hermenêutica, passando pelas contribuições de Schleiermacher, Heidegger, e Gadamer, para fornecer os referenciais teóricos que formam o pano de fundo da pesquisa contemporânea em hermenêutica tradutória. A conclusão traz algumas considerações sobre o lugar da hermenêutica na pesquisa contemporânea em tradução.

Palavras-chave:
hermenêutica tradutória; hermenêutica; tradução; teoria da tradução

Abstract

This paper aims at presenting the main theoretical and philosophical cornerstones that frame the contemporary research in translational hermeneutics, such as represented by researchers like Radegundis Stolze, Bernd Stefanink, Larissa Cercel, and many more. The topics covered range from the historical-philological origins of hermeneutics to the contributions of Schleiermacher, Heidegger, and Gadamer, so as to illustrate the backdrop against which the contemporary research in translational hermeneutics stands. The conclusion brings some remarks on the status of hermeneutics in contemporary translation research.

Keywords:
translational hermeneutics; hermeneutics; translation; translation theory

1 Introdução

A hermenêutica é uma dentre muitas abordagens nos estudos de tradução. Se pensarmos em casos nos quais a hermenêutica já possui um lugar estabelecido, nós teremos os exemplos das hermenêuticas teológica e jurídica. No contexto do Direito e da Teologia, a hermenêutica ocupa o lugar de uma disciplina responsável por auxiliar na interpretação de textos que possuem uma natureza bastante singular - a sacralidade no caso dos textos religiosos, a força de lei no caso dos textos constitucionais. Tratar-se-ia, portanto, de um método, uma técnica usada na interpretação e no trabalho com textos que exigem um tratamento especial, devido ao contexto de uso e emprego. Por analogia, a hermenêutica tradutória trataria de questões relativas à interpretação no contexto da atividade tradutória.

Como a interpretação textual é um componente essencial de todo e qualquer ato de tradução, a hermenêutica já se encontra de partida no centro da questão em torno da compreensão do que é traduzir. Não à toa a história da hermenêutica e da tradução se misturam desde o início: Stolze (2003STOLZE, R. Hermeneutik und Translation. Tübingen: Gunter Narr Verlag, 2003.: 41) cita a afirmação de Brenner (1998: 5) de que o Ion de Platão foi o primeiro texto a tematizar o problema hermenêutico, uma associação que provavelmente foi feita pela primeira vez por Heidegger (2012HEIDEGGER, M. Ontologia: Hermenêutica da facticidade. Trad. Renato Kirchner. Petrópolis: Vozes , 2012.: 15), e Cercel (2013CERCEL, L. Übersetzungshermeneutik: Historische und systematische Grundlegung. St. Ingbert: Röhrig Universitätsverlag GmbH, 2013.: 23) reconhece a dificuldade de distinguir as origens da hermenêutica e da tradução devido à presença constate da hermenêutica na prática tradutória ao longo da história do ocidente.

O status da hermenêutica no campo mais amplo das ciências em geral é complexo e cambiante. Muitas das críticas feitas a ela fora do âmbito da tradução compartilham dos mesmos pressupostos que as críticas oriundas da área3 4 Cf. Heidegger (2012: 15-20). . Mesmo se estivermos falando apenas daqueles que consideram a hermenêutica como um posicionamento teórico válido, podemos ter aí discordâncias e diferenças grandes.

Este artigo buscará apresentar as temáticas principais abordadas pelos autores tradicionalmente vistos como referência sobre o assunto, bem como as discussões ensejadas pelas obras seminais da hermenêutica. Podemos organizar tais textos e autores em dois eixos temáticos maiores. O primeiro é o que poderíamos caracterizar como uma hermenêutica mais metodológica. Nesse caso a problemática da interpretação e compreensão são desenvolvidas tendo em vista o aprimoramento de uma metodologia científica, ou de uma disciplina normativa, que auxilia no trabalho com textos e discursos; o interesse aqui é buscar meios de fundamentação e validação para a interpretação. O foco é, portanto, discutir a metodologia do trabalho interpretativo com textos, sobretudo no campo das ciências ditas humanas. O outro eixo temático é a hermenêutica filosófica, que, embora seja oriunda e, no limite, vinculada à metodológica, possui posicionamentos críticos em relação a esta. A hermenêutica filosófica é uma filosofia da interpretação que considera a preocupação estrita com a metodologia um empobrecimento do pensamento e vê na linguagem o modo privilegiado de posicionar-se na existência.

A hermenêutica filosófica tornou-se, por bem ou mal, o referencial sobre o tema na contemporaneidade, sobretudo por influência dos trabalhos de Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer. Ela jamais se desvinculou completamente do foco metodológico, ainda que tenha se constituído como uma crítica à racionalidade do método com a obra maior de Gadamer. Todos os autores hermenêuticos estão preocupados, em alguma medida, com a discussão sobre a validade e a verdade daquilo que nós, brasileiros, chamamos de “ciências humanas”, sobretudo em vista das críticas advindas do positivismo lógico do Círculo de Viena, do Empirismo, enfim, das abordagens mais vinculadas às ditas hard sciences, às “ciências exatas”.

O conteúdo foi selecionado tendo em vista os tópicos de hermenêutica que são de interesse para a hermenêutica tradutória. Seguiremos os seguintes passos: (1) apresentação geral da hermenêutica; (2) apresentação da hermenêutica disciplinar ou metodológica; (3) apresentação da hermenêutica filosófica; (4) leituras críticas posteriores.

2 O que é hermenêutica?

A questão sobre a origem, ou o que é hermenêutica, está permanentemente em aberto: o uso explícito do nome para designar uma atividade específica começa na Reforma, porém isso aconteceu como um desenvolvimento de reflexões e elaborações anteriores, desde os primórdios da tradição de pensamento ocidental4 5 Cf. Cercel (2013: 25); Schmidt (2012: 18); Grondin (2012: 17-18). . A palavra hermenêutica tem origem na língua grega, no verbo hermeneuein, que tinha três significados principais: (a) o ato de interpretar o sentido de um enunciado; (b) o ato de expressar algo por meio de palavras; (c) o ato de traduzir um conteúdo linguístico de outro idioma, seja oral ou textualmente. Os latinos traduziram a palavra como interpretatio, então ela está, de fato, na raiz da palavra moderna interpretação 5 6 Cf. Cercel (2013: 23). , porém hoje ela designa apenas o sentido (a), e embora o sentido (b) tenha desaparecido da semântica da palavra, ele não desapareceu do contexto da atividade interpretativa. O sentido (c) aponta para o parentesco de família que há entre a hermenêutica e a tradução, pois as histórias dos dois conceitos se misturam6 7 A dicotomia entre o caráter passivo e ativo da compreensão reaparece na hermenêutica tradutória a partir de algumas diferenças teoréticas entre autores como Schleiermacher e Stefanink, de um lado, que defendem um conceito de compreensão como atividade consciente de construção do entendimento, e Stolze e Paepcke do outro, que abraçam o conceito heideggeriano de verdade como aletheia, uma experiência “passiva” de desvelamento do sentido. Cf. Cercel 2013: 153. .

Na Grécia antiga, a maneira de escrever e utilizar a linguagem de forma correta e elaborada era desenvolvida através da técnica da Retórica - a arte de expressar o sentido através do enunciado. Aristóteles buscou com seu Peri hermeneías (Sobre a interpretação) explicar como se pode expressar corretamente o pensamento através das palavras, o que implicou numa investigação lógica sobre a natureza da proposição. Se hoje nós entendemos a interpretação como uma atividade cujo objetivo maior é a compreensão, o uso no grego antigo implícito do verbo hermeneuein se torna interessante porque dissolve as barreiras entre uma atividade supostamente passiva-receptiva (compreender) e outra supostamente ativa-propositiva (emitir uma proposição, expressar-se), oferecendo uma perspectiva mais dinâmica sobre o fenômeno da linguagem7 8 “The imbrication of hermeneutics and translation is reflected in the historical links between the words associated with these two activities” [A imbricação da hermenêutica e da tradução reflete-se nas conexões históricas entre as palavras associadas a estas duas atividades] (Copeland apud Cercel 2013: 25, tradução própria). .

O uso das palavras hermeneuein e interpretatio aponta para um foco de transmissão de sentido, que é o denominador comum dos três sentidos de hermeneuein, incorporados pelo latim em interpretatio8 9 A palavra arte, aqui, é empregada no sentido antigo, que “incluía o sentido de saber como fazer alguma coisa, que é o significado compartilhado nos termos ‘artes técnicas’ e ‘belas-artes’” (SCHMIDT 2012: 26). . Se, originalmente, a palavra usada para falar de interpretação também se referia ao ato de expressar sentido, como é que chegamos à concepção de que ‘interpretação’ significa apenas a compreensão de um texto? O que ocorreu foi um lento movimento de deslocamento semântico, a partir do surgimento da filologia antiga e do tratamento de textos canônicos. Com a passagem dos séculos, textos canônicos como os épicos homéricos, por exemplo, precisavam ser reatualizados. “Palavras antigas foram substituídas por novas, e onde isto não fosse possível, tornava-se necessário um comentário” (GUSDORF apudCERCEL 2013CERCEL, L. Übersetzungshermeneutik: Historische und systematische Grundlegung. St. Ingbert: Röhrig Universitätsverlag GmbH, 2013.: 25). A questão central era tornar o texto acessível para o leitor. Com a predominância da religião cristã, esta atividade concentrou-se na tradução dos textos religiosos, e observa-se o deslocamento semântico no qual as palavras hermeneía e interpretatio passam a significar exegese, no sentido de um discurso secundário ou suplementar (COPELAND apud Ibidem: 25-26).

Agostinho de Hipona sempre foi a grande referência para toda hermenêutica cristã e dedicou muita letra ao problema da interpretação e tradução bíblicas em vista da problemática da sacralidade do texto. Para o teólogo, o sentido das passagens bíblicas muitas vezes é obscuro, o que põe em xeque a possibilidade de salvação e de orientação por parte do fiel. Isso exige um esforço de interpretação no sentido de trazer às claras o verdadeiro significado do Livro.

Segundo Grondin (2012: 20-21), no livro A doutrina cristã, Agostinho propõe algumas diretrizes (praecepta) interpretativas para a compreensão da Bíblia, tendo em vista os obstáculos linguístico, cronológico e cultural que o Livro impõe para os não-falantes do grego e do hebraico de então. Os conhecimentos de Gramática e de Retórica foram apontados como essenciais por Agostinho para poder distinguir entre figuras de linguagem, tropoi, enfim, solucionar os problemas advindos da não-compreensão estritamente linguística do texto. Evidentemente, a compreensão meramente literal das palavras e frases, se é que possível em absoluto, não é o suficiente para a compreensão textual, e no caso da Bíblia, a obscuridade do sentido poderia ainda estar relacionada a um conteúdo considerado sagrado, revelado ao homem por Deus.

Retomando conceitos e definições da filosofia e da exegese cristã mais primeva, ele elaborou regras de interpretação que foram empregadas até a época de Schleiermacher sem grandes mudanças (GRONDIN 2012: 21). Seria preciso distinguir entre quatro tipos de conteúdo textual na Bíblia: verdades eternas (aeterna), fatos (facta), acontecimentos futuros (futura) e regras de conduta (agenda). Além disso, ele reinterpreta algumas noções tiradas da filosofia grega clássica para afirmar que os signos estão em posição de inferioridade em relação às coisas (res), e que o conhecimento das verdades eternas é o objetivo da ação moral. Isto seria a expressão do amor divino, sobretudo do amor de Deus pelos seres que ele criou. Como os signos dependem das coisas, e, dentre as coisas, a busca e o ensino das verdades eternas significa a ação correta perante Deus, a interpretação que se faz da Bíblia deveria levar em conta este princípio de amor, de modo que todos os ditos (dicta) e signos (signa) contidos no texto Sagrado “devem ser entendidos em vista dessa res essencial” (Ibidem: 21, grifo original do autor). Por isso podemos dizer que Agostinho criou a “primeira” hermenêutica, se podemos assim dizer pensando no sentido filológico da palavra, embora ele mesmo não a tenha utilizado como substantivo.

O uso moderno da palavra hermenêutica começa na Alemanha, com o teólogo protestante Johann Conrad Dannhauer, através da publicação da obra Hermeneutica sacra sive methodus exponendarum sacrarum litterarum, de 1564. Ele latinizou a palavra grega: “O alemão Johann Dannhauer cunhou a palavra latina ‘hermeneutica’. ‘Hermenêutica’ é uma transliteração modificada do verbo ‘hermeneuein’” (SCHMIDT 2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 18). O termo em latim é equivalente às palavras alemãs pré-existentes Auslegungslehre ou Auslegekunst (GRONDIN 2012: 17) isto é, a arte ou técnica9 10 Nesse sentido, a hermenêutica era a reflexão metodológica associada à atividade da filologia. de expor o sentido, trazer às claras aquilo que está escondido, extrair o sentido do texto. Aqui observa-se a cristalização do sentido do que seria uma hermeneía específica, que já não mais seria uma atividade interpretativa em geral, mas aquela que surge diante das características específicas de um texto ou tipo textual, devido ao problema da perda de referenciais semânticos suficientes para a compreensão devido à passagem do tempo e à modificação dos usos linguísticos10 11 “A ideia vem do idealismo alemão: entendemos algo quando apreendemos sua gênese, a partir de um primeiro princípio. Para o romântico Schleiermacher, esse primeiro princípio é a decisão germinal do escritor. Dessa maneira, Schleiermacher confere um aspecto psicológico à hermenêutica” (GRONDIN 2012: 29). . Estabeleceu-se a ideia de que a necessidade da hermenêutica surge diante de um discurso de difícil compreensão, e lentamente o sentido da interpretatio do latim vem a ganhar a ênfase de apreensão do sentido textual.

A hermenêutica teológica proposta por Dannhauer foi elaborada como um método para auxiliar na interpretação, expor o sentido (no original: exponere), com o objetivo de atingir o entendimento, compreender (intelligere) (GRONDIN 2012: 17). Como afirma Grondin (Ibidem: 24-25) os teóricos da hermenêutica sempre se inspiraram na Retórica para elaborar seus preceitos e regras de interpretação, num procedimento de oposição complementar. Por exemplo, a prescrição retórica de estabelecer uma relação de dependência das partes do texto com o sentido geral pretendido é invertida pela hermenêutica enquanto uma regra de interpretação que recomenda interpretar as partes como sendo subordinadas ao sentido geral:

Podemos então distinguir aqui o esforço hermenêutico de explicação do sentido, que remonta do discurso exterior para seu interior, do esforço retórico de expressão que antecede a tarefa propriamente hermenêutica e lhe dá todo o seu sentido: não se pode querer interpretar uma expressão a fim de compreender seu sentido, exceto porque se pressupõe que ela quer dizer algo, que ela é a expressão de um discurso interior (GRONDIN 2012: 18-19).

Dois esforços relativos ao texto: um esforço hermenêutico de interpretação, apreensão do significado, e um esforço retórico de expressão, de construção textual. São duas atitudes, dois movimentos em sentido diferente face a uma mesma coisa - a construção do texto. Podemos dizer então que a hermenêutica hoje busca relembrar aquela compreensão antiga do verbo grego hermeneuein, porque recupera a ideia de que “o processo de interpretação deve [...] inverter a ordem da elocução, ordem que vai do pensamento ao discurso, do ‘discurso interior’ (lógos endiathetos), ao ‘discurso exterior’ (lógos prophorikós)” (GRONDIN 2012: 18). Além disso, como afirma Cercel, (2013CERCEL, L. Übersetzungshermeneutik: Historische und systematische Grundlegung. St. Ingbert: Röhrig Universitätsverlag GmbH, 2013.: 26) nas hermenêuticas contemporâneas o interesse pela atividade tradutória ganha uma nova expressividade, com a proposição de que a tradução deve ter centralidade na discussão sobre a natureza do que é hermenêutica.

3 Hermenêutica Geral

A hermenêutica acabou sendo utilizada também no trabalho com textos jurídicos e com textos de interesse filosófico-cultural do passado greco-latino. Assim surgiram as hermenêuticas jurídica e filológica, respectivamente. Em cada caso, cumpria reunir um corpo de conhecimentos no sentido de auxiliar o trabalho textual, com base em necessidades específicas de cada área, bem como nos conhecimentos das ciências da linguagem de então.

A hermenêutica começou a ser entendida e organizada em uma disciplina unificada devido aos esforços de Friedrich Schleiermacher (1768-1834). O trabalho dele tornou-se referência, em primeiro lugar, por apresentá-la como uma arte geral do entendimento (Kunst des Verstehens), e não mais uma hermenêutica setorial, seja jurídica, teológica ou filológica (SCHMIDT 2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 19). Se até então as hermenêuticas particulares eram “agregados de regras determinadas para objetos particulares” (BRAIDA 2022BRAIDA, C. R. Apresentação. In: SCHLEIERMACHER, F. D. E. Hermenêutica: arte e técnica da interpretação. Trad. e apresentação Celso Reni Braida. 2ª reimpressão. Petrópolis: Vozes, 2022.: 14), agora ela passa a ser entendida como um método geral pelo qual todo ato interpretativo pode conquistar o entendimento, bem como a reflexão sobre a maneira segundo a qual esse método se estrutura - uma metodologia, portanto. Em vez de hermenêuticas particulares, possuiríamos agora uma hermenêutica universal de aplicação geral.

Como afirma Grondin (2012: 26), a universalização da hermenêutica no pensamento de Schleiermacher está em paralelo à possibilidade universal do desentendimento. Por que é preciso um método para interpretar um texto? Não seria necessário apenas lê-lo? Se até então a hermenêutica era encarada como uma técnica de especialistas, para tratar de assuntos muito pontuais, agora sua aplicação é potencialmente irrestrita. Schleiermacher (2022SCHLEIERMACHER, F. D. E. Hermenêutica: arte e técnica da interpretação. Trad. e apresentação Celso Reni Braida. Petrópolis: Vozes , 2ª reimpressão, 2022. ISBN 978-85-326-2188-7.: 27) afirma que há duas atitudes subjetivas possíveis frente ao ato de interpretar: uma atitude distensa, segundo a qual o entendimento surge por si mesmo e o desentendimento é ocasional, exceção, sendo a hermenêutica necessária apenas quando o erro ocorrer; e uma atitude estrita, segundo a qual o desentendimento se produz por si mesmo, sendo necessário sempre buscar o entendimento a partir do desentendimento. A primeira resulta em uma prática lassa da interpretação, na qual a compreensão é entendida como imediata em relação ao texto, sem grandes necessidades de método (SCHMIDT 2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 28-29). A segunda, que ele chama de aplicação hermenêutica, constitui o ponto de partida da boa interpretação:

Tampouco isto [a aplicação hermenêutica] se limita aos casos em que a língua é uma língua estrangeira, mas também na própria língua e, note-se, inteiramente independente dos diversos dialetos nos quais ela eventualmente se decompõe, ou de particularidades que se encontram em um e não em outro, existe para cada um o estranho nos pensamentos e expressões de um outro (SCHLEIERMACHER 2022SCHLEIERMACHER, F. D. E. Hermenêutica: arte e técnica da interpretação. Trad. e apresentação Celso Reni Braida. Petrópolis: Vozes , 2ª reimpressão, 2022. ISBN 978-85-326-2188-7.: 33).

Para Grondin (2012: 26-27) temos aí uma diferença qualitativa na medida em que, se antes o entendimento era tido como espontâneo, intuitivo, agora é o desentendimento que passa a ser tomado como o ponto de partida, e a hermenêutica deve ser posta em prática em todo e qualquer ato interpretativo. Daí, portanto, a preocupação não apenas de universalizar a hermenêutica para qualquer ato interpretativo, seja oral ou escrito, mas de provê-la de um maior aparato teórico-metodológico. Em vez de auxiliar, a hermenêutica passa a ser entendida como condição para todo entendimento digno do nome. A operação hermenêutica seria, portanto, a capacidade de reconstruir o texto a partir de seus próprios elementos, como se o intérprete fosse o próprio autor11 12 Grondin encontra aqui mais uma influência da Retórica sobre a Hermenêutica, pois essa ideia pode ser encarada como um desdobramento de outra mais antiga, advinda da Retórica, na medida em que “todo ato de entendimento é a inversão de um ato de discurso em virtude da qual deve ser trazido à consciência o pensamento que se encontra na base do discurso” (SCHLEIERMACHER apud GRONDIN 2012: 24-25). Schmidt afirma o mesmo: “Schleiermacher contrasta a hermenêutica, enquanto arte da compreensão, com a arte do discurso, que é a retórica, e trata da exteriorização do pensamento. O discurso se move do pensamento interno para sua expressão externa na linguagem, enquanto a hermenêutica se move da expressão externa de volta para o pensamento como o significado dessa expressão” (SCHMIDT 2012: 26). . Também há aí uma proximidade com a tradução - compreender um texto é compreender a sua construção12 13 “Método. Duplo. Através de comparação com outros, e através de consideração em e por si” (SCHLEIERMACHER 1999: 98, grifo original). .

Do ponto de vista da prática de interpretação, Schleiermacher propõe que há dois métodos interpretativos complementares e diferentes operando na base da interpretação textual, são os métodos comparativo e divinatório13 14 “Todo enunciado tem uma relação dupla, com a totalidade da linguagem e com todo o pensamento de seu originador” (SCHLEIERMACHER 2005 apudSCHMIDT 2012: 26-27). . O primeiro busca apreender o particular no texto (as palavras, as frases etc.) a partir das relações que o intérprete pode estabelecer (ex.: uma palavra em relação à frase, uma palavra em relação ao léxico da língua). Funciona por extensão, na medida em que estabelece relações e semelhanças, categoriza e organiza, visualiza as relações estruturantes. Já o método divinatório busca entender as particularidades do texto de forma imediata, sem referência a nada que não a própria coisa interpretada. Ele também envolve tentar “reconstruir quais circunstâncias particulares levaram o autor a sua decisão seminal” (SCHMIDT 2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 44), o que em grande parte envolve entender a intenção comunicativa por trás do texto. Podemos considerar o segundo método como intensivo, na medida em que ele pressupõe que os avanços interpretativos acontecem através de um desdobramento do intérprete em relação ao texto, digamos assim. É o método mais difícil, tanto de ser aplicado quanto de ser explicado. Envolve, por exemplo, a compreensão de inovações linguísticas que não possuem correlato na época de criação ou no passado, expressões que o autor cria, uma prosódia própria ou um estilo próprio. O método divinatório e o comparativo nunca estão desconectados um do outro (SCHLEIERMACHER 2022SCHLEIERMACHER, F. D. E. Hermenêutica: arte e técnica da interpretação. Trad. e apresentação Celso Reni Braida. Petrópolis: Vozes , 2ª reimpressão, 2022. ISBN 978-85-326-2188-7.: 41-42), e os resultados aos quais se chega através do método divinatório precisam sempre ser postos sob o crivo do método comparativo (BRAIDA 2022BRAIDA, C. R. Apresentação. In: SCHLEIERMACHER, F. D. E. Hermenêutica: arte e técnica da interpretação. Trad. e apresentação Celso Reni Braida. 2ª reimpressão. Petrópolis: Vozes, 2022.: 18-19). É preciso saber também que essa conceitualização da interpretação textual é formalista, no sentido de que representa um ideal não-atualizável (ninguém pode ter domínio perfeito de um idioma; ninguém pode conhecer outro indivíduo como se este fosse transparente).

Schleiermacher considerava que a incompreensão advém de dois motivos: um desconhecimento do idioma ou um desconhecimento da utilização que o autor fez do idioma14 15 “Conduzir cada uma [dos tipos de interpretação] individualmente tanto quanto possível, mas também mostrar os pontos de ligação naturais que uma mantém com a outra” (Schleiermacher 1999: 69). . A compreensão de significado linguístico acontece na interpretação gramatical, e a interpretação psicológica envolve compreender a maneira como a língua foi manejada no trabalho de autoria. Os dois métodos devem ser empregados em ambas as formas de interpretação, em etapas sucessivas e reiterativas, da maneira mais independente uma da outra possível15 16 “[...] o sentido não está nos elementos isolados, mas apenas em sua concatenação” (Schleiermacher apud Braida 1999: 17). .

Temos aí, portanto, dois métodos a serem aplicados, e dois focos textuais de atenção. A interpretação hermenêutica se desdobra então em quatro atividades fundamentais: (1) estabelecimento de relações entre os elementos do material linguístico; (2) compreensão intensiva do texto com relação à linguagem presente; (3) estabelecimento de relações entre as formas de utilização da língua do autor e outros autores; (4) compreensão intensiva do uso linguístico autoral em questão (SCHMIDT 2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 30).

Schleiermacher considera a interpretação psicológica como o fundamento para o que ele chama de interpretação técnica. Ao considerar que cada ato de expressão de sentido é único, na medida em que o indivíduo faz um uso próprio da língua, existe a possibilidade de analisar a composição textual (GRONDIN 2012: 26; SCHMIDT 2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 36). A psicológica é subjetiva, não por ser arbitrária, mas por buscar reconstruir a concepção criativa do texto pelo sujeito-autor. Já a interpretação gramatical é objetiva porque a materialidade do texto é dada; é o critério de verdade que baliza a interpretação hermenêutica.

A recuperação objetiva do sentido na interpretação gramatical é guiada por duas regras: (a) “a principal tarefa da interpretação gramatical é [...] conforme o pressuposto conhecimento do significado, encontrar para cada caso o verdadeiro uso que o autor tinha em mente” (SCHLEIERMACHER 2022SCHLEIERMACHER, F. D. E. Hermenêutica: arte e técnica da interpretação. Trad. e apresentação Celso Reni Braida. Petrópolis: Vozes , 2ª reimpressão, 2022. ISBN 978-85-326-2188-7.: 79); (b) inferir o significado dos elementos textuais (palavras e frases) a partir de sua concatenação e lugar na totalidade do texto16 17 “[...] por onde conheço eu o homem senão apenas através de seu discurso, tanto mais que em referência a este discurso?” (Schleiermacher 1999: 93). . Ela também acontece de duas formas diferentes: “a) determinar o significado a partir do emprego dado; b) encontrar o emprego posto como desconhecido a partir do significado” (Ibidem: 76). A interpretação psicológica, como ressalta Schleiermacher, depende igualmente do texto17 18 Schleiermacher diz que “de nenhum estilo se deixa dar um conceito” (SCHLEIERMACHER 1999: 95), ou ainda que “cada emprego é, portanto, apenas um particular, onde a unidade essencial é misturada com um acidental” (Ibidem: 75). , pois assim como o método divinatório precisa passar sob o crivo do comparativo, a interpretação psicológica deve passar sob o crivo da gramatical. Schleiermacher ainda fala de uma interpretação técnica, que pode ser considerada como uma parte ou desenvolvimento da interpretação psicológica, como veremos a seguir.

Visto que a compreensão do caráter individual de uma obra depende da compreensão da gênese da obra através do trabalho de autoria (SCHLEIERMACHER 2022SCHLEIERMACHER, F. D. E. Hermenêutica: arte e técnica da interpretação. Trad. e apresentação Celso Reni Braida. Petrópolis: Vozes , 2ª reimpressão, 2022. ISBN 978-85-326-2188-7.: 87-89), temos na hermenêutica de Schleiermacher uma preocupação com o texto como discurso, como utilização da língua (BRAIDA 2022BRAIDA, C. R. Apresentação. In: SCHLEIERMACHER, F. D. E. Hermenêutica: arte e técnica da interpretação. Trad. e apresentação Celso Reni Braida. 2ª reimpressão. Petrópolis: Vozes, 2022.: 19). Por isso, diz Braida (Ibidem: 19), “o modo de emprego individual, o estilo, não pode ser construído a priori. O seu conceito tem que ser construído caso a caso”18 19 Schleiermacher, Hermenêutica e crítica, vol. 1. Ijuí: Unijuí, 2005 apudSchmidt 2012: 32-33, cotejado com Schleiermacher 1838/I:41. É digno de nota que quase toda a tematização da tradução no contexto da hermenêutica feita até as considerações de Heidegger sobre tradução, por volta dos anos 20-30, lidou sobretudo com a questão da tradução de textos estrangeiros e de outra época histórica, de modo que sempre deu-se atenção ao aspecto de diacronia na aplicação do método gramatical, devido à mudança no uso linguístico observada. Cf. Schmidt Ibid. loc. cit. , sendo ilógico supor a possibilidade de regras para interpretar, enquanto tal, o uso real da linguagem, e Schleiermacher diz a esse respeito:

Talvez toda linguagem possa ser aprendida através de regras, e aquilo que pode ser aprendido dessa forma é mecanismo. A arte é aquilo para o qual admitidamente há regras. Mas a aplicação combinatória dessas regras não pode, por sua vez, ser limitada por regras (apudSCHMIDT 2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 26).

A interpretação psicológica vê o autor como um indivíduo livre que se determina a partir de sua situação (SCHMIDT 2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 37), e Schleiermacher afirma19 20 Cf. Grondin (2012: 31). : “tudo num dado enunciado que requer uma interpretação mais precisa só pode ser determinado através da área linguística (Sprachgebiet) comum ao autor e sua plateia original”. A interpretação psicológica foi por vezes chamada por Schleiermacher de técnica, mas Schmidt afirma que há uma diferenciação da técnica em relação à psicológica, e lista suas quatro etapas gerais: (a) descobrir a ideia motivadora do autor em relação ao texto; (b) identificação da composição e dos meios expressivos utilizados pelo autor, como gênero, p. ex.; (c) identificar qual o processo de pensamento do autor que está na gênese da obra, no sentido da conceitualidade, de como os pensamentos estão organizados entre si; (d) identificar a dinâmica entre o material textual e a vida do autor de maneira geral, do ponto de vista das influências da segunda sobre a primeira. A interpretação técnica, ainda que dependa ou seja uma parte da psicológica, se distingue desta porque busca entender o trabalho de composição face ao resultado da interpretação psicológica, isto é, após a compreensão da dinâmica entre o trabalho de autoria e as circunstâncias de produção (SCHMIDT 2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 27).

Schleiermacher afirma que em todas as operações hermenêuticas, seja qual for o método utilizado, um mesmo princípio está sempre em operação: todo ato de entendimento é uma reconexão de uma particularidade ao todo ao qual ela pertence. Tanto as regras quanto os princípios citados acima são fundamentados nessa concepção dialética. Só é possível compreender o todo através das partes, e só é possível compreender as partes através do todo. Por esse motivo, surge o círculo hermenêutico em sua primeira roupagem20 21 “[...] em toda parte onde importa saber com que exatidão se deve tomar uma série de frases e de que ponto de vista se deve apreender seu encadeamento, então, onde se deve conhecer o todo ao qual elas pertencem. Sim, isto ainda pode ser relacionado ao caso primitivo e deve, por conseguinte, valer universalmente. Para cada articulação encadeada de frases efetiva há, de algum modo, um conceito principal que a domina” (Schleiermacher 1999: 49). , que procura responder à seguinte pergunta: onde começa a compreensão do significado textual, se o conhecimento das partes exige o conhecimento do todo, e vice-versa?

O “todo” de que Schleiermacher fala possui muitos significados, porém se refere ao fenômeno da significação. O “todo” é aquilo que permite que nós compreendamos o significado de uma palavra individual dentro de um texto ou de uma fala21 22 “A linguagem é infinita porque cada elemento é determinável, de modo particular, através do resto dos elementos” (SCHLEIERMACHER apudSCHMIDT 2012: 27). . É o que nos situa em relação àquilo que interpretamos e, sobretudo, representa o grau de compreensão que nós temos do autor ou do falante cujo discurso interpretamos. Schleiermacher ilustra a ideia da seguinte maneira:

a presença imediata do falante, a expressão viva que manifesta a participação de todo seu ser espiritual, a maneira como ali os pensamentos se desenvolvem a partir da vida em comum, tudo isto estimula, muito mais do que o exame solitário de um texto inteiramente isolado, a compreender uma sequência de pensamentos, simultaneamente como um momento da vida que irrompe e como uma ação conectada com muitas outras, mesmo aquelas de gêneros diferentes (SCHLEIERMACHER 2022SCHLEIERMACHER, F. D. E. Hermenêutica: arte e técnica da interpretação. Trad. e apresentação Celso Reni Braida. Petrópolis: Vozes , 2ª reimpressão, 2022. ISBN 978-85-326-2188-7.: 34).

Sempre estabelecemos relações de significado a partir de um referencial22 23 “Todo enunciado tem uma relação dupla, com a totalidade da linguagem e com o todo do pensamento de seu originador” (SCHLEIERMACHER apudSCHMIDT, 2012: 27); “Análise do problema. Ela parte de dois pontos inteiramente distintos. Compreender na linguagem e compreender no falante. A interpretação é arte por causa deste duplo compreender. Nenhum deles se completa por si” (SCHLEIERMACHER 1999: 68). , e, nesse sentido, o intérprete sempre parte de um ponto de vista localizado e individualizado, pois sua capacidade linguística, seja em relação ao idioma, seja em relação às operações conceituais, é determinada pelas possibilidades de sentido da situação histórico-cultural em que vive. A capacidade de interpretar possui, por sua vez, uma tarefa dúplice23 24 “Qualquer usuário de linguagem só pode ser compreendido através de sua nacionalidade e de sua era” (SCHLEIERMACHER apudSCHMIDT 2012: 27). . Como diz Schleiermacher, a interpretação psicológica e a gramatical não são duas formas independentes entre si de praticar a hermenêutica, porém apenas uma mesma atividade, ora vista sob um aspecto do texto, ora sob outro:

Quando nós comparamos os dois [tipos de interpretação], eu diria, veremos antes duas partes e não duas formas da mesma tarefa. Ali onde nós somos detidos pelo estranho da língua, nós empreendemos seguramente investigações sobre esta; mas a língua pode nos ser completamente familiar e nós nos encontrarmos, mesmo assim, detidos pelo fato de não podermos apreender o encadeamento das operações do falante. Se os dois casos ocorrem ambos parcamente, então o problema pode ser insolúvel (SCHLEIERMACHER 2022SCHLEIERMACHER, F. D. E. Hermenêutica: arte e técnica da interpretação. Trad. e apresentação Celso Reni Braida. Petrópolis: Vozes , 2ª reimpressão, 2022. ISBN 978-85-326-2188-7.: 34).

Isso quer dizer que o intérprete sempre precisa de pontos de aproximação com o autor e/ou o texto, dos mais variados tipos, nos mais variados níveis, para poder realizar a interpretação. Do ponto de vista da interpretação gramatical, o “todo” apresenta-se como referencial linguístico, condição de possibilidade de todo e qualquer ato interpretativo. Do ponto de vista da interpretação psicológica, entretanto, não dispomos de nenhum acesso direto ao todo, porque não somos o autor, em primeiro lugar. Quanto mais distantes nós estivermos de sua época, do lugar em que viveu, do idioma em que escreveu, e assim por diante, tanto mais difícil será para nós compartilhar dos mesmos referenciais e capturar a construção do texto24 25 “A intuição nunca chega à comunicação. A mediação é a comparação com a totalidade do domínio linguístico” (SCHLEIERMACHER 1999: 89). .

Por tudo isso, a interpretação psicológica sempre depende da gramatical25 26 “Precisamos compreender como o autor pensava em referência à sua cultura e tempo histórico particulares: o lado psicológico” (SCHMIDT 2012: 30). , como também deveria pressupor um trabalho subjetivo do hermeneuta no sentido de reconstruir subjetivamente a situação comunicativa na qual o texto foi concebido e recebido26 27 “A divisão principal, portanto, fica assim: primeiro a interpretação gramatical, depois a técnica. Gramatical sempre, porque obviamente no final tudo o que é pressuposto e tudo o que se encontra é linguagem” (SCHLEIERMACHER 1999: 69). . É inclusive por esse motivo que, para Schleiermacher27 28 Cf. ainda o capítulo 7 do livro de Schmidt, que expõe algumas das principais críticas à hermenêutica filosófica. , o hermeneuta sempre deve estabelecer a materialidade do texto interpretado como critério último para a hermenêutica. O texto pode sobrepujar o intérprete, no sentido de permanecer inacessível. A combinação, se é que se pode dizer assim, dos dois tipos de interpretação, visa a compreender o texto em sua totalidade - como materialidade linguística e como uso particular da língua. A circularidade hermenêutica vem dessa insuficiência parcial, pois o trabalho hermenêutico nunca é definitivo (SCHLEIERMACHER 2022SCHLEIERMACHER, F. D. E. Hermenêutica: arte e técnica da interpretação. Trad. e apresentação Celso Reni Braida. Petrópolis: Vozes , 2ª reimpressão, 2022. ISBN 978-85-326-2188-7.: 47), no sentido de que novas interpretações e traduções sempre são necessárias e possíveis, e isso não é, em si mesmo, uma característica que impede a verdade e a validade da atividade hermenêutica.

Braida (2022BRAIDA, C. R. Apresentação. In: SCHLEIERMACHER, F. D. E. Hermenêutica: arte e técnica da interpretação. Trad. e apresentação Celso Reni Braida. 2ª reimpressão. Petrópolis: Vozes, 2022.: 18) afirma que, segundo a compreensão de Schleiermacher, o processo de interpretação movimenta-se em circularidades, não é monolítico nem unívoco. Conscientemente ou não, nós realizamos inúmeras operações de construção de sentido e significado diferentes. O objetivo da hermenêutica de Schleiermacher é apontar caminhos de operar a construção de sentido textual de forma mais racional. Nós podemos representar a relação entre os métodos e os tipos de interpretação de forma resumida e geral segundo a seguinte tabela:

Tabela 1
Diagrama combinatório dos métodos e tipos de interpretação segundo Schleiermacher.

A hermenêutica de Schleiermacher ganhou reconhecimento e importância, e foi tida por muitos como a base de todas as ciências histórico-filológicas, como A. Boeckh (1785-1867), J. G. Droysen (1808-1884) e Wilhelm Dilthey (1833-1911) (BRAIDA 2022BRAIDA, C. R. Apresentação. In: SCHLEIERMACHER, F. D. E. Hermenêutica: arte e técnica da interpretação. Trad. e apresentação Celso Reni Braida. 2ª reimpressão. Petrópolis: Vozes, 2022.: 7). Causou, ainda, um impacto enorme para os tradutores e é a pedra fundamental da hermenêutica tradutória. Dilthey também possui lugar importante na história da hermenêutica, mas em geral passa despercebido por aqueles que estudam a relação desta com a tradução. Dilthey foi um dos primeiros teóricos que tentaram fundamentar as ciências humanas diante de críticas advindas das ciências exatas (GRONDIN 2012: 33). Ele tenta mostrar o solo comum onde se originam todas as ciências, independentemente de seu tipo, e ressalta a especificidade da ciência humana em geral, que não tem a mesma função das ciências naturais, mesmo quando trata dos mesmos objetos. O que distingue as ciências humanas, de inspiração hermenêutica, é justamente o fato de que todas elas tratam de vivências, e não de realia objetiváveis. Tratar-se-ia, portanto, de uma diferença fundamental de perspectivas, o que precede todo aspecto metodológico.

Assim, a crítica de falta de objetividade seria inadequada, entre outros motivos, por considerar que os dois tipos de ciência possuem a mesma função, quer dizer, as expectativas de conhecimento envolvidas nas ciências naturais são completamente diversas, porque as ciências humanas tratam do ser humano em seu modo de ser, na medida exata em que é humano, e não um objeto qualquer cujas propriedades devem ser descritas para balizar a utilização e manuseio segundo o cálculo racional. Os pesquisadores contemporâneos em hermenêutica tradutória consideram que o ponto forte da abordagem é justamente esse, tendo em vista o contexto atual da pesquisa em tradução no qual o indivíduo que traduz ganha cada vez mais centralidade do ponto de vista da teoria (STOLZE 2003STOLZE, R. Hermeneutik und Translation. Tübingen: Gunter Narr Verlag, 2003.: 37-39).

Como foi dito antes, a hermenêutica ainda hoje é vista por alguns como uma reflexão metodológica. Essa tendência é filiada à concepção de Dilthey e não está em oposição absoluta à compreensão filosófica da hermenêutica. No entanto, para aqueles cujo trabalho aí se inclui, como Emilio Betti ou E. D. Hirsch, a razão de ser da hermenêutica não deve perder de vista a fundamentação metodológica da atividade interpretativa e/ou das ciências humanas (GRONDIN 2012: 35)28 29 Schmidt afirma que o curso foi assistido por Gadamer. Cf. Schmidt (2012: 81). . A hermenêutica filosófica, por sua vez, também é associada a Dilthey, a partir da ideia de “que o entendimento e a interpretação não são apenas procedimentos característicos das ciências humanas, mas traduzem uma busca de sentido e de expressão ainda mais originária da própria vida” (Ibidem: 35). Essa noção foi desenvolvida pela hermenêutica filosófica num sentido muito diferente de uma metodologia científica.

4 Hermenêutica Filosófica

Martin Heidegger (1889-1975) foi um dos filósofos mais influentes do séc. XX e o primeiro a ver na hermenêutica a possibilidade de uma filosofia que ultrapassava uma reflexão sobre metodologia científica. Os primeiros passos para isso são dados no curso Ontologia - Hermenêutica da Facticidade (1923)29 30 “não e nunca primordialmente enquanto objetualidade da intuição e da determinação intuitiva, da mera aquisição e posse de conhecimentos disso, mas ser-aí está aí para si mesmo no como de seu ser mais próprio” (HEIDEGGER 2012: 13, grifos originais). , que posteriormente foi publicado como livro. Ali encontra-se uma reflexão de base modal e não objetal30 31 Cf. Schmidt (2012: 82-83). , porque nela o filósofo faz um convite a nos reposicionarmos existencialmente31 32 Cf. Heidegger (2012: I 1 §3). , quer dizer, o objetivo dela é proporcionar um novo modo de ver-se na existência, e não construir conhecimentos sobre um objeto que por acaso é a existência humana. Nessa discussão, o problema da interpretação tem um lugar central; Heidegger considera que nós somos seres essencialmente interpretativos, pois nosso lugar e atividade no mundo é, por um lado, estruturado pelo modo como interpretamos o mundo, e por outro, nossas possibilidades de vida também dependem das interpretações que nós carregamos enquanto legado cultural32 33 A palavra designa ‘intenção’ no uso comum do alemão. “A interpretação opera no ser na direção de uma totalidade de relevância que já foi compreendida” (HEIDEGGER apudSCHMIDT 2012: 108-109). .

Diante deste reconhecimento do caráter eminentemente interpretativo da existência, o trabalho da interpretação (Auslegung) não pode ser reduzido a uma lida compreensiva dos objetos, mas antes o “estar desperto do ser-aí para si mesmo” (HEIDEGGER 2012HEIDEGGER, M. Ontologia: Hermenêutica da facticidade. Trad. Renato Kirchner. Petrópolis: Vozes , 2012.: 21, grifo original). O que nos interessa é o conceito apresentado por Heidegger, que aqui está sendo apresentado fora do contexto original no qual ele foi desenvolvido. Como nota Grondin (2012: 46-47), há uma perspectiva nova sobre o entendimento, pois se até então ele era visto como o intelligere escolástico, a intelecção de um objeto ou ideia, Heidegger designa-o como uma capacidade;

[...] ele recorre à locução alemã sich auf etwas verstehen, que quer dizer “entender-se sobre algo”, “ser capaz de algo” [...] Entender, portanto, é poder algo e o que é “podido” nesse poder é sempre uma possibilidade de si mesmo, um “se-entender”.

Entre outras coisas, isso quer dizer que nosso entendimento é um movimento que parte de possibilidades já possuídas (SCHMIDT 2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 144). Daí a importância da interpretação: é somente através da interpretação explicativa (Auslegung), entendida como tarefa hermenêutica de busca pelas possibilidades autênticas de existência, que Dasein é capaz de apropriar-se dos projetos de entendimento e antecipação de significação, sendo assim arrancado do esquecimento de si, abrindo-se à possibilidade de assumir uma postura autêntica perante a possibilidade de ser que é sua. O lugar da interpretação aí não seria somente o de chegar a uma primeira compreensão sobre uma situação de fato, mas só se realiza mais plenamente na medida em que esta compreensão à qual nós chegamos é posta ela mesma em pauta, quando nós começamos a refletir sobre como é que nós estamos interpretando o mundo, sobre a nossa própria maneira de pensar. Grondin (2012: 47-48) comenta com precisão:

Heidegger está recorrendo aqui ao conceito que define a tarefa clássica da hermenêutica, a tarefa de interpretação, mas conferindo-lhe um sentido inédito. A interpretação é exatamente, dirá ele, a explicitação do entendimento. Heidegger está jogando aqui com o termo alemão Auslegung, que quer dizer interpretação na linguagem corrente, mas cuja construção evoca a ideia de um desbastamento ou de uma explicitação.

Cumpre listar os dois deslocamentos operados pela reflexão heideggeriana em relação à problemática clássica da interpretatio: (1) não se trata mais de apenas trazer à luz o conteúdo do texto ou a intenção do autor, porém permitir à facticidade apropriar-se da intenção do projeto de sua existência; (2) a interpretação não é mais o processo e o entendimento, seu resultado, sendo antes o esclarecimento crítico de um entendimento em relação aos projetos de antecipação de significado do mundo, dos quais o entendimento depende, como nas palavras de Grondin (2012: 48): “Primeiro, vem o entendimento, depois sua interpretação, na qual o entendimento vem a se entender a si mesmo, a se apoderar de suas antecipações”.

Heidegger tenta fazer uma descrição da estrutura da compreensão que é preciso ser interpretada. Em Ser e tempo, ele define as seguintes estruturas da compreensão que estão na base, antecipam o conhecimento que será construído por nós: (a) pré-saber (Vorhabe), porque a compreensão acontece num horizonte ou perspectiva próprios33 34 “[A compreensão] sempre ocorre sob orientação de uma perspectiva que fixa aquilo em cuja visão o que foi compreendido deve ser interpretado” (Heidegger apud Schmidt 2012: 109). Schmidt (Ibidem: 109) diz ainda: “Heidegger usa implicitamente o significado comum de Vorsicht, que é ser cuidadoso ou precavido, para indicar que a perspectiva escolhida por Dasein para desenvolver a interpretação implica numa necessidade de ser cuidadoso”. , (b) pré-visão (Vorsicht), pois pressupõe-se um haver-se com o objeto, um tipo de tratamento compreensivo específico34 35 ‘Conceitualidade’ indica aqui o conjunto de conceitos que influenciam a apreensão que o indivíduo tem do mundo. Em geral, ela é utilizada para referir-se à estrutura conceitual sócio-histórica que configura a experiência de um indivíduo em relação aos fenômenos. P. ex.: é sabido que a primeira exibição do filme A chegada de um trem na estação, dos irmãos Lumière, causou uma comoção na sala de cinema, porque as pessoas ficaram com medo de que o trem representado na tela passasse por cima delas. Esse exemplo é perfeito na medida em que mostra que a conceitualidade não diz respeito a um conceito que temos conscientemente, mas antes, à estrutura conceitual intersubjetiva característica de uma época e situação social. , (c) pré-apropriação (Vorgriff), pois todo entendimento é possibilitado por uma conceitualidade35 36 “Os conceitos podem ser apropriados para os seres que estão sendo interpretados, ou podemos tentar forçar os seres para conceitos inapropriados” (SCHMIDT 2012: 109). que lhe é anterior, que antecipa o que poderá ser entendido e que não é inofensiva, universal, nem inquestionável36 37 Cf. Grondin (2012: 55-56); Schmidt (2012: 189-242). . Diz Grondin: “o propósito da interpretação explicitante [...] é destacar para si mesma a estrutura de antecipação e o que ela implica” (GRONDIN 2012: 49). Como afirma o autor (Ibidem: 50), estas considerações não são elaboradas tendo em vista a compreensão de um texto: “não se trata de interpretar um texto ou o pensamento de um autor, mas de elucidar o pré-entendimento da existência, a fim de determinar se ela provém de uma apreensão autêntica ou não”.

Aqui voltamos à temática do círculo hermenêutico, porém já não mais ao modo de Schleiermacher. O fundador da hermenêutica colocou em pauta o problema do conhecimento prévio ao apontar para a necessidade do intérprete de compreender como o sujeito-autor é influenciado pela língua e pelo momento histórico em que está inserido (CERCEL 2013CERCEL, L. Übersetzungshermeneutik: Historische und systematische Grundlegung. St. Ingbert: Röhrig Universitätsverlag GmbH, 2013.: 166), porém foi Heidegger quem ofereceu conceitos que permitem um desenvolvimento melhor da questão. Se todo entendimento é oriundo de um determinado posicionamento e modo de compreender, como podemos saber qual é verdadeiro e qual é errado? Qual é justo e qual injusto? Será que o entendimento, compreendido a partir do círculo heideggeriano, não seria apenas a elaboração dos preconceitos e opiniões do intérprete? Como poderia haver uma imparcialidade científica nessas condições? Como diz Grondin (2012: 50), esse é o problema clássico da hermenêutica filosófica, e a este respeito aconteceram debates intelectuais importantíssimos ao longo do século XX, sobretudo entre os filósofos Hans-Georg Gadamer, Jacques Derrida e Jürgen Habermas37 38 “Segundo Heidegger, todo entendimento se eleva contra o fundo de algumas antecipações, ditadas pelo cuidado da existência consigo mesma. A existência se entende, então, a partir de certo saber, de certa intenção e segundo determinada conceitualidade. Trata-se de outra maneira de dizer que não existe tabula rasa do entendimento. Ora, contudo, é esse ideal da tabula rasa do entendimento que a metodologia científica quis impor à hermenêutica do séc. XIX, especialmente em Dilthey: a hermenêutica passa a ser entendida como a disciplina que deve rejeitar o subjetivismo da interpretação, a fim de fundar a pretensão da objetividade das ciências humanas. Aqui se pressupõe que não se pode entender ‘objetivamente’ a não ser que sejam descartados os pressupostos do intérprete e de sua época” (GRONDIN 2012: 50, grifos originais). .

Segundo Heidegger, este problema é fruto de uma visão em si mesma enviesada38 39 Bultmann, R. Le problème de l’herméneutique, 1950, Foi et compréhension, T. I. Paris: Le Seuil, 1970, 604 apud Grondin (2012: 57). , visto que, para cumprir com as suas exigências, o entendimento não poderia mais ter relação com a existência do intérprete. Quando nós partilhamos desta visão, estaríamos deixando de ver, segundo ele, que, na verdade, o entendimento nunca aconteceu fora das possibilidades existenciais concretas do intérprete, o que envolve as estruturas de antecipação do significado. Como diz Grondin, a tarefa da hermenêutica não é, para Heidegger, escapar à circularidade do entendimento, mas sim “não [...] ceder a preconceitos arbitrários, [...] elaborar a estrutura de antecipação do entender a partir das próprias coisas”. Ou seja, não se trata de tentar escapar ao círculo supostamente vicioso, e sim pôr os próprios pré-juízos à prova na relação com o objeto do entendimento.

Como Grondin (2012: 55) afirma, mesmo que tais ideias tenham sido elaboradas sem ter em vista o trabalho com textos, discípulos de Heidegger, como Rudolf Bultmann e Paul Ricoeur, mostraram de que modo a hermenêutica filosófica incide sobre a interpretação textual. Bultmann questiona a concepção de Dilthey, pois ela seria um mascaramento da intenção e do sentido do esforço de entendimento elaborado pelo intérprete. Desse modo, não se trataria apenas de reconstruir o acontecimento de criação que ocorre na subjetividade do autor, mas sim concentrar os esforços de interpretação na coisa a ser compreendida, segundo uma pergunta e um modo de olhar próprios ao intérprete:

Um entendimento, uma interpretação está [...] sempre orientada por uma pergunta determinada, por uma intenção precisa. Isso implica que ela jamais existe sem uma pressuposição ou, para falar mais exatamente, que ela é sempre guiada por um pré-entendimento da coisa sobre a qual ela interroga o texto39 40 “O pré-entendimento do intérprete não deve ser eliminado, em nome de um ideal metódico de hermenêutica, ele deve antes ser elaborado para si mesmo e questionado [...] torná-lo consciente, Bultmann esclarece, é prová-lo pelo texto, fazer com que o entendimento possa ser questionado pelo texto. [...] Uma revisão do entendimento é sempre possível e é ela o produto do trabalho de interpretação” (Grondin 2012: 58-59). .

A questão fundamental da hermenêutica com relação ao texto deveria ser posta não a partir da escrita do texto enquanto resultado da psicologia do autor, em que o intérprete deveria despir-se dos seus preconceitos e visão de mundo, mas, antes, como um posicionamento em direção ao texto visto como coisa (Sache), quer dizer, como uma categoria explicativa que se sustenta por si mesma, e que contém a sua própria intencionalidade. Essa pergunta que o intérprete direciona ao texto é vital (BULTMANN apud GRONDIN 2012: 57-58).

A crítica de Bultmann dirige-se contra uma tendência psicologizante e estetizante, que compreende tanto a construção quanto a interpretação do sentido de um texto como sendo um processo determinado pela individualidade e subjetividade do autor. Entender verdadeiramente um texto não é apenas compreender o sentido textual das palavras, nem muito menos compreender quais eram as intenções e sentimentos do autor no ato de sua criação. Não, interpretar um texto corretamente significa, como diz Grondin (2012: 58), “apreender uma possibilidade de existência”. Só entendemos um texto quando participamos dele.

O papel da hermenêutica, portanto, é permitir ao intérprete apropriar-se conscientemente do processo do entendimento, de modo que o círculo hermenêutico aconteça da maneira mais autêntica possível, isto é, que, através da apropriação hermenêutica das estruturas do pré-entendimento, permita-se ao texto questionar o entendimento do intérprete. Que o próprio texto, e não seu autor, ponha o entendimento à prova40 41 “Se, com isso, Bultmann demonstra ter apreendido perfeitamente a estreita ligação entre o entendimento e a interpretação-explicitante em Heidegger, seu mérito é o de ter sido o primeiro a aplicar expressamente a concepção heideggeriana do círculo hermenêutico às questões mais tradicionais da hermenêutica [...] ele antecipava a concepção do entendimento própria da hermenêutica filosófica de Gadamer (o entendimento como aplicação) e de Ricoeur (o entendimento como abertura de mundo)” (Grondin 2012: 59). . Assim, o processo de interpretação inclui a revisão do pré-entendimento face ao texto. Tendo em vista a já citada ênfase de Schleiermacher na importância da materialidade do texto, esta crítica provavelmente dirige-se muito mais aos comentadores do que ao fundador da hermenêutica.

Jean Grondin faz grandes elogios ao trabalho de Bultmann41 42 “Mesmo que Gadamer mantenha o ideal clássico, e heideggeriano, de um exame crítico dos pré-juízos, parece-lhe ilusório orientar a verdade do entendimento para um ideal de um conhecimento desprovido de todo pré-conceito. Esse ideal não faz justiça, segundo ele, à historicidade constitutiva do esforço do entendimento” (GRONDIN 2012: 69). , mas o continuador mais renomado da hermenêutica de matriz heideggeriana foi Hans-Georg Gadamer, cujo livro Verdade e método é considerado a principal referência da hermenêutica filosófica. As reflexões de Gadamer retomam a problemática da fundamentação das ciências humanas e da interpretação, mas a partir de um ponto de vista diferente. Ele questiona a ideia de que o problema da verdade das ciências humanas poderia ser resolvido através do estabelecimento de uma metodologia segura (GRONDIN 2012: 62-63).

As ideias de Gadamer às quais demos atenção são desenvolvimentos e avanços realizados a partir da filosofia de Heidegger. Gadamer encara as ideias heideggerianas, sobretudo aquela da experiência existencial fundamental da verdade, como referencial para uma releitura da história da hermenêutica, cujo fio condutor seria a filosofia de Hegel (SCHMIDT 2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 141). A partir da ideia heideggeriana das estruturas de antecipação do entendimento, Gadamer propõe que todo conhecimento se desenvolve a partir de condições de possibilidade que envolvem a projeção ou antecipação de sentido pelo sujeito. Gadamer tematiza essa dinâmica como pré-juízos que funcionam como condições para o entendimento. Gadamer faz uma interpretação dos pré-juízos (GRONDIN 2012: 67-72) associados à hermenêutica metodológica, e, por conseguinte, à concepção de verdade enquanto objetividade científica. O problema consistiria na hipótese de que uma metodologia poderia garantir a veracidade do resultado por via de uma recusa a tudo aquilo que não passe sob o crivo de algum método. Gadamer identifica a origem desta posição na ideia iluminista de que a verdade só pode ter origem a partir do que a razão consegue certificar por via do método científico. Por isso, ele utiliza a palavra “preconceito” (Vorurteil no alemão, praejudicium no latim) para referir-se às estruturas da compreensão de Ser e Tempo (Op. cit.: 146-147), o que nos parece uma escolha estilística questionável.

A argumentação gadameriana não busca opor-se ao método científico enquanto tal. O problema consiste em que esse ideal de conhecimento é cego para a historicidade constitutiva de qualquer forma de saber humano, por mais técnico que ele seja. A historicidade configura o ideal de conhecimento de diversas formas. Essa herança, que acontece por via da linguagem, acarreta expectativas de sentido, objetivos, ela traz consigo horizontes de significação que, como Heidegger já propunha, podem e devem ser postos às claras através da interpretação hermenêutica, entendida enquanto interpretação explicitante. No entanto, Gadamer enfatiza, diferentemente de seus antecessores, que a interpretação explicitante possui um limite, que é o horizonte histórico ao qual ela pertence. A historicidade, entendida enquanto o trabalho histórico de sedimentação de ideias, valores, conceitos, saberes, teorias, técnicas, enfim, do conjunto da cultura humana, é algo cujo trabalho e efetividade, em sua totalidade, nunca será explicado ou entendido. Não somos oniscientes e não podemos acreditar que estamos completamente livres da influência do passado histórico que nos é próprio. Tal seria o problema do ideal da objetividade científica através de uma metodologia (GRONDIN 2012: 69). Sobretudo para o caso das ciências humanas, como diz Schmidt (2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 204-205):

[...] o uso de qualquer método deve pagar o preço da [simplificação e abstração], que estreita os objetos sob investigação. Isto pode não ser um problema nas ciências naturais, mas nas ciências humanas isto leva a um estreitamento das relações sociais humanas.

A historicidade do entendimento é um problema central da filosofia de Gadamer, que dá ênfase maior ao papel da historicidade na circunscrição da interpretação hermenêutica42 43 Slavoj Žižek afirma que “os horizontes memoráveis da compreensão (o grande tema da hermenêutica) não podem ser chamados de ideologia”. Cf. a nota nº 6 em (ŽIŽEK 2013: 35). . O esforço crítico da hermenêutica de diferenciar os pré-entendimentos - os que abrem possibilidades reais de entendimento e os que são repressivos ou falsos - consiste justamente em observá-los segundo sua passagem no tempo, isto é, “é o recuo no tempo, a distância temporal, que permite fazer a triagem entre os bons e os maus pré-juízos” (GRONDIN 2012: 70). Grondin faz uma ressalva, entretanto, porque esse posicionamento não tem nada a dizer sobre a hermenêutica do tempo presente. O fato de tentar operar uma revalorização da palavra ‘preconceito’ certamente não contribuiu para a recepção da obra de Gadamer, considerado um autor tradicionalista ou que oferece um aparato teórico que permite a defesa de argumentos arbitrários43 44 “O próprio entender deve ser pensado menos como uma ação da subjetividade do que como uma inserção em um acontecimento de tradição no qual se mediatizam constantemente o passado e o presente. Eis o que se deve reconhecer na teoria hermenêutica, que é muito mais dominada pelas ideias de procedimento e método” (Gadamer, Verdade e método, I, 295 apud GRONDIN 2012: 73). A citação da tradução brasileira: “O compreender deve ser pensado menos como uma ação da subjetividade do que como um retroceder que penetra em um acontecer da tradição, no qual é o que tem de fazer-se ouvir na teoria hermenêutica, demasiado dominada pela ideia de um procedimento, de um método”. (Gadamer 1997/I/[295]: 435-436, grifos originais). . O debate entre Gadamer, Derrida e Habermas é leitura obrigatória para formar uma opinião inicial sobre o assunto.

A compreensão da própria finitude histórica pelo intérprete possui, por outro lado, uma contraparte criativa. A tomada de consciência da própria historicidade por via da Auslegung hermenêutica faz com que vejamos a nossa própria visão de mundo, logo, o entendimento que temos das coisas, como o resultado dessa historicidade44 45 Cf. ainda Schmidt (2012: 152-154). . Nossos esforços individuais operam a partir de pré-juízos, antecipações de significado, que Gadamer designa como o horizonte conceitual. Como diz Schmidt (2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 154), “o horizonte denota tanto os limites momentâneos estabelecidos pelo horizonte quanto a ideia de que nosso horizonte se transformará enquanto nos movermos”. O fato de que nossos horizontes de significado sempre são o resultado do trabalho da história também significa que a nossa experiência particular faz parte desse processo, que os nossos esforços interpretativos também fazem parte do acontecer da história. Saber que não é possível sair do próprio tempo abre a possibilidade de encarar o passado a partir do hoje e “traduzir o passado na linguagem do presente, onde se fundem os horizontes do passado e do presente” (GRONDIN 2012: 73). É por isso que toda interpretação verdadeira se reconecta ao passado, no caso da problemática da consciência histórica, mantém e repete o original, no caso da problemática da interpretação textual e da tradução, enquanto falta constitutiva, pois:

[...] não consegue mais distinguir o que provém do passado nem o que resulta do presente. [...] Mas essa fusão do presente e do passado também é, mais fundamentalmente, a do intérprete com aquilo que ele entende. [...] o entendimento é uma experiência tão fusional que não se pode mais distinguir facilmente o que provém do objeto e o que deriva do sujeito que entende (GRONDIN 2012: 73-74).

Temos aí a descrição da fusão dos horizontes. O intérprete sempre carrega consigo sua historicidade, porém Gadamer enfatiza: o entendimento só tem sucesso quando conecta aquilo ao que dá atenção ao presente. Nesse sentido, ele está em claro desacordo com Schleiermacher, que, como vimos, considerava o pertencimento histórico do intérprete ao presente como um empecilho interpretativo. Grondin (2012: 74) pergunta: “podemos realmente entender, [...] sem fazer parte do entendimento, sem que o presente esteja nele implicado?”45 46 O próprio Gadamer considera a tradução um caso paradigmático para compreender a hermenêutica: “por mais que o tradutor tenha conseguido entrar na vida e nos sentimentos do autor, a tradução de um texto não é uma simples ressurreição do processo anímico original do escrever, mas uma reconstituição do texto guiada pela compreensão do que se diz nele. Não há dúvida de que se trata de uma interpretação e não de uma simples co-realização. Projeta-se sobre o texto uma outra e nova luz, procedente da nova língua e destinada ao leitor da mesma. A exigência de fidelidade que se coloca numa tradução não pode neutralizar a diferença fundamental entre as línguas. Por mais fiéis que queiramos ser, encontrar-nos-emos colocados diante de decisões errôneas. Se quisermos destacar, na nossa tradução, um traço importante do original, somente podemos fazê-lo deixando em segundo plano outros aspectos ou inclusive reprimindo-os de todo. Mas este é precisamente o comportamento que chamamos de interpretação. Como toda interpretação, a tradução implica uma reiluminação. Quem traduz tem de assumir a responsabilidade dessa reiluminação. Evidentemente não pode deixar em aberto nada que para ele mesmo seja obscuro. Tem de conhecer nuances. É verdade que há casos extremos nos quais o original [...] há algo que realmente não está claro. Mas são precisamente esses casos hermenêuticos extremos nos quais no original [...] os que mostram com mais clareza a situação de tensão e obrigatoriedade na qual sempre se encontra o tradutor. Aqui ele tem de resignar-se. Ele deve dizer claramente como compreende. Mas como se encontra regularmente em situação de não poder dar verdadeira expressão a todas as dimensões de seu texto, isso significa para ele uma constante renúncia. Toda tradução que leve a sério sua tarefa torna-se mais clara e mais fluente que o original. Ainda que seja uma reprodução magistral, faltar-lhe-ão alguns dos sobretons que vibravam junto ao original” (Gadamer 1997 [389-190]: 561-563). . Desse modo, o esforço interpretativo é visto por Gadamer como uma aplicação do presente (o intérprete-hermeneuta) ao passado (o texto). É muito interessante que o próprio Grondin refere-se ao caráter de aplicação do ato de interpretação como uma tradução:

A tradução oferece um belo exemplo daquilo que Gadamer entende por aplicação: traduzir um texto é fazê-lo falar em outra língua. [...] O sentido estrangeiro só pode ser vertido para outra língua se formos capazes de entender. Ao transpor o sentido para outra língua, o texto traduzido vem se fundir [...] com aquele que acaba de traduzi-lo. [...] vemos com isso, sobretudo, que a aplicação comporta seu rigor e sua verdade: não se pode traduzir um texto de qualquer jeito. É o texto estrangeiro que se trata de traduzir, mas isso só é possível quando se aplicam os recursos de nossa língua. Por isso é equivocado associar a aplicação do intérprete a uma forma de arbitrário subjetivo (GRONDIN 2012: 74-75).

O exemplo da tradução aqui não é gratuito, nem foi usado pela primeira vez por Grondin46 47 „Sein, das verstanden werden kann, ist Sprache“ (GADAMER apudSTOLZE 2003: 71, tradução própria). . A hermenêutica de Gadamer se conclui com a proposição de uma hermenêutica geral da linguagem, que aponta para uma possível solução da problemática entre ciências humanas e ciências exatas ou da natureza. Como afirma Grondin (2012: 77), a ideia de que entender algo é ser capaz de traduzi-lo quer dizer, sobretudo, que “não apenas a realização do entendimento é uma expressão pela linguagem, como o objeto do entendimento é ele mesmo linguístico” (grifo original). É esse o sentido do adágio que em geral apresenta a filosofia de Gadamer: “o ser que pode ser entendido é linguagem”47 48 „Die Grenzen meiner Sprache bedeuten die Grenzen meiner Welt“ (WITTGENSTEIN apudSTOLZE 2003: 71, nota 124, tradução própria). . Não haveria, segundo essa ideia, uma apreensão do mundo independente da linguagem, e aqui a hermenêutica concorda com o adágio de Wittgenstein: “os limites da minha língua significam os limites do meu mundo”48 49 “Embora seja muito influente e talvez a publicação filosófica mais importante na teoria da tradução moderna, a obra de Steiner é uma narrativa a ser re-examinada à luz de desenvolvimentos da tradução e da hermenêutica. [...] A interpretação de Steiner funda-se apenas parcialmente na hermenêutica, e [...] é prejudicial à hermenêutica de diversas formas” (Kharmandar In Piecychna et Stolze 2018: 84, tradução própria). “O influente modelo de Steiner exemplifica a permanência do que chamei de política da originalidade e sua lógica de violência na teoria da tradução contemporânea” (Chamberlain, Gender and the Metaphorics of Translation, In Venuti, The Translation Studies Reader, 2004: 320-321, tradução própria). “Considere o tomo gigantesco de George Steiner [...] o livro é pouco mais do que a afirmação repetida de que a tradução é a questão filosófica mais importante atualmente. Como muito do que se vê publicado, é, no geral, bem-articulado, mas somente uma pretensa teoria da tradução” (Frawley, 1984 In Ibidem: 251, tradução própria). Para mais a respeito desse assunto, Agnetta et Cercel, 2019: 365-368. .

As ideias de Gadamer foram traduzidas para nós, tradutores, por George Steiner, no famoso livro After Babel, ainda hoje considerado referência mandatória para o estudo de tradução e hermenêutica. A leitura que Steiner faz da tradição hermenêutica é bastante influenciada pelo pensamento de Heidegger e Gadamer. O livro causou um impacto muito positivo no sentido de reavivar o interesse acadêmico na área pela hermenêutica, foi amplamente citado e conhecido, mas também objeto de várias críticas49 50 “A generosidade radical do tradutor [...] sua confiança no ‘outro’, na alteridade não vivenciada, não mapeada do enunciado, acentua a tendência humana de ver o mundo como algo fundamentalmente simbólico a um grau filosoficamente dramático, no qual relações segundo as quais ‘isto’ pode valer como ‘aquilo’ são constituintes, e que isto deve ser assim, caso alguma vez tenha havido algo como significado e estrutura” (Steiner 1975 In Venuti, 2004: 186, tradução própria). . Steiner propõe uma hermenêutica própria à tradução a partir da temática do círculo hermenêutico (MUNDAY 2016MUNDAY, J. Introducing Translation Studies: Theories and Applications. 4. ed. Londres e Nova York: Routledge, 2016.: 250-258).

Ele tematiza o ato de traduzir em quatro etapas: (1) confiança, que diz respeito à atitude inicial do tradutor em respeito ao texto a ser traduzido - o tradutor pressupõe haver algo de interesse no texto a ser traduzido50 51 “A contribuição de Heidegger consiste em ter mostrado que o entendimento, a cognição, a interpretação são um modo de ataque condensado e implacável” (STEINER 1975InVENUTI 2004: 187, tradução própria). ; (2) agressão, na qual o tradutor, do ponto de vista cognitivo51 52 “O tradutor invade, extrai e traz para casa. O símile é aquele do garimpo que deixa uma cicatriz vazia na paisagem. Como veremos, essa espoliação é ilusória ou é sinal de uma tradução falsa” (STEINER 1975InVENUTI, 2004: 187, tradução própria). , toma o texto de assalto, captura-o e domestica-o52 53 “Aqui, observa-se duas famílias de metáforas, provavelmente relacionadas, aquela da absorção sacramental, ou encarnação, e aquela da infecção [...] Atos de tradução colocam algo ao nosso dispor; nós encarnamos energias e recursos emocionais alternativos. Mas podemos ser dominados e tornados superficiais pelo que nós importamos” (Steiner 1975 In Venuti 2004: 188, tradução própria). ; (3) incorporação, que diz respeito à maneira como o texto traduzido se posicionará na linguagem de chegada53 54 “A moção hermenêutica está perigosamente incompleta [...] se ela não realiza sua quarta etapa” (Steiner 1975 In Venuti, 2004: 188, tradução própria). ; (4) compensação, um momento decisivo54 55 “O decreto de reciprocidade que restaura a ordem da balança é a cruz do métier e da moralidade da tradução [...] O ‘arroubo’ apropriativo do tradutor - a palavra traz consigo, obviamente, a raiz e o significado do transporte violento - eleva o original com um resíduo dialético enigmático. Não há dúvidas que há uma dimensão de perda, de quebra, [...], mas o resíduo também é, certamente, positivo. A obra traduzida é aprimorada [...] a partir das diferentes ordens de distância e relações estabelecidas entre ela e a tradução. A reciprocidade é dialética: os novos formatos de significância são iniciados pela distância e pela contiguidade” (Steiner 1975 In Venuti 2004: 189, tradução própria). Aqui vemos uma aplicação da temática da fusão de horizontes à tradução. , porque realiza a circularidade hermenêutica adequadamente na medida em que garante a paridade do texto de origem ao texto de chegada55 56 É importante notar que esta tese é idêntica àquela defendida por Nietzsche em seu escrito de juventude, Sobre a verdade e a mentira em sentido extra-moral (Über Warheit und Lüge im aussermoralischen Sinne). .

Agnetta e Cercel (2019AGNETTA, M.; CERCEL, L. George Steiner’s After Babel in contemporary Translation Studies. In: Church, Communication and Culture, v. 4, n. 3, 363-369. <https://doi.org/10.1080/23753234.2019.1664922>.
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: 363-365) sumarizam as ideias apresentadas por Steiner, que apresentou uma “descrição totalizante segundo a qual comunicação, entendimento e tradução são quase equivalentes”. A tradução é entendida como transferência ou criação de significado, e nesse sentido, possui uma natureza radicalmente cognitiva, pois nossa apreensão do mundo é “traduzida” na forma de linguagem, o que permite que o significado se torne linguagem, permaneça no tempo e se torne intersubjetivo56 57 Betti, E. Teoria generale della interpretazione, Milão: Giuffrè Editori, 1955. Cf. Grondin (2012: 81). . A linguagem também existe no tempo e no espaço, então além de “traduzir” o mundo, nós também precisamos traduzir entre épocas, lugares e visões de mundo diferentes, o que enfatiza os processos intralinguísticos e intersemióticos. A linguagem nos permite pensar conceitual e abstratamente, e configura a nossa experiência do mundo.

5 A situação da hermenêutica tradutória hoje

Como diz Grondin (2012: 81), as críticas à hermenêutica filosófica contribuíram para tornar o seu sentido mais bem conhecido. Do ponto de vista estritamente hermenêutico, as críticas vieram sobretudo de Emilio Betti, jurista italiano que escreveu um tratado de hermenêutica metodológica57 58 Hirsch, E. D. Validity in Interpretation, Yale University Press, 1967. Cf. Schmidt (2012: 190). , e de E. D. Hirsch58 59 “Agora o significado verbal pode ser definido mais particularmente como um tipo desejado que um autor expressa através de símbolos linguísticos e que pode ser compreendido por outra pessoa através desses símbolos” (HIRSCH apudSCHMIDT 2012: 192, grifo original). , professor emérito da University of Virginia, nos EUA. Autores como Radegundis Stolze, Larisa Cercel, Bernd Stefanink, entre muitos outros, falam de uma Hermenêutica Tradutória, Translational Hermeneutics ou Übersetzungshermeneutik. Como veremos, a preocupação central destes pesquisadores é mostrar como a hermenêutica tradutória é teoricamente sólida e útil para a prática e a(s) teoria(s) da tradução.

A crítica de Betti é direcionada à hermenêutica heideggeriana, porém o debate é realizado com Gadamer. Segundo Betti, a noção de aplicação de Gadamer é prejudicial à hermenêutica, porque ela confundiria o sentido do texto, definido a partir da intenção do autor, com a significância do texto, que é a relação de sentido que o intérprete atual estabelece com o texto (GRONDIN 2012: 82). Isso daria um caráter relativista ou subjetivo à hermenêutica, que careceria então de um critério de validade que garantisse seu estatuto de disciplina normativa. Como afirma Grondin (Ibidem: 83), a réplica de Gadamer não questiona a metodologia em si mesma e propõe uma reflexão para além da metodologia estrita. Nesse sentido, ela de fato “atenuava o alcance da distinção entre a significação (original) e a significância (atual)” porque, na verdade, questionava sobre a possibilidade de compreender o passado fora das antecipações de sentido próprias à nossa época. Isso quer dizer que, para Gadamer, o critério entre significância e sentido, ainda que aplicável, seria limitado pela historicidade.

Hirsch parte do mesmo pressuposto de Betti: o problema da hermenêutica filosófica defendida por Gadamer seria sua incapacidade de propor um critério que dê validade normativa à hermenêutica (SCHMIDT 2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 190-191), pois confundiria o sentido textual intencionado/intentado pelo autor com a significância do texto. Hirsch problematiza a réplica de Gadamer, pois ela incorreria numa ilusão historicista segundo a qual nós não poderíamos compreender um texto do passado porque não poderíamos, a partir de certo ponto, acessar o sentido e significado que o autor poderia ter intencionado/intentado originalmente.

Hirsch retoma a ideia de Schleiermacher de que é a própria linguagem que permite reconstruir o sentido original, porém ele pretende fundamentar essa afirmação na fenomenologia, na medida em que todo ato de comunicação pressupõe um ato intencional por parte do sujeito. Por outro lado, isso não quer dizer que o sentido textual, conquanto intentado pelo sujeito, precise ser único ou unívoco. Assim, Hirsch define o sentido textual como um tipo, e não uma unidade. Como diz Schmidt (2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 191):

[...] é importante perceber que Hirsch afirma que a determinação significa autoidentidade, e não precisão, ou um caráter definitivo [...] aquilo que é desejado é um tipo, e não um indivíduo único. Um tipo é um conceito de classe que contém mais de um indivíduo e é limitado, ou seja, podemos determinar se um indivíduo, uma característica, é um membro do tipo ou não.

Nesse sentido, o intérprete deve objetivar o sentido do texto entendido como tipo, ou seja, não como o único sentido correto ou possível. Ele retoma as ideias defendidas por Schleiermacher e por Dilthey de que a interpretação exige do intérprete um exercício de consciência no sentido de distanciar-se da atitude natural e tentar “adotar [...] a postura do autor [...] para que ele possa ‘intencionar’ com algum grau de probabilidade os mesmos objetos intencionais” (Hirsch apudSchmidt 2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 192). Hirsch retoma, em certa medida, a hermenêutica de Schleiermacher, porque também define o objeto da interpretação como o enunciado, entendido como a expressão, por via de sinais linguísticos, de um sentido intencionado subjetivamente, porém à base de uma fenomenologia do enunciado de matriz husserliana. Como diz Hirsch (apud Ibidem: 193):

O grande problema paradoxal que deve ser enfrentado ao tratarmos dos dois lados da fala é que as normas gerais da linguagem são elásticas e variáveis, enquanto as normas que valem para uma elocução particular precisam ser definitivas e determinadas se quisermos comunicar o significado determinado pela elocução.

Isso quer dizer que os elementos linguísticos, se tomados em separado do uso real e encarados por si mesmos, possuem um número vasto ou infinito de sentido possíveis, porém quando os utilizamos, sempre pretendemos comunicar ou expressar algo determinado, e a hermenêutica sempre buscou justamente ensinar como interpretar o texto enquanto discurso, enquanto comunicação e uso real da língua. Daí a função teórica do tipo segundo Hirsch: todo ato enunciativo pressupõe, com maior ou menor grau de clareza, um tipo linguístico desejado59 60 “The meaning is [...] a potential to be displayed” (tradução própria). , que pode ser acessado pelo intérprete, também com graus maiores ou menores de precisão. Stolze (2012STOLZE, R. The Hermeneutical Approach to Translation. Vertimo studijos, v. 5, 30-42, 2012. <https://doi.org/10.15388/VertStud.2012.5.10557>.
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: 33)60 61 Elas também são oriundas de uma discordância filosófica mais profunda relativa ao conceito de sentido: “Hirsch [...] diz que Husserl identifica corretamente o significado com a intencionalidade da consciência. Gadamer, seguindo a crítica de Heidegger a Husserl, afirma que o significado sempre já está contido nas estruturas prévias da compreensão e é herdado em nossos preconceitos” (Schmidt 2012: 196). Cf. Heidegger 2006 §31. diz: “o sentido é um potencial a ser manifestado”. Como nota Schmidt, as críticas de Hirsch a Gadamer dizem respeito, acima de tudo, à precisão conceitual da hermenêutica diante da necessidade de uma validação normativa enquanto disciplina61 62 Cf. Grondin 2012: 81-128; Schmidt 2012: 189-242. Ambos os autores escrevem capítulos inteiros apenas sobre as críticas e os debates envolvendo a hermenêutica. . Hirsch demonstra uma atitude muito consequente, pois a principal crítica dirigida à hermenêutica filosófica62 63 “Hermenêutica tradutória - cujos fundamentos teóricos foram estabelecidos por Friedrich Schleiermacher, Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer” (PIECYCHNA et STOLZE 2018: 5, tradução própria). e à hermenêutica tradutória é a acusação de relativismo e inconsistência teórica. Isso se deve, sobretudo, à contenda de Gadamer de que nosso uso reflexivo da linguagem é limitado por um horizonte de significado que nos insere em uma tradição. É curioso notar que, na área da tradução, ideias muito próximas à hermenêutica filosófica são apresentadas por autores que tratam do aspecto discursivo do texto, como no trecho seguinte:

Palavras materializadas em textos nunca são uma representação direta de significados. São, no máximo, um registro imperfeito de um evento comunicativo (evanescente) [...] Atividades humanas (incluindo leitura, escrita, escuta, fala, tradução) são sempre dependentes de contexto, e também configuram contextos. Elas não podem ser estudadas ou julgadas independentemente de seus contextos, ainda que estes não sejam finitos e, portanto, são apenas parcial e provisoriamente disponíveis à observação (MASON InHOUSE 2014HOUSE, J. (editado por). Translation: A Multidisciplinary Approach. United Kingdom: Palgrave MacMillan, 2014.: 37).

Todas as afirmações precedentes estão em perfeita sintonia com as ideias de Gadamer e Schleiermacher, por exemplo. Foram publicadas, no entanto, sem nenhum tipo de referência a autores da hermenêutica. Isso aponta para a afinidade real que existe entre a tradução e a hermenêutica, que passa despercebida no geral. O problema das críticas à hermenêutica, especialmente na área da tradução, é que elas deixam escapar o fato de que a hermenêutica filosófica não se opõe ao método ou à normatização científica, como já foi dito. Os estudiosos contemporâneos de hermenêutica tradutória, cuja produção citamos aqui, adotam posturas próximas, ou diretamente influenciadas63 64 Chouarfia, F. Z. Understanding, Interpretation and Engagement in Translation of Political Discourse. InPiecychna et Stolze (2018: 71-82). , pela hermenêutica filosófica e seus autores, buscando, no entanto, criar pontos de contato e diálogo com outros autores e correntes teóricas dos estudos de tradução, em especial a pesquisa cognitiva.

A hermenêutica tradutória, dentro do espectro mais amplo dos Translation Studies, representa uma abordagem holística (PIECYCHNA et STOLZE 2018PIECYCHNA, B.; STOLZE, R. (editado por). CrossRoads: A Journal of English Studies , v. 20, n. 1/2018, Bialystok: Universidade de Bialystok. e-ISSN 2300-6250.: 102-103; BĂLĂCESCU et STEFANINK 2017BĂLĂCESCU, Ioana; STEFANINK, Bernd. A abordagem hermenêutica em estudos de tradução. In: Cadernos de Tradução. Tradução: Diana Fortier. v. 37, n. 3, 21-52, 2017. <https://doi.org/10.11606/issn.2596-2477.i43p135-155>.
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) que modifica a compreensão que o tradutor tem de sua produção textual. Também tem havido um movimento no sentido de mostrar como a hermenêutica tradutória tem aplicação para além da tradução literária ou da teoria da tradução, áreas tradicionalmente associadas a ela (STOLZE 2012STOLZE, R. The Hermeneutical Approach to Translation. Vertimo studijos, v. 5, 30-42, 2012. <https://doi.org/10.15388/VertStud.2012.5.10557>.
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: 34; CHOUARFIA InPIECYCHNA et STOLZE 2018PIECYCHNA, B.; STOLZE, R. (editado por). CrossRoads: A Journal of English Studies , v. 20, n. 1/2018, Bialystok: Universidade de Bialystok. e-ISSN 2300-6250.; Ibidem: 99-106), como a tradução simultânea e a legendagem. Chouarfia aponta para o fato de que todo ato de tradução exige que o intérprete situe o texto em um contexto, e que esse aspecto fica ainda mais evidente quando observamos a tradução oral de discursos políticos64 65 Cf. Cercel (2013: 21). . Na tradução de conteúdo político, a atenção a fatores não-textuais é acentuada, e esse aspecto do trabalho de interpretação já era ressaltado por Schleiermacher, como vimos. A tradução oral possui ainda uma outra característica essencialmente hermenêutica: “Um intérprete simultâneo [...] não tentaria compreender o sentido de cada palavra separadamente, pois o que importa para eles é a frase como um todo e as ideias que ela transmite” (CHOUARFIA In Ibidem: 74), o que nos lembra a atenção hermenêutica ao discurso interior do pensamento.

Como o escopo e os objetivos da hermenêutica tradutória contemporânea excedem em muito a tradução literária65 66 Cf. Stolze (2018: 26). , não demos atenção ao conceito de equivalência filológica66 67 Cf. especialmente a introdução e as págs. 39 e 91. de Schleiermacher - os dois “métodos” -, pois este foi pensado segundo a distinção entre “alta” e “baixa” literatura. A produção acadêmica brasileira sobre hermenêutica tradutória, após uma análise preliminar, revela-se fortemente ligada, justamente, ao aspecto literário desta, e a problemática da interpretação é pouco desenvolvida de forma explícita, sendo citada en passant. As referências feitas dizem principalmente respeito a Ricoeur, Berman, Steiner e Schleiermacher, havendo também algumas menções a Gadamer e outras, raras, a Heidegger. Os poucos trabalhos que divergem desta análise encontrados em nosso levantamento preliminar foram os de Bittencourt (2012BITTENCOURT, Marcelina Júlia Gomes. A tradução no ensino de inglês por meio da interpretação de desenhos de crianças. Dissertação (Mestrado em Estudos da Tradução) - Pós-Graduação em Estudos da Tradução, Universidade Federal de Santa Catarina, 2012.), Coelho (2018COELHO, Fernando. Corpus Iuris Civilis: uma tradução do livro V do digesto hermeneuticamente fundamentada. Tese (Doutorado em Estudos da Tradução) - Pós-Graduação em Estudos da Tradução, Universidade Federal de Santa Catarina, 2018.), Dietze (2021DIETZE, Maitê. Tradução comentada de Autrement dit, de Marie Cardinal: diálogo entre mulheres e a escrita psicanalítica no feminino. Dissertação (Mestrado em Estudos da Tradução) - Pós-Graduação em Estudos da Tradução, Universidade Federal de Santa Catarina, 2021.), Müller (2007MÜLLER, Monika. Aus dem Leben eines Taugenichts: novela de Joseph von Eichendorff, uma tradução comentada. Dissertação (Mestrado em Estudos da Tradução) - Pós-Graduação em Estudos da Tradução, Universidade Federal de Santa Catarina, 2007.), Poll (2001POLL, Margarete Von Mühlen. Bastardo ou filho legítimo: a teoria tradutológica dualista de Friedrich Schleiermacher. Dissertação (Mestrado em Estudos da Tradução) - Pós-Graduação em Estudos da Tradução, Universidade Federal de Santa Catarina, 2001.), Rezende (2023REZENDE, Alice Soldan. A morte e a morte de Quincas Berro D’Água (1961) de Jorge Amado e suas traduções por Shelby (1965) e Boisvert (1961), a partir dos dois “métodos” de Schleiermacher. Dissertação (Mestrado em Estudos da Tradução) - Pós-Graduação em Estudos da Tradução, Universidade Federal de Santa Catarina, 2023.) e Romão (2013ROMÃO, Tito Lívio Cruz. O método de tradução de Friedrich Schleiermacher sob o olhar crítico de Johann Albrecht Karl Schäfer. Tese (Doutorado em Estudos da Tradução) - Pós-Graduação em Estudos da Tradução, Universidade Federal de Santa Catarina, 2013.), todos dissertações ou teses da Pós-Graduação em Estudos da Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina (PGET/UFSC). Além destas pesquisas, também é preciso citar o trabalho do prof. Dr. Paulo Oliveira da Universidade Estadual de Campinas, que pesquisa a intersecção entre tradução e filosofia da linguagem, porém, cujo foco hermenêutico está voltado para o trabalho de Schleiermacher.

Nos demais artigos e textos encontrados, foram observados problemas, como, por exemplo, a equiparação direta entre hermenêutica e exegese/interpretação, o uso inflacionista do conceito hermenêutico de compreensão - todo ato de compreensão “é” uma tradução - e ainda a aplicação pouco fundamentada do pensamento de Schleiermacher face aos desenvolvimentos subsequentes da hermenêutica ou da pesquisa cognitiva em tradução. De maneira geral, existe uma dissonância entre a pesquisa nacional sobre hermenêutica tradutória e a produção contemporânea na área em geral. Isso aponta para uma apropriação pouco sólida da tradição hermenêutica no contexto brasileiro da pesquisa acadêmica em tradução, o que já foi notado pelo prof. Dr. Bernd Stefanink (2018STEFANINK, Bernd. Le verbum interius du traducteur et la cristallisation du sens: la traçabilité du processus traduisant à travers les isotopies et les sciences cognitives. Meta, v. 62, n. 2, 289-312, 2018. <https://doi.org/10.7202/1041025ar>.
https://doi.org/10.7202/1041025ar...
: 290). O trabalho do Grupo de Estudos Hermenêutica Tradutória, Cognição e Criatividade (DGP/CNPq) tem por objetivo suprir esta lacuna, pois parece haver, em linhas gerais, um grande interesse pela relação entre hermenêutica e tradução associado a uma carência de trabalho direto com as obras de referência, o que foi observado, por exemplo, nas listas bibliográficas dos trabalhos levantados.

A hermenêutica tradutória também oferece um aparato conceitual que permite a reflexão sobre a competência tradutória, caminho que foi desenvolvido por Stolze (STOLZE 2003STOLZE, R. Hermeneutik und Translation. Tübingen: Gunter Narr Verlag, 2003.)67 Editora: Magdalena Nowinska . Como vimos, a hermenêutica se constitui, desde o início, como uma reflexão sobre o interpretar, e posteriormente sobre qual é o sentido da interpretação. Stolze (2012STOLZE, R. The Hermeneutical Approach to Translation. Vertimo studijos, v. 5, 30-42, 2012. <https://doi.org/10.15388/VertStud.2012.5.10557>.
https://doi.org/10.15388/VertStud.2012.5...
: 34-40) fala de uma competência tradutória hermenêutica e oferece eixos de orientação (Fields of Orientation), a partir dos quais as categorias hermenêuticas podem ser entendidas à luz da distinção entre tradução especializada (Specialist Communication) e geral (Literature). Segundo Stolze (Ibidem: 36, tradução própria):

O tratamento holístico de textos de literatura geral e especializada é similar, mas a base de conhecimentos necessária é diferente. Literatura geral está inserida na cultura, ao passo que a literatura especializada se volta para domínios técnicos. Eixos de orientação à leitura serão os nossos guias.

O entendimento do texto depende de quatro critérios: (a) contexto cultural (Cultural Background); (b) campo discursivo (Discourse Field); (c) universo conceitual (Conceptual World); (d) modo predicativo (Predicative Mode). A seguinte tabela é da autora (STOLZE 2012STOLZE, R. The Hermeneutical Approach to Translation. Vertimo studijos, v. 5, 30-42, 2012. <https://doi.org/10.15388/VertStud.2012.5.10557>.
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: 36):

Tabela 2
Eixos de orientação à interpretação

Como afirma Stolze (2012STOLZE, R. The Hermeneutical Approach to Translation. Vertimo studijos, v. 5, 30-42, 2012. <https://doi.org/10.15388/VertStud.2012.5.10557>.
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: 41), a tradução no mais das vezes precisa recorrer à hermenêutica, visto que o tradutor normalmente não faz parte do público ao qual o texto foi endereçado. A hermenêutica tradutória ajuda a enxergar a tradução como um ato holístico, pois o tradutor precisa considerar o texto segundo um paradigma discursivo. Assim, o tradutor hermeneuta não possui um foco restrito em estruturas gramaticais, e sim no texto, do qual só pode advir sentido enquanto um todo orgânico. Como Stolze (Ibidem: 38) afirma, a produção de textos com um objetivo já foi delineada na Antiguidade pela Retórica: é preciso saber o que dizer, encontrar uma organização apropriada dos argumentos, de acordo com um estilo expressivo adequado, utilizando os meios corretos para ser convincente e realizar os objetivos em um texto coerente. A Retórica aponta cinco critérios para orientar o escritor: inventio (invenção ou descoberta), dispositio (organização), elocutio (estilo), memoria (disponibilidade de meios), actio ou pronuntiatio (materialização final do texto como um todo coerente). A seguinte tabela é da autora (Ibidem: 39):

Tabela 3
Eixos de orientação à escrita da tradução

Sempre partimos de pressupostos relativos ao texto, seu tema, o assunto de que trata e o escopo que abrange. Pressupostos corretos permitem interpretações corretas. Quanto mais distante o texto estiver do nosso contexto, melhor dizendo, dos nossos horizontes de sentido, tanto mais difícil será para nós entendê-lo (STOLZE 2012STOLZE, R. The Hermeneutical Approach to Translation. Vertimo studijos, v. 5, 30-42, 2012. <https://doi.org/10.15388/VertStud.2012.5.10557>.
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: 32). Saber que pertencemos ao nosso ambiente cultural de formas muito mais profundas do que imaginamos é o primeiro passo para superar estas dificuldades. A hermenêutica tradutória sempre parte de uma preocupação com a verdade (PIECYCHNA et STOLZE 2018PIECYCHNA, B.; STOLZE, R. (editado por). CrossRoads: A Journal of English Studies , v. 20, n. 1/2018, Bialystok: Universidade de Bialystok. e-ISSN 2300-6250.: 7). Não é outro o trabalho do tradutor.

6 Conclusão

A hermenêutica constitui uma área interdisciplinar das ciências humanas que engloba discussões e problemáticas de complexidade imensa. A hermenêutica tradutória busca inserir-se na área maior dos Translation Studies de acordo com uma fundamentação teórica radicada na hermenêutica filosófica. Por este motivo, os autores aqui apresentados representam as principais referências para compreender qual é o lugar da hermenêutica tradutória. O conceito de interpretação está no coração de toda e qualquer hermenêutica, e por isso foi utilizado como fio condutor desta curta apresentação aos autores e temáticas propostos.

Como vimos, a hermenêutica oferece ao tradutor, do ponto de vista teórico, maior clareza sobre os processos que ele realiza, bem como sobre o papel que exerce enquanto sujeito inserido na história. Tematizar e refletir sobre a influência do nosso horizonte de sentido, sobre nossas limitações cognitivas individuais é o primeiro passo para expandir tais limitações. Tal exercício de consciência é mandatório a todo tradutor, que exerce uma função comunicativa crucial às relações entre sociedades e culturas distintas. Os resultados obtidos com a hermenêutica tradutória indicam a utilidade da hermenêutica como uma base teórica no contexto dos Translation Studies (STOLZE 2003STOLZE, R. Hermeneutik und Translation. Tübingen: Gunter Narr Verlag, 2003.: 39; STEFANINK 2018STEFANINK, Bernd. Le verbum interius du traducteur et la cristallisation du sens: la traçabilité du processus traduisant à travers les isotopies et les sciences cognitives. Meta, v. 62, n. 2, 289-312, 2018. <https://doi.org/10.7202/1041025ar>.
https://doi.org/10.7202/1041025ar...
). O tradutor hermeneuta está equipado com conhecimentos para encarar o texto como discurso, a interpretação como operação preparatória à tradução e como operação-alvo: interpretação prévia à tradução, interpretação do texto de chegada pelo leitor.

Este artigo espera ter concretizado dois objetivos. Primero, ter contribuído para um maior conhecimento sobre o que é a hermenêutica e quais são os fundamentos da hermenêutica tradutória. Segundo, ter apontado caminhos para que os leitores possam seguir seus interesses teóricos.

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  • ŽIŽEK, S. (org.). Um mapa da ideologia. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013.
  • 1
    Artigo apresentado ao curso de especialização em Metodologia da Tradução: Língua Inglesa pela Faculdade Frassinetti do Recife (FAFIRE), no ano de 2022, como trabalho de conclusão de curso, com orientação da Profa. Margareth Patápio. Gostaria de agradecer especialmente ao Prof. Dr. Robert de Brose Pires pela revisão e indicações valiosas que em muito enriqueceram este artigo.
  • 4
    Cf. Heidegger (2012HEIDEGGER, M. Ontologia: Hermenêutica da facticidade. Trad. Renato Kirchner. Petrópolis: Vozes , 2012.: 15-20).
  • 5
    Cf. Cercel (2013CERCEL, L. Übersetzungshermeneutik: Historische und systematische Grundlegung. St. Ingbert: Röhrig Universitätsverlag GmbH, 2013.: 25); Schmidt (2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 18); Grondin (2012: 17-18).
  • 6
    Cf. Cercel (2013CERCEL, L. Übersetzungshermeneutik: Historische und systematische Grundlegung. St. Ingbert: Röhrig Universitätsverlag GmbH, 2013.: 23).
  • 7
    A dicotomia entre o caráter passivo e ativo da compreensão reaparece na hermenêutica tradutória a partir de algumas diferenças teoréticas entre autores como Schleiermacher e Stefanink, de um lado, que defendem um conceito de compreensão como atividade consciente de construção do entendimento, e Stolze e Paepcke do outro, que abraçam o conceito heideggeriano de verdade como aletheia, uma experiência “passiva” de desvelamento do sentido. Cf. Cercel 2013CERCEL, L. Übersetzungshermeneutik: Historische und systematische Grundlegung. St. Ingbert: Röhrig Universitätsverlag GmbH, 2013.: 153.
  • 8
    “The imbrication of hermeneutics and translation is reflected in the historical links between the words associated with these two activities” [A imbricação da hermenêutica e da tradução reflete-se nas conexões históricas entre as palavras associadas a estas duas atividades] (Copeland apud Cercel 2013CERCEL, L. Übersetzungshermeneutik: Historische und systematische Grundlegung. St. Ingbert: Röhrig Universitätsverlag GmbH, 2013.: 25, tradução própria).
  • 9
    A palavra arte, aqui, é empregada no sentido antigo, que “incluía o sentido de saber como fazer alguma coisa, que é o significado compartilhado nos termos ‘artes técnicas’ e ‘belas-artes’” (SCHMIDT 2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 26).
  • 10
    Nesse sentido, a hermenêutica era a reflexão metodológica associada à atividade da filologia.
  • 11
    “A ideia vem do idealismo alemão: entendemos algo quando apreendemos sua gênese, a partir de um primeiro princípio. Para o romântico Schleiermacher, esse primeiro princípio é a decisão germinal do escritor. Dessa maneira, Schleiermacher confere um aspecto psicológico à hermenêutica” (GRONDIN 2012: 29).
  • 12
    Grondin encontra aqui mais uma influência da Retórica sobre a Hermenêutica, pois essa ideia pode ser encarada como um desdobramento de outra mais antiga, advinda da Retórica, na medida em que “todo ato de entendimento é a inversão de um ato de discurso em virtude da qual deve ser trazido à consciência o pensamento que se encontra na base do discurso” (SCHLEIERMACHER apud GRONDIN 2012: 24-25). Schmidt afirma o mesmo: “Schleiermacher contrasta a hermenêutica, enquanto arte da compreensão, com a arte do discurso, que é a retórica, e trata da exteriorização do pensamento. O discurso se move do pensamento interno para sua expressão externa na linguagem, enquanto a hermenêutica se move da expressão externa de volta para o pensamento como o significado dessa expressão” (SCHMIDT 2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 26).
  • 13
    Método. Duplo. Através de comparação com outros, e através de consideração em e por si” (SCHLEIERMACHER 1999: 98, grifo original).
  • 14
    “Todo enunciado tem uma relação dupla, com a totalidade da linguagem e com todo o pensamento de seu originador” (SCHLEIERMACHER 2005 apudSCHMIDT 2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 26-27).
  • 15
    “Conduzir cada uma [dos tipos de interpretação] individualmente tanto quanto possível, mas também mostrar os pontos de ligação naturais que uma mantém com a outra” (Schleiermacher 1999: 69).
  • 16
    “[...] o sentido não está nos elementos isolados, mas apenas em sua concatenação” (Schleiermacher apud Braida 1999BRAIDA, C. R. Apresentação. In: SCHLEIERMACHER, F. D. E. Hermenêutica: arte e técnica da interpretação. Trad. e apresentação Celso Reni Braida. 2ª reimpressão. Petrópolis: Vozes, 2022.: 17).
  • 17
    “[...] por onde conheço eu o homem senão apenas através de seu discurso, tanto mais que em referência a este discurso?” (Schleiermacher 1999: 93).
  • 18
    Schleiermacher diz que “de nenhum estilo se deixa dar um conceito” (SCHLEIERMACHER 1999: 95), ou ainda que “cada emprego é, portanto, apenas um particular, onde a unidade essencial é misturada com um acidental” (Ibidem: 75).
  • 19
    Schleiermacher, Hermenêutica e crítica, vol. 1. Ijuí: Unijuí, 2005 apudSchmidt 2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 32-33, cotejado com Schleiermacher 1838/I:41. É digno de nota que quase toda a tematização da tradução no contexto da hermenêutica feita até as considerações de Heidegger sobre tradução, por volta dos anos 20-30, lidou sobretudo com a questão da tradução de textos estrangeiros e de outra época histórica, de modo que sempre deu-se atenção ao aspecto de diacronia na aplicação do método gramatical, devido à mudança no uso linguístico observada. Cf. Schmidt Ibid. loc. cit.
  • 20
    Cf. Grondin (2012: 31).
  • 21
    “[...] em toda parte onde importa saber com que exatidão se deve tomar uma série de frases e de que ponto de vista se deve apreender seu encadeamento, então, onde se deve conhecer o todo ao qual elas pertencem. Sim, isto ainda pode ser relacionado ao caso primitivo e deve, por conseguinte, valer universalmente. Para cada articulação encadeada de frases efetiva há, de algum modo, um conceito principal que a domina” (Schleiermacher 1999: 49).
  • 22
    “A linguagem é infinita porque cada elemento é determinável, de modo particular, através do resto dos elementos” (SCHLEIERMACHER apudSCHMIDT 2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 27).
  • 23
    “Todo enunciado tem uma relação dupla, com a totalidade da linguagem e com o todo do pensamento de seu originador” (SCHLEIERMACHER apudSCHMIDT, 2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 27); “Análise do problema. Ela parte de dois pontos inteiramente distintos. Compreender na linguagem e compreender no falante. A interpretação é arte por causa deste duplo compreender. Nenhum deles se completa por si” (SCHLEIERMACHER 1999: 68).
  • 24
    “Qualquer usuário de linguagem só pode ser compreendido através de sua nacionalidade e de sua era” (SCHLEIERMACHER apudSCHMIDT 2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 27).
  • 25
    “A intuição nunca chega à comunicação. A mediação é a comparação com a totalidade do domínio linguístico” (SCHLEIERMACHER 1999: 89).
  • 26
    “Precisamos compreender como o autor pensava em referência à sua cultura e tempo histórico particulares: o lado psicológico” (SCHMIDT 2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 30).
  • 27
    “A divisão principal, portanto, fica assim: primeiro a interpretação gramatical, depois a técnica. Gramatical sempre, porque obviamente no final tudo o que é pressuposto e tudo o que se encontra é linguagem” (SCHLEIERMACHER 1999: 69).
  • 28
    Cf. ainda o capítulo 7 do livro de Schmidt, que expõe algumas das principais críticas à hermenêutica filosófica.
  • 29
    Schmidt afirma que o curso foi assistido por Gadamer. Cf. Schmidt (2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 81).
  • 30
    “não e nunca primordialmente enquanto objetualidade da intuição e da determinação intuitiva, da mera aquisição e posse de conhecimentos disso, mas ser-aí está para si mesmo no como de seu ser mais próprio” (HEIDEGGER 2012HEIDEGGER, M. Ontologia: Hermenêutica da facticidade. Trad. Renato Kirchner. Petrópolis: Vozes , 2012.: 13, grifos originais).
  • 31
    Cf. Schmidt (2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 82-83).
  • 32
    Cf. Heidegger (2012HEIDEGGER, M. Ontologia: Hermenêutica da facticidade. Trad. Renato Kirchner. Petrópolis: Vozes , 2012.: I 1 §3).
  • 33
    A palavra designa ‘intenção’ no uso comum do alemão. “A interpretação opera no ser na direção de uma totalidade de relevância que já foi compreendida” (HEIDEGGER apudSCHMIDT 2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 108-109).
  • 34
    “[A compreensão] sempre ocorre sob orientação de uma perspectiva que fixa aquilo em cuja visão o que foi compreendido deve ser interpretado” (Heidegger apud Schmidt 2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 109). Schmidt (Ibidem: 109) diz ainda: “Heidegger usa implicitamente o significado comum de Vorsicht, que é ser cuidadoso ou precavido, para indicar que a perspectiva escolhida por Dasein para desenvolver a interpretação implica numa necessidade de ser cuidadoso”.
  • 35
    ‘Conceitualidade’ indica aqui o conjunto de conceitos que influenciam a apreensão que o indivíduo tem do mundo. Em geral, ela é utilizada para referir-se à estrutura conceitual sócio-histórica que configura a experiência de um indivíduo em relação aos fenômenos. P. ex.: é sabido que a primeira exibição do filme A chegada de um trem na estação, dos irmãos Lumière, causou uma comoção na sala de cinema, porque as pessoas ficaram com medo de que o trem representado na tela passasse por cima delas. Esse exemplo é perfeito na medida em que mostra que a conceitualidade não diz respeito a um conceito que temos conscientemente, mas antes, à estrutura conceitual intersubjetiva característica de uma época e situação social.
  • 36
    “Os conceitos podem ser apropriados para os seres que estão sendo interpretados, ou podemos tentar forçar os seres para conceitos inapropriados” (SCHMIDT 2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 109).
  • 37
    Cf. Grondin (2012: 55-56); Schmidt (2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 189-242).
  • 38
    “Segundo Heidegger, todo entendimento se eleva contra o fundo de algumas antecipações, ditadas pelo cuidado da existência consigo mesma. A existência se entende, então, a partir de certo saber, de certa intenção e segundo determinada conceitualidade. Trata-se de outra maneira de dizer que não existe tabula rasa do entendimento. Ora, contudo, é esse ideal da tabula rasa do entendimento que a metodologia científica quis impor à hermenêutica do séc. XIX, especialmente em Dilthey: a hermenêutica passa a ser entendida como a disciplina que deve rejeitar o subjetivismo da interpretação, a fim de fundar a pretensão da objetividade das ciências humanas. Aqui se pressupõe que não se pode entender ‘objetivamente’ a não ser que sejam descartados os pressupostos do intérprete e de sua época” (GRONDIN 2012: 50, grifos originais).
  • 39
    Bultmann, R. Le problème de l’herméneutique, 1950, Foi et compréhension, T. I. Paris: Le Seuil, 1970, 604 apud Grondin (2012: 57).
  • 40
    “O pré-entendimento do intérprete não deve ser eliminado, em nome de um ideal metódico de hermenêutica, ele deve antes ser elaborado para si mesmo e questionado [...] torná-lo consciente, Bultmann esclarece, é prová-lo pelo texto, fazer com que o entendimento possa ser questionado pelo texto. [...] Uma revisão do entendimento é sempre possível e é ela o produto do trabalho de interpretação” (Grondin 2012: 58-59).
  • 41
    “Se, com isso, Bultmann demonstra ter apreendido perfeitamente a estreita ligação entre o entendimento e a interpretação-explicitante em Heidegger, seu mérito é o de ter sido o primeiro a aplicar expressamente a concepção heideggeriana do círculo hermenêutico às questões mais tradicionais da hermenêutica [...] ele antecipava a concepção do entendimento própria da hermenêutica filosófica de Gadamer (o entendimento como aplicação) e de Ricoeur (o entendimento como abertura de mundo)” (Grondin 2012: 59).
  • 42
    “Mesmo que Gadamer mantenha o ideal clássico, e heideggeriano, de um exame crítico dos pré-juízos, parece-lhe ilusório orientar a verdade do entendimento para um ideal de um conhecimento desprovido de todo pré-conceito. Esse ideal não faz justiça, segundo ele, à historicidade constitutiva do esforço do entendimento” (GRONDIN 2012: 69).
  • 43
    Slavoj Žižek afirma que “os horizontes memoráveis da compreensão (o grande tema da hermenêutica) não podem ser chamados de ideologia”. Cf. a nota nº 6 em (ŽIŽEK 2013ŽIŽEK, S. (org.). Um mapa da ideologia. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013.: 35).
  • 44
    “O próprio entender deve ser pensado menos como uma ação da subjetividade do que como uma inserção em um acontecimento de tradição no qual se mediatizam constantemente o passado e o presente. Eis o que se deve reconhecer na teoria hermenêutica, que é muito mais dominada pelas ideias de procedimento e método” (Gadamer, Verdade e método, I, 295 apud GRONDIN 2012: 73).
    A citação da tradução brasileira: “O compreender deve ser pensado menos como uma ação da subjetividade do que como um retroceder que penetra em um acontecer da tradição, no qual é o que tem de fazer-se ouvir na teoria hermenêutica, demasiado dominada pela ideia de um procedimento, de um método”. (Gadamer 1997GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I - traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Tradução de Flávio Paulo Meurer. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997./I/[295]: 435-436, grifos originais).
  • 45
    Cf. ainda Schmidt (2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 152-154).
  • 46
    O próprio Gadamer considera a tradução um caso paradigmático para compreender a hermenêutica: “por mais que o tradutor tenha conseguido entrar na vida e nos sentimentos do autor, a tradução de um texto não é uma simples ressurreição do processo anímico original do escrever, mas uma reconstituição do texto guiada pela compreensão do que se diz nele. Não há dúvida de que se trata de uma interpretação e não de uma simples co-realização. Projeta-se sobre o texto uma outra e nova luz, procedente da nova língua e destinada ao leitor da mesma. A exigência de fidelidade que se coloca numa tradução não pode neutralizar a diferença fundamental entre as línguas. Por mais fiéis que queiramos ser, encontrar-nos-emos colocados diante de decisões errôneas. Se quisermos destacar, na nossa tradução, um traço importante do original, somente podemos fazê-lo deixando em segundo plano outros aspectos ou inclusive reprimindo-os de todo. Mas este é precisamente o comportamento que chamamos de interpretação. Como toda interpretação, a tradução implica uma reiluminação. Quem traduz tem de assumir a responsabilidade dessa reiluminação. Evidentemente não pode deixar em aberto nada que para ele mesmo seja obscuro. Tem de conhecer nuances. É verdade que há casos extremos nos quais o original [...] há algo que realmente não está claro. Mas são precisamente esses casos hermenêuticos extremos nos quais no original [...] os que mostram com mais clareza a situação de tensão e obrigatoriedade na qual sempre se encontra o tradutor. Aqui ele tem de resignar-se. Ele deve dizer claramente como compreende. Mas como se encontra regularmente em situação de não poder dar verdadeira expressão a todas as dimensões de seu texto, isso significa para ele uma constante renúncia. Toda tradução que leve a sério sua tarefa torna-se mais clara e mais fluente que o original. Ainda que seja uma reprodução magistral, faltar-lhe-ão alguns dos sobretons que vibravam junto ao original” (Gadamer 1997GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I - traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Tradução de Flávio Paulo Meurer. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. [389-190]: 561-563).
  • 47
    Sein, das verstanden werden kann, ist Sprache“ (GADAMER apudSTOLZE 2003STOLZE, R. Hermeneutik und Translation. Tübingen: Gunter Narr Verlag, 2003.: 71, tradução própria).
  • 48
    Die Grenzen meiner Sprache bedeuten die Grenzen meiner Welt“ (WITTGENSTEIN apudSTOLZE 2003STOLZE, R. Hermeneutik und Translation. Tübingen: Gunter Narr Verlag, 2003.: 71, nota 124, tradução própria).
  • 49
    “Embora seja muito influente e talvez a publicação filosófica mais importante na teoria da tradução moderna, a obra de Steiner é uma narrativa a ser re-examinada à luz de desenvolvimentos da tradução e da hermenêutica. [...] A interpretação de Steiner funda-se apenas parcialmente na hermenêutica, e [...] é prejudicial à hermenêutica de diversas formas” (Kharmandar In Piecychna et Stolze 2018PIECYCHNA, B.; STOLZE, R. (editado por). CrossRoads: A Journal of English Studies , v. 20, n. 1/2018, Bialystok: Universidade de Bialystok. e-ISSN 2300-6250.: 84, tradução própria). “O influente modelo de Steiner exemplifica a permanência do que chamei de política da originalidade e sua lógica de violência na teoria da tradução contemporânea” (Chamberlain, Gender and the Metaphorics of Translation, In Venuti, The Translation Studies Reader, 2004VENUTI, L. The Translator’s Invisibility: A History of Translation. Londres e Nova York: Routledge , 2004.: 320-321, tradução própria). “Considere o tomo gigantesco de George Steiner [...] o livro é pouco mais do que a afirmação repetida de que a tradução é a questão filosófica mais importante atualmente. Como muito do que se vê publicado, é, no geral, bem-articulado, mas somente uma pretensa teoria da tradução” (Frawley, 1984 In Ibidem: 251, tradução própria). Para mais a respeito desse assunto, Agnetta et Cercel, 2019AGNETTA, M.; CERCEL, L. George Steiner’s After Babel in contemporary Translation Studies. In: Church, Communication and Culture, v. 4, n. 3, 363-369. <https://doi.org/10.1080/23753234.2019.1664922>.
    https://doi.org/10.1080/23753234.2019.16...
    : 365-368.
  • 50
    “A generosidade radical do tradutor [...] sua confiança no ‘outro’, na alteridade não vivenciada, não mapeada do enunciado, acentua a tendência humana de ver o mundo como algo fundamentalmente simbólico a um grau filosoficamente dramático, no qual relações segundo as quais ‘isto’ pode valer como ‘aquilo’ são constituintes, e que isto deve ser assim, caso alguma vez tenha havido algo como significado e estrutura” (Steiner 1975STEINER, G. After Babel: Aspects of Language and Translation. United Kingdom: Oxford University Press, 1975. In Venuti, 2004VENUTI, L. (editado por). The Translation Studies Reader. Londres e Nova York: Routledge , 2004.: 186, tradução própria).
  • 51
    “A contribuição de Heidegger consiste em ter mostrado que o entendimento, a cognição, a interpretação são um modo de ataque condensado e implacável” (STEINER 1975STEINER, G. After Babel: Aspects of Language and Translation. United Kingdom: Oxford University Press, 1975.InVENUTI 2004VENUTI, L. (editado por). The Translation Studies Reader. Londres e Nova York: Routledge , 2004.: 187, tradução própria).
  • 52
    “O tradutor invade, extrai e traz para casa. O símile é aquele do garimpo que deixa uma cicatriz vazia na paisagem. Como veremos, essa espoliação é ilusória ou é sinal de uma tradução falsa” (STEINER 1975STEINER, G. After Babel: Aspects of Language and Translation. United Kingdom: Oxford University Press, 1975.InVENUTI, 2004VENUTI, L. (editado por). The Translation Studies Reader. Londres e Nova York: Routledge , 2004.: 187, tradução própria).
  • 53
    “Aqui, observa-se duas famílias de metáforas, provavelmente relacionadas, aquela da absorção sacramental, ou encarnação, e aquela da infecção [...] Atos de tradução colocam algo ao nosso dispor; nós encarnamos energias e recursos emocionais alternativos. Mas podemos ser dominados e tornados superficiais pelo que nós importamos” (Steiner 1975STEINER, G. After Babel: Aspects of Language and Translation. United Kingdom: Oxford University Press, 1975. In Venuti 2004VENUTI, L. (editado por). The Translation Studies Reader. Londres e Nova York: Routledge , 2004.: 188, tradução própria).
  • 54
    “A moção hermenêutica está perigosamente incompleta [...] se ela não realiza sua quarta etapa” (Steiner 1975STEINER, G. After Babel: Aspects of Language and Translation. United Kingdom: Oxford University Press, 1975. In Venuti, 2004VENUTI, L. (editado por). The Translation Studies Reader. Londres e Nova York: Routledge , 2004.: 188, tradução própria).
  • 55
    “O decreto de reciprocidade que restaura a ordem da balança é a cruz do métier e da moralidade da tradução [...] O ‘arroubo’ apropriativo do tradutor - a palavra traz consigo, obviamente, a raiz e o significado do transporte violento - eleva o original com um resíduo dialético enigmático. Não há dúvidas que há uma dimensão de perda, de quebra, [...], mas o resíduo também é, certamente, positivo. A obra traduzida é aprimorada [...] a partir das diferentes ordens de distância e relações estabelecidas entre ela e a tradução. A reciprocidade é dialética: os novos formatos de significância são iniciados pela distância e pela contiguidade” (Steiner 1975STEINER, G. After Babel: Aspects of Language and Translation. United Kingdom: Oxford University Press, 1975. In Venuti 2004VENUTI, L. (editado por). The Translation Studies Reader. Londres e Nova York: Routledge , 2004.: 189, tradução própria). Aqui vemos uma aplicação da temática da fusão de horizontes à tradução.
  • 56
    É importante notar que esta tese é idêntica àquela defendida por Nietzsche em seu escrito de juventude, Sobre a verdade e a mentira em sentido extra-moral (Über Warheit und Lüge im aussermoralischen Sinne).
  • 57
    Betti, E. Teoria generale della interpretazione, Milão: Giuffrè Editori, 1955. Cf. Grondin (2012: 81).
  • 58
    Hirsch, E. D. Validity in Interpretation, Yale University Press, 1967. Cf. Schmidt (2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 190).
  • 59
    “Agora o significado verbal pode ser definido mais particularmente como um tipo desejado que um autor expressa através de símbolos linguísticos e que pode ser compreendido por outra pessoa através desses símbolos” (HIRSCH apudSCHMIDT 2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 192, grifo original).
  • 60
    “The meaning is [...] a potential to be displayed” (tradução própria).
  • 61
    Elas também são oriundas de uma discordância filosófica mais profunda relativa ao conceito de sentido: “Hirsch [...] diz que Husserl identifica corretamente o significado com a intencionalidade da consciência. Gadamer, seguindo a crítica de Heidegger a Husserl, afirma que o significado sempre já está contido nas estruturas prévias da compreensão e é herdado em nossos preconceitos” (Schmidt 2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 196). Cf. Heidegger 2006HEIDEGGER, M. Ser e tempo. Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. 8. ed. Petrópolis: Vozes , 2006. §31.
  • 62
    Cf. Grondin 2012: 81-128; Schmidt 2012SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. Fabio Ribeiro. Petrópolis: Vozes , 2012.: 189-242. Ambos os autores escrevem capítulos inteiros apenas sobre as críticas e os debates envolvendo a hermenêutica.
  • 63
    “Hermenêutica tradutória - cujos fundamentos teóricos foram estabelecidos por Friedrich Schleiermacher, Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer” (PIECYCHNA et STOLZE 2018PIECYCHNA, B.; STOLZE, R. (editado por). CrossRoads: A Journal of English Studies , v. 20, n. 1/2018, Bialystok: Universidade de Bialystok. e-ISSN 2300-6250.: 5, tradução própria).
  • 64
    Chouarfia, F. Z. Understanding, Interpretation and Engagement in Translation of Political Discourse. InPiecychna et Stolze (2018PIECYCHNA, B.; STOLZE, R. (editado por). CrossRoads: A Journal of English Studies , v. 20, n. 1/2018, Bialystok: Universidade de Bialystok. e-ISSN 2300-6250.: 71-82).
  • 65
    Cf. Cercel (2013CERCEL, L. Übersetzungshermeneutik: Historische und systematische Grundlegung. St. Ingbert: Röhrig Universitätsverlag GmbH, 2013.: 21).
  • 66
    Cf. Stolze (2018STOLZE, R. Übersetzungstheorien: Eine Einführung. 7. ed. revisada e ampliada. Tübingen: Narr Francke Attempto Verlag, 2018.: 26).
  • 67
    Cf. especialmente a introdução e as págs. 39 e 91.
  • 3
    A crítica de Julianne House, p. ex., é típica: “Recentemente, valorações vagas e fundamentalmente sem sentido [...] são repetidas por acadêmicos neo-hermenêuticos, que acreditam na legitimidade de interpretações subjetivas relativas ao valor de uma tradução. [...] A tradução é encarada como um ato onde o ‘sentido’ textual também é recriado num ato individual de interpretação. Não haveria sentido no texto em si, e o sentido estaria ‘nos olhos de quem vê’. Posições relativistas e particulares como essa são defendidas na maioria da produção hermenêutica” (House 2014HOUSE, J. (editado por). Translation: A Multidisciplinary Approach. United Kingdom: Palgrave MacMillan, 2014.: 242-243, tradução própria).
Editora: Magdalena Nowinska

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2024

Histórico

  • Recebido
    21 Fev 2024
  • Aceito
    01 Mar 2024
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