Acessibilidade / Reportar erro

Legados de Junho de 2013: a proliferação dos coletivos para além do campo dos movimentos sociais

June 2013 legacies: the spread of collectives beyond the sphere of social movements

Legs de Juin 2013 : la multiplication des collectifs au-delà du champ des mouvements sociaux

Legados de junio de 2013: La proliferación de colectivos más allá del ámbito de los movimientos sociales

Resumo:

Este artigo aborda a disseminação de organizações chamadas de coletivos para além do campo dos movimentos sociais, um dos legados de Junho de 2013. A pesquisa qualitativa foi feita por meio da sistematização de informações de 725 coletivos com páginas em rede social e de 21 entrevistas com coletivos em Teresina (PI). Como resultados, o trabalho apresenta quatro tipos de coletivos (coletivos de artes, universitários, associações de ajuda mútua e grupos empresariais) que defendem relações mais inclusivas e horizontais, mostrando, então, um outro tipo de impacto de Junho de 2013.

Palavras-chaves:
coletivos; movimentos sociais; Junho de 2013

Abstract:

This article addresses one of the legacies from June 2013: the spread of collectives beyond the sphere of social movements. A qualitative research was conducted by systematizing information from 725 collectives with social media profiles and 21 interviews with collectives in Teresina, Brazil. Results point out four types of collectives (arts, university students, mutual aid associations and business groups) that defend more inclusive and horizontal relationships, thus showing another type of impact from June 2013.

Keywords:
collectives; social movements; june 2013

Résumé :

Cet article aborde l’un des héritages de Juin 2013: la diffusion des collectives au-delà du champ des mouvements sociaux. Une recherche qualitative a été menée en systématisant les informations de 725 collectifs avec des profils de médias sociaux et de 21 entretiens avec des collectifs à Teresina, Brésil. Les résultats mettent en évidence quatre types de collectifs (artistiques, d’étudiants universitaires, associations d’entraide et groupes d’entreprises) qui défendent des relations plus inclusives et horizontales, montrant ainsi un autre type d’impact de Juin 2013.

Mots-clés:
collectifs; mouvements sociaux; Juin 2013

Resumen:

Este artículo aborda la expansión de organizaciones denominadas colectivos más allá del ámbito de los movimientos sociales, uno de los legados de Junio de 2013. Se realizó una investigación cualitativa mediante la sistematización de informaciones de 725 colectivos que tenían páginas en una red social y 21 entrevistas a colectivos de Teresina (Piauí, Brasil). Los resultados apuntan la existencia de cuatro tipos de colectivos (colectivos artísticos, universitarios, asociaciones de ayuda mutua y grupos empresariales) que defienden relaciones más inclusivas y horizontales, lo que muestra un otro tipo de impacto de Junio de 2013.

Palabras clave:
colectivos; movimientos sociales; junio de 2013

Introdução

Em meados de junho de 2013, milhares de brasileiros foram às ruas em todo o Brasil com pautas diversas que reivindicavam desde a manutenção dos preços das passagens de ônibus até mudanças no sistema político. Inclusive, muitos manifestantes das Jornadas foram hostis à presença de partidos (Tatagiba, 2014Tatagiba, L. (2014). 1984, 1992 e 2013: sobre ciclos de protestos e democracia no Brasil. Política & Sociedade, 13(28), 35-62. doi: 10.5007/2175-7984.2014v13n28p35
https://doi.org/10.5007/2175-7984.2014v1...
; Perez, 2021Perez, O. C. (2021). Sistematização crítica das interpretações acadêmicas brasileiras sobre as Jornadas de Junho de 2013. Izquierdas, (50), 1-16. ).

Até hoje pesquisadores e analistas políticos tentam explicar os protestos e suas consequências. Um dos legados de Junho de 2013 apontados pela literatura foi a formação de novas organizações políticas, chamadas de coletivos (Bringel & Pleyers, 2015 Bringel, B., & Pleyers, G. (2015). Junho de 2013… dois anos depois: polarização, impactos e reconfiguração do ativismo no Brasil. Nueva Sociedad, 259, 4-17. Recuperado de https://nuso.org/articulo/junho-de-2013-dois-anos-depois/
https://nuso.org/articulo/junho-de-2013-...
; Perez, 2019Perez, O. C. (2019). Relações entre coletivos com as Jornadas de Junho. Opinião Pública, 25(3), 258-256. doi: 10.1590/1807-01912019253577
https://doi.org/10.1590/1807-01912019253...
). Eles são formados, em geral, por estudantes universitários que atuam por mais direitos, principalmente para grupos mais sujeitos a opressões sociais, como mulheres, negros e população LGBTQIA+ (sigla para lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros, queer, intersexuais, assexuais e o mais, que serve para abranger a pluralidade de orientações sexuais e variações de gênero).

Contribuindo com essa literatura, este trabalho aborda um outro tipo de legados das Jornadas de Junho de 2013: a proliferação de organizações mais horizontais e inclusivas, mas que não se restringem a lutar por mais direitos, considerando que também estão presentes no universo das artes e no campo empresarial.

Alguns trabalhos sobre coletivos destacam o potencial dessa forma de organização: seriam capazes de superar a ação individual porque promovem relações solidárias entre seus integrantes, além de se preocuparem com a justiça social (Alencar, 2020Alencar, G. (2020). Grupos protestantes e engajamento social: uma análise dos discursos e ações de coletivos evangélicos progressistas. Religião e Sociedade, 39(3), 173-196. doi: 10.1590/0100-85872019v39n3cap08
https://doi.org/10.1590/0100-85872019v39...
; Giraldo; Ruiz Silva, 2019Giraldo Giraldo, Y. N., & Ruiz Silva, A. (2019). La solidaridad en la vida de los jóvenes de las comunas de Medellín. Folios, (49), 61-69. doi: 10.17227/folios.49-9391
https://doi.org/10.17227/folios.49-9391...
). Logo, seriam uma forma mais justa de organização política.

Quanto à sua estruturação, de acordo com os trabalhos da área, os coletivos não apresentariam hierarquia (Simões Borelli & Aboboreira, 2011 Simões Borelli, S. H., & Aboboreira, A. (2011). Teorias/metodologias: trajetos de investigação com coletivos juvenis em São Paulo/Brasil. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, 9(1), 161-172. Recuperado de http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=77320072008
http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=77...
; Machado, 2007Machado, J. A. S. (2007). Ativismo em rede e conexões identitárias: novas perspectivas para os movimentos sociais. Sociologias, (18), 248-285. doi: 10.1590/S1517-45222007000200012
https://doi.org/10.1590/S1517-4522200700...
; 2015Machado, J. (2015). Das redes às ruas. In S. Zanirato (Org.), Políticas públicas: autores e demandas (pp. 11-23). São Paulo, SP: Annablumme. ). Neles não haveria um líder autorizado a decidir em nome dos demais. A liderança seria compartilhada por todos, e as decisões tomadas de forma mais horizontal, mediante a livre expressão de seus membros. O caráter autonomista dos coletivos também é confirmado por parte da bibliografia (Gohn, 2008Gohn, M. G. (2008). Abordagens teóricas no estudo dos movimentos sociais na América Latina. Caderno CRH, Salvador, 21(54), 439-455. doi: 10.1590/S0103-4979-2008000300003
https://doi.org/10.1590/S0103-4979-20080...
; 2017Gohn, M. G. (2017). Manifestações e protestos no Brasil. São Paulo, SP: Cortez. ). Os coletivos seriam, nesse sentido, independentes de orientações externas no que tange à tomada de decisões.

Ao contrário de outros movimentos sociais, os coletivos seriam mais fluidos, ou seja, não apresentariam uma pauta permanente de ação, podendo “agregar múltiplas demandas, e, por meio de debates periódicos, definir quais as pautas prioritárias, a partir da conjuntura política que é mantida em permanente análise” (Maia, 2013Maia, G. L. (2013). A juventude e os coletivos: como se articulam novas formas de expressão política. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, 8(1), 58-73. doi: 10.5902/198136948630
https://doi.org/10.5902/198136948630...
, p. 69). Assim, seriam mais dinâmicos (Machado, 2015Machado, J. (2015). Das redes às ruas. In S. Zanirato (Org.), Políticas públicas: autores e demandas (pp. 11-23). São Paulo, SP: Annablumme. ), sem se estruturarem de modo fixo e permanente, embora isso possa acontecer. Eles seriam “. . . similares a instant mobs: eventos combinados nas redes sociais, destinados a promover uma ação específica no tempo e no espaço, a exercer influência sobre uma determinada questão da esfera pública, e então se dissolver” (Gohn, 2017Gohn, M. G. (2017). Manifestações e protestos no Brasil. São Paulo, SP: Cortez. , p. 27).

A organização em coletivos não é um fenômeno brasileiro: eles estão em outras partes do mundo e, assim como no Brasil, também são considerados organizações políticas contemporâneas que atuam na área de direitos ‒ Sapriza ( 2015Sapriza, G. (2015). “Nos habíamos amado tanto”. Años revueltos. Mujeres, colectivos y la pelea por el espacio público. Revista Estudos Feministas, 23(3), 939-958. doi: 10.1590/0104-026X2015v23n3p933
https://doi.org/10.1590/0104-026X2015v23...
) trata de coletivos na Venezuela; Mora e Rios ( 2009Mora, C., & Rios, M. (2009). ¿De Política de Representación a Política de Coalición?: Posibilidades de Movilización Feminista em el Chile Post-Dictadura. Polis, 8(24), 133-145. doi: 10.4067/S0718-65682009000300008
https://doi.org/10.4067/S0718-6568200900...
), no Chile; Desouza ( 2012Desouza, S. (2012). The Strength of Collective Processes: An ‘Outcome Analysis’ of Women’s Collectives in India. Indian Journal of Gender Studies, 19(3), 373-392. doi: 10.1177/097152151201900302
https://doi.org/10.1177/0971521512019003...
), na Índia; e Bordt ( 1990Bordt, R. L. (1990). How alternative ideas become institutions: the case of feminist collectives. Nonprofit and Voluntary Sector Quarterly, 26(2), 132-155. doi: 10.1177/0899764097262003
https://doi.org/10.1177/0899764097262003...
) e Valk ( 2002Valk, A. M. (2002). Living a Feminist Lifestyle: The Intersection of Theory and Action in a Lesbian Feminist Collective. Feminist Studies, 28(2), 303-332. doi: 10.2307/3178744
https://doi.org/10.2307/3178744...
), nos Estados Unidos.

No Brasil e no campo internacional, a literatura identifica os coletivos como organizações formadas por jovens universitários que atuam pela conquista e ampliação de direitos. Os jovens se identificam com os coletivos por se diferenciarem daquelas que eles repudiam: as partidárias, centralizadas, hierárquicas e burocráticas (Augusto, Rosa & Resende, 2016 Augusto, A., Rosa, P. O., & Resende, P. E. R. (2016). Capturas e resistências nas democracias liberais: uma mirada sobre a participação dos jovens nos novíssimos movimentos. Revista Estudos de Sociologia, 21(40), 21-37. Recuperado de https://periodicos.fclar.unesp.br/estudos/article/view/7581
https://periodicos.fclar.unesp.br/estudo...
; Gohn, 2017Gohn, M. G. (2017). Manifestações e protestos no Brasil. São Paulo, SP: Cortez. ; Vommaro, 2015Vommaro, P. A. (2015). Juventudes y políticas en la Argentina y en América Latina: tendencias, conflictos y desafios. Argentina: Grupo Editor Universitário; Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales. ; Perez, 2020Perez, O. C., & Souza, B. M. (2020). Coletivos universitários e o discurso de afastamento da política parlamentar. Educação e Pesquisa, 46, e217820. doi: 10.1590/S1678-4634202046217820
https://doi.org/10.1590/S1678-4634202046...
).

Embora a organização de coletivos não seja novidade, há uma relação entre a proliferação desse tipo de organização com as Jornadas de Junho de 2013. Muitos coletivos estavam nessas manifestações (Tatagiba; Galvão, 2019Tatagiba, L., & Galvão, A. (2019). Os protestos no Brasil em tempos de crise (2011-2016). Opinião Pública, 25(1), 63-96. doi: 10.1590/1807-0191201925163
https://doi.org/10.1590/1807-01912019251...
; Vommaro, 2015Vommaro, P. A. (2015). Juventudes y políticas en la Argentina y en América Latina: tendencias, conflictos y desafios. Argentina: Grupo Editor Universitário; Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales. ) e lá os jovens foram socializados politicamente com a ideia de que organizações mais horizontais e inclusivas seriam mais eficazes (Perez, 2019Perez, O. C. (2019). Relações entre coletivos com as Jornadas de Junho. Opinião Pública, 25(3), 258-256. doi: 10.1590/1807-01912019253577
https://doi.org/10.1590/1807-01912019253...
).

Pelo fato de terem se expandido depois de Junho de 2013, os coletivos são, por vezes, considerados como novidade (Augusto; Rosa; Resende, 2016 Augusto, A., Rosa, P. O., & Resende, P. E. R. (2016). Capturas e resistências nas democracias liberais: uma mirada sobre a participação dos jovens nos novíssimos movimentos. Revista Estudos de Sociologia, 21(40), 21-37. Recuperado de https://periodicos.fclar.unesp.br/estudos/article/view/7581
https://periodicos.fclar.unesp.br/estudo...
). Por essa perspectiva, as Jornadas seriam caracterizadas pela crítica ao sistema da política tradicional, pois comportaram e disseminaram organizações políticas sem liderança.

Logo, a literatura já constatou a proliferação de coletivos após Junho de 2013 (Bringel & Pleyers, 2015 Bringel, B., & Pleyers, G. (2015). Junho de 2013… dois anos depois: polarização, impactos e reconfiguração do ativismo no Brasil. Nueva Sociedad, 259, 4-17. Recuperado de https://nuso.org/articulo/junho-de-2013-dois-anos-depois/
https://nuso.org/articulo/junho-de-2013-...
; Perez, 2019Perez, O. C. (2019). Relações entre coletivos com as Jornadas de Junho. Opinião Pública, 25(3), 258-256. doi: 10.1590/1807-01912019253577
https://doi.org/10.1590/1807-01912019253...
), em especial entre a mobilização política das juventudes universitárias. Acrescentando a essa constatação, mostra-se, neste texto, que a organização de coletivos extrapolou o campo das organizações políticas que atuam no campo dos direitos, espalhando-se, também, entre organizações artísticas e mesmo empresariais.

Diante da diversidade de organizações que se apresentam como coletivos, a pesquisa foi guiada pelas seguintes perguntas: que tipo de organizações se definem como coletivos? Há um substrato comum nos discursos dessas organizações? Por que organizações políticas distintas entre si (algumas próximas do campo dos direitos e outras distantes desse perfil) vêm se apresentando dessa forma?

Este artigo tem três objetivos: diferenciar os tipos de coletivos, analisar o que os discursos dessas organizações têm em comum e, por fim, relacionar o crescimento dessa forma de apresentação das organizações com as Jornadas de Junho de 2013, contribuindo com as discussões sobre o período ao abordar um aspecto ainda não explorado pela literatura: o fato de que o ciclo de protestos influenciou organizações até mais distantes do campo político ‒ como aquelas que fazem parte do universo das artes ou do campo empresarial. No campo da discussão sobre os movimentos sociais e coletivos, esta pesquisa mostra que organizações que se definem dessa última forma não são semelhantes e que é necessário distinguir aquelas que atuam no campo dos direitos daquelas que estão distantes dessa forma de atuação.

A pesquisa também contribui com o campo da psicologia social ao refletir sobre o comportamento de pessoas que fazem parte de organizações e que passam depois de Junho de 2013 a se apresentar como coletivos pela ideia de que fazem parte de grupos mais inclusivos e horizontais. Mostramos que Junho de 2013 reforçou a ideia de que as decisões coletivas devem ser partilhadas pela diversidade da população brasileira e isso está presente em diversos campos.

Este trabalho se divide em três seções, além da conclusão. Na primeira seção, são descritos os percursos metodológicos. Na segunda, apresentam-se organizações diferentes entre si que se intitulam como coletivos: coletivos de artes, universitários, associações de ajuda mútua e grupos empresariais. Na terceira, são analisados os traços em comum nos discursos dos coletivos que permitem chegar a uma compreensão mais geral sobre tais organizações e a relação de seu crescimento com as Jornadas de Junho de 2013. Ao final, apresentamos as contribuições desta pesquisa para o avanço desse campo de estudos, assim como as possíveis agendas de estudo que se abrem.

Procedimentos metodológicos

Devido ao fato de a expansão de organizações do tipo coletivo ser um fenômeno recente e ainda pouco estudado, esta é uma pesquisa exploratória e descritiva. Para a seleção dos objetos, partiu-se da autodefinição das organizações como coletivos. Ou seja, nossa definição dos coletivos não partiu de critérios a priori, mas sim da maneira como seus participantes se definem.

Primeiramente optamos por uma investigação nas redes sociais. Seguindo a observação empírica e estudos sobre o tema, que apontam a forte presença dos coletivos nas redes sociais digitais, realizamos uma análise de seus perfis no Facebook. Essa rede social foi escolhida por três motivos: tem espaço para a descrição da organização; permite que o pesquisador consiga sistematizar todas as páginas que contêm um determinado descritor; e é a rede social mais utilizada no Brasil – conforme dados divulgados no site da empresa, 102 milhões de brasileiros se conectavam ao Facebook todos os meses em 2016. Desse total, 93 milhões acessavam a rede via dispositivos móveis (Facebook, n.d. Facebook. (n.d.). {102 milhões de brasileiros compartilham seus momentos no Facebook todos os meses}. Meta. Recuperado em 31 de julho de 2016 de https://www.facebook.com/business/news/102-milhes-de-brasileiros-compartilham-seus-momentos-no-facebook-todos-os-meses
https://www.facebook.com/business/news/1...
).

Detalhando melhor, o Facebook fornece três formas de registro: perfis (de pessoas, utilizados para expressão pessoal); grupos (que reúnem perfis individuais com interesses comuns); e páginas, também chamadas de fanpages (páginas de fãs), que são reservadas a organizações com ou sem fins lucrativos que desejam interagir com seus clientes e/ou divulgar informações para uma grande quantidade de pessoas. Escolhemos investigar justamente as páginas dos coletivos. Nelas, existe a seção “sobre”, um espaço para que a organização apresente suas características, oferecendo ao pesquisador informações a respeito daquele coletivo.

Na busca realizada para esta pesquisa, primeiramente foram utilizados os descritores “coletivo” e “coletiva” (a busca abarcou também o termo “coletiva”, pois as entrevistas revelaram que alguns coletivos feministas por vezes adotam o nome, reafirmando assim a questão de gênero). Em seguida, foram selecionadas as páginas de qualquer localização, em qualquer horário e por qualquer pessoa. Assim, foi possível encontrar todas as páginas que contivessem esses descritores em sua breve descrição.

A primeira busca revelou 1.027 coletivos. Desse total, foram excluídas empresas de ônibus e aquelas que apenas faziam menção ao trabalho coletivo, mas sem denominar sua organização dessa forma. No entanto, foram mantidas as empresas privadas que adotavam o nome. Os aqui chamados “coletivos empresariais” foram considerados nas análises, pois mesmo sem se caracterizarem como organizações estritamente políticas, utilizam a mesma autodenominação. Considerou-se importante, além disso, prestar atenção no modo como o mercado se apropriou do termo. Com tais exclusões e extensões da noção de coletivo, o banco de dados foi formado por 725 páginas. A pesquisa foi feita em 2019.

Investigaram-se as seguintes informações retiradas das páginas de todos os coletivos cadastrados no Facebook: nome; ano de criação; composição; objetivo; tema principal; principais interlocutores; práticas mais comuns; e conteúdo das cinco postagens mais recentes. Optou-se pela análise de conteúdo de cada página, permitindo, assim, que o pesquisador procurasse e interpretasse as informações necessárias.

Essa etapa da pesquisa serviu para diferenciar os tipos de coletivos, dado que permitiu o acesso a uma grande quantidade e variedade de dados, revelando uma realidade não identificada anteriormente pela leitura de artigos e incursões exploratórias entre os chamados coletivos, que mostravam o crescimento dessas organizações principalmente no ambiente universitário.

Contudo, há limitações nas pesquisas feitas nas redes sociais digitais. Embora a maioria (80%) dos domicílios no Brasil já tenham acesso à internet, 20% deles não tem (Comitê Gestor da Internet no Brasil [CGI.br], 2023 Comitê Gestor da Internet no Brasil. (2023). Pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nos domicílios brasileiros – TIC Domicílios 2022. São Paulo, SP: Cetic.br ; NIC.br . Recuperado de https://www.cgi.br/media/docs/publicacoes/2/20230825143720/tic_domicilios_2022_livro_eletronico.pdf
Cetic.br...
) e seu uso é desigual entre regiões, faixas etárias e renda. Outra limitação refere-se ao fato de que o Facebook permite conhecer informações expressas. Isso não significa que elas sejam exatas ou que determinadas características não existam. Por exemplo, 26,5% dos coletivos cadastrados no Facebook trabalham ajudando a comunidade, mas sem ligação declarada com a universidade. Ou seja, a ligação com a universidade pode existir, mas não é possível detectá-la por meio das postagens e da descrição da organização.

Devido a essa limitação, optou-se pela combinação de técnicas qualitativas, complementadas com entrevistas semiestruturadas com membros de todos os coletivos (21) encontrados na cidade de Teresina, capital do estado do Piauí, em 2019. Escolhemos apenas uma cidade, pois a intenção era entrevistar todas as organizações que se apresentavam como coletivos e dessa forma entender a diversidade delas e o motivo de adotarem essa nomenclatura. Destacamos que na cidade havia um coletivo de artes muito conhecido e que promoveu mudanças significativas no aspecto cultural. Logo, havia coletivos importantes assim como em outras regiões do Brasil, conforme a pesquisa realizada no Facebook. Portanto, Teresina foi escolhida por conveniência, mas levando em conta o fato de que na cidade havia coletivos semelhantes ao de outras regiões do Brasil e que nela poderiam ser pesquisadas todas as organizações que se apresentam dessa forma. As perguntas das entrevistas qualitativas, autorizadas pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Piauí, versavam sobre as atividades dos coletivos, suas características e por que se organizam dessa forma.

Definida a cidade, as entrevistas restringiram-se, num primeiro momento, aos coletivos que atuavam dentro da universidade. Outros coletivos foram selecionados por meio de notícias de jornais, buscas na internet e o uso da técnica conhecida como bola de neve ( snowball sampling ), ou seja, os próprios entrevistados indicaram o nome de outros coletivos, de modo que isso gerasse novas rodadas de entrevistas, até que os nomes começassem a se repetir. Entre os coletivos encontrados, 16 atuavam na universidade, um fazia espetáculos de teatro, outro promovia eventos e dois deles defendiam a população LGBTQIA+ e as mulheres. Esses cinco últimos não tinham qualquer vinculação explícita com a universidade. Com isso, a pesquisa qualitativa conseguiu localizar coletivos diferentes entre si e permitiu aprofundar as análises sobre o porquê da adoção desse tipo de organização.

Ressaltamos que não foi a intenção da investigação constatar se de fato havia, na realidade empírica, alguns atributos associados aos coletivos pelas entrevistas e pela literatura (como a horizontalidade e a ausência de lideranças). Tampouco tivemos o objetivo de discutir se mulheres, negros, jovens e população LGBTQIA+ de fato estão mais sujeitos a opressões sociais, têm mais dificuldades para acessar seus direitos ou são menos incluídos nas decisões de organizações tradicionais. Mostramos somente que essa é a percepção dos coletivos, daí o fato de muitos deles defenderem esses grupos. Entendemos os discursos dos coletivos como construções interpretativas que não necessariamente espelham a realidade empírica, mas que ajudam a compreender quais os problemas e as soluções que eles identificam para as organizações políticas contemporâneas.

Os distintos coletivos

Conforme a sistematização dos dados das 725 páginas de coletivos no Facebook, eles diferem entre si principalmente pelo grupo que os compõem, pelas pautas que defendem e por sua forma de atuação. Com base nesses três critérios, foi possível distinguir, de modo geral, quatro tipos de coletivos, conforme sistematizado no Quadro 1 .

Quadro 1.
Tipos de coletivos com páginas no Facebook

Conforme apresentado no Quadro 1 , a maior parte das organizações que se intitulam como coletivos (40,5%) pode ser definida como coletivos de artes. Também conhecidos como grupos, companhias teatrais ou trupes, tais organizações são formadas por artistas de teatro, dançarinos, músicos, grafiteiros, fotógrafos, produtores de fanzine e outros artistas, além de promotores de eventos que organizam festas, saraus, vernissages etc.

Em geral, eles apresentam suas performances para o grande público e utilizam a rede social para promover seus espetáculos, eventos ou produtos. Os coletivos que atuam na área das artes não têm necessariamente temas como o feminismo, o combate ao racismo e ao preconceito dirigido à população LGBTQIA+ como pautas ou conteúdos centrais nas suas postagens, embora a arte toque nessas questões e, por vezes, declarem preocupação com elas.

Esse resultado nos surpreendeu e mostrou que o termo vem sendo utilizado para além de organizações políticas mais próximas de movimentos sociais que atuam no campo dos direitos. Nota-se que a literatura em geral se refere aos coletivos como organizações políticas formadas principalmente por jovens universitários (Augusto, Rosa & Resende, 2016 Augusto, A., Rosa, P. O., & Resende, P. E. R. (2016). Capturas e resistências nas democracias liberais: uma mirada sobre a participação dos jovens nos novíssimos movimentos. Revista Estudos de Sociologia, 21(40), 21-37. Recuperado de https://periodicos.fclar.unesp.br/estudos/article/view/7581
https://periodicos.fclar.unesp.br/estudo...
; Gohn, 2017Gohn, M. G. (2017). Manifestações e protestos no Brasil. São Paulo, SP: Cortez. ; Vommaro, 2015Vommaro, P. A. (2015). Juventudes y políticas en la Argentina y en América Latina: tendencias, conflictos y desafios. Argentina: Grupo Editor Universitário; Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales. ; Perez, 2020Perez, O. C., & Souza, B. M. (2020). Coletivos universitários e o discurso de afastamento da política parlamentar. Educação e Pesquisa, 46, e217820. doi: 10.1590/S1678-4634202046217820
https://doi.org/10.1590/S1678-4634202046...
). No entanto, essa forma de organização extrapolou o campo de organizações políticas que têm como objetivo mais direitos.

Um desses coletivos de artes se define da seguinte forma na internet: “o coletivo . . . é composto por atores e ativistas teatrais que buscam a arte como veículo da transformação social. Nasceu em 2010 e está em seu quarto espetáculo . . .”. Percebe-se que, ainda que adote outro nome, é uma companhia de teatro, mas com uma ideia de junção de profissionais e vínculo com causas sociais (consideram que a arte pode ser uma forma de transformação social).

Para entender melhor a diferença entre um coletivo e uma companhia de teatro, perguntamos a um entrevistado que dirige um coletivo de teatro em Teresina quais seriam essas diferenças. De acordo com ele, o termo “coletivo” distingue um grupo de teatro não comercial daquele que tem um empresário e uma organização formal e regrada. Os coletivos seriam, portanto, menos formalizados do que grupos e companhias. Ainda conforme o entrevistado: “. . . a visão de companhia às vezes, em muitos casos, presume que existe um empresário, uma pessoa que seria o dono daquele trabalho, e essa pessoa seria responsável por agrupar esses artistas ”. Esse trecho da entrevista revela que a diferença entre um coletivo e um grupo de teatro reside no fato de o primeiro não ter a figura do empresário como liderança, responsável pelos rumos da organização.

Logo, se entender como um coletivo tem relação com a ideia de ser uma organização mais horizontal. A horizontalidade é exatamente uma das características dos coletivos que atuam por mais direitos, como aponta a literatura (Borelli & Aboboreira, 2011 Simões Borelli, S. H., & Aboboreira, A. (2011). Teorias/metodologias: trajetos de investigação com coletivos juvenis em São Paulo/Brasil. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, 9(1), 161-172. Recuperado de http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=77320072008
http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=77...
; Machado, 2007Machado, J. A. S. (2007). Ativismo em rede e conexões identitárias: novas perspectivas para os movimentos sociais. Sociologias, (18), 248-285. doi: 10.1590/S1517-45222007000200012
https://doi.org/10.1590/S1517-4522200700...
; 2015Machado, J. (2015). Das redes às ruas. In S. Zanirato (Org.), Políticas públicas: autores e demandas (pp. 11-23). São Paulo, SP: Annablumme. ). Aqui já é possível perceber que mesmo organizações longe do modelo dos coletivos universitários se apresentam como coletivos com a intenção de se declararem mais horizontais.

Os coletivos de artes usam suas páginas para a divulgação de eventos. Nelas há pouca postagem sobre política e mais divulgação das atividades. Tal omissão revela uma faceta importante desses coletivos: embora exista um conteúdo político na arte, eles se distanciam da política considerada tradicional ao não entrarem nesses debates em suas páginas. Mas, mesmo distante de ser um grupo político, a autodenominação coletivo vem sendo usada no sentido de que são organizações mais horizontais.

O segundo grupo de coletivos com maior presença no Facebook (29,2% deles) é definido aqui como coletivos universitários, formados por jovens estudantes do ensino superior. Entre os coletivos classificados dessa forma e com páginas no Facebook, a maior parte deles defendem pautas feministas (40,4%), direitos para jovens estudantes (15,2%), para a população LGBTQIA+ (12,9%) e o combate ao racismo (11,7%).

Em geral, os coletivos universitários são formados em parte pelos grupos sociais que defendem, como exemplifica um trecho da entrevista de um coletivo universitário que discute questões relacionadas ao gênero na cidade de Teresina: “. . . criamos esse espaço com pessoas que sofrem o mesmo tipo de opressão ou opressões parecidas e que queiram se organizar em conjunto por um ideal ou uma ideia ”. Também há pessoas que defendem tais causas, ainda que não compartilhem das mesmas clivagens sociais.

A principal prática desses coletivos é a promoção de palestras, encontros, cursos e rodas de conversa em que são discutidos textos e questões cotidianas vivenciadas pelo grupo ou noticiadas pela mídia. Os coletivos universitários por vezes chamam seus encontros de rodas de conversa. As rodas de conversa seriam diferentes dos debates, conforme os entrevistados, por seu caráter mais informal, sem conflitos e sem a necessidade de regras que determinem quem tem a fala ou em quanto tempo deve ser feita a réplica.

Os coletivos universitários em geral são tomados pela literatura como exemplo de organizações políticas contemporâneas mais horizontais inclusivas que se proliferaram exatamente depois do ciclo de protestos chamados de Junho de 2013 (Augusto, Rosa & Resende, 2016 Augusto, A., Rosa, P. O., & Resende, P. E. R. (2016). Capturas e resistências nas democracias liberais: uma mirada sobre a participação dos jovens nos novíssimos movimentos. Revista Estudos de Sociologia, 21(40), 21-37. Recuperado de https://periodicos.fclar.unesp.br/estudos/article/view/7581
https://periodicos.fclar.unesp.br/estudo...
; Gohn, 2017Gohn, M. G. (2017). Manifestações e protestos no Brasil. São Paulo, SP: Cortez. ; Vommaro, 2015Vommaro, P. A. (2015). Juventudes y políticas en la Argentina y en América Latina: tendencias, conflictos y desafios. Argentina: Grupo Editor Universitário; Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales. ; Perez, 2020Perez, O. C., & Souza, B. M. (2020). Coletivos universitários e o discurso de afastamento da política parlamentar. Educação e Pesquisa, 46, e217820. doi: 10.1590/S1678-4634202046217820
https://doi.org/10.1590/S1678-4634202046...
). No entanto, conforme esta pesquisa, esse é apenas um dos tipos de organizações políticas que se definem assim e o segundo mais presente no universo total de coletivos.

Bem próximo a esse tipo de coletivo (somando 26,5%) estão aqueles que discutem e ajudam grupos com mais dificuldade de acesso a direitos (mulheres, negros, LGBTQIA+, moradores de regiões periféricas, animais, meio ambiente etc.), formados por ativistas sem ligação expressa com a universidade.

Diferentemente dos universitários, os coletivos classificados neste trabalho como “coletivos de ajuda mútua” têm pautas mais amplas, incluindo denúncias e ações em prol do meio ambiente, causa animal e direito à cidade, por exemplo, além do combate ao preconceito dirigido a grupos mais sujeitos a opressões sociais. Seus membros também não revelam ligação com a universidade, atuando mais nas suas comunidades. Eles usam suas páginas para denunciar grupos opressores e convocar membros da comunidade para ações de ajuda mútua.

Esses coletivos poderiam ser entendidos como organizações não governamentais (ONG) ou entidades assistenciais, posto que atuam na defesa de direitos ou na prestação de serviços à população em situação de vulnerabilidade social. Exemplo de um coletivo que se assemelha a uma ONG é uma organização dedicada à causa animal que se define no Facebook como: “. . . um grupo de voluntárias e voluntários envolvidos com o manejo e o controle populacional dos animais abandonados . . .. Visamos ao bem-estar dos animais, por meio de iniciativas como doação e castração”. No entanto, tais organizações rejeitam a forma de organização do tipo ONG, o que aponta para uma outra proposta em termos de atuação política. Esse tipo de organização política se aproxima mais dos movimentos sociais, embora nem sempre atue pela ampliação de direitos e muitas vezes preste serviços à comunidade. Mesmo assim, a adoção da definição enquanto coletivo tem relação com a ideia de que são organizações mais horizontais.

O último tipo de coletivo, com menor expressão (3,8%), é formado por empresários que adotam o termo com um sentido de união de profissionais de áreas próximas. Ou seja, o coletivo reuniria designers, publicitários e grafiteiros para criar e/ou comercializar produtos. Eles são diferentes dos coletivos de artes, pois não realizam espetáculos para grandes públicos; embora, assim como os coletivos de arte, possam reunir artistas com fins comerciais.

Tais coletivos por vezes se exprimem a favor da sustentabilidade e/ou da preocupação com causas sociais em suas ações. Por exemplo, um dos coletivos empresariais se define na internet como “um punhado de gente criativa empreendendo e crescendo de olho no desenvolvimento social”. Logo, pode existir uma ideia de engajamento com questões sociais ‒ e daí a ideia de que são coletivos.

O que mais surpreendeu nos resultado desta pesquisa foi exatamente essas organizações empresariais se apresentarem como coletivos. Em geral, a literatura relaciona coletivos com organizações próximas de movimentos sociais que lutam pela ampliação e garantia de direitos (Augusto, Rosa & Resende, 2016 Augusto, A., Rosa, P. O., & Resende, P. E. R. (2016). Capturas e resistências nas democracias liberais: uma mirada sobre a participação dos jovens nos novíssimos movimentos. Revista Estudos de Sociologia, 21(40), 21-37. Recuperado de https://periodicos.fclar.unesp.br/estudos/article/view/7581
https://periodicos.fclar.unesp.br/estudo...
; Gohn, 2017Gohn, M. G. (2017). Manifestações e protestos no Brasil. São Paulo, SP: Cortez. ; Vommaro, 2015Vommaro, P. A. (2015). Juventudes y políticas en la Argentina y en América Latina: tendencias, conflictos y desafios. Argentina: Grupo Editor Universitário; Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales. ; Perez, 2020Perez, O. C., & Souza, B. M. (2020). Coletivos universitários e o discurso de afastamento da política parlamentar. Educação e Pesquisa, 46, e217820. doi: 10.1590/S1678-4634202046217820
https://doi.org/10.1590/S1678-4634202046...
). No entanto, constatamos que essa forma de autodenominação e organização mais preocupada com o social e de modo mais horizontal é adotada até no campo empresarial, relacionando-se com a perspectiva de justiça social que também é uma das características atribuídas aos coletivos que atuam no campo dos direitos (Alencar, 2020Alencar, G. (2020). Grupos protestantes e engajamento social: uma análise dos discursos e ações de coletivos evangélicos progressistas. Religião e Sociedade, 39(3), 173-196. doi: 10.1590/0100-85872019v39n3cap08
https://doi.org/10.1590/0100-85872019v39...
; Giraldo Giraldo & Ruiz Silva, 2019Giraldo Giraldo, Y. N., & Ruiz Silva, A. (2019). La solidaridad en la vida de los jóvenes de las comunas de Medellín. Folios, (49), 61-69. doi: 10.17227/folios.49-9391
https://doi.org/10.17227/folios.49-9391...
).

Como demonstrado nesta seção, o conceito de coletivos é utilizado para definir organizações distintas, como empresas com fins lucrativos e até mesmo ONG. Esse resultado nos surpreendeu, pois, com base na literatura, entendíamos coletivos como organizações próximas dos movimentos sociais que atuam pela concretização e ampliação de direitos. Diante desse resultado, nos propomos a entender se há um substrato em comum nessas organizações que ajudem a compreender o que são os coletivos e porque organizações tão distintas vêm se nomeando dessa forma.

O que há de comum nos coletivos e as relaç ões com Junho de 2013

Em geral, os 21 coletivos entrevistados para esta pesquisa repetiram algumas características típicas de suas organizações, a saber: a horizontalidade, a ausência de lideranças, a informalidade e a autonomia – nessa ordem. Esses resultados coadunam com a literatura sobre os coletivos que também indica algumas características próprias a eles, como o fato de serem organizações horizontais, fluidas e autônomas (Borelli; Aboboreira, 2011 Simões Borelli, S. H., & Aboboreira, A. (2011). Teorias/metodologias: trajetos de investigação com coletivos juvenis em São Paulo/Brasil. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, 9(1), 161-172. Recuperado de http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=77320072008
http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=77...
; Gohn, 2017Gohn, M. G. (2017). Manifestações e protestos no Brasil. São Paulo, SP: Cortez. ; Machado, 2007Machado, J. A. S. (2007). Ativismo em rede e conexões identitárias: novas perspectivas para os movimentos sociais. Sociologias, (18), 248-285. doi: 10.1590/S1517-45222007000200012
https://doi.org/10.1590/S1517-4522200700...
; 2015Machado, J. (2015). Das redes às ruas. In S. Zanirato (Org.), Políticas públicas: autores e demandas (pp. 11-23). São Paulo, SP: Annablumme. ; Maia, 2013Maia, G. L. (2013). A juventude e os coletivos: como se articulam novas formas de expressão política. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, 8(1), 58-73. doi: 10.5902/198136948630
https://doi.org/10.5902/198136948630...
; Vommaro, 2015Vommaro, P. A. (2015). Juventudes y políticas en la Argentina y en América Latina: tendencias, conflictos y desafios. Argentina: Grupo Editor Universitário; Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales. ).

Contribuindo com essa literatura, problematizamos o discurso dos entrevistados, buscando compreender o significado dessas características para criar uma definição mais geral do que são os coletivos. Ressaltamos que não é intenção da investigação verificar se de fato tais características existem, mas sim revelar os traços comuns nos discursos de membros que pertencem a organizações distintas.

A característica mais citada pelos entrevistados como definidora do coletivo foi a horizontalidade (ainda que os entrevistados nem sempre utilizassem essa palavra). Conforme a entrevistada de um coletivo universitário antirracista, a horizontalidade é o cerne do coletivo dela, pois:

. . . dentro do que a gente se propõe a fazer, nós dividimos tarefas, a gente sempre age em conjunto, em coletivo, por isso o nome. Não é uma organização na qual tem um dirigente ou uma pessoa que ela vai ser tida como líder. A gente propõe coisas como uma organização mais horizontal e que todos tenham a oportunidade de poder expressar suas ideias e se empoderar .

A ênfase na horizontalidade já foi abordada pela literatura como a principal característica dos coletivos (Borelli & Aboboreira, 2011 Simões Borelli, S. H., & Aboboreira, A. (2011). Teorias/metodologias: trajetos de investigação com coletivos juvenis em São Paulo/Brasil. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, 9(1), 161-172. Recuperado de http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=77320072008
http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=77...
; Machado, 2007Machado, J. A. S. (2007). Ativismo em rede e conexões identitárias: novas perspectivas para os movimentos sociais. Sociologias, (18), 248-285. doi: 10.1590/S1517-45222007000200012
https://doi.org/10.1590/S1517-4522200700...
; 2015Machado, J. (2015). Das redes às ruas. In S. Zanirato (Org.), Políticas públicas: autores e demandas (pp. 11-23). São Paulo, SP: Annablumme. ), indicando que uma das preocupações dos coletivos é com o estabelecimento de relações igualitárias entre seus membros. Conforme esse ideal, todos os membros de um coletivo devem poder opinar e decidir sobre os rumos da organização. Eles também destacam a horizontalidade como uma forma de se diferenciarem de organizações consideradas hierárquicas, pois nessas as decisões não envolvem os membros e excluem particularmente os grupos mais oprimidos socialmente.

A possibilidade de horizontalidade é impulsionada pela internet. As entrevistas revelaram o uso de aplicativos de mensagens, como o WhatsApp , que facilita a comunicação e a rápida decisão por parte de todos os membros da organização. Os aplicativos permitem contornar a necessidade de reuniões presenciais para a deliberação de todos os assuntos da organização.

Outra característica bastante citada nas entrevistas foi a ausência de lideranças – que é resultado da horizontalidade. Como exemplifica um coletivo de artes da cidade de Teresina: “Nossa coletividade acontece a partir do momento que a gente se reúne, mas nela não existe nenhuma estrutura organizacional; não é uma organização que tenha um diretor, um financeiro ou o que quer que seja”.

Consideramos que a ausência de liderança tem ao menos dois significados. Em primeiro lugar, não ter líderes possibilita que grupos excluídos do campo dos direitos possam também decidir questões importantes da organização. Em segundo lugar, exclui dos postos-chave da organização aqueles que já são considerados privilegiados (em geral homens brancos, mais velhos e com renda maior que a dos outros membros).

Há entre os coletivos uma proposta de inclusão de todos os membros na organização, como revela o trecho da entrevista com um coletivo universitário LGBTQIA+: “ necessariamente todos os participantes do coletivo ficam a par de todas as questões. Porém, algumas decisões são mais imediatas, mas as bichas participam de tudo ”. Ou seja, ainda que nem todas as decisões sejam compartilhadas, há na organização uma intenção de inclusão de grupos mais sujeitos a opressões sociais.

Como explicou um coletivo de artes da cidade de Teresina, o que define esse tipo de organização, quanto à formalidade, é o fato de que “ um coletivo é auto-organizado, não tão formalizado ”. Dessa forma, ele pode ser criado e desfeito sem muitas dificuldades, assim como pode mudar suas ações e sua estruturação ao longo da sua trajetória.

A informalidade serviria inclusive para discerni-los de outros tipos de organizações, como as organizações não governamentais (ONG). A maior parte dos 21 entrevistados revelaram que a ONG seria formalizada e obedeceria a procedimentos burocráticos. No coletivo, bastaria a reunião de pessoas em prol de um tema comum, sem a necessidade de formalização ou o estabelecimento de procedimentos. Quando comparado a outras organizações, ainda para o entrevistado desse coletivo de artes, “ coletivo é mais simples, mais viável, a maleabilidade é muito maior ”.

Essa característica tem relação com a fluidez apontada pela literatura (Maia, 2013Maia, G. L. (2013). A juventude e os coletivos: como se articulam novas formas de expressão política. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, 8(1), 58-73. doi: 10.5902/198136948630
https://doi.org/10.5902/198136948630...
), ou seja, com o fato de os coletivos não terem uma pauta permanente de ação, o que confere a eles um caráter mais dinâmico (Machado, 2015Machado, J. (2015). Das redes às ruas. In S. Zanirato (Org.), Políticas públicas: autores e demandas (pp. 11-23). São Paulo, SP: Annablumme. ).

A autonomia citada pela literatura como uma das características dos coletivos (Gohn, 2017Gohn, M. G. (2017). Manifestações e protestos no Brasil. São Paulo, SP: Cortez. ) também faz sentido nessa chave de interpretação, como uma afirmação por parte dos coletivos de que os grupos mais sujeitos a opressões sociais podem e devem decidir sem interferência externa. Assim como apontado por Perez ( 2020Perez, O. C. (2021). Sistematização crítica das interpretações acadêmicas brasileiras sobre as Jornadas de Junho de 2013. Izquierdas, (50), 1-16. ), ser autônomo não significa ausência de contatos com outras organizações, ou mesmo com o poder público, e sim independência em relação às decisões tomadas por outras organizações, geralmente comandadas por grupos mais privilegiados.

No mesmo sentido, a novidade atribuída aos coletivos não se deve apenas ao fato de serem organizações recentes. A ênfase na novidade serve para diferenciar os coletivos das organizações consideradas velhas – aquelas mais estruturadas, hierárquicas e que já atuam politicamente (Perez, 2020Perez, O. C., & Souza, B. M. (2020). Coletivos universitários e o discurso de afastamento da política parlamentar. Educação e Pesquisa, 46, e217820. doi: 10.1590/S1678-4634202046217820
https://doi.org/10.1590/S1678-4634202046...
). Tais organizações consideradas tradicionais não incluiriam grupos mais sujeitos a opressões sociais, especialmente nas suas decisões, enquanto os coletivos promoveriam essa inclusão não apenas na organização, mas também no campo dos direitos.

O apreço pela novidade pode até ser entendido como uma forma de disseminação das propostas dos coletivos. A novidade induz outras organizações a darem centralidade para a inclusão social e a horizontalidade das decisões. Foi nesse sentido que o entrevistado de um coletivo de artes revelou o que parece ser uma tendência na autodenominação das organizações como coletivos: o fato de que o termo está na moda e que remete a um tipo de organização mais autêntica ‒ pois estaria distante das burocracias e vícios das organizações tradicionais (sejam elas arenas parlamentares ou grupos de teatro). A ideia de novidade também ajuda a explicar a disseminação desse tipo de forma de organização, inclusive entre o universo empresarial.

Os discursos dos coletivos são relacionais, pois se contrapõem às organizações políticas tradicionais – assim como mostraram outros trabalhos (Gohn, 2017Gohn, M. G. (2017). Manifestações e protestos no Brasil. São Paulo, SP: Cortez. ; Perez, 2020Perez, O. C., & Souza, B. M. (2020). Coletivos universitários e o discurso de afastamento da política parlamentar. Educação e Pesquisa, 46, e217820. doi: 10.1590/S1678-4634202046217820
https://doi.org/10.1590/S1678-4634202046...
; Vommaro, 2015Vommaro, P. A. (2015). Juventudes y políticas en la Argentina y en América Latina: tendencias, conflictos y desafios. Argentina: Grupo Editor Universitário; Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales. ). As organizações tradicionais são entendidas como aquelas formalizadas (registradas) e hierárquicas, com normas rígidas de funcionamento (burocráticas). São exemplos de organizações tradicionais o Legislativo, o Executivo, os partidos políticos e mesmo as organizações da sociedade civil, como é o caso de algumas grandes ONG. Ainda que possam manter vínculo com essas organizações ou mesmo fazer parte delas, essa descrença ajuda a explicar as práticas e os discursos dos coletivos.

Resumindo nossas interpretações sobre as características dos coletivos, entendemos que a horizontalidade, a ausência de lideranças, a informalidade e a autonomia permitem que os coletivos incluam nas suas decisões grupos mais sujeitos a opressões sociais, assim como outros que venham a ser entendidos dessa forma. Isso não significa que haja uma inclusão horizontal no cotidiano das organizações, mas ao menos que a forma que elas querem se expressar para o mundo revela essa intenção.

Logo, os coletivos podem ser definidos como organizações próximas ou distantes da política que têm a intenção de demonstrar que são mais inclusivas no sentido de permitir que a diversidade da população brasileira participe das decisões das organizações, por isso também o apreço pela horizontalidade, uma das características principais dos coletivos.

É importante ressaltar que, em geral, a literatura que aborda coletivos entende-os como formados por jovens universitários que atuam pela concretização e ampliação de direitos (Augusto, Rosa & Resende, 2016 Augusto, A., Rosa, P. O., & Resende, P. E. R. (2016). Capturas e resistências nas democracias liberais: uma mirada sobre a participação dos jovens nos novíssimos movimentos. Revista Estudos de Sociologia, 21(40), 21-37. Recuperado de https://periodicos.fclar.unesp.br/estudos/article/view/7581
https://periodicos.fclar.unesp.br/estudo...
; Gohn, 2017Gohn, M. G. (2017). Manifestações e protestos no Brasil. São Paulo, SP: Cortez. ; Perez, 2020Perez, O. C., & Souza, B. M. (2020). Coletivos universitários e o discurso de afastamento da política parlamentar. Educação e Pesquisa, 46, e217820. doi: 10.1590/S1678-4634202046217820
https://doi.org/10.1590/S1678-4634202046...
; Vommaro, 2015Vommaro, P. A. (2015). Juventudes y políticas en la Argentina y en América Latina: tendencias, conflictos y desafios. Argentina: Grupo Editor Universitário; Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales. ). De fato, encontramos esse tipo de coletivo na pesquisa, mas ele é apenas o segundo mais presente. A pesquisa revelou que outras organizações, como aquelas do universo das artes, de ajuda mútua e mesmo empresariais, também se denominam dessa forma. Diante de um universo muito diverso de coletivos, consideramos necessária uma reflexão sobre a diferença entre elas.

Defendemos que ao menos os coletivos universitários e de ajuda mútua podem ser compreendidos como movimentos sociais, ao passo que os coletivos de artes e empresariais, não. Conforme Diani e Bison ( 2010 Diani, M., & Bison, I. (2010). Organizações, coalizões e movimentos. Revista Brasileira de Ciência Política, (3), 219-250. Recuperado de https://periodicos.unb.br/index.php/rbcp/article/view/1681
https://periodicos.unb.br/index.php/rbcp...
), são centrais nos processos de movimentos sociais os conflitos com oponentes claramente identificados, as trocas informais entre indivíduos e organizações engajadas em projetos coletivos e a identidade entre os membros dessas redes.

Essas três dimensões podem ser examinadas no caso dos coletivos universitários e de ajuda mútua. Neles, há uma clara atuação em prol da conquista e concretização de direitos para grupos percebidos como mais sujeitos a opressões sociais, tais como jovens estudantes, mulheres, estudantes, negros e LGBTQIA+ (suas principais bandeiras). Os coletivos não apenas expressam problemas coletivos, mas contribuem para sua superação , identificando alvos e mostrando soluções. Conforme um coletivo universitário LGBTQIA+ entrevistado: “ nossa forma de agir é de disputa, de conflito. Não tem como não dizer que não é dessa forma. Afinal de contas, nós somos ainda colocadas no que poderia ser chamado de subcidadania!? Né? ”. Já os coletivos empresariais e de artes não têm uma atuação em prol da conquista de direitos.

Há também a construção de identidades coletivas nas organizações universitárias e de ajuda mútua, outra dimensão central nos movimentos sociais. Tais coletivos são formados por jovens estudantes, mulheres, negros e LGBTQIA+. Nos seus encontros, eles constroem suas identidades, conforme relatou um entrevistado de um coletivo de estudantes da cidade de Teresina: “ então a gente faz uma discussão sobre o que afeta nossa militância, como que está a nossa vida, nós nos construímos muito mais profundamente enquanto indivíduos e construímos uma identidade enquanto coletivo ”.

Por fim, os coletivos também estabelecem redes de interações informais, centrais para a definição de movimentos sociais, conforme Diani e Bison ( 2010 Diani, M., & Bison, I. (2010). Organizações, coalizões e movimentos. Revista Brasileira de Ciência Política, (3), 219-250. Recuperado de https://periodicos.unb.br/index.php/rbcp/article/view/1681
https://periodicos.unb.br/index.php/rbcp...
). As entrevistas revelaram que seus membros estão presentes em vários pequenos coletivos, além de migrarem de uma organização para outra. Como revela uma entrevistada de um coletivo universitário antirracista:

. . . assim, aqui na universidade eu faço parte do coletivo atitude preta, ele foi fundando vai fazer aproximadamente um ano. Aí eu também faço parte de outros coletivos, eu faço parte do coletivo RUA, juventude anticapitalista, e também sou do DCE, e também sou da organização da marcha da maconha .

Esses argumentos reforçam a utilidade das teorias sobre movimentos sociais para compreender os coletivos, especialmente os universitários e os de ajuda mútua.

Percebe-se que a literatura entende como coletivos aqueles na verdade que podem ser definidos como movimentos sociais, que também se proliferaram depois das Jornadas de Junho de 2013, como já demonstrado por outros estudos (Bringel & Pleyers, 2015 Bringel, B., & Pleyers, G. (2015). Junho de 2013… dois anos depois: polarização, impactos e reconfiguração do ativismo no Brasil. Nueva Sociedad, 259, 4-17. Recuperado de https://nuso.org/articulo/junho-de-2013-dois-anos-depois/
https://nuso.org/articulo/junho-de-2013-...
; Perez, 2019Perez, O. C. (2019). Relações entre coletivos com as Jornadas de Junho. Opinião Pública, 25(3), 258-256. doi: 10.1590/1807-01912019253577
https://doi.org/10.1590/1807-01912019253...
).

No entanto, os coletivos que atuam em prol de direitos são apenas alguns dentro de um universo de organizações que vem se apresentando dessa forma. Argumentamos que organizações distintas do campo dos direitos, a exemplo daquelas que atuam nas artes e as empresariais, também vêm se apresentando dessa forma. E a proliferação delas também tem relação com Junho de 2013.

O primeiro dado que demonstra essa relação é o fato de que a maior parte das 725 organizações que se autointitulam como coletivos no Facebook foi criada entre os anos de 2013 e 2016 (61,5%) com pico em 2016 (16,7%). Mas é preciso ponderar esses dados, já que o acesso à internet também cresceu nos últimos anos. No entanto, os dados do Facebook coincidem com o ano de criação dos 21 coletivos pesquisados em Teresina (PI) que revelaram o pico de criação no ano de 2016 (um terço deles). Essa relação foi destacada por parte dos entrevistados que afirmaram que participaram de protestos e ações políticas depois de 2013, em que a ideia de inclusão era muito importante.

Mas o dado que mais chama atenção para a relação entre Junho de 2013 com a criação de coletivos é a crítica contra o sistema político no ciclo de protesto, em especial os partidos (Tatagiba, 2014Tatagiba, L. (2014). 1984, 1992 e 2013: sobre ciclos de protestos e democracia no Brasil. Política & Sociedade, 13(28), 35-62. doi: 10.5007/2175-7984.2014v13n28p35
https://doi.org/10.5007/2175-7984.2014v1...
), por serem demasiadamente hierárquicos. Não por acaso, o início do ciclo de protestos em São Paulo teve como protagonista o Movimento Passe Livre, que se define como um coletivo horizontal que recusou a apresentação de lideranças durante os protestos (Augusto, Rosa e Resende, 2016 Augusto, A., Rosa, P. O., & Resende, P. E. R. (2016). Capturas e resistências nas democracias liberais: uma mirada sobre a participação dos jovens nos novíssimos movimentos. Revista Estudos de Sociologia, 21(40), 21-37. Recuperado de https://periodicos.fclar.unesp.br/estudos/article/view/7581
https://periodicos.fclar.unesp.br/estudo...
). Como mostramos na pesquisa, a ideia da importância da horizontalidade e da inclusão nas decisões coletivas é a base das organizações que se apresentam como coletivos, ainda que não atuem no campo dos direitos.

Logo, nas Jornadas de Junho de 2013 havia um apreço pela horizontalidade e inclusão e, ao mesmo tempo, um repúdio às organizações políticas tradicionais consideradas mais hierárquicas e pouco inclusivas. Esse apreço extrapolou o campo das organizações políticas de movimentos sociais, sendo adotado por outras organizações no universo das artes e empresariais. Nesse sentido, os impactos do ciclo de protestos ocorridos em 2013 extrapolaram o campo das organizações políticas. O sentido presente nas Jornadas de Junho de que as organizações devem ser mais inclusivas e horizontais é defendido hoje em organizações diversas entre si.

Considerações finais

Esta pesquisa sobre coletivos –que se multiplicaram depois de Junho de 2013 – teve como objetivo principal entender porque organizações distintas vêm se definindo dessa forma. Para tanto, consideramos necessário, primeiramente, diferenciar tipos de coletivos – considerando, por exemplo, que os universitários são mais próximos dos conceitos de movimento sociais do que os demais e são tomados como representativos dos coletivos, mesmo que sejam apenas uma categoria dentro do universo de organizações que se definem assim.

Embora haja diferenças entre os quatro tipos de coletivos identificados (de artes, universitários, de ajuda mútua e empresariais), mostramos que há um discurso comum que ressalta a importância da inclusão da população brasileira nas decisões coletivas de modo mais horizontal.

A pesquisa contribui com o campo de conhecimento sobre Junho de 2013, mostrando o quanto o ciclo de protestos impactou a nossa realidade, extrapolando o que geralmente é observado, a exemplo de organizações políticas que atuam por mais direitos.

No campo prático, a pesquisa permite que as organizações reflitam sobre como podem se coadunar com essas novas percepções, possibilitando que grupos excluídos também participem delas. Os coletivos mostram que a inclusão no campo dos direitos começa com a possibilidade de participação ampla dentro das próprias organizações.

Por fim, fica o convite para a reflexão sobre como os acontecimentos de Junho de 2013 influenciaram e ainda influenciam sobre a nossa organização política, econômica e social, para além daqueles fenômenos usualmente observados.

Referências

  • Alencar, G. (2020). Grupos protestantes e engajamento social: uma análise dos discursos e ações de coletivos evangélicos progressistas. Religião e Sociedade, 39(3), 173-196. doi: 10.1590/0100-85872019v39n3cap08
    » https://doi.org/10.1590/0100-85872019v39n3cap08
  • Augusto, A., Rosa, P. O., & Resende, P. E. R. (2016). Capturas e resistências nas democracias liberais: uma mirada sobre a participação dos jovens nos novíssimos movimentos. Revista Estudos de Sociologia, 21(40), 21-37. Recuperado de https://periodicos.fclar.unesp.br/estudos/article/view/7581
    » https://periodicos.fclar.unesp.br/estudos/article/view/7581
  • Bordt, R. L. (1990). How alternative ideas become institutions: the case of feminist collectives. Nonprofit and Voluntary Sector Quarterly, 26(2), 132-155. doi: 10.1177/0899764097262003
    » https://doi.org/10.1177/0899764097262003
  • Bringel, B., & Pleyers, G. (2015). Junho de 2013… dois anos depois: polarização, impactos e reconfiguração do ativismo no Brasil. Nueva Sociedad, 259, 4-17. Recuperado de https://nuso.org/articulo/junho-de-2013-dois-anos-depois/
    » https://nuso.org/articulo/junho-de-2013-dois-anos-depois/
  • Comitê Gestor da Internet no Brasil. (2023). Pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nos domicílios brasileiros – TIC Domicílios 2022. São Paulo, SP: Cetic.br ; NIC.br . Recuperado de https://www.cgi.br/media/docs/publicacoes/2/20230825143720/tic_domicilios_2022_livro_eletronico.pdf
    » https://www.cgi.br/media/docs/publicacoes/2/20230825143720/tic_domicilios_2022_livro_eletronico.pdf
  • Desouza, S. (2012). The Strength of Collective Processes: An ‘Outcome Analysis’ of Women’s Collectives in India. Indian Journal of Gender Studies, 19(3), 373-392. doi: 10.1177/097152151201900302
    » https://doi.org/10.1177/097152151201900302
  • Diani, M., & Bison, I. (2010). Organizações, coalizões e movimentos. Revista Brasileira de Ciência Política, (3), 219-250. Recuperado de https://periodicos.unb.br/index.php/rbcp/article/view/1681
    » https://periodicos.unb.br/index.php/rbcp/article/view/1681
  • Facebook. (n.d.). {102 milhões de brasileiros compartilham seus momentos no Facebook todos os meses}. Meta. Recuperado em 31 de julho de 2016 de https://www.facebook.com/business/news/102-milhes-de-brasileiros-compartilham-seus-momentos-no-facebook-todos-os-meses
    » https://www.facebook.com/business/news/102-milhes-de-brasileiros-compartilham-seus-momentos-no-facebook-todos-os-meses
  • Giraldo Giraldo, Y. N., & Ruiz Silva, A. (2019). La solidaridad en la vida de los jóvenes de las comunas de Medellín. Folios, (49), 61-69. doi: 10.17227/folios.49-9391
    » https://doi.org/10.17227/folios.49-9391
  • Gohn, M. G. (2008). Abordagens teóricas no estudo dos movimentos sociais na América Latina. Caderno CRH, Salvador, 21(54), 439-455. doi: 10.1590/S0103-4979-2008000300003
    » https://doi.org/10.1590/S0103-4979-2008000300003
  • Gohn, M. G. (2017). Manifestações e protestos no Brasil. São Paulo, SP: Cortez.
  • Machado, J. A. S. (2007). Ativismo em rede e conexões identitárias: novas perspectivas para os movimentos sociais. Sociologias, (18), 248-285. doi: 10.1590/S1517-45222007000200012
    » https://doi.org/10.1590/S1517-45222007000200012
  • Machado, J. (2015). Das redes às ruas. In S. Zanirato (Org.), Políticas públicas: autores e demandas (pp. 11-23). São Paulo, SP: Annablumme.
  • Maia, G. L. (2013). A juventude e os coletivos: como se articulam novas formas de expressão política. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, 8(1), 58-73. doi: 10.5902/198136948630
    » https://doi.org/10.5902/198136948630
  • Mora, C., & Rios, M. (2009). ¿De Política de Representación a Política de Coalición?: Posibilidades de Movilización Feminista em el Chile Post-Dictadura. Polis, 8(24), 133-145. doi: 10.4067/S0718-65682009000300008
    » https://doi.org/10.4067/S0718-65682009000300008
  • Perez, O. C. (2019). Relações entre coletivos com as Jornadas de Junho. Opinião Pública, 25(3), 258-256. doi: 10.1590/1807-01912019253577
    » https://doi.org/10.1590/1807-01912019253577
  • Perez, O. C. (2021). Sistematização crítica das interpretações acadêmicas brasileiras sobre as Jornadas de Junho de 2013. Izquierdas, (50), 1-16.
  • Perez, O. C., & Souza, B. M. (2020). Coletivos universitários e o discurso de afastamento da política parlamentar. Educação e Pesquisa, 46, e217820. doi: 10.1590/S1678-4634202046217820
    » https://doi.org/10.1590/S1678-4634202046217820
  • Sapriza, G. (2015). “Nos habíamos amado tanto”. Años revueltos. Mujeres, colectivos y la pelea por el espacio público. Revista Estudos Feministas, 23(3), 939-958. doi: 10.1590/0104-026X2015v23n3p933
    » https://doi.org/10.1590/0104-026X2015v23n3p933
  • Simões Borelli, S. H., & Aboboreira, A. (2011). Teorias/metodologias: trajetos de investigação com coletivos juvenis em São Paulo/Brasil. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, 9(1), 161-172. Recuperado de http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=77320072008
    » http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=77320072008
  • Tatagiba, L. (2014). 1984, 1992 e 2013: sobre ciclos de protestos e democracia no Brasil. Política & Sociedade, 13(28), 35-62. doi: 10.5007/2175-7984.2014v13n28p35
    » https://doi.org/10.5007/2175-7984.2014v13n28p35
  • Tatagiba, L., & Galvão, A. (2019). Os protestos no Brasil em tempos de crise (2011-2016). Opinião Pública, 25(1), 63-96. doi: 10.1590/1807-0191201925163
    » https://doi.org/10.1590/1807-0191201925163
  • Valk, A. M. (2002). Living a Feminist Lifestyle: The Intersection of Theory and Action in a Lesbian Feminist Collective. Feminist Studies, 28(2), 303-332. doi: 10.2307/3178744
    » https://doi.org/10.2307/3178744
  • Vommaro, P. A. (2015). Juventudes y políticas en la Argentina y en América Latina: tendencias, conflictos y desafios. Argentina: Grupo Editor Universitário; Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    04 Nov 2023
  • Aceito
    08 Abr 2024
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo Av. Prof. Mello Moraes, 1721 - Bloco A, sala 202, Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira, 05508-900 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revpsico@usp.br