Open-access Conhecimento de alunos do ensino médio sobre a história do esporte

Physical education in high school: on the history of sports

L’éducation physique au lycée : sur l’histoire du sport

Conocimiento de los alumnos de la secundaria sobre la historia del deporte

Resumo:

Este artigo busca analisar o conhecimento de alunos do ensino médio sobre a história do esporte. Elaborou-se um questionário sobre a temática, respondido por 148 discentes de escolas públicas do noroeste do Paraná, cujos dados foram analisados à luz da teoria crítica da sociedade. Os alunos participantes indicaram rupturas entre as diferentes manifestações corporais, de períodos históricos distintos, acerca das regras, técnicas corporais, níveis de violência física e sentidos e significados dessas práticas, com predomínio da associação do esporte à Antiguidade, sem o reconhecimento deste como um fenômeno contemporâneo. Esse entendimento, influenciado pela indústria cultural, dificulta a reflexão sobre as manifestações corporais violentas como reprodução da própria dominação social.

Palavras-chave:  educação física; esporte; indústria cultural; teoria crítica

Abstract:

This article analyzes the knowledge high school students have regarding the history of sports. A questionnaire elaborated on the topic was answered by 148 students from public schools in northwestern Paraná, Brazil. Data was analyzed according to the Critical Theory of Society. The participants indicated a mismatch between the different bodily expressions, in distinct historical periods, regarding rules, bodily techniques, levels of physical violence and the meaning and significance of such practices, mainly associating sports with Antiquity, without acknowledging it as a present-day phenomenon. This understanding, influenced by the culture industry, hinders reflecting upon violent bodily expressions as reproduction of social control.

Keywords:  physical education; sport; culture industry; critical theory

Résumé :

Cet article analyse les connaissances des lycéens sur l’histoire du sport. Un questionnaire élaboré sur le sujet a été rempli par148 élèves d’écoles publiques du nord-ouest de Paraná, au Brésil. Les données ont été analysées selon la théorie critique de la société. Les participants ont indiqué des ruptures entre les différentes expressions corporelles, dans des périodes historique distinctes, concernant les règles, les techniques corporelles, le niveau de violence physique et les sens et les significations de ces pratiques, associant notamment le sport à l’Antiquité, sans le reconnaître comme un phénomène actuel. Cette compréhension, influencée par l’industrie culturelle, empêche de réfléchir aux expressions corporelles violentes en tant que reproduction du contrôle social.

Mots-clés :  éducation physique; sport; industrie culturelle; théorie critique

Resumen:

Este artículo se propone analizar el conocimiento de los alumnos de la secundaria sobre la historia del deporte. Se creó un cuestionario sobre el tema, el cual se aplicó a 148 alumnos de escuelas públicas de la región noroeste de Paraná (Brasil), y los datos se analizaron a la luz de la teoría crítica de la sociedad. Los alumnos destacan rupturas entre las diferentes manifestaciones corporales, de períodos históricos diferentes, sobre las reglas, las técnicas corporales, el nivel de violencia física y sentidos, y los significados de esas prácticas, con predominancia de la asociación del deporte a épocas remotas de la humanidad, sin reconocerlo como un fenómeno contemporáneo. Este entendimiento, influenciado por la industria cultural, dificulta la reflexión sobre las manifestaciones corporales violentas como reproducción de la propia dominación social.

Palabras clave:  educación física; deporte; industria cultural; teoría crítica

Introdução

O esporte se apresenta como paradigma das atividades corporais da modernidade, contribuindo, em grande medida, para que a tradição oral, a fruição e a ludicidade que antigamente marcavam os jogos, as ginásticas, as lutas e as danças fossem incorporadas pela competição, pela padronização e pelos interesses mercadológicos vinculados ao fenômeno esportivo atual (Ferreira, 2015 ).

Um exemplo da magnitude social desse fenômeno é sua consolidação como conteúdo central da educação física brasileira na segunda metade do século XX (Klehm & Almeida, 2017 ). Estudos como os de Silva, Rodrigues e Freire ( 2017 ) revelam que muitos estudantes identificam as aulas de educação física com a prática esportiva, atribuindo ao grau de exigência física a maior diferença entre as aulas na escola de educação básica e as sessões de treinamento nas escolinhas esportivas.

O pouco contato dos estudantes com atividades extraesportivas acaba tornando o esporte o conteúdo escolar preferido por muitos. Destaca-se, no entanto, que os meninos tendem a encontrar até três vezes mais satisfação ao participar das aulas de educação física em comparação às meninas, sem desconsiderar que elas têm menor vivência esportiva fora do ambiente escolar do que eles (Brandolin, Koslinski, & Soares, 2015 ). Todavia, de forma geral, o prazer dos alunos em participar das aulas de educação física se reduz com o passar dos anos. Ramos, Souza, Brasil, Barros e Nascimento ( 2014 ) dizem que esse fato pode ocorrer pelo aumento dos níveis de sedentarismo e de obesidade na adolescência, bem como pela repetição dos conteúdos e dos procedimentos de ensino ao longo da escolarização. Não raro, a própria seleção dos conteúdos pelos docentes é permeada pelo critério de afinidade com determinados esportes ou pela escolha dos alunos que, via de regra, incide sobre os esportes mais conhecidos e divulgados pela mídia (Souza & Paixão, 2015 ).

O valor formativo do esporte como conteúdo escolar, a necessidade de superar a prática espontaneísta pela apropriação do conhecimento sistematizado (Kolyniak Filho, 2014 ) e a importância da diversificação dos conteúdos desenvolvidos nas aulas de educação física (Oliveira, 2000 ) são questões consensuais entre estudiosos da área. No entanto, a despeito da importância do esporte como conteúdo escolar, falta consenso no sistema educacional para mantê-lo nessa condição. Diferentes argumentos implicam práticas distintas, quer seja no que se refere à seleção dos conteúdos, quer seja na forma de distribuí-los e adequá-los às diferentes etapas de ensino, quer seja na concepção de avaliação adotada na disciplina de educação física e sua relação com a concepção de aprendizagem.

No ensino médio, tendo em vista o objetivo de aprofundar os conhecimentos e prosseguir os estudos iniciados no ensino fundamental previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (“Lei n. 9.394”, 1996 ), a educação física é o momento que possibilita ao aluno ampliar 1 e aprofundar os seus conhecimentos sobre a cultura corporal da qual o esporte é a principal expressão. A escola não forma atletas, artistas, filósofos, geógrafos, historiadores etc. No entanto, a apropriação de conceitos dessas áreas é fundamental para a compreensão do mundo, para o desenvolvimento da autonomia e para a atuação na sociedade, pois a crítica aos objetos demanda a crítica à sociedade em que eles são produzidos (Adorno, 2008 ).

O aprofundamento nos objetos de ensino da educação física envolve diversos aspectos, com destaque para: apropriação das regras, técnicas e táticas dos movimentos corporais; apreciação estética do movimento humano; análise dos fatores que influenciam a saúde individual e coletiva; reflexão sobre a ênfase competitiva que permeia os elementos da cultura corporal; e compreensão histórica das práticas corporais. Ainda, esse aprofundamento envolve a compreensão de quão lúdicos podem parecer os recursos de dominação social, ao se utilizarem das práticas corporais para ampliar os processos pseudoformativos (Sanches, 2007 ).

Com relação à organização do ensino de educação física, muitas questões suscitam dúvidas a docentes e pesquisadores, entre as quais merece destaque a forma de conciliar a execução de exercícios físicos com os momentos de estudo e reflexão, de maneira que o primeiro aspecto não seja substituído pelo segundo, já que isso descaracterizaria o próprio componente curricular.

A definição de conteúdos essenciais a serem ensinados nas aulas de educação física ao longo da escolarização básica, bem como a perspectiva base sobre a qual são desenvolvidos, pode contribuir para a formação crítica dos alunos. Nesse sentido, considerando o esporte como o protótipo das práticas corporais na atualidade e seu protagonismo como conteúdo escolar, espera-se que, ao concluírem o ensino médio, os alunos compreendam o movimento histórico do esporte, já que se trata de um fenômeno particular constituído em contexto histórico-social. Essa questão evidencia a importância da análise do conhecimento dos alunos do ensino médio sobre a historicidade do esporte. Dessa forma, esta pesquisa busca verificar os conteúdos predominantes nas aulas de educação física no ensino médio para analisar aspectos do conhecimento de estudantes do último ano da educação básica acerca das manifestações corporais ao longo da história e do período histórico no qual o esporte foi constituído.

Metodologia

Para o desenvolvimento da pesquisa, entre julho e agosto de 2018 2 , 148 alunos do terceiro ano do ensino médio, de três escolas públicas estaduais do Paraná, responderam, presencialmente, a um questionário contendo quatro perguntas. Os alunos tinham média de idade de 17,6±1,8 anos, sendo 65 (43,9%) do sexo feminino e 83 (56,1%) do masculino. Para a seleção das instituições nas quais os dados foram coletados, estabeleceu-se como critério o maior Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) (4,5) alcançado em 2015 por municípios da jurisdição do Núcleo Regional de Educação (NRE) de Loanda, no extremo noroeste do Paraná. Dos 12 municípios que compõem esse núcleo, foram selecionados os três com a nota mais alta em 2015, pois os alunos avaliados nesse ano, potencialmente, seriam os concluintes da educação básica em 2018. O cálculo amostral foi realizado considerando o número total de matriculados, 220 alunos (n=220), e a quantidade dos que responderam ao questionário (n=148). Estabeleceram-se o nível de confiança de 95% e o erro amostral de 5%. A margem de erro amostral calculado a posteriori foi de 4,6%, abaixo do valor estabelecido a priori, com prevalência desconhecida do desfecho (conhecimento histórico do esporte) (50%).

Na Tabela 1 , estão sistematizados os dados referentes à amostra e aos sujeitos da pesquisa, como a média de idade, o desvio padrão da população e o número de alunos que responderam ao questionário distribuídos por colégio. Cada um dos três municípios tem apenas uma instituição pública que oferta o ensino médio regular, nomeadas pelas letras A, B e C.

Tabela 1.
Características da amostra

As questões que compõem o questionário versam sobre os seguintes aspectos: conteúdos predominantes nas aulas de educação física do ensino médio; temáticas mais abordadas nas aulas; diferenças e semelhanças entre os jogos antigos e medievais e o esporte atual; e período histórico no qual o esporte teve origem. A análise qualitativa dos dados foi realizada mediante conceitos tratados pela teoria crítica da sociedade – indústria cultural e pseudoformação –, que são desenvolvidos na sequência para, em seguida, o foco do estudo ser dirigido aos aspectos centrais do percurso histórico do esporte como um fenômeno da contemporaneidade que também subsidiam a análise dos dados empíricos.

Teoria crítica da sociedade: indústria cultural e pseudoformação

O termo indústria cultural foi desenvolvido por Adorno e Horkheimer no fim da década de 1940 (Adorno & Horkheimer, 2006 ). Ao analisar os aspectos regressivos da razão como instrumento de produção e dominação na sociedade atual, os autores encontraram na cultura de massa características que a aproximavam mais do sistema de produção e de circulação de mercadorias do que da cultura como conjunto das experiências construídas pelas relações humanas e por elas cultivadas e transmitidas às próximas gerações. Adorno e Horkheimer compreenderam que o que estava sendo chamado de cultura de massa não apresentava tais características e não poderia ser realmente considerado como cultura, pois era produzido como uma mercadoria e não procedia das massas.

Essa cultura perpassada pela ideologia industrial e pelo fetiche da mercadoria forneceu os elementos para que, em 1947, os autores cunhassem o termo indústria cultural. Esse conceito evidencia como o sistema ideológico da sociedade industrial possibilita que a contradição entre os avanços materiais da civilização e a imanente regressão cultural seja administrada para a perpetuação da dominação social. Logo, a cultura como indústria cultural expressa a própria dominação, além de ser também um meio pelo qual esta se efetiva e fortalece ao embotar a subjetividade individual.

Por sua vez, a pseudoformação representa a generalização do fracasso cultural, perpetrada por cada indivíduo em maior ou menor grau particular (Adorno, 2008 ). A falsa formação resulta da apropriação de uma cultura de caráter fetichizado, tendo por mediante a indústria cultural como algo que produz o efeito de fortalecimento da subjetividade. Ao contrário disso, a pseudoformação inviabiliza que as vivências transcendam para o nível da experiência, para a esfera da formação. Resulta disso o não reconhecimento da indústria cultural como a própria ideologia, embora seja por meio dela que criam-se e difundem-se estereótipos que vão minando e enfraquecendo a subjetividade, sob a ideia de que todos têm à sua disposição os mesmos bens de consumo.

A universalização do acesso à mercadoria engloba todas as formas de elaboração cultural e proporciona a similitude entre o tempo fora do trabalho especialmente pensado para o consumo e para a regeneração da atividade laboral. Dessa maneira, o lazer, o estudo, a religiosidade, a sexualidade e as manifestações estéticas e artísticas tendem a ser incorporadas e controladas pela indústria cultural, dificultando sua compreensão como ideologia e, desse modo, como falsa experiência. A massificação do consumo proporcionada pelo aumento da produção de mercadorias incide na padronização das formas de consciência entre as diferentes classes sociais, proporcionando a identificação e a integração entre as pessoas. Entretanto, trata-se de uma interdependência mediada pelo consumo comum de produtos estereotipados e pelo individualismo, gerando indiferença à dor e ao sofrimento alheios (Marcuse, 1979 ).

No início da modernidade, a burguesia revolucionária operava com a verdade dos fatos e fenômenos, explicitando o caráter histórico da violência, que é, portanto, passível de mudanças. Posteriormente, a ameaça da perda dos privilégios conquistados contribuiu para uma nova naturalização das formas de dominação e controle, agora mais sutis e perspicazes. Nesse sentido, a indústria cultural apresenta-se como uma das manifestações dessa violência e do consequente controle social adquirido, no contexto do capitalismo tardio, por meio de formas mais complexas de manipulação das massas.

A sofisticação do controle social muito se deve à formalização da liberdade e da igualdade, imputando aos próprios indivíduos a responsabilidade por sua mobilidade – ascensão ou declínio – na escala hierárquica da estratificação social. A falsa igualdade e a falsa liberdade, concebidas como verdadeiras, dificultam a percepção da exploração à qual os sujeitos são submetidos, já que o incremento tecnológico conduz, por exemplo, à ideia de que o mundo se tornou mais humano, quando comparado à violência física que caracterizava a Antiguidade 3 e o medievo, corroborando o desenvolvimento da frieza nos indivíduos (Marcuse, 1979 ).

O obscurecimento das contradições humanas ecoa nas propagandas e técnicas publicitárias da indústria cultural, pois o fetichismo da mercadoria atomiza o indivíduo e exalta o objeto. Nessa direção, um exemplo interessante está no fato de o juramento olímpico prever que os atletas devem ‘honrar e glorificar’ o esporte, levando a entender o esforço físico como uma forma de culto e de sacrifício e não um meio de exploração e dominação do homem pelo próprio homem, quando já se têm condições de a humanidade existir livre da violência, do poder e do medo. Por seu turno, o indivíduo reificado tende a identificar as normas com a sociedade e os objetos com suas funções (Adorno, 2009 , 2011 ).

Essa racionalidade instrumental reforça a aceitação do existente e a luta pela autoconservação. Pelo conteúdo e pela forma dos canais que constituem a indústria cultural, tolhe-se a possibilidade de se pensar a realidade em seu vir a ser, quer dizer, em movimento, cuja continuidade e ruptura se fazem presentes. O rebaixamento cultural da formação padronizada obstaculiza o processo de diferenciação do sujeito heterônomo. Nas palavras de Adorno ( 1972 ), sem a incorporação da autoridade do conhecimento pelo indivíduo, vigora a autoridade dos astros da indústria cultural, a exemplo dos heróis do esporte, assim como outrora foram os símbolos religiosos.

A constituição do esporte moderno nas escolas públicas inglesas

O esporte como é atualmente conhecido é um fenômeno erigido na Europa entre os séculos XIX e XX, associado aos processos civilizatórios que marcam as relações sociais ao longo da modernidade (Dunning, 2001a ). Segundo Dunning ( 1992 ), o aumento da sensibilidade à violência física, a maior regulação e a sofisticação dos comportamentos individuais como marcas da modernidade incidiram sobre as práticas corporais, demonstrando uma ruptura entre o esporte e as manifestações corporais que o antecederam.

Nas sociedades pré-modernas, a guerra desempenhava importante papel nas relações políticas e econômicas; logo, a violência física era uma constante, tanto nas questões públicas como nas de âmbito privado. Nesse contexto, eram comuns mortes de pais por filhos e vice-versa, em razão de medos e invejas entre ambos. Era habitual, ainda, a família vingar assassinatos de parentes ao invés de o Estado tomar providências, bem como eliminar crianças débeis ou com imperfeições físicas (Elias, 1992a ). Manacorda ( 1989 ) retrata esse tipo de violência citando a permissão concedida pela Lei das Doze Tábuas, do século V a.C., para que o pai matasse “filhos anormais, prenda, flagele, condene aos trabalhos agrícolas forçados, venda ou mate filhos rebeldes, mesmo quando, já adultos, ocupam cargos públicos” (p. 74).

A tolerância à violência física arraigada à estrutura social reflete-se nos passatempos, como demonstra Elias ( 1992b , p. 70):

Durante séculos, os combates de gladiadores, ou entre os seres humanos e os animais, constituíam um divertimento apreciado pelas populações urbanas do Império Romano, e a diversão medieval da queima dos gatos, a suspensão pública na forca ou a luta de galos teriam, provavelmente, desencadeado um diminuto prazer às audiências contemporâneas, e poderiam ser sentidas por algumas pessoas como algo intolerável e horrível.

Essas atividades eram regidas por regras orais, específicas para cada localidade e vagamente definidas, sem um controle externo ou uma espécie de tribunal para julgar e mediar casos de contendas entre seus integrantes (Dunning, 1992 ).

A cisão entre as práticas corporais medievais e a instituição do esporte como paradigma da modernidade engendrou-se na Inglaterra, país mais desenvolvido tecnologicamente, durante os séculos XVIII e XIX. Para Horkheimer e Adorno ( 1973 ), a palavra civilização advém da cultura inglesa, e era usada para contrastar com a cultura feudal. Nesse modelo de sociedade, em que as colheitas deixavam de suscitar o desespero em razão da fome, as explosões coletivas incontroláveis tornavam-se cada vez mais esporádicas (Elias & Dunning, 1992 ). Vê-se, portanto, que o desenvolvimento das forças de produção capitalistas se vincula às novas expressões dos passatempos.

Um dos fatores que levou o esporte moderno a se consolidar na Inglaterra, foi a acumulação primitiva – com a expropriação dos trabalhadores de seus meios de produção – ter ocorrido nesse país entre os séculos XV e XVI. Outro importante aspecto a ser considerado se refere à passividade do processo de transformação política, com a adoção do regime parlamentar, quando comparado a outros países, a exemplo da França e da Alemanha. No século XVIII, “os proprietários de terras abastados da Inglaterra, nobres e cavalheiros já não tinham qualquer receio de revolta das classes agrárias mais baixas” (Elias, 1992c , p. 46). A principal cisão política ocorria “entre as facções de grupos proprietários rurais, entre whigs e tories, cuja rivalidade não se encontrava enraizada entre classes sociais diferentes . . . .” (Elias, 1992c , p. 53).

A compreensão do esporte como uma forma de confronto físico relativamente não violento estava intimamente associada ao abrandamento dos ciclos de violência social por intermédio de um Estado unificado.

As técnicas militares deram lugar às técnicas verbais do debate feitas de retórica e de persuasão, a maior parte das quais exigia mais contenção geral, identificando de modo nítido, esta mudança com um avanço de civilização. Foi esta alteração, a maior sensibilidade quanto à utilização da violência, que, reflectida nos hábitos sociais dos indivíduos, encontrou também expressão no desenvolvimento dos seus divertimentos. A ‘parlamentarização’ das classes inglesas que possuíam terras teve a sua contrapartida na ‘desportivização’ de seus passatempos.

(Elias, 1992c , p. 59)

Segundo Hobsbawm ( 1996 ), no século XVIII, a maioria dos estados europeus ainda era regida pelo absolutismo monárquico enquanto a Inglaterra se tornava a maior potência econômica mundial, em razão de ter realizado sua revolução política no século anterior. As principais causas dessa ascensão foram as vicissitudes pacifistas e liberais da organização política inglesa, pois, em termos científicos, tecnológicos e educacionais, a França demonstrava superioridade.

Essa liberalidade inglesa coaduna-se ao desenvolvimento do esporte moderno, uma vez que a formação dos clubes esportivos concorreu para padronizar as regras e as técnicas de competição anteriormente arraigadas às tradições locais. De acordo com Elias ( 1992c ), na “França, o direito dos súbditos quanto a formar associações por sua própria iniciativa estava, em geral, naturalmente limitado senão mesmo abolido. Em Inglaterra, os cavalheiros reuniam-se como bem entendiam” (p. 65). Outros elementos somaram-se à importância do espírito associacionista para a desportivização dos passatempos ingleses. Segundo Huizinga ( 2001 , p. 219):

. . . não há dúvida que a estrutura da vida social inglesa lhe foi altamente favorável, com os governos locais autônomos encorajando o espírito de associação e de solidariedade, e a ausência de serviço militar obrigatório fornecendo ocasião para o exercício físico, além de impor sua necessidade. As formas da organização escolar agiam no mesmo sentido, e finalmente a geografia do país e a natureza do terreno, predominantemente plano e oferecendo em toda a parte os melhores campos de jogo nos prados comunitários, os commons, também tiveram a maior importância. Foi assim que a Inglaterra se tornou o berço e o centro da moderna vida esportiva.

As modificações dos jogos com bola expressam o movimento de desportivização, que se divide em dois aspectos interconectados. O primeiro refere-se à marginalização das atividades realizadas pelas pessoas comuns; o segundo é retratado pelas modificações das práticas corporais das escolas públicas das elites inglesas a partir de 1840 (Dunning, 2001b ).

As escolas públicas, inicialmente formadas como instituições de caridade para educar eruditos e funcionários necessitados ou como escolas locais de gramática nos séculos XVIII e XIX, foram transformadas em internatos pagos, frequentados por filhos homens da aristocracia e da alta burguesia (Dunning, 2001b ). Nesse ambiente, no fim da primeira metade do século XIX, foram formuladas as características do que viria a ser o esporte moderno, na forma preliminar do futebol e do rugby, com destaque para: instituição de regras escritas; delimitação do tamanho e da forma da área de jogo; controle da duração dos jogos; redução do número de participantes; equiparação do número de jogadores entre equipes rivais; e restrição do uso da força física.

Desde o início da vida em sociedade, as atividades corporais desempenharam a função de sublimação, ou seja, de canalização dos impulsos destrutivos em práticas convencionalmente aceitas. Nesse sentido, à luz da teoria crítica da sociedade, a ambiguidade do esporte deve ser considerada, pois a diminuição da violência física e a introjeção do sacrifício são faces do mesmo movimento. Refletir sobre essa contradição concorre para a resistência à pseudoformação que se apresenta na educação escolar e nas aulas de educação física na escolarização básica, pois a apropriação do esporte pela indústria cultural o projeta como um dos fenômenos mais importantes da atualidade.

A história do esporte: conhecimento de alunos do ensino médio

Consoante às investigações que confirmam o esporte como principal objeto de ensino da educação física, a Figura 1 apresenta a hierarquia dos dez conteúdos mais citados pelos 148 alunos que participaram desta pesquisa, com os conteúdos específicos mais presentes no ensino médio. Não por coincidência, os esportes mais divulgados pela mídia são os destacados como mais recorrentes nas aulas, indicando a padronização da formação e a perda da autoridade do conhecimento, que cede espaço para autoridades midiáticas (Adorno, 1972 ).

Figura 1.
Os dez conteúdos mais desenvolvidos nas aulas de educação física (soma das respostas, com as cinco opções disponibilizadas aos alunos: nunca, raramente, às vezes, frequentemente e sempre)

Na Tabela 2 , são apresentados os dados acerca de temáticas da área da educação física que, se devidamente desenvolvidas nas aulas de educação física, podem contribuir para que os alunos compreendam o esporte em seu movimento histórico-social. Logo, essas temáticas corroboram para o desenvolvimento da capacidade crítica dos alunos, tornando a aula de educação física um espaço de experiência.

Não se trata de transformar a educação física em uma disciplina teórica pela dificuldade de traduzir a crítica em prática pedagógica (Albino, Zeiser, Bassani, & Vaz, 2008 ), mas de possibilitar a reflexão sobre questões essenciais das práticas corporais, de modo a superar o fazer espontaneísta e resistir aos limites formativos impostos pela indústria cultural. O enfraquecimento do Eu e a necessidade de se guiar por uma autoridade externa atinge a todos, independentemente do nível de instrução, pois o problema reside na lógica de formação e não em situações particulares. Quanto mais conhecimento tiver o indivíduo, maior será sua possibilidade de reflexão sobre a própria formação e a sociedade que a engendra, pois ele terá posse de mais recursos para a descrição, compreensão e até para se pensar nas possibilidades latentes do modelo social vigente (Galuch & Crochick, 2018 ).

Tabela 2.
Ordem hierárquica das temáticas esportivas mais estudadas, segundo a percepção dos alunos (soma das respostas: frequentemente e sempre)

Os três itens mais estudados no ensino médio, na percepção dos alunos, foram: (a) regras, táticas e estratégias de competição; (b) origem do esporte; e (c) técnica dos movimentos corporais.

Com base no predomínio do esporte como objeto de ensino da área, levando em consideração que a origem do esporte foi a segunda temática mais abordada nas aulas de educação física e que o conhecimento sobre o esporte demanda a capacidade de diferenciá-lo de outras manifestações corporais, foi solicitado aos alunos que comparassem o esporte com as práticas corporais desenvolvidas na Antiguidade e no medievo, mediante cinco aspectos: objetivos, regras, praticantes, técnicas corporais e nível de violência física. Como são questões complexas, não eram esperadas dos alunos respostas sofisticadas, mas indícios de rupturas e continuidades entre os distintos objetos.

A Tabela 3 apresenta uma síntese das respostas dos alunos, classificadas como continuidade ou como ruptura. A resposta indicativa que determinado aspecto das manifestações corporais permanece desde a Antiguidade foi computada como continuidade; como ruptura, foram consideradas as respostas que indicam que houve mudança significativa. De forma geral, a maior parte das respostas demonstrou o seguinte: a honra cedeu espaço para o desenvolvimento da saúde; as regras tornaram-se mais complexas; houve uma expansão quantitativa das práticas corporais com o advento do esporte; as técnicas corporais se sofisticaram; o nível de violência física foi abrandado.

Tabela 3.
Comparação entre práticas corporais antigas e medievais e o esporte

Majoritariamente, os participantes entenderam haver mais rupturas do que continuidade entre as diferentes manifestações corporais e o esporte, indicando diferenças substanciais em relação aos sentidos e significados dessas práticas. Das 397 respostas a todos os itens, 333 (83,8%) sinalizaram ruptura, enquanto 64 (16,2%) referiram-se à continuidade.

Pelo alto número de respostas, infere-se que os estudantes facilmente concluíram que o nível de violência física de uma batalha de gladiadores é superior ao de uma partida de futebol, tendo em vista os aspectos externos do objeto. O mesmo não ocorreu quando foram questionados sobre o período histórico em que o esporte se constituiu e solicitados a justificar sua resposta: o número de abstenções foi alto para essa questão. Dos 148 sujeitos, apenas 95 responderam, observando-se que a maioria se limitou a citar o período histórico.

Figura 2.
Período de constituição do esporte, segundo a concepção dos alunos

Apenas cinco alunos identificaram o esporte como um fenômeno da contemporaneidade; a maioria o associou à Antiguidade. Historicamente, essa vinculação é comum e, muitas vezes, romantizada (Cornelsen, 2018 ). Esses dados indicam certa dificuldade por parte do aluno em relacionar os aspectos centrais do fenômeno com a própria sociedade que o erigiu, significando o obscurecimento de ambos, isto é, da totalidade e do particular.

A seguir, as respostas apresentadas na Figura 2 foram relacionadas com a quantidade de aulas sobre as quatro principais modalidades esportivas presentes nas aulas. As respostas “nunca”, “raramente” e “às vezes” foram agrupadas para indicar poucas aulas de determinada modalidade esportiva, enquanto as respostas “frequentemente” e “sempre” foram unidas para demonstrar que os alunos tiveram muitas aulas da modalidade em questão.

Esses dados revelam a tendência à padronização da compreensão dos alunos sobre o esporte. Independentemente de terem tido ou não muitas aulas acerca do tema, exemplificado nas quatro modalidades mais presentes nas aulas, as respostas foram similares, ou seja, o fato de os discentes terem participado de mais aulas de educação física não implicou em entendimento diferenciado sobre a historicidade do esporte, o principal conteúdo dessas aulas, já que não há indícios, nas respostas, da relação entre a origem do esporte e a sociedade contemporânea que o gestou.

Tabela 4. Associação entre o volume de aulas esportivas e as respostas sobre o período histórico que originou o esporte
Esportes mais frequentes nas aulas de Educação Física Período Histórico
Demais Períodos
Total (IC95%*)
Idade Contemporânea
Total (IC95%)
Total (n = 148) 96,6 (92,9 - 98,8) 3,4 (1,2 - 7,1)
Voleibol χ 2 = 0,032
p = 0,858
N.A
Nunca/Raramente/Às vezes (n = 23) 100,0 (92,0 - 100,0) 0,0 (0,0 - 8,0)
Frequentemente/Sempre (n = 125) 96,0 (91,6 - 98,5) 4,0 (1,5 - 8,4)
Futsal χ 2 = 0,017
p = 0,897
N.A
Nunca/Raramente/Às vezes (n = 13) 100,0 (86,3 - 100,0) 0,0 (0,0 - 13,7)
Frequentemente/Sempre (n = 135) 96,3 (92,2 - 98,70) 3,7 (1,3 - 7,8)
Handebol χ 2 = 0,006
p = 0,936
χ 2 = 0,186
p = 0,667
Nunca/Raramente/Às vezes (n = 46) 95,7 (87,2 - 99,3) 4,3 (0,7 - 12,8)
Frequentemente/Sempre (n = 102) 97,1 (92,6 - 99,3) 2,9 (0,7 - 7,4)
Basquetebol χ 2 = < 0,001
p = 0,996
χ 2 = 0,086
p = 0,769
Nunca/Raramente/Às vezes (n = 50) 98,0 (91,5 - 99,9) 2,0 (0,1 - 8,5)
Frequentemente/Sempre (n = 98) 95,9 (90,8 - 98,7) 4,1 (1,3 - 9,2)
  • N.A: não se aplica; χ 2: Teste Qui-Quadrado; p: p-valor; *Intervalo de confiança de 95%.
  • Fonte: elaboração própria.

    Basicamente, há duas formas de se conceber o esporte: como continuidade ou como ruptura, em relação às práticas corporais precedentes (Melo, 2006 ). Partiu-se do entendimento de que o esporte é um fenômeno moderno, cuja configuração não permite associação direta com os jogos antigos e medievais, pois estes são práticas distintas pertencentes a estruturas sociais específicas, cujos sentidos e os significados são incompatíveis com os ideais modernos (Bracht, 2003 ; Bourdieu, 2003 ; Brohm, 1993 ; Dunning, 2001a ; Elias, 1992a ; Melo, 2007 ). Ademais, a ginástica grega não poderia ser denominada como esporte, pois esse termo, em suas primeiras acepções, foi formulado por volta do século XII, na França, e até o século XIX sofreu alterações semânticas importantes (Ontiveros, 2010 ).

    Para Adorno ( 2009 ), a rigorosidade na expressão do objeto, o que inclui o esforço de definição e conceituação, condiciona sua compreensão; dessa forma, atividades diferentes não podem ser nomeadas da mesma forma. O autor reitera que a linguagem pode cumprir a função de desmitologizar, desde que consiga separar as características que não são do objeto e diferenciar o próprio objeto de sua expressão na linguagem. As inadequações entre o pensamento e a coisa revelam a frouxidão do que é refletido mentalmente. Enfim, Adorno critica a rigidez conceitual que aprisiona o objeto, mas reforça a impossibilidade de superar os limites da conceitualização abrindo-se mão dos conceitos.

    Um conjunto de fatores interfere na hegemonia da concepção do esporte retratada nas respostas dos alunos. Muitos docentes de educação física consideram a reflexão sobre as práticas corporais, inclusive sobre a origem do esporte, dispensável (Ramos et al., 2014 ), ou então fazem-na de forma superficial em suas aulas (Vaz & Bassani, 2013 ).

    Em linhas gerais, a história do esporte é abordada como um feito de indivíduos ‘iluminados’ ou como um sucedâneo de atividades corporais da Antiguidade Clássica. Em ambos os casos, os processos históricos são obscurecidos. Nos livros de história, a história dos esportes é apresentada, com freqüência, como séries de atividades e decisões quase acidentais de algumas pessoas.

    (Elias, 1992b , pp. 230-231)

    A segunda forma corrente de se analisar a história do esporte, evidenciada nas respostas dos alunos, é como sucessor das manifestações corporais de períodos históricos anteriores, tal como fazem, por exemplo, Capinussú ( 1997 ), Huizinga ( 2001 ), Manacorda ( 1989 ), Mostaro ( 2012 ), Rubio ( 2001 , 2008 ) e Veblen ( 1983 ) 4 . Independentemente da expertise de cada um desses intelectuais, é encontrada neles uma noção comum de esporte associada às formas de competição que se efetivaram no âmbito do não trabalho ao longo da história da humanidade. “É comum também fazer-se referência aos jogos gregos antigos, entre eles os de Olímpia, como práticas esportivas” (Bracht, 2003 , p. 95).

    Por sua vez, a inconsistência das análises sobre a Antiguidade Clássica também aparece: costuma-se exaltá-la ou menosprezá-la. A arte e a cultura quase sempre são positivizadas, ao passo que a tolerância à violência física é negativizada (Elias, 1992a ; Herold Júnior, 2007 ). Segundo Melo ( 2007 ), esses equívocos poderiam ser atenuados mediante diálogo entre a historiografia do esporte e a historiografia da Antiguidade Clássica. Se o objeto não é refletido, configura-se ideologizado; quando a sua gênese desaparece, ele torna-se natural e imutável (Adorno, 2008 ).

    O esporte é uma das manifestações culturais que mais busca a vinculação com a Antiguidade, o que frequentemente ocorre de forma mitologizada (Cornelsen, 2018 ; Melo, 2007 ; Vaz, 2009 ). Os rituais presentes nos Jogos Olímpicos modernos reforçam essa associação, pois a indústria esportiva atinge seu ápice com a realização desse evento (Poit, 2008 ). A edição de 1936, sediada em Berlim, é considerada o primeiro megaevento esportivo em que o esforço de exaltação dos ideais culturais gregos esteve em evidência (Melo, 2006 ).

    Em síntese, a indústria cultural contribui para a padronização da formação, incidindo em estereotipia das formas de pensamento e comportamento. A concepção de esporte que predomina entre os alunos é a de esporte como um fenômeno atemporal, o que é um indício dos influxos da pseudoformação sobre os processos de escolarização. A escola, cuja função social é possibilitar aos alunos a apropriação da cultura, acaba se constituindo como um mecanismo da indústria cultural que se apresenta como sistema (Adorno & Horkheimer, 2006 ).

    Considerações finais

    O conhecimento dos objetos, na perspectiva da teoria crítica da sociedade, demanda sua rigorosa expressão pela linguagem, o que subentende a capacidade de nomeá-los adequadamente. Todavia, não se trata apenas de defini-los, mas de considerar tanto seus aspectos éticos e políticos como os da sociedade que os articula, demonstrando o movimento histórico-social que os perpassa. Nesse sentido, conhecer o esporte implica conhecer a sociedade que o gesta.

    Com o advento da indústria cultural, a lógica dos objetos, inclusive em sua conotação artística, passa a coincidir com a lógica do sistema, obnubilando a crítica. Relacionar o singular com o geral fortalece a compreensão de que os sentidos e os significados das práticas corporais se alteraram ao longo da história e continuam a se modificar, contribuindo para a desnaturalização das relações sociais e das partes que a integram.

    O cotejamento entre os sentidos, os significados e as formas de violência e dominação das práticas corporais pretéritas e do esporte moderno é indispensável ao processo de desencantamento do esporte. Em comparação com os jogos antigos e medievais, os principais distintivos do esporte são o menor nível de violência física, seu caráter secular, a universalização formal de sua prática, a constituição de regras escritas e instituições reguladoras e o alicerce da racionalidade técnica e instrumental.

    Não se deve, porém, congelar o objeto, atentando-se à sua definição. O menor nível de violência física não significa ausência de sofrimento, dor e mal-estar. O caráter secular não exclui as associações mágicas, religiosas e supersticiosas das práticas esportivas. A formalidade da universalização das práticas esportivas não elimina as restrições impostas pelas insígnias de gênero, etnia, classe social etc. e, portanto, não pode esclarecê-las. A burocratização das regras e a racionalidade técnica e instrumental ajudam a regular o comportamento dos praticantes de esporte, mas também visam o princípio do rendimento.

    Em suma, o fato de a maior parte dos participantes perceber que os sentidos e os significados do esporte rompem com a lógica das práticas corporais precedentes e, ao mesmo tempo, indicar que esse fenômeno foi gestado na Antiguidade levanta a hipótese de que falta compreensão histórica sobre o esporte, pela sua conotação de atemporalidade, o que pode ofuscar as relações de violência e dominação refletidas pelos objetos que compõem a sociabilidade vigente.

    Para Adorno ( 2006 ), é necessária uma educação política, não no sentido das disputas partidárias ou de atividades sindicais, mas da possibilidade de compreensão, crítica e resistência ao autoritarismo estatal e aos limites da economia política, dada a impossibilidade de supressão da violência estrutural pela via educacional. A possibilidade de se opor às contradições sociais e vigiar a própria capacidade de pensar indica o caráter ambíguo da indústria cultural. Por um lado, ela gera estupidez; por outro, contribui para o desenvolvimento da inteligência (Adorno, 1972 ).

    A educação física, como um componente curricular do ensino formal, pode contribuir para a formação cultural dos alunos, proporcionando-lhes elementos para a reflexão sobre seu principal conteúdo de ensino, o esporte. Por suposto, distingui-lo de outras manifestações corporais que apresentam diferentes temporalidades e sentidos é imprescindível. Faz-se necessário, também, analisar as formas de dominação e violência refletidas nas práticas esportivas estereotipadas, tendo como horizonte manifestações corporais que levam os alunos a se identificar com os outros e lhes proporcionam experiências formativas.

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    • Veblen, T. (1983). A teoria da classe ociosa: Um estudo econômico das instituições. São Paulo, SP: Abril Cultural.
    • 1
      A produção de material didático no campo da educação física escolar é mínima; também são escassas pesquisas que versam sobre essa temática (Tahara, Darido, & Bahia, 2017 ). Isso leva ao entendimento de que os problemas estruturais da área não se reduzem às especificidades do trabalho docente.
    • 2
      A autorização para a realização da pesquisa foi concedida pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná mediante o protocolo 15.041.446-0. A pesquisa também foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Maringá, sob parecer 2.660.979, emitido em 17 de maio de 2018. A participação dos sujeitos foi oficializada por meio de assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
    • 3
      Associa-se Antiguidade ao seu período clássico, que compreende o apogeu das civilizações greco-romana, cujos modelos culturais influenciam a sociedade ocidental contemporânea. Em relação às práticas corporais, as Olimpíadas antigas e as batalhas de gladiadores no Coliseu, por exemplo, configuram-se como representações prototípicas e ideológicas da origem do esporte moderno.
    • 4
      A opção por mencionar esses autores está no fato de serem de diferentes áreas de formação e de atuação e, mesmo assim, apresentarem concepções que se assemelham.

    Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jul 2024
    • Data do Fascículo
      2024

    Histórico

    • Recebido
      17 Jul 2023
    • Aceito
      28 Jul 2023
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