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Vida(s) Maria(s): a história de uma mulher e os (re)tratos da violência em narrativas contadas

Vida(s) Maria(s): a woman’s history and the portraits of violence in narratives told

Vida(s) Maria(s) : l’histoire d’une femme et les portraits de la violence dans les récits racontés

Vida(s) Maria(s): la historia de una mujer y los retratos de violencia en las narrativas

Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar a narrativa de uma mulher em situação de violência doméstica e as imbricações entre sua história de vida, imposições de gênero e a construção da sua identidade. Para tanto, realizou-se uma pesquisa qualitativa, em que recorremos à triangulação de fontes metodológicas por meio de entrevistas narrativas, observações cotidianas e protocolos documentais. Os resultados consideraram os atravessamentos pessoais, familiares e relacionais para a confecção dos cenários em que a perpetração da violência de gênero possa ter sido corroborada na produção de personagens e resistências ao longo do tempo. Essas discussões contribuem para o avanço da compreensão da violência dirigida às mulheres no Brasil, tensionando uma análise crítica que ponha em questão os aspectos sociopolíticos que reforçam o exercício hegemônico de uma cultura patriarcal.

Palavras-chave:
violência contra a mulher; identidade; narrativas de história de vida

Abstract

This paper analyzes the narrative of a woman experiencing domestic violence and the imbrications between her life history, gender impositions, and the construction of her identity. Hence, a qualitative research based on the triangulation of methodological sources by means of narrative interviews, daily observations, and document protocols was carried out. The results considered the personal, family and relational elements related to the construction of scenarios in which the perpetration of gender-based violence may have been corroborated in the production of characters and resistance over time. Such discussions contribute to advance the understanding of violence against women in Brazil, tensioning a critical analysis that puts into question the sociopolitical aspects that reinforce the hegemonic exercise of a patriarchal culture.

Keywords:
violence against women; identity; life history narratives

Résumé

Cet article analyse le récit d’une femme victime de violence domestique et les chevauchements entre son histoire de vie, les impositions de genre et la construction de son identité. Par conséquent, une recherche qualitative basée sur la triangulation des sources méthodologiques par le biais d’entretiens narratifs, d’observations quotidiennes et des protocoles documentaires a été réalisée. Les résultats ont pris en compte les croisements personnels, familiaux et relationnels pour la réalisation des scénarios dans lesquels la perpétration de la violence de genre a pu être corroborée dans la production de personnages et de résistance au fil du temps. Ces discussions contribuent à faire progresser la compréhension de la violence contre les femmes au Brésil, en mettant en tension une analyse critique qui remet en question les aspects sociopolitiques qui renforcent l’exercice hégémonique d’une culture patriarcale.

Mots-clés :
violence contre les femmes; identité; récits des histoires de vie

Resumen

Este artículo tiene como objetivo analizar la narrativa de una mujer en situación de violencia doméstica y la asociación entre su historia de vida, las imposiciones de género y la construcción de su identidad. Por ello, se realizó una investigación cualitativa, en la que se utilizó la triangulación de fuentes metodológicas a través de entrevistas narrativas, observaciones diarias y protocolos documentales. Los resultados consideraron los cruces personales, familiares y relacionales para la construcción de escenarios en los que se pudo corroborar la perpetración de la violencia de género en la producción de personajes y resistencias en el tiempo. Estas discusiones ayudan a comprender la violencia contra las mujeres en Brasil y ponen en relieve un análisis crítico que cuestiona los aspectos sociopolíticos que refuerzan el ejercicio hegemónico de una cultura patriarcal.

Palabras clave:
violencia contra las mujeres; identidad; narrativas de historia de vida

Introdução

O surgimento de estudos inaugurais que abordavam a temática da violência de gênero a definiu como um fenômeno histórico, complexo e multifacetado que permeia as relações de desigualdades entre homens e mulheres (Scott, 1995Scott, J. (1995). Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, 20(2), 71-99. Recuperado de https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/71721/40667
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; Silva, 2010Silva, S. G. (2010). Preconceito e discriminação: as bases da violência contra a mulher. Psicologia: Ciência e Profissão , 30(3), 556-571. doi: 10.1590/S1414-98932010000300009
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). Nesse contexto, suas raízes estiveram fincadas em estruturas hierárquicas, que comportam inúmeras leituras, já que é necessário equacionar discussões acerca de sua intencionalidade, que implicam obrigatoriamente em requisitos para o estabelecimento de regras e a manutenção do status quo da vida em sociedade (Bandeira, 2014Bandeira, L. M. (2014). Violência de gênero: a construção de um campo teórico e de investigação. Sociedade e Estado, 29(2), 449-469. doi: 10.1590/S0102-69922014000200008.
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). Desde então, ficou constatado que os estereótipos de gênero se tornaram elementos condicionantes na identificação de papéis desempenhados pelos sujeitos, em que os corpos feminizados foram impostos a uma engrenagem regulatória e de servilismo, sendo ainda discriminados, explorados e objetificados (Barufaldi et al., 2017Barufaldi, L. A., Souto, R. M. C. V., Correia, R. S. B., Montenegro, M. M. S., Pinto, I. V., Silva, M. M. A., & Lima, C. M. (2017). Violência de gênero: comparação da mortalidade por agressão em mulheres com e sem notificação prévia de violência. Ciência & Saúde Coletiva, 22(9), 2929-2938. doi: 10.1590/1413-81232017229.12712017
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; Lucena et al., 2016Lucena, K. D. T., Deininger, L. S. C., Coelho, H. F. C., Monteiro, A. C. C., Vianna, R. P. T., & Nascimento, J. A. (2016). Analysis of the cycle of domestic violence against women. Journal of Human Growth and Development, 26(2), 139-146. doi: 10.7322/jhgd.119238
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).

Tais colocações nos levaram a pensar que a violência contra mulheres é praticada por motivos de gênero e suas definições estão associadas a concepções de poder, força, dominação e coerção (Fonseca, Ribeiro, & Leal, 2012Fonseca, D. H., Ribeiro, C. G., & Leal, N. S. B. (2012). Violência doméstica contra a mulher: Realidades e representações sociais. Psicologia & Sociedade , 24(2), 307-314. doi: 10.1590/S0102-71822012000200008
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; Piosiadlo & Fonseca, 2016Piosiadlo, L. C. M., & Fonseca, R. M. G. S. (2016). Gender subordination in the vulnerability of women to domestic violence. Investigación y Educación em Enfermería, 34(2), 262-270. doi: 10.17533/udea.iee.v34n2a05
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). Há de se registrar que, dentro da perspectiva apresentada, não conferimos a violência contra mulheres somente pelos comportamentos sistematizados de agressão regidos aos seus corpos, seja da ordem do abuso sexual, do linchamento, das ofensas lascivas, da tortura física e psicológica, do feminicídio ou do aborto indesejado (Guimarães & Pedroza, 2015Guimarães, M. C., & Pedroza, R. L. S. (2015). Violência contra a mulher: problematizando definições teóricas, filosóficas e jurídicas. Psicologia & Sociedade , 27(2), 256-266. doi: 10.1590/1807-03102015v27n2p256
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). A violência está presente em seu cotidiano, incorporada e entranhada no imaginário coletivo, no mascaramento oculto em nossa linguagem, nas frases de duplo sentido, na invenção de formas singulares de preconceito e discriminação (Silva, Dimenstein, & Dantas, 2018Silva, E. L., Dimenstein, M., & Dantas, C. (2018). Violência contra a mulher em um assentamento rural de reforma agrária do Nordeste brasileiro. Revista Latino-Americana de Geografia e Gênero, 9(1), 88-106. doi: 10.5212/Rlagg.v.9.i1.0005
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; Zakaliyat & Susuman, 2016Zakaliyat, B., & Susuman, A. S. (2016). Factors of domestic violence against women: correlation of women’s rights and vulnerability. Journal of Asian and African Studies, 53(2), 1-12. doi: 10.1177/0021909616677373
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).

A literatura é assertiva ao apontar o campo da violência contra mulheres como objeto de intervenção e produção científica (Garcia & Beiras, 2019Garcia, A. L. C., & Beiras, A. (2019). A psicologia social no estudo de justificativas e narrativas de homens autores de violência. Psicologia: Ciência e Profissão , 39(2), 45-58. doi: 10.1590/1982-3703003225647
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). O enfoque doravante nessas sentenças e, não em outras, se materializa pelos autores partirem da premissa de que esse sintoma constitui o ápice de redes e fiações de questões sociopolíticas, especialmente as abordagens domésticas e entre parceiros íntimos (Curia et al., 2020Curia, B. G., Gonçalves, V. D., Zamora, J. C., Ruoso, A., Ligório, I. S., & Habigzang, L. (2020). Produções científicas brasileiras em psicologia sobre violência contra mulher por parceiro íntimo. Psicologia: Ciência e Profissão, 40, 1-19. doi: 10.1590/1982-3703003189184
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; Williams, Norman, & Nixon, 2018Williams, E., Norman, J., & Nixon, K. (2018). Violence against women: public health or law enforcement problem or both? International Journal of Police Science & Management, 20(3), 196-206. doi: 10.1177/1461355718793666
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). Essa mobilização pode ser observada pelas estatísticas relacionadas à crescente expressão de violências entre casais e familiares. No ano de 2019, o relatório Visível e Invisível: A Vitimização de Mulheres no Brasil indicou que em 76,4% dos casos registrados nas unidades federativas as mulheres foram violentadas por pessoas do seu próprio convívio, e destacou-se que 23,8% dos agressores eram o cônjuge/companheiro e 15,2% ex-cônjuge/ex-companheiro (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2019Fórum Brasileiro de Segurança Pública. (2019). Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil (2a ed.). São Paulo, SP: FBSP.).

Isso significa que não restam dúvidas da necessidade do combate irrestrito à dilatação progressiva, desenfreada e ininterrupta desse tipo de recrudescimento no país. Os efeitos advindos dessas condutas substanciam repercussões na construção da identidade desses sujeitos e dificultam a experiência da mulher, por exemplo, em vivenciar a igualdade de maneira plena (Barker, 2016Barker, G. (2016). Male violence or patriarchal violence? Global trends in men and violence. Sexualidad, Salud y Sociedad, 22, 316-330. doi: 10.1590/1984-6487.sess.2016.22.14.a
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). Esses argumentos nos mostraram um possível nexo entre a violência contra mulheres e a constituição de identidades na cultura patriarcal. Dessa forma, existe um interesse paulatino em compreender a formação dessas subjetividades, não como realidades estáticas, mas a partir da invenção das tramas sobre os modos de existir em circunstâncias específicas (Bruhn & Lara, 2016Bruhn, M. M., & Lara, L. (2016). Rota crítica: a trajetória de uma mulher para romper o ciclo da violência doméstica. Polis e Psique, 6(2), 70-86. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2238-152X2016000200005
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
; Leite et al., 2017Leite, J. F., Dimenstein, M., Dantas, C. B., Silva, E. L., Macedo, J. P. S., & Sousa, A. P. (2017). Condições de vida, saúde mental e gênero em contextos rurais: um estudo a partir de assentamentos de reforma agrária do Nordeste brasileiro. Avances en Psicología Latinoamericana, 35(2), 301-316. doi: 10.12804/revistas.urosario.edu.co/apl/a.4768
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; Leite, Luis, Amorim, Maciel, & Gigante, 2019Leite, F. M. C., Luis, M. A., Amorim, M. H. C., Maciel, E. L. N., & Gigante, D. P. (2019). Violência contra a mulher e sua associação com o perfil do parceiro íntimo: estudo com usuárias da atenção primária. Revista Brasileira de Epidemiologia, 22, e190056. doi: 10.1590/1980-549720190056
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). Assim, considerou-se contributivo investigar esse grupo populacional sob o referencial da teoria da identidade humana, vertente que advoga que a identidade só tem sentido quando refletida sob a lógica da metamorfose e emancipação (Almeida, 2017Almeida, J. A. M. (2017). Identidade e emancipação. Psicologia & Sociedade, 29, e170998. doi: 10.1590/1807-0310/2017v29170998.
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; Ciampa, 1987Ciampa, A. C. (1987). A estória do Severino e a história da Severina: um ensaio de psicologia social. São Paulo, SP: Brasiliense.; Lima, 2010Lima, A. F. (2010). Metamorfose, anamorfose e reconhecimento perverso: a identidade na perspectiva da psicologia social crítica. São Paulo, SP: Fapesp., 2012Lima, A. F. (Org.). (2012). Psicologia social crítica: paralaxes do contemporâneo. Porto Alegre, RS: Sulina.).

Para esse modelo teórico, o que determina a identidade é seu caráter dialético, contínuo e dinâmico, sobre qual poderia ajudar na explicação das iniquidades e problemas sociais, quanto a entender em que dimensão se dá a produção de resistências individuais frente aos sistemas de massificação capitalistas (Paulino-Pereira, Santos, & Mendes, 2017Paulino-Pereira, F. C., Santos, L. G. A., & Mendes, S. C. C. (2017). Gênero e identidade: possibilidades e contribuições para uma cultura de não violência e equidade. Psicologia & Sociedade , 29, e172013. doi: 10.1590/1807-0310/2017v29172013
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). A identidade, contrariando uma ótica positivista, se desenvolve pela busca de reconhecimento, por meio de uma constelação mais ou menos variante de posições subordinadas de si próprio, em que cada identidade reflete outra e para dar conta dessa metamorfose, suas personagens se articulam, são formações embebidas no tempo e espaço, ora se revelam, ora se ocultam, como degraus que se sucedem, círculos que se voltam, ao mesmo tempo, de ascensão e de declínio (Dantas, 2017Dantas, S. S. (2017). Identidade política e projetos de vida: uma contribuição à teoria de Ciampa. Psicologia & Sociedade , 29, e172030. doi: 10.1590/1807-0310/2017v29172030
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; Furlan, Lima, & Santos, 2015Furlan, V., Lima, A. F., & Santos, B. O. (2015). A permanência no tempo e a aparência de não-metamorfose: contribuições de Ricoeur e Ciampa para uma crítica da identidade. Revista de Psicologia, 6(2), 29-39. Recuperado de http://www.periodicos.ufc.br/psicologiaufc/article/view/2579
http://www.periodicos.ufc.br/psicologiau...
; Souza Filho & Santos, 2017Souza Filho, J. A., & Santos, B. O. (2017). O sintagma identidade-metamorfose-emancipação e sua relação com o construto mundo da vida. Psicologia & Sociedade , 29, e170491. doi: 10.1590/1807-0310/2017v29170491
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).

Descobertas recentes sinalizam que a investigação de processos identitários configura um registro da prática dos sujeitos baseado em suas narrativas discursivas, num constante movimento de transformação, algo que está se emergindo como uma obra inacabada (Ésther, 2019Ésther, A. B. (2019). A política de identidade do empreendedorismo: uma análise na perspectiva da sociologia figuracional e da psicologia social crítica. Cadernos EBAPE.BR, 17, 857-870. doi: 10.1590/1679-395176629
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; Lara Junior & Lara, 2017Lara Junior, N., & Lara, A. P. S. (2017). Identidade: Colonização do mundo da vida e os desafios para a emancipação. Psicologia & Sociedade , 29, e171283. doi: 10.1590/1807-0310/2017v29171283
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). Até onde se sabe, a maior parte dos estudos estão alinhados a uma perspectiva descritiva (Brilhante, Moreira, Vieira, & Catrib, 2016Brilhante, A. V. M., Moreira, G. A. R., Vieira, L. J. E. S., & Catrib, A. M. F. (2016). Um estudo bibliométrico sobre a violência de gênero. Saúde e Sociedade, 25(3), 703-715. doi: 10.1590/s0104-12902016148937
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; Conceição, Bolsoni, Lindner, & Coelho, 2018Conceição, T. B., Bolsoni, C. C., Lindner, S. R., & Coelho, E. B. S. (2018). Assimetria e simetria de gênero na violência por parceiro íntimo em pesquisas realizadas no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva , 23(11), 3597-3607. doi: 10.1590/1413-812320182311.23902016
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; Curia et al., 2020Curia, B. G., Gonçalves, V. D., Zamora, J. C., Ruoso, A., Ligório, I. S., & Habigzang, L. (2020). Produções científicas brasileiras em psicologia sobre violência contra mulher por parceiro íntimo. Psicologia: Ciência e Profissão, 40, 1-19. doi: 10.1590/1982-3703003189184
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; Duarte, Fonseca, Souza, & Pena, 2015Duarte, M. C., Fonseca, R. M. G. S., Souza, V., & Pena, E. D. (2015). Gênero e violência contra a mulher na literatura de enfermagem: uma revisão. Revista Brasileira de Enfermagem, 68(2), 325-332. doi: 10.1590/0034-7167.2015680220i
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; Oliveira et al., 2016Oliveira, F. S., Mendes, F. C. S., Miranda, L. P., Lara, R. G., Camargos, R. D. S. P., & Silva, V. C. (2016). Violência doméstica contra a mulher: uma análise a partir do relato de casos. Revista Médica de Minas Gerais, 26(8), 443-449. Recuperado de http://www.rmmg.org/artigo/detalhes/2195
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; Silva & Oliveira, 2015Silva, L. E. L., & Oliveira, M. L. C. (2015). Violência contra a mulher: revisão sistemática da produção científica nacional no período de 2009 a 2013. Ciência & Saúde Coletiva , 20(11), 3523-3532. doi: 10.1590/1413-812320152011.11302014
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). Segundo os autores, tal constatação revela que a integração desses construtos tem sido pouco explorada como lacuna de pesquisa, evidenciando um esforço incipiente no avanço e problematização do entendimento sobre a complexidade das relações íntimas que atribuem às mulheres os imperativos do gozo masculino.

Nesse tocante, decidiu-se pesquisar mulheres em situação de violência, explorando suas realidades e as implicações diretas que elas possuem em suas identidades, com base nos papéis estigmatizados e determinados pelo mundo da vida. É de referir que não foram identificados trabalhos dedicados neste nicho característico, o que acreditamos ser um passo importante para o desenvolvimento e incentivo à temática. Destarte, o objetivo precípuo deste estudo é analisar a narrativa de uma mulher em situação de violência doméstica e as imbricações entre sua história de vida, imposições de gênero e a construção da sua identidade.

Método

Este artigo apresenta um estudo exploratório e qualitativo, em que a entrevista de história de vida foi a técnica escolhida, posto que os procedimentos adotados se baseiam numa análise narrativa do cenário experiencial da violência dirigida contra mulheres. A partir de situações-problemas vividas no cotidiano pesquisado, as narrativas se diferenciam pelo seu desenho não estruturado, cujo propósito é verificar em profundidade os eventos contados que atravessam a formação do sujeito (Lima & Lara Junior, 2014Lima, A. F., & Lara Junior, N. (Orgs.). (2014). Metodologias de pesquisa em psicologia social crítica. Porto Alegre, RS: Sulina .). O pesquisador, notemos, assume lugar de testemunha e responsável nos registros das informações descritas. Cabe salientar que o método se mostrou pertinente ao objetivo do trabalho, a julgar que a entrevistada admite o seu papel de narrador, assim como reflete concepções de ordem coletiva com alicerce na dimensão individual (Lima & Ciampa, 2017Lima, A. F., & Ciampa, A. C. (2017). “Sem pedras o arco não existe”: o lugar da narrativa no estudo crítico da identidade. Psicologia & Sociedade , 29, e171330. doi:: 10.1590/1807-0310/2017v29171330
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; Muylaert, Sarubbi Júnior, Gallo, Rolim Neto, & Reis, 2014Muylaert, C. J., Sarubbi Júnior, V., Gallo, P. R., Rolim Neto, M. L., & Reis, A. O. A. (2014). Entrevistas narrativas: um importante recurso em pesquisa qualitativa. Revista da Escola de Enfermagem da USP, 48(2), 193-199. doi: 10.1590/S0080-623420140000800027.
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).

Justifica-se que a aderência desse recurso se dá por consentir abordar o universo particular da entrevistada e de todas as cisões que fazem morada em sua história, afinal de contas, as narrativas evidenciam uma sucessão de cenários e personagens, em que ao expor-se, o sujeito manifesta de forma performática sua identidade (Alves, 2017Alves, C. P. (2017). Narrativas de história de vida e projeto de futuro no estudo do processo de identidade. Textos & Debates, 1(31), 33-41. Recuperado de https://revista.ufrr.br/textosedebates/article/view/4255/pdf
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; Gonçalves Neto & Lima, 2011Gonçalves Neto, J. U., & Lima, A. F. (2011). A história de Maria, uma jovem que se tornou uma cuidadora-que-fala-confronta-e-esclarece: uma análise do processo de metamorfose na perspectiva da psicologia social. Psicología, Conocimiento y Sociedad, 3(1), 30-51. Recuperado de https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=475847405003
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). Isso significa dizer que tecemos a pesquisa ao acompanhamento do processo de subjetivação por meio de um exercício de atenção à espreita, da inserção no terreno existencial, pondo em análise as forças que engendram a matéria e sua reconstrução narrativa (Minayo, 2012Minayo, M. C. S. (2012). Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciência & Saúde Coletiva , 17(3), 621-626. doi: 10.1590/S1413-81232012000300007
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). Para a identificação das participantes, o critério utilizado se deu por conveniência por meio da Secretaria Municipal do Trabalho, Assistência Social e Economia Solidária de uma cidade do interior do Ceará.

O critério ancorado resultou na escolha de uma participante com faixa etária acima dos 18 anos, do gênero feminino e que, em dado momento, experienciou contato absoluto com a violência e desfrute do acesso aos serviços socioassistenciais, particularmente, o Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas). Atentando para o teor de complexidade que implica a temática e o acirramento de conflitos administrativos e profissionais, garantiu-se o anonimato e proteção dos relatos pessoais, logo, os sujeitos em investigação são reconhecidos por nomes fictícios como meio de preservar suas identidades. Não obstante, aplicou-se uma triangulação de ferramentas metodológicas: (1) entrevistas de história de vida, (2) observações cotidianas e (3) protocolos documentais, todas com o desígnio na polifonia da violência contra mulheres por parceiro íntimo.

A análise e interpretação dos materiais produzidos foram realizadas considerando os princípios históricos, sociais e culturais na composição do sujeito da pesquisa, do mesmo modo que o aparato teórico relativo à identidade e suas condições de emancipação de que estão/estiveram-se dependentes na vida. Como se sabe, uma narrativa de história de vida não é uma sequência uniforme de fatos, mas uma constelação de acontecimentos que tomam cena, um conjunto de instantes rememorados que expressam o processo identitário em suas facetas e atuações (Ciampa, 1987Ciampa, A. C. (1987). A estória do Severino e a história da Severina: um ensaio de psicologia social. São Paulo, SP: Brasiliense.; Lima & Ciampa, 2017Lima, A. F., & Ciampa, A. C. (2017). “Sem pedras o arco não existe”: o lugar da narrativa no estudo crítico da identidade. Psicologia & Sociedade , 29, e171330. doi:: 10.1590/1807-0310/2017v29171330
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). Nesse ínterim, recorreu-se às narrativas de história de vida na busca de identificar os personagens experienciados pelo sujeito e reconstruir sua trajetória individual (Lima & Lara Junior, 2014Lima, A. F., & Lara Junior, N. (Orgs.). (2014). Metodologias de pesquisa em psicologia social crítica. Porto Alegre, RS: Sulina .). Obteve-se aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE: 07351218.9.0000.5048) seguindo todas as exigências da Resolução nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde.

A história de Maria fala de outras: cenários de uma vida

O debate que buscamos fazer neste caminho é aquele que vem indicar o lugar da narrativa na metamorfose humana. Esse momento se constituirá da história de vida de Maria, bem como das análises que seus relatos produzem. Poderemos incansáveis vezes imaginar a sua voz, tonalidades e expressões faciais, como também poderemos construir mentalmente as cenas em que suas narrativas se sucedem. Tal qual a trama e urdume de fios que se entretecem, desejamos contar essa história por meio de uma combinação de fatores individuais e sociais que vão se delimitando no tempo, em que a vida irá se sobrepor, alinhar e intercorrer, num constante devir de acontecimentos pontuais aos longínquos, de uma mulher que vivenciou as laçadas da violência. Os leitores cismarão que sua história percorre instantes de contradição e desvio, afinal, é da existência humana que estamos falando.

Só espero que essa conversa sirva para alguma coisa e que ela possa ajudar de alguma forma e que outras de nós pensemos no que estamos fazendo de nossas vidas. O que acontece na vida da gente, a gente vai precisar engolir e mastigar doendo mesmo, para que isso mais frente venha clarear a nossa mente e fazer bem de algum jeito. (Maria, 2020)

Antes de apresentarmos a narrativa de Maria, julgamos importante, pois, retornar o contato feito com ela e a realização de toda essa tecelagem artesanal para que os dados fossem coletados e avaliados. Maria se mostrou bastante animada em poder contar a sua história, dado que havia sido razão de interesse a ser estudada e conhecida. Desde o primeiro encontro, estava entusiasmada em descrever a si mesma, talvez por ser uma das inúmeras histórias silenciadas pelos escombros da cultura patriarcal e declarou famigerada preocupação em desempenhar um bom trabalho, a fim de que pudesse colaborar da melhor forma possível com o nosso estudo. Sem mais delongas, na tentativa de responder às indagações: “quem é você? Qual a sua história? Como se tornou quem você é hoje?”, Maria considera de bom palpite para reagir às questões começar sua história contando-a por meio de suas próprias experiências.

Para dizer quem eu sou, penso eu que a melhor forma para fazer isso seja a partir de tudo o que já vivi nessa vida. Assim, eu me chamo Maria, tenho 37 anos, sou uma mulher de cor preta, tenho 5 filhos e hoje trabalho na escola em que um deles estuda… Acho que posso começar por assim dizer, né?! (Maria, 2020)

É razoável afirmar, desse modo, que a fala de Maria acompanha a contenda sobre identidade na vertente que temos almejado trabalhar, na medida em que compreendemos esse construto baseado nas distintas conexões relacionais e experienciais vivenciadas pelos sujeitos ao longo de suas vidas. Percebeu-se, entretanto, que sua resposta emergiu como uma espécie de síntese feita pela narradora, em que foram encontrados elementos capazes de descrevê-la mesmo que rapidamente. Na narrativa de história de vida, a primeira impressão não é a que fica, verdade seja dita, os primeiros átomos são apenas a porta de entrada (Ciampa, 1987Ciampa, A. C. (1987). A estória do Severino e a história da Severina: um ensaio de psicologia social. São Paulo, SP: Brasiliense.; Lima, 2010Lima, A. F. (2010). Metamorfose, anamorfose e reconhecimento perverso: a identidade na perspectiva da psicologia social crítica. São Paulo, SP: Fapesp.). Nesse sentido, assistir a história de vida de um sujeito, em suas minúcias, possibilita-nos a escuta dos mais íntimos e torturantes fatos, isso reflete que o testemunho e a disposição para acompanhar a escuta se traduzem na quebra de resistências do relato para dar função ao compartilhamento e acolhida de uma história.

Dar espaço para a emergência da personagem Maria-narradora-de-si denota performaticamente a identidade da narradora e autora de sua história, mediante a reconstrução do passado, da revelação de teias e ruínas que fez consigo e com outros. Essa constatação ratifica, então, a complexidade e o imperativo de que não podemos apreender o narrador apenas como um receptáculo que incorpora e dramatiza suas atuações no cotidiano, mas alguém capaz de apresentar uma história, propor novas personagens e disponibilizar elementos políticos para análise das condições subjetivas e objetivas de estar no mundo (Lima & Ciampa, 2017Lima, A. F., & Ciampa, A. C. (2017). “Sem pedras o arco não existe”: o lugar da narrativa no estudo crítico da identidade. Psicologia & Sociedade , 29, e171330. doi:: 10.1590/1807-0310/2017v29171330
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; Souza Filho & Santos, 2017Souza Filho, J. A., & Santos, B. O. (2017). O sintagma identidade-metamorfose-emancipação e sua relação com o construto mundo da vida. Psicologia & Sociedade , 29, e170491. doi: 10.1590/1807-0310/2017v29170491
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). Dito isso, elevamos a discussão sobre o relato de si mesmo, em que refletimos que a norma tem implicações na construção das identidades. Ao fazer um relato de si mesmo, esse si mesmo já está implicado numa temporalidade que excede sua aptidão de narrar-se isolado (Butler, 2017Butler, J. (2017). Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte, MG: Autêntica.). O movimento que Maria exercita insinua uma retomada narrativa do si mesmo a partir de referenciais sociais que a posicionam como mulher, atravessada pela violência e barrada pelo lastro da boa moral e conduta.

Maria inicia sua história na infância, precisamente aos setes anos de idade, interessantemente, nisso faz menção a uma etapa da vida marcada por muito trabalho e pouca diversão. A narradora relata as dificuldades que existiram em seu seio familiar e revela que desde cedo ajudou os pais na criação dos irmãos e no sustento da casa. Vale salientar outro ponto a ser explorado: após o falecimento de um deles, a estrutura da dinâmica doméstica se desconfigura, ou seja, Maria é acusada pela morte do irmão. Ela nos conta que mesmo sem condições, se retira de casa, na tentativa de obter uma vida mais digna de ser vivida, todavia, o que menos esperava era que esse momento se tornaria o prenúncio do circuito de violações a que estaria submetida. O corpo se derivou enquanto comércio para sua sobrevivência nas andanças pelas ruas, o que resultou numa época marcada por dores e lembranças nefastas.

Devido à morte do meu irmão, muita coisa mudou e a minha mãe começou a me expulsar de casa, daí eu acabei largando os meus estudos e fui tentar ganhar a vida mundo afora. Eu achava que sobreviveria melhor. . . . Nem sei o que se passava na minha cabeça. Cheguei a me prostituir de Juazeiro do Norte a São Paulo, em todo lugar, apanhei muito da vida e das pessoas na rua. Foi daí que, nesse tempo, eu comecei a ter filhos e perdi eles também. (Maria, 2020)

Os resultados citados sugerem que há uma relação entre os descritos na pesquisa e o discutido pela literatura, num estudo realizado com 2.523 mulheres acerca do perfil sociodemográfico da violência contra profissionais do sexo em dez cidades brasileiras (Lima, Merchán-Hamann, Urdaneta, Damacena, & Szwarcwald, 2017Lima, F. S. S., Merchán-Hamann, E., Urdaneta, M., Damacena, G. N., & Szwarcwald, C. L. (2017). Fatores associados à violência contra mulheres profissionais do sexo de dez cidades brasileiras. Cadernos de Saúde Pública, 33(2), e00157815. doi: 10.1590/0102-311x00157815
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), verificamos que 59,2% das participantes largaram a escola ou sequer completaram o ensino fundamental, além do mais, 79,6% dessas mulheres eram negras e 38,7% alegaram que os pontos de rua são o local de exercício para seu trabalho. Em similitude, se observamos a atividade que Maria realiza e pudermos definir em termos sintéticos sua condição identitária, destacamos duas metamorfoses: uma representada pela fronteira em que relatar sobre si é resgatar sua história e vivências, a Maria-narradora-de-si; e outra representada no contexto dos dissabores da vida, a Maria-perdida-em-dores-e-lembranças-nocivas.

Seguindo sua história, vemos a demarcação de dois acontecimentos que indicam latente sofrimento, estes ocorrem como uma saída do paraíso e entrada no mundo em que vivenciará tratamentos e reconhecimentos com olhares de desconfiança e rispidez. Esse deslocamento é resumido ao declarar o período em que se manteve no mercado da prostituição e engravidou incansáveis vezes, tornando-se moradora de rua nas esquinas e travessas em que se hospedou. A narradora descreve que, após sua incursão pelo mundo afora, retornou a sua cidade natal. Relembra que a sua chegada foi adversa ao que esperava, houve alguns momentos felizes, mas que não perduraram, a investida de retomar as atividades escolares, o desejo por moradia e a esperança de um novo recomeço pareciam estar cada vez mais distantes. Os fantasmas que a perseguiam estavam prontos para visitá-la novamente.

Quando voltei para minha cidade onde morava antes, eu pensei que finalmente iria ter um pouco de paz, sou muito iludida, né não?! . . . Dos filhos que eu tive na prostituição, eu abortei, eu era nova demais e não sabia nada direito. Ao voltar para casa foi outro baque, os meus pais não me queriam mais, eles me rejeitaram e eu não tinha mais o que fazer ou para onde ir. Quando pensei que tudo poderia ficar bem e eu poderia me ajeitar de verdade, a vida veio e me mostrou que ela estava prestes a virar um completo inferno. (Maria, 2020)

Projetar a vida para o futuro depois da perda dos filhos e dos percalços enfrentados ganhava uma curva impossível, Maria nos alertou que o mundo não era lugar para pessoas como ela, que mulheres são incapacitadas de alcançarem a tão sonhada felicidade, em especial, a Maria-narradora-de-si. Tal situação remonta uma concepção de legitimação da estigmatização social, isto é, dos estereótipos introjetados que acabam resultando em atributos depreciativos, apoiados em preconceitos previamente instituídos aos sujeitos, estabelecendo expectativas, códigos e exigências rigorosas sobre os modos de viver (Moreira, Boris, & Venâncio, 2011Moreira, V., Boris, G. D. J. B., & Venâncio, N. (2011). O estigma da violência sofrida por mulheres na relação com seus parceiros íntimos. Psicologia & Sociedade , 23(2), 398-406. doi: 10.1590/S0102-71822011000200021
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; Rodrigues, Lima, & Holanda, 2018Rodrigues, J. S., Lima, A. F., & Holanda, R. B. (2018). Identidade, drogas e saúde mental: narrativas de pessoas em situação de rua. Psicologia: Ciência e Profissão , 38(3), 424-436. doi: 10.1590/1982-37030004912017.
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). Diante disso, Maria continua explorando suas vivências, de maneira que traz para sua teia o espectador em suas peregrinações, assim, a narradora redige detalhes da sua submersão nas camadas de um relacionamento amoroso que foi o contrário de tudo o que ela almejava e, como consequência, assistimos a história de Maria-mulher-apaixonada.

Eu já era adulta, quando finalmente o conheci, na verdade, eu o conheço desde sempre, fomos amigos quando crianças e eu sou mais velha do que ele. Eu também sabia que ele poderia ser o pai dos meus filhos, dos filhos que eu não iria abortar ou tentar me desfazer. Achei que realmente seria diferente, que agora eu teria felicidade, amor e carinho, mas acabei estando completamente enganada por todas aquelas falsas promessas. Ele não era de verdade, eu sim, é tanto que estava entregue e muito apaixonada. (Maria, 2020)

Maria continua sua narrativa sem interrupções:

Quando fomos morar juntos, eu pulei de alegria, tudo era perfeito, nós engravidamos e ele era tudo o que sempre quis. Tudo mudou com o passar do tempo, ficamos juntos por seis anos, as coisas foram piorando e somente aí me dei conta do animal-monstro que eu botei na minha vida. Não encontrei nada com ele a não ser patadas, dores e violência. Sabe o carinho? Eram murros, tapas e gritos na minha cara. O amor era uma farsa! A casa era uma farsa! Eu vivia numa prisão e ninguém acreditava em mim. Fiz muitas coisas que não me orgulho, fiz coisas ruins principalmente para hoje conseguir estar viva e falar tudo isso. (Maria, 2020)

O ponto crucial a destacar se trata das condições de risco e vulnerabilidade que Maria menciona ter enfrentado ao recontar sua falsa experiência amorosa. Com base no exposto, observa-se a ocorrência do que os estudos têm definido como ciclo espiral da violência, isto é, a relação conjugal é permeada inicialmente por insultos e humilhações, gerando conflitos e tensão. Logo, há uma necessidade de depreciação adicionada de ameaças até a confirmação do episódio da violência, em que a mulher é colocada enquanto objeto e figura passiva, culpada pelo ato sofrido, por fim, a lua de mel renova o ciclo, baseado em promessas mútuas de mudanças (Leite et al., 2019Leite, F. M. C., Luis, M. A., Amorim, M. H. C., Maciel, E. L. N., & Gigante, D. P. (2019). Violência contra a mulher e sua associação com o perfil do parceiro íntimo: estudo com usuárias da atenção primária. Revista Brasileira de Epidemiologia, 22, e190056. doi: 10.1590/1980-549720190056
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; Lucena et al., 2016Lucena, K. D. T., Deininger, L. S. C., Coelho, H. F. C., Monteiro, A. C. C., Vianna, R. P. T., & Nascimento, J. A. (2016). Analysis of the cycle of domestic violence against women. Journal of Human Growth and Development, 26(2), 139-146. doi: 10.7322/jhgd.119238
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). Em ar de caça, a cena de novela revela a figura do animal-monstro sem medo de ir à busca daquele que interfere em sua ordem e a donzela, sem refúgio, cai nas garras de quem a persegue com ferocidade. Nesses caminhos, uma nova personagem insurge, de Maria-mulher-apaixonada à Maria-vai-lá-e-vem-cá.

Ele me forçava a deitar com outros homens em favor de baseado [drogas], daí quando eu chegava em casa com a encomenda, eu apanhava de novo. No final, nós dois ficávamos loucões e naquele instante tudo ficava esquecido, só que no outro dia, eu sabia que tudo iria acontecer de novo. Eu fiz tudo, meu filho, só não matei, mas quase fui morta várias vezes, era sempre aquela mesma ladainha: “Olha sua p%*@, vai lá, faz o teu serviço e vem cá”, nesse negócio de ir e vim, a morte me acompanhou diversas vezes e acho que seria melhor que ela tivesse me levado logo. (Maria, 2020)

Identifica-se, nesses trechos, que a intimidade monogâmica pela qual Maria se refere possui estreita confluência com o modelo de dominância e controle sobre os corpos, imprimindo aos homens o poder de chefe do âmbito familiar e doméstico (Silva, 2010Silva, S. G. (2010). Preconceito e discriminação: as bases da violência contra a mulher. Psicologia: Ciência e Profissão , 30(3), 556-571. doi: 10.1590/S1414-98932010000300009
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; Piosiadlo, Fonseca, & Gessner, 2014Piosiadlo, L. C. M., Fonseca, R. M. G. S., & Gessner, R. (2014). Subalternidade de gênero: refletindo sobre a vulnerabilidade para violência doméstica contra a mulher. Escola Anna Nery, 18(4), 728-733.). Faz-se necessário conceber as mulheres em situação de violência doméstica como sujeitos que carregam as marcas de uma herança patriarcal de gênero, visto que o seu fardo é cominado por meio da subordinação, das desigualdades de privilégios, direitos e deveres, mostrando-se tênue a fronteira entre manter sua integridade rompida e suportar o seu destino, afinal de contas, o feminino é ceifado pelo e em nome do masculino (Barufaldi et al., 2017Barufaldi, L. A., Souto, R. M. C. V., Correia, R. S. B., Montenegro, M. M. S., Pinto, I. V., Silva, M. M. A., & Lima, C. M. (2017). Violência de gênero: comparação da mortalidade por agressão em mulheres com e sem notificação prévia de violência. Ciência & Saúde Coletiva, 22(9), 2929-2938. doi: 10.1590/1413-81232017229.12712017
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; Fonseca et al., 2012Fonseca, D. H., Ribeiro, C. G., & Leal, N. S. B. (2012). Violência doméstica contra a mulher: Realidades e representações sociais. Psicologia & Sociedade , 24(2), 307-314. doi: 10.1590/S0102-71822012000200008
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; Scott, 1995Scott, J. (1995). Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, 20(2), 71-99. Recuperado de https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/71721/40667
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). Essa conjuntura, por sua vez, constituiu, o que segundo Maria, é o seu papel como sujeito no mundo, produzido pela circunstância de ser mulher, mas também pela incursão no terreno das drogas e da prostituição, tornando-se indigna de consideração humana.

Como é possível notar, esses discursos se amparam, a saber, na inversão da metamorfose, em que o projeto de uma busca emancipatória se converte numa condição desumanizadora (Castro & Lisbão, 2017Castro, E. M. A., & Lisbão, Y. M. (2017). Forma-personagem e fetichismo: uma leitura complementar à obra de Ciampa. Psicologia & Sociedade , 29, e170759. doi: 10.1590/1807-0310/2017v29170759
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). Além disso, se falamos de sociedade, inerentemente, estamos discorrendo sobre pessoas, corpos e sujeitos que se subjetivam frente aos valores morais e éticos, interiorizando normas e disseminando práticas coercitivas. Mergulhados em contextos específicos, os sujeitos não falam apenas só deles, mas de tudo e todos que os constroem, das regras estabelecidas para a manutenção da disciplina, que se justificam e condizem a depender da linguagem que age socialmente sobre suas relações. A introjeção da imagem deturpada de si opera no modo de pensar a própria identidade, fadada ao sofrimento insuportável de resistir em que a grande parte as absorve como sua legítima forma de reconhecimento (Butler, 2017Butler, J. (2017). Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte, MG: Autêntica.; Garcia & Beiras, 2019Garcia, A. L. C., & Beiras, A. (2019). A psicologia social no estudo de justificativas e narrativas de homens autores de violência. Psicologia: Ciência e Profissão , 39(2), 45-58. doi: 10.1590/1982-3703003225647
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; Moura Júnior & Ximenes, 2016Moura Júnior, J. F., & Ximenes, V. M. (2016). A identidade social estigmatizada de pobre: uma constituição opressora. Fractal: Revista de Psicologia , 28(1), 76-83. doi: 10.1590/1984-0292/1051
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).

As personagens expostas nessas ocasiões se erguem como signos das mazelas e descalabros recebidos ao longo da vida. Destarte, posando o dorso de sua mão esquerda às costas na região lombar e a palma da direita sobre o seu próprio peito, Maria suspirou profundamente, em seguida, titubeou mais uma confissão desta história.

Eu não comentei nada antes, mas eu já tinha alguns filhos dele nesse tempo. Era demais para aquelas crianças terem de vivenciar tudo o que passei de perto, só que alguns deles viveram comigo toda essa loucura. O sofrimento que eu sentia, assim, era em termos de relação entre marido e mulher, ele só queria fazer as coisas comigo me batendo. . . . Foi uma tortura, ele passava a faca em mim, rasgava minha roupa atrás de sexo. . . . Eu era um saco de pancadas para ele. Eu não era a sua mulher, mas sim o seu objeto para ele se sentir poderoso e homem. Quantas e quantas vezes eu cheguei a gritar para o Miguel fechar os olhos para não ver o que ele fazia comigo. Se eu pudesse apagaria tudo isso da nossa mente. (Maria, 2020)

Dentro dessa maquinaria de poder, o tecido ácido da violência é algo que se veste cotidianamente à espreita, tanto os físicos, sexuais e psicológicos, quanto os simbólicos (Piosiadlo & Fonseca, 2016Piosiadlo, L. C. M., & Fonseca, R. M. G. S. (2016). Gender subordination in the vulnerability of women to domestic violence. Investigación y Educación em Enfermería, 34(2), 262-270. doi: 10.17533/udea.iee.v34n2a05
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). No jogo de forças em que as relações de Maria se encontram, vemos suas ações baseadas em obediência aos scripts sociais, da gramática em que um sujeito como ela deveria ser capaz de resistir. A essa formulação agregamos que a memória desses episódios traz à tona registros e anúncios da ordem dos inventos, no entanto, é impossível forjar seu esquecimento sem que antes conduzíssemos um processo de reconhecimento daquilo que se quer negar, já que concerne à possibilidade de um projeto futuro e não apenas a uma lembrança passada (Campos, 2017Campos, A. O. (2017). Metamorfose humana e memória. Psicologia & Sociedade , 29, e172075. doi: 10.1590/1807-0310/2017v29172075.
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; Veiga & Alves, 2020Veiga, A. C., & Alves, C. P. (2020). O relato de história de vida à luz do pensamento de Walter Benjamin: contribuições aos estudos de identidade. Psicologia USP, 31, e190072. doi: 10.1590/0103-6564e190072
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). Ao anunciar seus algozes, a repetição e reedição dos mesmos de si, não seria um apontamento da escolha pessoal, como parecer ser (Furlan et al., 2015Furlan, V., Lima, A. F., & Santos, B. O. (2015). A permanência no tempo e a aparência de não-metamorfose: contribuições de Ricoeur e Ciampa para uma crítica da identidade. Revista de Psicologia, 6(2), 29-39. Recuperado de http://www.periodicos.ufc.br/psicologiaufc/article/view/2579
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; Lima, 2010Lima, A. F. (2010). Metamorfose, anamorfose e reconhecimento perverso: a identidade na perspectiva da psicologia social crítica. São Paulo, SP: Fapesp.), ao nosso ver, refere-se a uma subordinação dos papéis de gênero, o que corrobora a metamorfose como espectro urgente, necessário e humano.

Assumindo uma identidade provisória, qual Maria-mulher-de-coragem, de toda sorte, nunca sabemos aonde os nossos passos podem nos levar. Os pés andam, mas nunca fazemos ideia do que eles podem encontrar no caminho, com Maria um leão à facada foi caçado, com as mãos e com os dentes, levando no corpo-andarilho destemor e bravura. Lança mão das intimidações e ameaças de morte por parte de seu agressor e decide romper com o atual relacionamento desamoroso. Como se não bastasse, descobre, ainda, que estaria grávida e revela-nos ter pensado no aborto novamente, pois não haveria condições de colocar uma criança no mundo sob aquele teto. Foi quando se convenceu de que era o momento de recomeçar outra história. Em nossa fantasia, essa atividade poderia representar para ela um destino protegido de suas personagens mais belicosas, que insistiam em não ir embora. Pior do que isso. Maria lembra da angústia que sentiu, sem saber o que fazer.

Eu fui muito corajosa em não querer mais ele, só que essa coragem não durou muito tempo. Depois de Agatha nascer, fui ter a minha recuperação na casa da minha mãe, ela quase não me acolheu. . . . Era tanto desgosto que ela sentia que só conseguia me dizer para aguentar, se eu quis ele, então, eu aguentasse. Minha família me pedia para dar um basta, só que é difícil demais viver nessa vida e sair tão fácil. . . . Ele jurou de mudar, mas ele também vivia me ameaçando, eu e meus filhos, ele ia nos matar se não voltasse para ele. Ninguém conseguia me entender. Eu voltei achando que podia ser diferente, só que o medo também escorria no meu corpo do que ele poderia ser capaz de fazer com a gente. Eu queria sair dele, mas eu não sabia como. (Maria, 2020)

Corrobora esta afirmação o fato de que histórias de vidas centradas pelo sofrimento patriarcal de gênero são comumente atravessadas por vieses que tendem fazer às mulheres, em especial, se mostrarem submissas a essa moldura generocídica (Barker, 2016Barker, G. (2016). Male violence or patriarchal violence? Global trends in men and violence. Sexualidad, Salud y Sociedad, 22, 316-330. doi: 10.1590/1984-6487.sess.2016.22.14.a
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; Piosiadlo et al., 2014Piosiadlo, L. C. M., Fonseca, R. M. G. S., & Gessner, R. (2014). Subalternidade de gênero: refletindo sobre a vulnerabilidade para violência doméstica contra a mulher. Escola Anna Nery, 18(4), 728-733.). Contudo, a violência não se configura com tanta frequência em primeiro plano, pelo contrário, ela se entrelaça nas situações de reconciliação (Guimarães & Pedroza, 2015Guimarães, M. C., & Pedroza, R. L. S. (2015). Violência contra a mulher: problematizando definições teóricas, filosóficas e jurídicas. Psicologia & Sociedade , 27(2), 256-266. doi: 10.1590/1807-03102015v27n2p256
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). As promessas feitas pelo companheiro representam um poderoso antídoto na tentativa de reforçar a ilusão de que a relação entre ambos melhorará e voltarão a ser felizes como antes. Tristemente, é comum que, após um contexto de apaziguação, novas expressões violentas voltem a ocorrer (Guimarães, Diniz & Angelim, 2017Guimarães, F. L., Diniz, G. R. S., & Angelim, F. P. (2017). “Mas ele diz que me ama…”: duplo-vínculo e nomeação da violência conjugal. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 33, 1-10. doi: 10.1590/0102.3772e3346
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; Hoepers & Tomanik, 2019Hoepers, A. D., & Tomanik, E. A. (2019). (Co)construindo sentidos: o grupo como dispositivo de enfrentamento à violência doméstica contra as mulheres. Psicologia & Sociedade , 31, 1-16. doi: 10.1590/1807-0310/2019v31214338
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).

Depois de alguns meses, coincidência ou não, o animal-monstro e sua bestialidade reinaram novamente, fazendo com que Maria perdesse todas as esperanças de uma mudança, que pouco saboreou ao lado dos seus familiares. Permanecia o dia inteiro em seu quarto, de onde só saía para realizar suas atividades higiênicas. Não reagia aos convites, tampouco aos chamados de sua mãe. E na medida em que o temor punha à prova sua resistência, Maria se surpreende com a intervenção judicial no seu domicílio. O pedido era simples: as crianças não podem mais permanecer neste lar. De um lado, Maria-mulher-violentada-deixa-de-ser-mãe e sente como se um pedaço de si tivesse ido junto; por outro lado, o motivo que a fez retornar ao seu relacionamento já não estava sob seus cuidados. O que explica sua escapatória e a possibilidade de reconstruir-se, tentando a todo custo recusar as exigências opressoras que se inscreveram em sua realidade, buscando uma identidade que comporte sentido ao que julgava valer a pena ser vivido.

Entretanto, a dificuldade que reside das mulheres em romperem com os imperativos que são impostos a esse tipo de dinâmica relacional faz haver uma espécie de tendência massiva de perpetuação da violência sobre seus corpos (Garcia & Beiras, 2019Garcia, A. L. C., & Beiras, A. (2019). A psicologia social no estudo de justificativas e narrativas de homens autores de violência. Psicologia: Ciência e Profissão , 39(2), 45-58. doi: 10.1590/1982-3703003225647
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; Guimarães et al., 2017Guimarães, F. L., Diniz, G. R. S., & Angelim, F. P. (2017). “Mas ele diz que me ama…”: duplo-vínculo e nomeação da violência conjugal. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 33, 1-10. doi: 10.1590/0102.3772e3346
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). A rota percorrida por esses sujeitos no desígnio de descontinuar as atrocidades sofridas compreendem uma sequência de decisões tomadas e ações executadas durante esse processo, que incluem a falta de apoio, culpa, medo, vergonha de buscar ajuda e a vitimização secundária em detrimento ao ocasionado consigo nesse circuito de desafetos (Bruhn & Lara, 2016Bruhn, M. M., & Lara, L. (2016). Rota crítica: a trajetória de uma mulher para romper o ciclo da violência doméstica. Polis e Psique, 6(2), 70-86. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2238-152X2016000200005
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). Comparando a literatura com os resultados aqui tecidos, observa-se o movimento de abertura da narradora ao elencar sentidos próprios para suas experiências, fazendo algo com aquilo que fizeram dela, subvertendo as políticas que governam os grupos de que faz parte.

Não é porque vivemos nessas situações que a gente não pode buscar força e tentar sair. É preciso se posicionar! Eu só quero viver e ser feliz com os meus filhos. Eu aprendi muita coisa durante a minha vida até aqui. Eu olho para atrás e vejo que a Maria lá de ontem é muito diferente da Maria de hoje. Eu gosto mais dessa, sabe?! Quero ser mais essa daqui! (Maria 2020)

É da perda e destituição da guarda e lugar de mãe dos próprios filhos que Maria é impulsionada a elaborar outros inventos e fazeres, sendo capaz de desenhar novas histórias em direção ao futuro. Nesta tecelagem, enquanto autora, sempre esteve em busca de novas personagens e, quando impossível, foi necessário inverter as diretrizes e como vetores repeti-las no seu enredo. A constante reposição de papéis, por vezes, deve ser vencida, mesmo nas instâncias em que parece que o sujeito não está em movimento, mas ele está, é a ocorrência do processo de metamorfose identitária acontecendo (Paulino-Pereira et al., 2017Paulino-Pereira, F. C., Santos, L. G. A., & Mendes, S. C. C. (2017). Gênero e identidade: possibilidades e contribuições para uma cultura de não violência e equidade. Psicologia & Sociedade , 29, e172013. doi: 10.1590/1807-0310/2017v29172013
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). Posto isso, mesmo com regressos, ocorreram mudanças em seu modo de perceber a si mesma, de se relacionar, de sentir, agir e existir no mundo (Hoepers & Tomanik, 2019Hoepers, A. D., & Tomanik, E. A. (2019). (Co)construindo sentidos: o grupo como dispositivo de enfrentamento à violência doméstica contra as mulheres. Psicologia & Sociedade , 31, 1-16. doi: 10.1590/1807-0310/2019v31214338
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). Transitar nos espaços que agora propiciam acolhimento e cuidado, delineou-se como oportunidade de reconstrução da sua realidade, seja como sujeito, mulher e protagonista de sua vida.

Por fim, a história de Maria extrapola as questões de gênero, ressoam sobre as práticas e desafios cotidianos de muitas mulheres em nosso país, anunciam as diversas táticas e astúcias do viver, que se entrecruzam e refletem as relações entre experiências subjetivas e o domínio da cultura, dos saberes sociais, políticos e econômicos. A Maria-de-hoje, que discursa a respeito da Maria-de-ontem, atribui outros significados ao que vivenciou, assim, ao narrar seus trajetos e percalços deixa aflorar a marca de si em si mesma, de um trabalho artesanal, de muitas costuras e arremates, evocando lembranças e levando aquele que reconta a reviver o que ficou guardado, mas também protege de maneira lacônica aquilo que se deseja esquecer. Maria-de-hoje resgata sua humanidade suprimida, anunciando a singularidade do sujeito humano que sempre pode descobrir portas que permitem inúmeras saídas.

Considerações finais

Esses achados retratam que as resistências produzidas pelos modos de viver de Maria nos convocam a perceber a braveza das estratégias de uma vida que fala de tantas outras. A busca pela superação de suas personagens e condições que lhe negaram por um período de tempo a alcançar o que supomos que ela almejaria, é o que podemos atribuir à sua história, momentos que possam ter características emancipatórias, mas que somente ela terá como nos afirmar. A história de Maria não cessa mediante essa tecelagem, ela se move em direção de outras possibilidades, na tentativa de produzir desvios entranhados na pele e desmantelando formulações que insistem em amparar o tecido febril do mundo capitalista. Diante disto, é preciso abrir os ouvidos e o coração para outros movimentos e histórias tão silenciadas pelos escombros da vida.

Acerca das contribuições, inaugura-se importante itinerário de pesquisa, ao priorizar o sujeito da narrativa como coautor deste processo. Destaca-se que a adoção do construto identidade metamorfose como condutor da violência contra mulheres é um aspecto que não havia sido explorado em obras antecedentes, o que suscita o preenchimento da lacuna averiguada na literatura e o enaltecimento de uma teoria crítica que subverte perspectivas e vertentes mais positivistas da psicologia social. Reside, ainda, como implicação metodológica, o fato de uma maior confiabilidade das informações devido à utilização da triangulação de fontes.

Quanto às limitações, assinala-se que a pesquisa resultou na escolha de apenas uma participante e, conforme tal situação, os resultados se tornaram mais indicativos do que conclusivos, pois não há como realizarmos a contingência de generalização. É importante para investigações futuras que o número de participantes seja ampliado, de toda sorte, novas pesquisas são bem-vindas em outras regiões e considerando outros aspectos. É desejável que possam ser explorados lugares em que os participantes se sintam confiantes a contarem suas histórias, haja vista a intimidade dos fatos narrados.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    17 Out 2021
  • Revisado
    27 Dez 2021
  • Aceito
    16 Jan 2022
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