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Editorial

A revista Psicologia USP tem realizado intenso esforço para aprimorar seus processos editoriais de forma a tornar mais transparente para o público e para a própria instituição que a mantém (o Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo) o fluxo editorial que sustenta sua existência. Isso significa permitir que os autores, os pareceristas, a comunidade de professores e técnicos do IPUSP e, em última instância, a comunidade científica como um todo, tenham o acesso mais amplo possível - resguardados os aspectos relativos ao sigilo dos participantes - a informações detalhadas sobre a tramitação dos artigos, inclusive sobre prazos de submissão e avaliação, número de artigos recebidos, frequência de aprovações, entre outras.

De forma paradoxal, porém, vimos aumentar o número de consultas de autores, nos últimos anos, aos prazos de avaliação dos artigos submetidos, aos tipos de artigos aceitos, às características esperadas dos pareceres, etc. Trata-se de algo aparentemente contraditório porque, em princípio, a publicação dessas informações na página do SciELO e sua disponibilidade por meio do sistema ScholarOne de submissão eletrônica deveriam diminuir, ou mesmo anular, a necessidade dessas consultas. Podemos supor duas razões para esse aumento:

1. O aprimoramento dos processos editoriais ocorre concomitantemente ao aumento da exigência de publicação de artigos por parte dos órgãos de fomento e de avaliação dos programas de pós-graduação - o que significa, em princípio, que o mencionado aprimoramento não diminui a pressão sobre os pesquisadores, mas faz parte de um único processo de aumento do ritmo de publicação. Em outras palavras, quanto maior a eficiência e a transparência na tramitação dos periódicos (ou seja, quanto maior sua "profissionalização"), maiores as exigências dos órgãos de avaliação sobre os pesquisadores;

2. Publicar tais informações permite que os participantes externos ao corpo editorial ganhem poder de controle sobre os processos editoriais, mesmo que seja um poder relativo e voltado exclusivamente à fiscalização deste processo.

Esta última razão parece significar, por um lado, um avanço evidente. Quanto maior o controle sobre as informações relativas a um periódico sustentado por recursos públicos, maior o controle sobre os benefícios advindos deste investimento para toda a população. Neste caso, devemos entender que se trata não apenas de um avanço em relação ao grau de confiança que se pode ter face ao conhecimento científico publicado pelos periódicos - pois quanto maior a transparência dos processos editoriais, maior, hipoteticamente, a confiança no controle exercido sobre o conteúdo das pesquisas publicadas -, mas também um avanço em relação ao ganho social produzido pelo investimento público na geração e difusão deste conhecimento.

Por outro lado, a primeira razão parece indicar um processo perigoso de aumento da exigência burocrática, externa à lógica da produção científica, sobre os pesquisadores. O produtivismo, neste caso, não implica apenas um forte estímulo à publicação dos resultados do trabalho científico para o benefício da população como um todo, mas uma exigência vazia de sentido quanto ao número de artigos que os pesquisadores devem publicar. Este aumento de exigência é impossível em um contexto no qual os periódicos mantenham processos editoriais arcaicos e lentos, que reduzem a possibilidade de publicação em curto tempo de um grande número de artigos. A adoção por parte de alguns periódicos de estratégias de avaliação mais rápidas para a publicação de relatos empíricos, nos moldes adotados pelo PlosOne (e sua política de "fast publication time"2 2 "Fast publication time", em tradução livre, "tempo de publicação rápido". ) ou por periódicos como o Nature Scientific Reports (que declara existir "to facilitate the rapid peer review and publication of research"3 3 "To facilitate the rapid peer review and publication of research", em tradução livre, "para facilitar a rápida revisão crítica e a publicação de pesquisas". ), faz parte deste processo de aumento na rapidez da avaliação e da publicação com a finalidade de permitir que os pesquisadores publiquem cada vez mais artigos. Nesses casos, mesmo havendo evidências de que tais publicações não diminuíram o rigor de sua avaliação, o resultado parece ser uma tendência a privilegiar a velocidade de publicação em detrimento do conteúdo do que é produzido.

Diante de tais características da atividade científica atual, é factível imaginar que o aumento da consulta aos prazos por parte de autores de artigos submetidos e em vias de submeter seus trabalhos signifique não apenas uma válida preocupação com a transparência do processo, mas uma reação determinada pelo elevado grau de exigência burocrática para produção de artigos.

Alguns casos que temos enfrentado atualmente de autores que, por exemplo, submetem o artigo a mais de um periódico simultaneamente, parecem ser decorrência de uma dificuldade pessoal para lidar com tais pressões. Tais dificuldades devem ser compreendidas dentro deste contexto social e institucional e devem servir para refletir a respeito do papel que tais publicações de fato estão desempenhando.

Esperamos que o caráter iatrogênico do conhecimento científico seja alvo da necessária crítica, para que não se torne um mal maior do que o bem que pode produzir. Quando nos lembramos do elevado número de artigos retratados todo ano (algumas estimativas giram em torno de dois mil), torna-se evidente que a exigência da alta velocidade de publicação, com sua decorrente impessoalidade (mais que anonimato) no processo de avaliação, tem trazido consequências negativas em inúmeros campos do conhecimento. Essas consequências exigem de nós, pesquisadores, editores, elaboradores de políticas públicas científicas, entre outros, criatividade para, ao mesmo tempo, não ignorar as tendências mundiais na publicação científica (que de fato apontam para esta direção), enquanto consideramos, em caráter prioritário, o papel que o conhecimento por ela gerado deve desempenhar na melhoria das condições de vida da população em geral.

  • 2
    "Fast publication time", em tradução livre, "tempo de publicação rápido".
  • 3
    "To facilitate the rapid peer review and publication of research", em tradução livre, "para facilitar a rápida revisão crítica e a publicação de pesquisas".

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2014
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