RESUMO:
A bioimpressão é considerada uma fonte promissora no desenvolvimento celular, e na produção de mini-órgãos, válulas, cartilagens que futuramente poderão ser utilizados na terapia para transplantes em animais e humanos. Assim, essa técnica poderá ser utilizada como uma terapia eletiva, no tratamento de injúrias e principalmente no tratamento de doenças crônico-degenerativas. Em humanos essa terapia está sendo pesquisada a fim de auxiliar a medicina no tratamento e regeneração de tecidos impressos a partir de arcabouços de células desenvolvidas a partir de células-tronco, biomateriais e impressões em 3D. O uso dessa tecnologia é também um auxiliar nas pesquisas oncológicas com o intuito de projetar e avaliar a proliferação celular de tumores, bem como a ação de novos medicamentos quimioterápicos. No entanto, a maior limitação para o uso da terapia utilizando-se a impressora de células, órgãos e tecidos em 3D é a falta de protocolos unificados com metodologias reprodutíveis e detalhadas; com o objetivo de viabilizar a utilização da impressora e a impressão de células, órgãos e tecidos em 3D. Dessa forma, esta revisão busca reunir as publicações mais atuais na área, as quais destacam os avanços no uso de bioimpressão com células-tronco, a fim de descrever as principais técnicas e os potenciais de utilização como alternativa terapêutica na medicina humana e veterinária.
TERMOS DE INDEXAÇÃO:
Bio-impressão; células tronco; biofabricação; medicina veterinária; mini-orgãos.
ABSTRACT:
The bioprinting is considered a promising source in cell development, and production of mini-organs, valves, cartilage that may eventually be used in therapy for transplantation in animals and humans. It can also be used as an elective therapy in the treatment of injuries and treatment of chronic degenerative diseases. In humans, this therapy is been studied mainly in the treatment and regeneration of tissues printed from scaffold cells developed from stem cells, biomaterials and impressions in 3D. This technology is also an aid for the study of the formation of tumors, in order to design and evaluate the cellular proliferation of the tumors and the action of new chemotherapy drugs. However, the main drawback to this therapy is the lack of standardized protocols with reproducible and detailed methodologies with the aim of enabling the use of bioprinting and printing cells, tissues and organs in 3D. Thus, this review seeks to bring together the most current publications of the bioprinting area in order to describe the technique and its potential use as a therapeutic alternative.
INDEX TERMS:
Bioprinting; stem cells; biofabrication; mini-organs; veterinary medicine.
Introdução
A bioimpressão (bioimprinting) pode ser definida como a utilização de células e outros produtos biológicos na impressão por empilhamento para a montagem de tecidos e órgãos a partir da deposição de camadas auxiliada por computador, podendo ser utilizada na medicina regenerativa, em estudos farmacocinéticos bem como em outros estudos biológicos (Guillemot et al. 2010Guillemot F., Mironov V. & Nakamura M. 2010. Bioprinting is coming of age: report from the International Conference on Bioprinting and Biofabrication in Bordeaux (3B’09). Biofabrication 2(1):010201.). Essa recente tecnologia pode ser classificada de acordo com o seu princípio de funcionamento sendo: bioimpressão baseada em um jato de tinta, de extrusão e a impressão em laser (Tong et al. 2012Tong W.Y., Shen W., Yeung C.W., Zhao Y., Cheng S.H., Chu P.K. & Lam Y.W. 2012. Functional replication of the tendon tissue microenvironment by a bioimprinted substrate and the support of tenocytic differentiation of mesenchymal stem cells. Biomaterials 33(31):7686-7698.).
A partir da modificação de impressoras comerciais foi desenvolvido um mecanismo da impressão utilizando-se jatos de tinta, podendo ser realizada como jato contínuo ou gota a gota. O primeiro produz um traço ininterrupto, enquanto o último deposita gotas controladas de tinta em posições coordenadas com precisão, imprimindo em unidades de gotículas modulares. Somente a impressão de tinta gota a gota é considerada adequada para a bioimpressão, no entanto o método de jato de tinta contínua requer uma tinta condutora. Um cartucho é carregado com células em bio-hidrogel e é impresso em gotas bem colocadas que são geradas a partir de uma cabeça de impressão pelo controle próximo de um atuador térmico ou piezelétrico (equipamentos que podem ser utilizados na construção de estruturas flexíveis e personalizadas).O sistema térmico é mais prevalente para a impressão celular, e embora a temperatura do atuador possa exceder até 200 ° C, as células experimentam apenas pequenas alterações de temperatura temporárias durante o processo. Atualmente, as cabeças de impressão a jato de tinta tendem a empregar o sistema Mecânico Micro-Elétrico, o qual possibilita a impressão de materiais altamente viscosos (Irvine & Venkatraman 2016Irvine S.A. & Venkatraman S.S. 2016. Bioprinting and differentiation of stem cells. Molecules 21(9):1188.). Vale a pena comentar que, a bioimpressão em jato de tinta, imprime células vivas em forma de gotículas através de cartuchos, e é uma das tecnologias mais promissoras que permitem a biofabricação de tecidos ou órgãos (Chang et al. 2008Chang R., Nam J. & Sun W. 2008. Direct cell writing of 3D microorgan for in vitro pharmacokinetic model. Tissue Eng. Part. C, Methods 14(2):157-166.). Uma grande vantagem dessa técnica é que esta permite a impressão de células individuais bem como de agregados celulares; através do controle da concentração, resolução, diminuição de volume e diâmetro das células impressas (Ozbolat & Yin Yu 2013Ozbolat I.T. & Yu Y. 2013. Bioprinting toward organ fabrication: challenges and future trends. IEEE Trans. Biomed. Eng. 60(3):691-699.). Essa tecnologia utiliza células vivas e tem por finalidade a deposição exata de células encapsuladas em filamentos cilíndricos de estrutura 3D utilizando biopolimeros, como quitosana, cerâmica e demais materiais biocompatíveis (Ozbolat & Yin Yu 2013Ozbolat I.T. & Yu Y. 2013. Bioprinting toward organ fabrication: challenges and future trends. IEEE Trans. Biomed. Eng. 60(3):691-699.).
A bioimpressão por extrusão é a técnica mais promissora descrita na atualidade, uma vez que permite a fabricação de construções organizadas de tamanhos clinicamente relevantes dentro de um tempo real. Esta técnica é capaz de produzir um traço contínuo do filamento da biotinta (substância feita de células vivas que podem ser impressas em um formato programado) de uma seringa, semelhante ao mecanismo da pasta de dente que emerge de um tubo espremido.
A biotinta de hidrogel é forçada a partir da seringa usando pressão de ar pneumática; a seringa é anexada ao canal de impressão movendo a direção z-y sobre um coletor que move o eixo x, de modo que o hidrogel pode ser depositado em padrões 3D e esta disposição de direção pode variar entre os modelos de bioprinter. Inúmeros polímeros de hidrogel biocompatíveis podem ser utilizados como biotintas para a bioprintação por extrusão, vale a pena comentar que neste processo o material do biotinta deve ser escolhido de acordo com o tipo de célula a ser utilizada para a bioimpressão e ter a capacidade de proporcionar uma concentração celular relativamente elevada. O êmbolo de parafuso mecânico promove um melhor controle sobre o fluxo de biotinta, o que é importante para melhorar a padronização (Pati et al. 2015Pati F., Jang J., Lee J.W. & Cho D.-W. 2015. Extrusion bioprinting, p.123-152. In: Atala A. & Yoo J.J. (Eds), Essentials of 3D Biofabrication Translation. Academic Press, Boston, MA, USA., Maher et al. 2009Maher P.S., Keatch R.P., Donnelly K., Mackay R.E. & Paxton J.Z. 2009. Construction of 3D biological matrices using rapid prototyping technology. Rapid Prototyping J. 15(3):204-210., Campos et al. 2012Campos D.F.D., Blaeser A., Weber M., Jäkel J., Neuss S., Jahnen-Dechent W. & Fischer H. 2012. Three-dimensional printing of stem cell-laden hydrogels submerged in a hydrophobic high-density fluid. Biofabrication 5(1):015003.). No entanto, para a impressão de células-tronco, a extrusão por parafuso mecânico e/ou pneumático pode produzir grandes quedas de pressão ao longo do bico da impressora. Vale ressaltar, que a queda de pressão está associada com a deformação e apoptose das células encapsuladas em biotinta (Irvine & Venkatraman 2016Irvine S.A. & Venkatraman S.S. 2016. Bioprinting and differentiation of stem cells. Molecules 21(9):1188.).
A utilização da técnica de biompressão a laser foi desenvolvida a partir de tecnologias de gravação direta e de transferência induzida por laser. Esse método funciona por estimulação a laser focalizada a partir da superfície superior de uma camada aparente que absorve energia. Uma célula contendo um biopolímero ou biotinta é revestida sobre a superfície inferior da camada de absorção de energia, a estimulação a laser vaporiza o material de superfície, gerando uma bolha de pressão que propulsa uma gota de biotinta para um substrato de coleta/recepção para colocação da camada celular. Ao contrário da impressão a jato de tinta, a bioimpressão assistida por laser não requer um bico dispensador, isto reduz o esforço de cisalhamento experimentado pelas células-tronco durante a deposição e também elimina a ocorrência de entupimento do bocal da impressora. É possível considerar que este método tem boas propriedades de impressão de células, uma vez que é capaz de utilizar bio-filtros viscosos e imprime densidades de células elevadas com boa viabilidade pós-deposição. Além disso, a resolução pode ser de aproximadamente 10µm, contudo, esta técnica é considerada a mais cara e complexa e requer pesquisas aplicadas em tipos celulares definidos como: tecido ósseo, cartilaginoso, conjuntivo, entre outros (Griffin et al. 2015Griffin M.F., Butler P.E., Seifalian A.M. & Kalaskar D.M. 2015. Control of stem cell fate by engineering their micro and nanoenvironment. World J. Stem Cells 7:37-50., Irvine & Venkatraman 2016Irvine S.A. & Venkatraman S.S. 2016. Bioprinting and differentiation of stem cells. Molecules 21(9):1188.).
A bioimpressão permite a colocação precisa de produtos biológicos com a finalidade de reconstituir a biologia do tecido. A tecnologia permite o desenvolvimento de construções de órgãos ou tecidos que não requerem vascularização substancial, bem como modelos de mini-tecido e/ou mini-órgão mimetizando a biologia natural para estudos de novos medicamentos, como por exemplo, para o tratamento de câncer (Ozbolat 2015Ozbolat I.T. 2015. Bioprinting scale-up tissue and organ constructs for transplantation. Trends Biotechnol. 33(7):395-400., Tong et al. 2012Tong W.Y., Shen W., Yeung C.W., Zhao Y., Cheng S.H., Chu P.K. & Lam Y.W. 2012. Functional replication of the tendon tissue microenvironment by a bioimprinted substrate and the support of tenocytic differentiation of mesenchymal stem cells. Biomaterials 33(31):7686-7698., Mutreja et al. 2015Mutreja I., Woodfield T.B., Sperling S., Nock V., Evans J.J. & Alkaisi M.M. 2015. Positive and negative bioimprinted polymeric substrates: new platforms for cell culture. Biofabrication 7(2):025002.).
A biompressão é uma técnica que pode ser utilizada para tratar crânioplastia, ou seja, deformidades cranianas, uma vez que os médicos podem desenvolver protótipos para estudar a deformidade, bem como avaliar e treinar a técnica cirúrgica antes do procedimento em humanos. Ressalta-se que, esse procedimento pode diminuir os riscos cirúrgicos, pois o cirurgião pode estudar a patologia do indivíduo de forma única e específica (Lee et al. 2009Lee S.C., Wu C.T., Lee S.T. & Chen P.J. 2009. Cranioplasty using polymethyl methacrylate prostheses. J. Clin. Neurosci. 16(1):56-63.). Ainda, é possível avaliar os dados produzidos a partir de impressões em 3D e com base em dados estatísticos de viabilidade na utilização desta técnica, observar e avaliar estruturas corporais obtidas a partir de imagens digitalizadas obtidas por meio de tomografia computadorizada (TC) de modelos 3D de tecidos. Dessa forma, pode-se dizer que a partir destes modelos 3D, bio-modelos (modelos físicos), as estruturas ósseas e cartilaginosas impressas em 3D podem ser ferramentas importantes para o desenvolvimento de novas técnicas cirúrgicas de alta precisão para implantes e prototipagem rápida (Choonara et al. 2016Choonara Y.E., Du Toit L.C., Kumar P., Kondiah P.P. & Pillay V. 2016. 3D-printing and the effect on medical costs: a new era? Expert Rev. Pharmacoecon. Outcomes Res. 16(1):23-32.).
Modelos de bioimpressão poderão ser utilizados para a preparação pré-operatória, como um molde para estabelecer dispositivos implantáveis, por exemplo, cartilagem e tecido ósseo para produzir um molde biológico de acordo com a necessidade de cada paciente, reduzindo assim a probabilidade de rejeição (Choonara et al. 2016Choonara Y.E., Du Toit L.C., Kumar P., Kondiah P.P. & Pillay V. 2016. 3D-printing and the effect on medical costs: a new era? Expert Rev. Pharmacoecon. Outcomes Res. 16(1):23-32.).
Devido a sua grande vantagem na formação de vários tipos celulares, houve o rápido desenvolvimento na construção de tecidos e órgãos funcionais inteiros em 3D, tais como coração, pulmão, fígado e rins (Ozbolat 2015Ozbolat I.T. 2015. Bioprinting scale-up tissue and organ constructs for transplantation. Trends Biotechnol. 33(7):395-400.). Pesquisas sobre a produção de órgãos e mini-órgãos tem aumentado, gerando expectativa de sua utilização em enxertos de tecidos e transplante de órgãos. Contudo, até o momento a estratégia de engenharia de tecidos ainda não pode permitir a fabricação de tecidos ou órgãos totalmente funcionais (Ozbolat 2015Ozbolat I.T. 2015. Bioprinting scale-up tissue and organ constructs for transplantation. Trends Biotechnol. 33(7):395-400.).
A engenharia de tecidos é um campo emergente em que a ciência dos materiais e a biologia celular contribuem para tornar possível novas ferramentas, como a implantação de tecidos biofabricados na medicina regenerativa. O objetivo final da bioimpressão é recapitular o processo natural de formação de tecido por células para montar arcabouços sintéticos que sejam capazes de imitar o microambiente natural do tecido. O cerne desse desafio multidisciplinar é entender como ocorre à regulação do comportamento celular através de interações célula/tempo, e com isso reproduzir esses conhecimentos para a fabricação de biomateriais compatíveis com a produção de tecidos, células e órgãos (Tong et al. 2012Tong W.Y., Shen W., Yeung C.W., Zhao Y., Cheng S.H., Chu P.K. & Lam Y.W. 2012. Functional replication of the tendon tissue microenvironment by a bioimprinted substrate and the support of tenocytic differentiation of mesenchymal stem cells. Biomaterials 33(31):7686-7698.).
A biompressão de tecidos, órgãos e arcabouços celulares podem ser realizadas com as técnicas atuais de impressão em 3D, no entanto requerem que o material de escolha para a bioimpressão seja um fluido ou pó, visto que a estrutura do material deve ser rapidamente ajustada para que haja estabilidade para manter a integridade da impressão. No entanto, tradicionalmente isto requer um material que possa ser impresso à temperatura elevada para metais e polímeros ou até mesmo materiais que possam ser dissolvidos em solventes voláteis. As células podem ser incluídas e impressas em um material citocompatível, com isso, a construção subsequente será imediatamente formada com uma distribuição de células consistentes e altamente viáveis ao longo de todo o processo de biompressão. Além disso, a distribuição e formação de células de diferentes tipos podem potencialmente ser colocadas e orientadas para a formação da estrutura desejada, sendo tecido celular e conjuntivo, ainda futuramente com essa técnica, será possível o desenvolvimento e impressão de órgãos 3D (Irvine & Venkatraman 2016Irvine S.A. & Venkatraman S.S. 2016. Bioprinting and differentiation of stem cells. Molecules 21(9):1188.).
Dessa forma, esta revisão busca reunir as publicações mais atuais na área, as quais destacam os avanços no uso de bioimpressão com células-tronco, a fim de descrever as principais técnicas e os potenciais de utilização como alternativa terapêutica na medicina humana e veterinária.
Utilização de Células-Tronco na Bioimpressão
A bioimpressão pode ser a tecnologia do futuro, no entanto, aspectos como disposição hierárquica de células ou a construção de blocos de tecido em um microambiente 3D e fatores como a fase de maturação pós-bioimpressão são tão importantes quanto o próprio processo de impressão. Outro componente importante nesse cenário é a escolha do biomaterial, pois este fornecerá todos os aspectos bioquímicos (quimiocinas, fatores de crescimento, fatores de aderência, ou proteínas de sinalização) e físicos (fluxo intersticial, propriedades mecânicas e estruturais da matriz extracelular). Esses fatores promovem um ambiente com maior viabilidade de sobrevivência da célula, auxiliando na motilidade e diferenciação celular. Além disso, o biomaterial deve apresentar elevada estabilidade na integridade mecânica e estrutural após a bioimpressão, permitindo a diferenciação de linhagens de células-tronco autólogas em linhagens de células específicas de tecido, facilitando assim, o enxerto endógeno do tecido sem gerar uma resposta imunológica (Ozbolat 2015Ozbolat I.T. 2015. Bioprinting scale-up tissue and organ constructs for transplantation. Trends Biotechnol. 33(7):395-400., Mutreja et al. 2015Mutreja I., Woodfield T.B., Sperling S., Nock V., Evans J.J. & Alkaisi M.M. 2015. Positive and negative bioimprinted polymeric substrates: new platforms for cell culture. Biofabrication 7(2):025002.).
As células-tronco possuem grande potencial de diferenciação, com capacidade de proliferação e auto renovação, dando origem a diferentes linhagens celulares especializadas (Pereira 2008Pereira L.V. 2008. A importância do uso das células tronco para a saúde pública. Ciênc. Saúde Coletiva 13(1):7-14.). Existem várias classes de células-tronco, que elas podem ser classificadas em células-tronco totipotentes, pluripotentes e multipotentes; e de acordo com sua origem elas podem ser embrionárias ou adultas (Vogel 2000Vogel G. 2000. Can old cells learn new tricks? Science 287(5457):1418-1419., Souza et al. 2003Souza V.F., Lima L.M.C., Reis S.R.A., Ramalho L.M.P. & Santos J.N. 2003. Células-tronco: uma breve revisão. Revta Ciênc. Méd. Biol. 2(2):251-256., Silva Júnior et al. 2009Silva Junior F.C., Odonga F.C.A. & Dulley F.L. 2009. Células-tronco hematopoéticas: utilidades e perspectivas. Revta Bras. Hematol. Hemoter. 31(1):53-58.).
As células-tronco são definidas por possuir um potencial de auto renovação e multilinhagem, isto é, podem ser estimuladas para formar vários tipos diferentes de células funcionais. Existem três tipos principais de células-tronco comumente usadas na bioengenharia: mesenquimais, embrionárias e pluripotentes induzidas. As células-tronco mesenquimais são também referidas como células estromais mesenquimais ou células multipotentes, essas células apresentam capacidade de se diferenciar em osteoblastos, adipócitos ou condroblastos in vitro. Adicionalmente, também têm a capacidade de se tornar outros tipos de células mesenquimais e não mesenquimais tais como miócitos, células de ligamentos, de musculo liso, células endoteliais, cardiomióticos, hepatócitos e células neurais (Irvine & Venkatraman 2016Irvine S.A. & Venkatraman S.S. 2016. Bioprinting and differentiation of stem cells. Molecules 21(9):1188.).
As células-tronco mesenquimais foram originalmente isoladas da medula óssea, mas, desde então, foram localizadas em muitos tecidos tais como: hepático, pulmonar, muscular, adiposo, líquido amniótico/gelatina de Wharton, cordão umbilical e placenta. A fonte particular de células-tronco mesenquimais muitas vezes confere aspectos vantajosos em comparação com outras fontes, visto que, por exemplo, a concentração de células-tronco colhidas a partir do tecido adiposo é significativamente maior que a de outras fontes (Lindroos et al. 2011Lindroos B., Suuronen R. & Miettinen S. 2011. The potential of adipose stem cells in regenerative medicine. Stem Cell Rev. Rep. 7(2):269-291., Irvine & Venkatraman 2016Irvine S.A. & Venkatraman S.S. 2016. Bioprinting and differentiation of stem cells. Molecules 21(9):1188.).
As células mesenquimais perinatais têm uma grande capacidade de expansão, assim como as células-tronco derivadas do líquido amniótico que podem ser cultivadas por mais de 300 ciclos celulares com um tempo de duplicação de 36 horas (De Coppi et al. 2007De Coppi P., Bartsch G., Siddiqui M.M., Xu T., Santos C.C., Perin L., Mostoslavsky G., Serre A.C., Snyder E.Y., Yoo J.J., Furth M.E., Soker S. & Atala A. 2007. Isolation of amniotic stem cell lines with potential for therapy. Nat. Biotechnol. 25(1):100-106., Si et al. 2015Si J.W., Wang X.D. & Shen S.G. 2015. Perinatal stem cells: A promising cell resource for tissue engineering of craniofacial bone. World J. Stem Cells 7(1):149., Irvine & Venkatraman 2016Irvine S.A. & Venkatraman S.S. 2016. Bioprinting and differentiation of stem cells. Molecules 21(9):1188.). Além disso, as células-tronco perinatais têm uma gama mais ampla de multipotência quando comparada as células-tronco “adultas” e, ao contrário das células-tronco embrionárias e das células pluripotentes induzidas, não apresentam tumorigenicidade in vitro.
As células-tronco mesenquimais indiferenciadas de forma importante são imunotoleradas, dando a opção de implantação de aloenxerto para a secreção de fatores terapêuticos transgênicos, além disso, essas células indiferenciadas possuem propriedades imunomoduladoras que podem potencialmente ser exploradas para reduzir os sintomas do enxerto versus hospedeiro e bloquear a rejeição do enxerto após o transplante (Madrigal et al. 2014Madrigal M., Rao K.S. & Riordan N.H. 2014. A review of therapeutic effects of mesenchymal stem cell secretions and induction of secretory modification by different culture methods. J. Transl. Med. 12(1):260., Gao et al. 2016Gao F., Chiu S.M., Motan D.A.L., Zhang Z., Chen L., Ji H.L., Tse H.F., Fu Q.L. & Lian Q. 2016. Mesenchymal stem cells and immunomodulation: current status and future prospects. Cell Death Dis. 7(1):e2062., Irvine & Venkatraman 2016Irvine S.A. & Venkatraman S.S. 2016. Bioprinting and differentiation of stem cells. Molecules 21(9):1188.).
As células-tronco embrionárias originam-se dentro da massa celular interna de um blastocisto e têm o potencial de se diferenciar em células das três camadas embrionárias (Yamanaka 2012Yamanaka S. 2012. Induced pluripotent stem cells: past, present, and future. Cell Stem Cell 10(6):678-684.), portanto, uma multipotência maior do que as células-tronco adultas. No entanto, possuem várias desvantagens e sua aplicação está associada à controvérsia ética, visto que a diferenciação não é facilmente controlada e as células podem ser imunogênicas (Irvine & Venkatraman 2016Irvine S.A. & Venkatraman S.S. 2016. Bioprinting and differentiation of stem cells. Molecules 21(9):1188.).
As células tronco pluripotentes induzidas (iPSCs) oferecem uma alternativa às células embrionárias sem os inconvenientes éticos e imunogênicos. Essas células são semelhantes às células-tronco embrionárias na medida em que formam corpos embrioides e apresentam perfis de expressão gênica muito semelhantes e multipotência. As iPSCs representam células somáticas que formam alterações no processo de diferenciação em células progenitoras. Yamanaka (2012)Yamanaka S. 2012. Induced pluripotent stem cells: past, present, and future. Cell Stem Cell 10(6):678-684. produziram iPSC a partir de fibroblastos através da introdução de quatro transgênes por transfecção retroviral: Oct 3/4, Sox2, Klf4 e c-Myc (Yamanaka 2012Yamanaka S. 2012. Induced pluripotent stem cells: past, present, and future. Cell Stem Cell 10(6):678-684.) e coquetéis mais complexos de proteínas, peptídeos, produtos químicos e outros fatores foram desenvolvidos para maior controle no processo de reprogramação.
No entanto, o uso clínico de células-tronco mesenquimais e iPSCs é desafiado pelo risco de formação de teratoma in vivo, e também cuja presença pode interferir na sua função regenerativa. Em iPSCs, a formação de teratoma tem sido associada com a presença de células indiferenciadas residuais. A remoção dessas células indiferenciadas antes da implantação pode melhorar o resultado (Miura et al. 2009Miura K., Okada Y., Aoi T., Okada A., Takahashi K., Okita K., Nakagawa M., Koyanagi M., Tanabe K., Ohnuki M., Ogawa D., Ikeda E., Okano H. & Yamanaka S. 2009. Variation in the safety of induced pluripotent stem cell lines. Nat. Biotechnol. 27(8):743-745., Puri & Nagy 2012Puri M.C. & Nagy A. 2012. Concise review: embryonic stem cells versus induced pluripotent stem cells: the game is on. Stem Cells 30(1):10-14.). O uso de iPSCs também está associado à geração de carcinoma, devido à integração genômica de um lenti vírus, no entanto, versões mais seguras de iPSC sem vírus estão sendo desenvolvidos para torná-los uma opção futura para a medicina regenerativa.
Durante muitos anos a medula óssea foi a fonte de células-tronco mais estudada, por possuir tanto células-tronco mesenquimais como células-tronco hematopoiéticas (Bydlowski et al. 2009Bydlowski S.P., Debes A.A., Maselli L.M.F. & Janz F.L. 2009. Características biológicas das células-tronco mesenquimais. Revta Bras. Hematol. Hemot. 31(1):25-35.). Em adição, junto as células-tronco da medula óssea, já foram encontradas também células progenitoras endoteliais e células-tronco semelhantes às embrionárias (Ratajczak et al. 2007Ratajczak M.Z., Zuba-Surma E.K., Machalinski B. & Kucia M. 2007. Bone-marrow-derived stem cells-our key to longevity? J. Appl. Genet. 48(4): 307-319.). De acordo com Moroz (2009Moroz A. 2009. Avaliação das novas propostas em arcabouços tridimensionais (3D) para cultura de células-tronco mesenquimais e condrogênese. Dissertação de Mestrado. Disponível em <Disponível em http:// repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/90735/moroz_a_me_botfm.pdf?sequence=1
> Acesso em 23 abr. 2016.
http:// repositorio.unesp.br/bitstream/h...
), essas células que são semelhantes às embrionárias, pois possuem capacidade de se diferenciar em cada um dos três folhetos embrionários, possuindo os mesmos marcadores como Oct-4 e atividade de telomerase das células-tronco embrionárias.
Em uma nova perspectiva, essas células têm sido utilizadas para a engenharia de tecidos e impressões em três dimensões (3D), surgindo como uma alternativa para a regeneração de tecidos lesionados e perdidos na prática clínica. Dessa forma, as células são colocadas numa matriz juntamente com fatores de crescimento adequados, e em seguida são injetados ou colocados no local da regeneração (Jabbari 2011Jabbari E. 2011. Bioconjugation of hydrogels for tissue engineering. Curr. Opin. Biotechnol. 22(5):655-660.). Contudo, esses processos exercem influência sobre a morfologia celular, saúde e taxa de diferenciação, que são consequências diretas da pressão durante a impressão dessas células, aumentando os sinais de sofrimento celular e populações necróticas (Snyder et al. 2015Snyder J., Rin Son A., Hamid Q., Wang C., Lui Y. & Sun W. 2015. Mesenchimal stem cell printing and process regulated cell properties. Biofabrication 7(4):044106.).
As células multipotentes são consideradas a grande descoberta a ser desenvolvida e aprimorada na engenharia de tecidos. Entretanto, atualmente já existem evidencias do uso de células multipotentes, as quais são empregadas na bioimpressão de tecidos cartilaginosos e ósseos. Podemos citar como exemplo um sistema de distribuição de fibras 3D, o qual foi utilizado na impressão de alginato com células-tronco mesenquimais de origem humana, esta estrutura apresentou viabilidade e os hidrogéis formados foram capazes de manter o potencial osteogênico. Este sistema foi também capaz de fabricar construções heterogêneas, tais como, condrócitos articulares com alta viabilidade celular. Através da produção de estrutura de matrizes ósseas e de cartilagem, tanto in vitro, como em ex vivo, em pós-transplantação em camundongos, foi possível observar a relevância funcional do uso da bioimpressão na construção de complexas arquiteturas celulares (Tricomi et al. 2016Tricomi B.J., Dias A.D. & Corr D.T. 2016. Stem cell bioprinting for applications in regenerative medicine. Annu. New York Acad. Sci. 1383(1):115-124.).
A última década foi baseada em estudos sobre medicina regenerativa identificando um grande potencial das células-tronco mesenquimais como uma fonte para o padrão de cuidados e tratamentos clínicos, além de se apresentarem como uma grande promessa para terapias regenerativas no sistema músculo-esquelético (Steinert et al. 2012Steinert A.F., Rackwitz L., Gilbert F., Nöth U. & Tuan R.S. 2012. Concise review: the clinical application of mesenchymal stem cells for musculoskeletal regeneration: current status and perspectives. Stem Cells Transl. Med. 1(3):237-247., Jana & Lerman 2015Jana S. & Lerman A. 2015. Bioprinting a cardiac valve. Biotechnol. Adv. 33(8):1503-1521.). Desde então, as células foram utilizadas em modelos pré-clínicos para engenharia de tecido ósseo, cartilaginoso, adiposo e outros tipos de tecidos conjuntivos (Caplan 2007Caplan A.I. 2007. Adult mesenchimal stem cells for tissue engineering versus regenerative medicine. J. Cell. Physiol. 213(2):341-347.).
De acordo com Steinert et al. (2007)Steinert A.F., Ghivizzani S.C., Rethwilm A., Tuan R.S., Evans C.H. & Nöth U. 2007. Major biological obstacles for persistente cell-based regeneration of articular cartilage. Arthritis Res. Ther. 9(3):213., para o sucesso de qualquer terapia com células-tronco uma questão importante é a qualidade das células que serão utilizadas, principalmente no que diz respeito à integridade celular, capacidade de proliferação, diferenciação, idade, senescência, além da função parácrina intacta. As amostras celulares podem ser colhidas de forma intraoperatória, tais como amostras de sangue, medula ou ambos, tendo esses a vantagem de serem submetidos a uma menor manipulação e a poucos fatores de estresse durante sua cultura, garantindo suas funções regenerativas. A desvantagem é que essas preparações podem possuir componentes não identificados que se apresentam de maneira pouco vantajosa para a terapia, como células hematopoiéticas. Preparações de células in vitro, apesar de estarem sujeitas a influências externas adicionais e fatores de estresse, podem permitir melhorias durante seu cultivo como pré-diferenciação, controle de subpopulações indesejadas e sua seleção (Steinert et al. 2012Steinert A.F., Rackwitz L., Gilbert F., Nöth U. & Tuan R.S. 2012. Concise review: the clinical application of mesenchymal stem cells for musculoskeletal regeneration: current status and perspectives. Stem Cells Transl. Med. 1(3):237-247., Kurobe et al. 2012Kurobe H., Maxfield M.W., Breuer C.K. & Shinoka T. 2012. Concise review: tissue-engineered vascular grafts for cardiac surgery: past, present, and future. Stem Cells Transl. Med. 1(7):566-571.).
A falta de estabilidade de células pós-fabricação é uma limitação corrente em impressões 3D devido à ausência de células progenitoras, sinalização física e difusão generalizada (Jabbari 2011Jabbari E. 2011. Bioconjugation of hydrogels for tissue engineering. Curr. Opin. Biotechnol. 22(5):655-660.). Entretanto, Snyder et al. (2015)Snyder J., Rin Son A., Hamid Q., Wang C., Lui Y. & Sun W. 2015. Mesenchimal stem cell printing and process regulated cell properties. Biofabrication 7(4):044106. identificaram que impressões 3D que condicionam um estresse mínimo podem preservar a viabilidade celular.
No estudo de Tong et al. (2012)Tong W.Y., Shen W., Yeung C.W., Zhao Y., Cheng S.H., Chu P.K. & Lam Y.W. 2012. Functional replication of the tendon tissue microenvironment by a bioimprinted substrate and the support of tenocytic differentiation of mesenchymal stem cells. Biomaterials 33(31):7686-7698., foi coletada a cartilagem de um bovino sob condições estéreis a partir da articulação do joelho de um cadáver fresco com a cartilagem macroscopicamente saudável, para estudo de produção de cartilagem com a bioimpressão em 3D. Essa construção foi fabricada através da integração de termoplásticos biocompatíveis, hidrogéis em uma única abordagem de biofabricação baseado em 3D, o que demonstra que é viável a aplicação de materiais biocompatíveis e evidencia que foi essencial o uso desses materiais no apoio da saliência geométrica interna e externa da formação do arcabouço celular. Nesse estudo, os autores verificaram por meio de cultura de célula e estudos de imagem, que as seções histológicas do tecido, representado pelo tendão do animal, foram capazes de induzir a diferenciação de células-tronco mesenquimais para o tipo de célula correspondente, bem como foi possível reconstruir estes sinais por bioimpressão e revestimento da matriz extracelular.
Principais Avanços
Nessa perspectiva, estudos têm sido realizados na tentativa de produzir células-tronco a partir de bioimpressão para maximizar a viabilidade celular, estimulando as propriedades das células, incluindo a diferenciação pós-impressão (Snyder et al. 2015Snyder J., Rin Son A., Hamid Q., Wang C., Lui Y. & Sun W. 2015. Mesenchimal stem cell printing and process regulated cell properties. Biofabrication 7(4):044106.). Durante as três últimas décadas a engenharia de tecidos conseguiu produzir terapias de pele e cartilagem para substituir tecidos funcionalmente danificados, além de outros tecidos como ossos, fígado e coração como substitutos de tecidos. Esses avanços proporcionaram capacidade de melhorar drasticamente a mortalidade e morbidade após a cirurgia em cardiopatias congênitas (Kurobe et al. 2012Kurobe H., Maxfield M.W., Breuer C.K. & Shinoka T. 2012. Concise review: tissue-engineered vascular grafts for cardiac surgery: past, present, and future. Stem Cells Transl. Med. 1(7):566-571.).
Os avanços recentes têm permitido a impressão 3D de materiais biocompatíveis, células e componentes de suporte para tecidos vivos funcionais. A bioimpressão 3D está sendo aplicada à medicina regenerativa com o intuito de produzir tecidos e órgãos adequados para transplante, tendo como diferencial da impressão não biológica uma série de complexidades adicionais, tais como a seleção de materiais, tipos celulares, fatores de crescimento e diferenciação, além dos desafios técnicos relacionados com a sensibilidade das células vivas e a construção de tecidos (Murphy & Atala 2014Murphy S.V. & Atala A. 2014. 3D bioprinting of tissues and organs. Nat. Biotechnol. 32:773-785.). Dessa forma, a bioimpressão 3D mostra-se como uma ferramenta para a geração de tecidos e órgãos de estrutura e funções complexas para aplicação em transplantes (Khatiwala et al. 2012Khatiwala C., Law R., Shepherd B., Dorfman S. & Csete M. 2012. 3D cell bioprinting for regenerative medicine research and therapies. Gene Ther. Regul. 7(01):1230004.).
Assim, a tecnologia tridimensional de impressão de células tem proporcionado uma metodologia versátil para fabricar células em construções de tecidos e tecidos in vitro, e modelos patológicos para a engenharia de tecidos, testes de drogas e aplicações de triagem (Zhao et al. 2015Zhao Y., Li Y., Mao S., Sun W. & Yao R. 2015. The influence of printing parameters on cell survival rate and printability in microextrusion-based 3D cell printing technology. Biofabrication 7(4):045002.).
Segundo Xu et al. (2005)Xu T., Jin J., Gregory C., Hickman J.J. & Boland T. 2005. Inkjet printing of viable mammalian cells. Biomaterials 26(1):93-99., as células de mamíferos também podem ser efetivamente enviadas por uma impressora de jato de tinta térmica modificada em substratos biológicos, possuindo capacidade funcional. Essa tecnologia garante a criação de células viáveis de mamíferos com potencial para produção de análogos de tecidos, podendo eventualmente levar a engenharia de construção de órgãos humanos.
Além disso, existem trabalhos utilizando impressoras a laser para depositar células com uma resolução em microescala. Essa técnica também foi utilizada com sucesso e precisão (Guillotin et al. 2010Guillotin B., Souquet A., Catros S., Duocastella M., Pippenger B., Bellance S.,Bareille R., Rémy M., Bordenave L., Amédée J. & Guillemot F. 2010. Laser assisted bioprinting of engineered tissue with high cell density and microscale organization. Biomaterials 31(28):7250-7256.). Esses trabalhos reforçam a possibilidade de se utilizar esses tecidos produzidos pela bioengenharia para substituição de tecidos lesionados ou não-funcionais (Smith et al. 2004Smith C.M., Stone A.L., Parkhill R.L., Stewart R.L., Simpkins M.W., Kachurin A.M., Warren W.L. & Williams S.K. 2004. Three-dimensional bioassembly tool for generating viable tissue-engineered constructs. Tissue Eng. 10(9/10):1566-1576.).
Uma pesquisa realizada por Ouyang et al. (2015)Ouyang L., Yao R., Mao S., Chen X., Na J. & Sun W. 2015. Three-dimensional bioprinting of embryonic stem cells directs highly uniform embryoid body formation. Biofabrication 7(4):044101. mostrou que células-tronco embrionárias foram impressas com sucesso utilizando um hidrogel em macroporo 3D. Segundo os autores, esses resultados indicam um forte potencial de expansão em larga escala para regulação de células-tronco e estrutura da fabricação de tecidos vivos e estudos de triagem de drogas.
A Tecnologia da Bioimpressão
A tecnologia de bioprinting tem a resolução em escala mícron que permite o posicionamento de células, matriz, e biomoléculas de forma a mimetizar a estrutura de tecidos de origem humana ou animal. Esta tecnologia tem o propósito de superar progressivamente inconvenientes da engenharia de tecidos convencional, isto é, células indiferenciadas em um substrato de cultura, assim como uma tecnologia de ponta alternativa ao enxerto autólogo e substituição de órgãos. Em comparação com a engenharia de tecidos convencional, essa pode atingir a homogeneidade completa do tamanho do poro, da estrutura, a geometria da porosidade, e a interconectividade dos poros, além de alto rendimento, baixo preço, e biossegurança (Jana & Lerman 2015Jana S. & Lerman A. 2015. Bioprinting a cardiac valve. Biotechnol. Adv. 33(8):1503-1521.).
Outro componente principal da impressão 3D convencional da geração da construção de tecido é o arcabouço sólido poroso, que fornece o suporte estrutural para a confecção da célula (Hollister 2005Hollister S.J. 2005. Porous scaffold design for tissue engineering. Nat. Mater. 4(7):518-524.). No entanto, a tecnologia pode gerar um tecido 3D sem construir um arcabouço poroso sólido (Mironov et al. 2009Mironov V., Trusk T., Kasyanov V., Little S., Swaja R. & Markwald R. 2009. Biofabrication: a 21st century manufacturing paradigm. Biofabrication 1(2):022001.), na construção de um órgão ou tecido, bem como a exploração do processo de auto-montagem, e/ou auto formação, fatores que ocorrem na engenharia de tecidos. Se fosse possível construir o órgão diretamente pela impressão talvez não fosse necessário à utilização de biomateriais orgânicos ou inorgânicos sólidos para a etapa de maturação no biorreator. Em vez disso, os blocos de tecido vivo feitos de células automontadas seriam utilizados como biomateriais estruturados (Jakab et al. 2008Jakab K., Norotte C., Damon B., Marga F., Neagu A., Besch-Williford C.L., Kachurin A., Church K.H., Park H., Mironov V., Markwald R., Vunjak-Novakovic G. & Forgacs G. 2008. Tissue engineering by self-assembly of cells printed into topologically defined structures. Tissue Eng. A. 14(3):413-421.).
Além disso, a construção de tecido impresso poderia ser simulada através de modelagem matemática para determinar a cinética de proliferação de células, crescimento de tecido, oxigenação e vascularização (Guillemot et al. 2010Guillemot F., Mironov V. & Nakamura M. 2010. Bioprinting is coming of age: report from the International Conference on Bioprinting and Biofabrication in Bordeaux (3B’09). Biofabrication 2(1):010201.). A bioimpressão direta in vivo a partir de uma mistura de célula e matriz sobre uma pele danificada pode resolver o problema de gerar um microambiente adequado para a construção de tecido funcional em desenvolvimento (Skardal et al. 2012Skardal A., Mack D., Kapetanovic E., Atala A. , Jackson J.D., Yoo J. & Soker S. 2012. Bioprinted amniotic fluid-derived stem cells accelerate healing of large skin wounds. Stem Cells Transl. Med. 1(11):792-802.). Pesquisadores tentaram simular utilizando nanohidroxiapatita (N-HA) em partículas de um defeito na veia cava in vivo em um modelo utilizando ratos, que elucidou a possibilidade de uma nova aplicação mimetizando a engenharia de tecidos, uma vez que em ratos obteve-se sucesso nesse procedimento (Keriquel et al. 2010Keriquel V., Guillemot F., Arnault I., Guillotin B., Miraux S., Amédée J., Fricain J.C. & Catros S. 2010. In vivo bioprinting for computer: and robotic-assisted medical intervention: preliminary study in mice. Biofabrication 2(1):014101.).
A tecnologia de bioimpressão foi também utilizada para fabricar um modelo farmacocinético in vitro para avaliar os efeitos colaterais e o sítio de ação de novos fármacos e suas respectivas rastreabilidades, dessa forma, essa técnica pode ser utilizada também em estudos de toxicologia para simulação de efeitos tóxicos (Chang et al. 2008Chang R., Nam J. & Sun W. 2008. Direct cell writing of 3D microorgan for in vitro pharmacokinetic model. Tissue Eng. Part. C, Methods 14(2):157-166.). Essa tecnologia também tem sido utilizada a partir de um modelo de câncer in vitro impresso em 3D obtido pela bioimpressão, com o intuito de aprimorar o conhecimento e o desenvolvimento de novos fármacos para o tratamento dessa doença (Xu et al. 2011Xu F., Celli J., Rizvi I., Moon S., Hasan T. & Demirci U. 2011. A three-dimensional in vitro ovarian cancer coculture model using a high-throughput cell patterning platform. Biotechnol. J. 6(2):204-212., Knowlton et al. 2015Knowlton S., Onal S., Yu C.H., Zhao J.J. & Tasoglu S. 2015. Bioprinting for cancer research. Trends Biotechnol. 33(9):504-513.).
Produção e Aplicações Terapêuticas de Mini-Orgãos
A impressão de órgãos é uma variante na medicina moderna, e é uma tecnologia relevante de prototipagem rápida, que se baseia na fluidez assistida de tecidos por deposição (‘impressão’) em computador de materiais naturais (células ou órgãos). A impressão é feita de camada em camada de células a partir de células-tronco durante um determinado intervalo de tempo até a formação do arcabouço celular em 3D. Contudo, tentativas recentes utilizando tecnologias de prototipagem rápida de projeto de arcabouços celulares sintéticos são incapazes de localizar de maneira precisa as células ou agregados celulares em um arcabouço celular impresso (Mironov et al. 2003Mironov V. 2003. Printing technology to produce living tissue. Expert Opin. Biol. Ther. 3(5):701-704.).
O processo de impressão de órgãos pode ser subdividido em três etapas sequenciais: pré-processamento, processamento e pós-processamento. O pré-processamento lida principalmente com o desenvolvimento de um projeto auxiliado por computador ou projeto de um órgão específico. O desenho pode ser derivado a partir da reconstrução da imagem digitalizada de um órgão singular ou tecido. Os dados de imagem podem ser derivados de várias modalidades incluindo digitalização não invasiva do corpo humano (por exemplo, ressonância magnética ou tomografia computadorizada) ou uma detalhada reconstrução em 3D de cortes seriados de órgãos específicos (Mironov 2003Mironov V. 2003. Printing technology to produce living tissue. Expert Opin. Biol. Ther. 3(5):701-704.). As principais preocupações desse processo são a sobrevivência celular, a proliferação e a diferenciação, a estabilidade e a rigidez da estrutura (com degradação gradual ao longo do tempo) (Mironov 2003Mironov V. 2003. Printing technology to produce living tissue. Expert Opin. Biol. Ther. 3(5):701-704., Mironov et al. 2011Mironov V., Kasyanov V. & Markwald R.R. 2011. Organ printing: from bioprinter to organ biofabrication line. Curr. Opin. Biotechnol. 22(5):667-673.).
A produção de órgãos por bioimpressão é uma grande promessa para o futuro, mas sua utilização para produzir um órgão inteiro ainda é uma incógnita devido a várias limitações associadas com a biologia, tecnologia, o biomaterial, e o processo de maturação pós-impressão. Na fabricação de tecidos funcionais in vitro essa tecnologia é um fenômeno sofisticado que compreende uma disposição hierárquica de vários tipos de células, incluindo células do parênquima, juntamente com os vasos linfáticos e, ocasionalmente, tecidos neurais e musculares. Em modelos de tecido in vitro a engenharia já incorpora parcialmente todos estes componentes, no entanto o uso desta tecnologia em humanos e animais ainda precisa de mais estudos para se tornar uma terapia de escolha no tratamento de doenças (Knowlton et al. 2015Knowlton S., Onal S., Yu C.H., Zhao J.J. & Tasoglu S. 2015. Bioprinting for cancer research. Trends Biotechnol. 33(9):504-513.).
A construção de modelos de tecidos usando bioimpressão 3D de células e de matrizes extracelulares (MEC) pode ser vantajosa para imitar ambientes biológicos de sistemas vivos. Tais modelos 3D poderão aperfeiçoar os estudos sobre patogênese do câncer e auxiliará no desenvolvimento de novos medicamentos quimioterápicos. A recente impressão utilizando o método 3D para a construção de um modelo de tumor cervical in vitro, em que as células HeLa (células de tumor cervical) foram encapsuladas dentro de uma mistura de hidrogel de gelatina, alginato e fibrinogênio. Neste estudo, as células HeLa foram impressas com 3 materiais de MEC para comparação com os controles cultivados em modelos 2D convencionais. A comparação dos resultados obtidos a partir de modelos de tumor em 2D e 3D mostrou diferenças em células de proliferação, da matriz de metaloproteinase (MMP) e esta proteína de expressão, apresentou quimiorresistência. Foi alcançada a viabilidade celular de 90% no modelo 3D bioimpresso e as células proliferaram a uma taxa mais elevada do que em cultura 2D. As células HeLa em 3D também formaram esferóides celulares em 3D em contraste com as folhas de células de monocamada formadas em cultura 2D. Os resultados deste estudo usando uma nova técnica de células-impressas em 3D para construção de modelos in vitro de tumor podem ajudar a melhorar a caracterização da formação tumor, sua progressão e a resposta aos tratamentos com medicamentos anticancerígenos (Zhao et al. 2014Zhao Y., Yao R., Ouyang L., Ding H., Zhang T., Zhang K., Cheng S. & Sun W. 2014. Three-dimensional printing of Hela cells for cervical tumor model in vitro. Biofabrication 6(3):035001., Knowlton et al. 2015Knowlton S., Onal S., Yu C.H., Zhao J.J. & Tasoglu S. 2015. Bioprinting for cancer research. Trends Biotechnol. 33(9):504-513.).
Outra abordagem é a bioimpressão livre de arcabouço celular, envolvendo a fusão e automontagem de esferóides multicelulares componentes de MEC, que afetam significativamente o comportamento da célula tumoral, incluindo o modo de migração de células, via interações célula-matriz. Quando modelos de tumores heterogêneos em 3D com vários tipos de células são construídos via bioprinting e livres do arcabouço celular, as células que são co-impressas com células tumorais são utilizadas para produzir MEC naturalmente, evitando o problema das diferenças estruturais entre as proteínas utilizadas e a composição e variando as propriedades dos materiais associados com arcabouços exógenos. Assim, as interações fisiológicas serão independentes entre as células e a matriz, com isso poderá ser compreendida de forma mais direta todo o processo de bioimpressão (Zhao et al. 2014Zhao Y., Yao R., Ouyang L., Ding H., Zhang T., Zhang K., Cheng S. & Sun W. 2014. Three-dimensional printing of Hela cells for cervical tumor model in vitro. Biofabrication 6(3):035001.).
Conclusões
Este artigo relatou uma revisão dos trabalhos sobre a aplicação de uma técnica de impressão 3D para a elaboração de órgãos e tecidos, e a construção de modelos in vitro com biomateriais. A utilização da bioimpressão como terapia ou até mesmo na produção de mini-órgãos ainda não é totalmente viável, pois não existem protocolos que avaliem aspectos como a proliferação celular, expressão da proteína e a quimiorresistência. Contudo, pesquisas futuras ainda precisam ser realizadas de forma a aperfeiçoar a tradução de um modelo digital em uma estrutura anatômica funcional. Além disso, o desenvolvimento de softwares e hardwares deve ser integrado para que a fabricação se torne reprodutível com várias ferramentas e biopolímeros distintos e compatíveis para uso celular.
Com as pesquisas atuais, passos importantes já foram dados em direção à fabricação de tecidos anatomicamente moldados para aplicação no campo da medicina regenerativa. Contudo a seleção do polímero ideal para o componente de suporte na produção do arcabouço celular é crucial, uma vez que o seu processo de fabricação ou a utilização pode comprometer a forma e a viabilidade das estruturas alvos.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Set 2017
Histórico
-
Recebido
19 Out 2016 -
Aceito
16 Maio 2017