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Caracterização de quitosana por Cromatografia de Permeação em Gel - Influência do método de preparação e do solvente

Characterization of chitosan by Gel Permeation Chromatography - Influence of preparation method and solvent

Resumo

In this work, samples of chitosan obtained in different conditions were characterized by molecular weight distribution, using Gel Permeation Chromatography (GPC), in two different solvents. It was observed that the increase in the number of deacetylation steps promotes a increase in the degree of deacetylation followed by a decrease in the average of molecular weight and polydispersion. The GPC curves obtained for chitosan samples in the two solvents used (CH3COOH 0.30 mol/dm³ - CH3CONa 0.20 mol/dm³ and CH3COOH 0.10 mol/dm³ <FONT FACE="Symbol">-</FONT> NaCl 0.20 mol/dm³) showed small difference in elution volume, but significant changes in the average molecular weight (Mn and Mw) and polydispersion that, in agree with the values of Huggins constant, present evidences of chitosan aggregates formation in the second solvent.

chitin; chitosan; gel permeation chromatography


chitin; chitosan; gel permeation chromatography

ARTIGO

Caracterização de quitosana por Cromatografia de Permeação em Gel - Influência do método de preparação e do solvente

Kathya Ma Nilza de Carvalho Canella e Rosangela Balaban Garcia

Departamento de Química, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, CP 1662, 59072-970 Natal - RN

Recebido em 13/9/99; aceito em 9/8/00

Characterization of chitosan by Gel Permeation Chromatography - Influence of preparation method and solvent. In this work, samples of chitosan obtained in different conditions were characterized by molecular weight distribution, using Gel Permeation Chromatography (GPC), in two different solvents. It was observed that the increase in the number of deacetylation steps promotes a increase in the degree of deacetylation followed by a decrease in the average of molecular weight and polydispersion. The GPC curves obtained for chitosan samples in the two solvents used (CH3COOH 0.30 mol/dm3 - CH3CONa 0.20 mol/dm3 and CH3COOH 0.10 mol/dm3- NaCl 0.20 mol/dm3) showed small difference in elution volume, but significant changes in the average molecular weight (Mn and Mw) and polydispersion that, in agree with the values of Huggins constant, present evidences of chitosan aggregates formation in the second solvent.

Keywords: chitin; chitosan; gel permeation chromatography.

INTRODUÇÃO

Quitosana é um polissacarídeo derivado da quitina (copolímero de b-(1®4)-D-glucosamina e b-(1®4)-N-acetil-D-glucosamina), que é encontrada em abundância na natureza, principalmente em carapaça de crustáceos. Devido ao caráter básico, atribuído à presença do grupamento amina nas unidades repetidas, e à sua biodegradabilidade, esses dois polímeros vem despertando bastante interesse de cientistas e tecnólogos, que têm descoberto diversas aplicações, especialmente na área biomédica1-3.

As propriedades físicas e químicas da quitina e de seus derivados N-desacetilados (quitosana) são muito diferentes. Quitosana comercial possui, geralmente, grau de desacetilação (G.D.) variando de 70 a 95%, com massa molar na faixa de 104-106 g.mol-1. Como muitas das propriedades destes polissacarídeos estão intimamente relacionadas a estes dois parâmetros4,5, torna-se imprescindível a determinação dos mesmos. Deste modo, o conhecimento preciso do teor de grupos N-desacetilados (G.D.) e, conseqüentemente, de grupos NH2 é importante, de maneira a caracterizar qualquer processo de desacetilação da quitina, assim como qualquer outra modificação química6-8.

Usualmente, a quitosana é preparada utilizando-se soluções extremamente concentradas de hidróxido de sódio - 40 a 50%, o que costuma promover reações de degradação do polímero. Esta reação de hidrólise pode remover alguns ou todos os grupos acetila da quitina, liberando grupos amino que impõem a natureza catiônica da quitosana resultante, que consiste de uma mistura de polímeros de diferentes tamanhos9,10. A distribuição de massa molar, ou seja, a polidispersão (PD), é influenciada por vários parâmetros, tais como: tempo, temperatura, concentração e condições atmosféricas empregadas na reação de N-desacetilação. Assim, amostras de quitosanas podem ter características diferentes quanto ao G.D., viscosidade e distribuição de massa molar, que irão influenciar na performance final do polímero11. Alguns estudos foram conduzidos de forma a observar a influência de modificações das condições reacionais, tais como temperatura5,11-13, concentração da base13,14 e número de etapas de reação5,11,14 na obtenção de quitosana de baixo grau de acetilação. A reação inversa - acetilação - tem sido usada para obtenção de amostras de quitosana com grau de acetilação em torno de 50%, que apresentam solubilidade em água15.

Na presença de soluções aquosas diluídas de ácidos, a quitosana comporta-se como polieletrólito, causando o surgimento de interações repulsivas eletrostáticas entre os grupos amino ionizados ao longo da cadeia polimérica16-18. Assim, para caracterizar o comportamento desse polímero em solução, é importante selecionar o sistema de solvente mais apropriado, de forma a eliminar os efeitos iônicos17. A influência da polaridade do solvente, que é, também, utilizado como fase móvel na determinação da massa molar média através de Cromatografia de Permeação em Gel (GPC), tem sido discutida. A polaridade deve ser suficientemente alta para: (1) eliminar interações eletrostáticas entre o polieletrólito e a fase estacionária, evitando os efeitos de exclusão e inclusão iônica, troca iônica e adsorção; e (2) reduzir ao máximo as repulsões eletrostáticas intermoleculares estabilizando o volume hidrodinâmico do polímero19. Recentemente, tem sido discutido também o efeito da natureza química dos padrões de calibração sobre a determinação de massa molar por GPC. No caso da quitosana, alguns trabalhos mostram que os melhores resultados são obtidos através do uso de padrões de calibração também de quitosana20. Entretanto, a maior dificuldade surge pela inexistência de amostras comerciais desses padrões.

Neste trabalho, o processo de desacetilação da quitina foi estudado utilizando algumas condições usuais de reação, tais como concentração do hidróxido de sódio 50% a 120°C, mas introduzindo algumas alterações, como a reação em três etapas sucessivas, para tentar evitar a degradação excessiva do polímero. Dois sistemas de solventes já conhecidos e utilizados na literatura16,17,21,22 para a caracterização em solução de quitosana foram utilizados em análise por GPC, com a finalidade de observar a influência da polaridade destes solventes nas determinações de massa molar e polidispersão.

PARTE EXPERIMENTAL

Materiais

Obtenção da quitina

A quitina pode ser obtida a partir de uma variedade de animais marinhos, insetos e fungos, constituindo 1,4% do peso de insetos. As cascas de crustáceos contêm 15 a 20% de quitina, 25 a 40% de proteínas e 40 a 55% de carbonato de cálcio23. Em crustáceos, a quitina encontra-se firmemente associada aos demais constituintes do exoesqueleto. Portanto, para se isolar esse polissacarídeo, três etapas são requeridas: desmineralização (Etapa 1), desproteinação (Etapa 2) e despigmentação (Etapa 3).

Inicialmente, as cascas de camarão foram secas ao sol durante uma semana. Em seguida, foram moídas e peneiradas. A fração de pó de diâmetro médio 0,42 mm foi a utilizada no processo de extração.

Etapa 1: O material peneirado foi suspenso em uma solução aquosa de HCl 0,10 mol/dm3. Em seguida, 1-octanol foi adicionado para diminuir o efeito do gás carbônico gerado durante a desmineralização, evitando-se, assim, o transbordamento do material. A reação ocorreu por 3 h, sob agitação constante e à temperatura ambiente. O material obtido foi filtrado e lavado diversas vezes com água destilada.

Etapa 2: A extração dos componentes protéicos, ligados covalentemente à matriz polimérica, foi feita através do tratamento com uma solução aquosa de NaOH 3%, com agitação constante, à 70°C, durante 3 h. O material desproteinado foi filtrado e lavado com água destilada até a neutralidade.

Etapa 3: O produto da Etapa 2 foi colocado em suspensão em solução de NaOCl contendo 3% de cloro ativo, por 2 h. Nesta fase, foram removidos os pigmentos contidos na matriz polimérica. Obteve-se uma quitina de aspecto flocular e insolúvel na maioria dos solventes orgânicos.

Obtenção da quitosana

Amostras de quitosana, com diferentes quantidades de grupos N-desacetilados, foram obtidas através de dois métodos, como descritos a seguir:

Método 1

A quitina foi dispersa em solução aquosa de NaOH 50%, contendo dodecil-sulfato de sódio (SDS) a 10% e boroidreto de sódio (NaBH4) a 1%. A reação de N-desacetilação foi conduzida sob agitação constante e à temperatura de 120ºC por 4,5 h. Cinco amostras (Q-1 a Q-5) foram retiradas em intervalos de 55 minutos. A reação foi interrompida por resfriamento e diluição do meio reacional com água destilada até pH neutro.

Método 2

A reação de desacetilação da quitina foi realizada em três etapas, designadas A, B e C.

Etapa A: A quitina foi dispersa em solução aquosa de NaOH 50%, contendo dodecil-sulfato de sódio (SDS) a 10% e boroidreto de sódio (NaBH4) a 1%, em atmosfera inerte de nitrogênio. A reação de N-desacetilação foi conduzida sob agitação constante e à temperatura de 120°C por 1 h. Ao final deste tempo, o meio reacional foi resfriado e neutralizado com água destilada.

Etapa B: O material obtido na etapa A foi submetido a nova reação de N-desacetilação, por um período de 1 h.

Etapa C: O produto da etapa B foi novamente exposto a reação de N-desacetilação, desta vez por 2,5 h.

Um total de 10 amostras (C-1 a C-10) foram retiradas ao longo da etapa C, em intervalos de 15 minutos.

Purificação das Amostras

As amostras de quitosana foram dissolvidas em ácido acético 0,05 mol/dm3 sob agitação constante por uma noite. As soluções foram filtradas em funil de vidro sinterizado n.3 e membranas de acetato de celulose millipore, de tamanho de poro 3, 1.2, 0.8 e 0.45mm e, em seguida, neutralizadas com NaOH 10% até pH»8,5. O polímero precipitado foi lavado exaustivamente com água destilada até se obter condutividade »20mS. Em seguida, foram feitas lavagens com misturas de água-etanol nas proporções 30/70, 20/80, 10/90 e 0/100 v/v. As amostras foram colocadas em vidro de relógio e a secagem foi feita sob pressão reduzida.

Métodos Analíticos

Infravermelho

Pastilhas de KBr de quitina e filmes das diversas amostras de quitosana foram analisados em espectrofotômetro FTIR MIDAC-Prospect.

Preparação dos filmes: As amostras de quitosana com tempos diferentes de N-desacetilação foram dissolvidas em solução aquosa de ácido acético 2%. As soluções de polímero a 1% foram filtradas e, então, tranferidas para placas de Petri. A evaporação do solvente foi feita em câmara termostatizada a 45ºC, durante aproximadamente 20 h. Para neutralização, os filmes foram imersos em solução aquosa de NaOH 5%, por 16 h. O excesso de NaOH foi removido por sucessivas lavagens com água destilada.

O grau de N-acetil das amostras de quitosana foi determinado por Infravermelho através do método proposto por Moore e Roberts24. Este método envolve o uso da banda de amida I, a 1655 cm-1, e da banda de hidroxila a 3450 cm-1. A porcentagem dos grupos amino-acetilados (% N-acetil) foi determinada pela Equação 1.

% N-acetil = (A1655 / A3450).100/1,33

(1)

onde:

A1655= Absorbância a 1655 cm-1

A3450= Absorbância a 3450 cm-1

1,33= constante que representa a razão A1655/A3450 para amostras de quitina completamente N-acetiladas.

Ressonância Magnética Nuclear de Hidrogênio

A quantificação dos grupamentos acetila foi também realizada através de RMN-1H, em espectrofotômetro BRUKER 300MHz, a 80ºC, a partir da solubilização de 10mg de quitosana em 1,0cm3 de D2O contendo pequena quantidade de HCl. O grau de N-acetil foi determinado pela relação entre as áreas abaixo dos sinais que correspondem aos hidrogênios dos resíduos de glucosamina (d=4,5ppm) e do CH3 (d=1,95ppm) do grupo amida12,14.

Cromatografia de Permeação em Gel

Foi utilizado um cromatógrafo líquido de alta eficiência, marca VARIAN 9002-SDS, equipado com injetor Rheodyne, modelo 7125, detector de índice de refração - modelo Star 9040, integrador VARIAN 4400, e coluna TSK-GELâGMPWXL, 300x7,8mm ID. O volume injetado foi sempre 50mL e velocidade de fluxo de 0,5 cm3/min.

A curva de calibração foi preparada a partir de amostras monodispersas de dextrana, DXT6K, DXT27K, DXT97K, DXT165K e DXT5000K, de massa molar ponderal média (Mw): 5700, 27000, 97000, 165500 e 4900000, respectivamente. As soluções dos padrões e das amostras de quitosana foram preparadas à concentração de 1mg/cm3, utilizando como solvente dois sistemas aquosos: CH3COOH 0,10mol/dm3 - NaCl 0,20mol/dm3 e CH3COOH 0,30mol/dm3 - CH3COONa 0,20mol/dm3, que foram utilizados, também, como eluentes. Todas as soluções foram filtrados em membranas de acetato de celulose de tamanho de poro 0,22 mm antes da injeção. A curva de calibração para cada eluente foi construída através do gráfico de Log Mw versus o volume eluído (Ve) para os padrões de dextranas.

Viscosimetria

As medidas viscosimétricas das amostras de quitosana foram realizadas em um reômetro digital Brookfield, modelo DV-III, acoplado a um banho termostático de circulação de água FANEM, modelo 111, a uma temperatura de 25,0 ± 0,1°C e utilizando o sensor de viscosidade cone-placa CP40. Para estas análises, foram preparadas soluções diluídas dos polissacarídeos, utilizando como solvente o sistema aquoso - CH3COOH 0,10mol/dm3-NaCl 0,20mol/dm3. As soluções foram filtradas através de membranas de acetato de celulose de tamanho de poro 0,45mm antes das determinações de viscosidade, realizadas às mais baixas velocidades de cisalhamento permitidas dentro do erro experimental e no platô newtoniano. A viscosidade intrínseca, [h], foi determinada pela extrapolação dos dados de viscosidade à diluição infinita, de acordo com a Equação de Huggins25. A massa molar viscosimétrica média, Mv, foi determinada através da Equação de Mark-Houwink-Sakurada, [h] = K.Mva, onde as constantes referentes ao solvente utilizado são: K=1,8x10-3 e a=0,9321,22.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O espectro de absorção no Infravermelho da quitina, mostrado na Figura 1, apresenta bandas de absorção características da amida, nas regiões de 1655 cm-1 - estiramento C=O - conhecida como banda de amida I; 1561 cm-1 - deformação N-H - banda de amida II e 1315 cm-1 - atribuída à deformação CO-NH e ao grupo CH2, que acontecem à mesma frequência. Essa última banda tem sido denominada banda de amida III, devido à deformação do grupo CO-NH26,27. A banda aguda a 1377 cm-1 é atribuída à deformação simétrica do CH3. A banda em 3272 cm-1 é atribuída à vibração de estiramento N-H, e a observada a 3463 cm-1 ao estiramento O-H.


A técnica de espectroscopia no IV é útil para comprovar a hidrólise dos grupamentos acetila da estrutura da quitina, através da redução da banda de estiramento da carbonila da amida. A Figura 2 mostra a evolução das bandas a 1655 cm-1 (amida I) e a 1590 cm-1 (deformação N-H de aminas) de cinco amostras de quitosana obtidas durante a etapa C (Método 2). Nesta etapa, dez amostras foram coletadas de 15 em 15 minutos, como descrito anteriormente. Entretanto, dessas dez amostras apenas as cinco últimas, denominadas C-6, C-7, C-8, C-9 e C-10, apresentaram boa solubilidade em solução aquosa de ácido acético e, por isso, foram as selecionadas para estudo. Como se pode observar, a banda a 1655 cm-1 decresce na mesma proporção em que a banda a 1590 cm-1 cresce, indicando assim que o material formado foi aumentando o seu grau de desacetilação.


As técnicas utilizadas para a determinação do G.D. (Infravermelho e RMN 1H) apresentaram resultados concordantes entre si, como mostra a Tabela 1. A principal vantagem da utilização do Infravermelho é a facilidade de obtenção da análise, que pode ser feita sob a forma de filme ou pastilha de KBr. Alguns trabalhos28 mostram que é insignificante o efeito da água adsorvida no polímero sobre a intensidade da banda de estiramento O-H a 3463cm-1. Entretanto, a absorção atribuída à deformação de água a 1640 cm-1 pode interferir na resolução das bandas de amida I e II, dificultando a determinação da absorbância a 1655 cm-1. A escolha adequada da linha base também é fundamental29. Uma outra dificuldade é ainda detectada a altos graus de desacetilação, onde a banda de amida I pode ser mascarada pela banda de NH24,29. Essas incertezas não ocorrem nas determinações do G.D. por RMN. Pode-se considerar que os resultados equivalentes obtidos para as duas técnicas neste trabalho deve-se à faixa de G.D. das amostras estudadas, que não alcança valores próximos de 100%.

A tabela 1 apresenta a evolução da solubilidade e da porcentagem de grupos desacetilados na quitosana, com o aumento do tempo de desacetilação através dos dois métodos utilizados. Observa-se que a solubilidade total da quitosana em CH3COOH 2%, detectada pela transparência das soluções e pela ausência de material insolúvel após centrifugação, ocorreu no Método 1 desde 55 minutos de reação, a um G.D. 81%. Entretanto, no Método 2, a solubilidade total do polímero só foi observada a 210 minutos de reação, a um valor de G.D. semelhante ao caso anterior (82%).

De um modo geral, existe uma tendência a se obter porcentagem de NH2 em torno de 70% na primeira hora de reação, quando a reação ocorre entre 100 e 120°C e em concentração de NaOH de 40 a 50% e, a partir daí, o aumento da desacetilação observada é lento e pequeno, chegando ao máximo de 80% em 4-5 h5,12.

As principais diferenças entre os métodos 1 e 2 são a atmosfera inerte e a reação em três etapas, ambos utilizados no método 2, que não seriam suficientes para justificar a menor solubilidade das amostras obtidas por este método. Seria esperado que em 55-60 minutos de reação, através dos dois métodos, se obtivesse quitosana já solúvel em CH3COOH 2%. Ao final da segunda etapa de desacetilação do Método 2 (Etapa B- tempo total de reação 120 minutos), o polímero apresentou-se parcialmente solúvel. Entretanto, ao se determinar o G.D. da fração solúvel, obteve-se o valor de 85%. Isso pode significar que a insolubilidade das amostras inicialmente obtidas por este método seja devida, principalmente, à desacetilação não-homogênea ao longo da cadeia polimérica. Já foi verificado que nos casos em que os grupos N-acetil encontram-se distribuídos no esqueleto polimérico de forma aleatória, a quitosana passa apresentar solubilidade a partir de G.D.= 50%30.

Ainda na Tabela 1, comparando-se os valores de G.D. obtidos para Q-5 e C-10, pode-se concluir que, de fato, a quitosana obtida através da reação de desacetilação em 3 etapas apresentou maior G.D. (92%) do que a obtida em apenas uma etapa (87%).

A Figura 3 apresenta os cromatogramas dos padrões de dextrana utilizados neste trabalho. As curvas mostradas representam, simultaneamente, os resultados obtidos para os dois solventes estudados (CH3COOH 0,10mol/dm3 - NaCl 0,20mol/dm3 e CH3COOH 0,30mol/dm3 - CH3COONa 0,20mol/dm3), ou seja, para todos os padrões, observou-se coincidência das curvas. Isso significa que não houve influência da diferença de polaridade dos dois solventes sobre o volume de eluição dos padrões.


A Figura 4 mostra as curvas cromatográficas para as amostras de quitosana dissolvidas em CH3COOH 0,30mol/dm3 - CH3COONa 0,20mol/dm3 (Figura 4a) e em CH3COOH 0,10mol/dm3 - NaCl 0,20mol/dm3 (Figura 4b). As amostras Q-1 e Q-2 apresentaram volumes de eluição menores que as amostras C-7, C-8 e C-10 nos dois solventes usados, isso significa maior massa molar média para as primeiras amostras. Além disso, em média, não foram observadas diferenças significativas entre os volumes de eluição de cada amostra nos dois solventes, o que, em princípio, sugere que a polaridade dos dois solventes apresenta efeitos equivalentes de estabilização dimensional da cadeia polimérica. Entretanto, uma análise mais criteriosa das curvas cromatográficas, através da determinação das massas molares médias, Mn e Mw, e polidispersão (Tabela 2), sugere que os dois solventes, de fato, apresentam "qualidades" diferentes. Pode-se observar que todas as amostras de quitosana apresentaram massa molar média (Mn e Mw) maiores ao se usar o solvente 2 (CH3COOH 0,10mol/dm3 - NaCl 0,20mol/dm3). Esse efeito foi ainda mais pronunciado sobre Mw. Resultados semelhantes foram obtidos por viscosimetria31. Além disso, a polidispersão (PD) para as amostras nesse solvente também foram sensivelmente maiores. Esses resultados podem ser explicados pela formação de agregados moleculares, que dão origem a valores de Mn, Mw e PD superestimados. A maior influência sobre Mw se explica pela sua grande sensibilidade às moléculas maiores (Mw = å NiMi2/å NiMi, onde Ni= nº de moléculas de massa molar Mi). A formação de agregados de quitosana no solvente 2 também foi constatada por medidas de espalhamento de luz17.


Como já foi comentado acima, as amostras Q-1 e Q-2, obtidas pelo método 1, apresentaram massas molares maiores que as amostras C-7, C-8 e C-10, obtidas pelo método 2. Esse resultado está relacionado ao tempo maior de desacetilação para as amostras C-7, C-8 e C-10, provocando hidrólise do polissacarídeo, apesar da atmosfera inerte utilizada. Por outro lado, as amostras C-7, C-8 e C-10 apresentaram menores valores de polidispersão, o que pode ser explicado pelo fracionamento ocasionado pelas três etapas desse método.

A Tabela 3 apresenta os dados de viscosidade intrínseca, massa molar viscosimétrica média e constante de Huggins, determinados para as amostras de quitosana dissolvidas em CH3COOH 0,10mol/dm3 - NaCl 0,20mol/dm3. As amostras obtidas pelo método 1 apresentaram maiores valor de [h] e Mv que as obtidas pelo método 2, concordando com os resultados de GPC. Os valores da constante de Huggins (k'), determinados pela equação hred.=[h] + k'[h]2c (onde hred.= viscosidade reduzida, [h] = viscosidade intrínseca e c= concentração do polímero), variaram de 0,3 a 1,4, apresentando uma tendência a valores maiores que 0,5. De um modo geral, soluções obtidas a partir de bons solventes para os polímeros, apresentam valores de k' no intervalo de 0,3-0,532,33. Assim, pode-se considerar que esses valores de k' estão de acordo com as evidências de formação de agregados observadas nos resultados de GPC.

CONCLUSÕES

Observou-se que o processo de desacetilação da quitina realizado em meio heterogêneo pode provocar uma distribuição não aleatória dos grupos N-acetil ao longo da cadeia polimérica, fazendo com que algumas amostras apresentem solubilidade parcial em soluções aquosas de ácido acético, apesar destas já terem alcançado um grau de desacetilação médio maior que 50%. Embora a desacetilação feita em mais de uma etapa (método 2) promova um aumento do G.D., a redução da massa molar média não pode ser evitada, quando se utiliza uma concentração de 50% NaOH. Entretanto, essas amostras de menor massa molar apresentaram PD menor, provavelmente devido ao fracionamento ocorrido durante o processo. Isso significa que a desacetilação em múltiplas etapas realizadas em soluções alcalinas tão concentradas quanto 50% NaOH não é aconselhável quando se deseja minimizar a degradação do polímero. Quando a desacetilação da quitina é realizada em mais de uma etapa, as lavagens intermediárias facilitam a etapa subseqüente de desacetilação, promovendo um aumento do G.D., mesmo que as reações sejam realizadas em meio heterogêneo. Entretanto, em soluções concentradas de NaOH, a hidrólise do polissacarídeo é também facilitada.

O solvente CH3COOH 0,10mol/dm3 - NaCl 0,20mol/dm3 apresentou indícios de má solubilização, com formação de agregados, o que foi evidenciado pelos altos valores de k' e PD, indicando que esse solvente não possui polaridade suficientemente alta para eliminar os efeitos de interação entre as cadeias do polímero.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao CNPq, RHAE e PPPg-UFRN pelo apoio financeiro recebido, e à Professora M. Rinaudo (CERMAV-CNRS) pelas análises de RMN.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Ago 2001
  • Data do Fascículo
    Fev 2001

Histórico

  • Recebido
    13 Set 1999
  • Aceito
    09 Ago 2000
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