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O modelamento estatístico de misturas: experimento tutorial usando voltametria de redissolução anódica

Statistical modeling of mixtures: a tutorial experiment using anodic stripping voltammetry

Resumo

This work illustrates the modeling procedure for a solvent mixture using the simplex- centroid approach. The selected experiment was the optimization of the peak current observed in the direct determination of nickel by anodic stripping voltammetry (ASV) in a solvent mixture composed of N,N-dimethylformamide, ethanol and water. The text is presented in a tutorial way, showing in detail the several steps which must be followed in such a process. Since not all possible mixtures lead to a measurable instrumental response, pseudocomponents had to be used to rescale the experimental design. This also allows to show how to apply this tool, usually troublesome for non-specialists in mixture modeling procedures.

experimental design of mixtures; voltammetry; nickel


experimental design of mixtures; voltammetry; nickel

EDUCAÇÃO

O modelamento estatístico de misturas: experimento tutorial usando voltametria de redissolução anódica

Statistical modeling of mixtures: a tutorial experiment using anodic stripping voltammetry

Aline Renée Coscione; João Carlos de Andrade* * e-mail: dandrade@iqm.unicamp.br ; Gyda Marie May

Instituto de Química, Universidade Estadual de Campinas, CP 6154, 13084-971 Campinas - SP

ABSTRACT

This work illustrates the modeling procedure for a solvent mixture using the simplex- centroid approach. The selected experiment was the optimization of the peak current observed in the direct determination of nickel by anodic stripping voltammetry (ASV) in a solvent mixture composed of N,N-dimethylformamide, ethanol and water. The text is presented in a tutorial way, showing in detail the several steps which must be followed in such a process. Since not all possible mixtures lead to a measurable instrumental response, pseudocomponents had to be used to rescale the experimental design. This also allows to show how to apply this tool, usually troublesome for non-specialists in mixture modeling procedures.

Keywords: experimental design of mixtures; voltammetry; nickel.

INTRODUÇÃO

Dois tipos de variáveis podem influenciar a resposta de um sistema químico: as de processo e as de mistura. Fatores como pH, temperatura e concentrações dos reagentes são exemplos típicos de variáveis de processo. Alterações nos níveis das variáveis de processo podem afetar o resultado experimental através de seus efeitos principais (efeitos individuais) e de interação com outras variáveis de processo, mas seus níveis podem ser variados de forma independente uns dos outros durante o modelamento, como acontece nos planejamentos fatoriais1.

Por outro lado, quando variáveis de mistura estão envolvidas em uma otimização, o resultado depende da proporção em que esses componentes se encontram e seus níveis não podem ser variados sem levar em conta os outros componentes. Em outras palavras, misturas são sistemas cujas propriedades dependem das proporções relativas dos seus componentes e não de suas concentrações. Não há restrições quanto ao estado físico, de modo que os componentes podem ser sólidos, líquidos ou gasosos, desde que as propriedades do sistema químico sejam definidas pela sua proporção na mistura. Assim, a quantidade de cada componente do sistema deve ser tratada como uma variável (variável de mistura), que não é independente das demais, pois o somatório das proporções de seus componentes deve ser a unidade2. Isso, em termos matemáticos, pode ser descrito como:

onde q é o número de componentes da mistura e xi são os componentes.

Devido a essa característica, o modelamento das propriedades físicas e químicas dos sistemas de misturas só pode ser feito de maneira multivariada, pois a restrição experimental imposta pela Equação 1 torna necessário adaptar os métodos do planejamento fatorial e da análise de superfícies de resposta aos problemas específicos destes sistemas1,3.

Dessa forma, o modelamento de misturas consiste em ajustar um modelo matemático polinomial a uma superfície de resposta obtida segundo um planejamento experimental específico, conhecido como planejamento estatístico de misturas. Essa denominação é utilizada para diferenciá-lo do planejamento fatorial empregado no modelamento de variáveis de processo. O planejamento estatístico de misturas empregado irá depender da complexidade do modelo matemático que se deseja ajustar e do número de componentes da mistura. Esse planejamento envolve a execução de um número exato de experimentos, necessários para ajuste do modelo matemático selecionado4 e que permita determinar os parâmetros com o mínimo de erro.

Para que isso seja possível, é necessário realizar experimentos pré-selecionados, envolvendo os componentes puros e outras misturas de composição variada5. O uso de todos os experimentos para calcular os coeficientes do modelo faz com que não haja graus de liberdade para estimar a falta de ajuste do modelo escolhido, ou seja, não há como verificar se o modelo escolhido é realmente bom para descrever a resposta experimental. Por essa razão, costuma-se preparar pelo menos três misturas de composições diferentes daquelas utilizadas para os cálculos do modelo, para serem utilizadas como pontos de verificação2.

Além disso, pode não ser possível realizar experimentos com certas composições onde, por ex., não se obtém resposta do sistema que está sendo medido. Quando essas limitações experimentais ocorrem, é necessário ajustar o planejamento de misturas para as condições em que se podem, efetivamente, realizar as medidas, reduzindo-se a escala original, mas garantindo-se que a mesma distribuição dos experimentos seja obedecida. Isso é feito utilizando-se os pseudocomponentes, que são combinações dos componentes originais, utilizadas para redefinir as coordenadas das misturas em relação ao espaço experimental a ser efetivamente estudado. Neste caso, o planejamento experimental é aplicado apenas à área delimitada por eles, dentro da qual o modelamento será válido2.

O modelamento de misturas, essencial ao se utilizar sistemas de solventes como meio reacional, possibilita notáveis aumentos na sensibilidade6,7 e na seletividade8 de métodos analíticos. Além disso, tem grande importância industrial, sendo muito usado para obtenção de formulações de diversos produtos, tais como comprimidos9, novos materiais10, alimentos11 e fármacos12.

O objetivo deste trabalho é ilustrar o uso de planejamentos de mistura, destacando-se o ganho de sensibilidade que se obtém em medidas voltamétricas de Ni2+ em um sistema homogêneo de solventes. Como o enfoque principal é didático, a forma de apresentação procura induzir o leitor a seguir, passo-a-passo, a seqüência lógica das etapas do detalhamento experimental e suas conseqüências, sem privilegiar em demasia o formalismo matemático, que já foi objeto de trabalho anterior13. Dentro desse enfoque, o programa computacional aqui sugerido para realização dos cálculos é de uso simples e está disponível na internet14. O sistema de solventes utilizado, composto por água, etanol e N-N-dimetilformamida (DMF), mostrou-se particularmente interessante para fins didáticos pois, além de permitir visualizar com clareza as etapas envolvidas na otimização, demonstra a necessidade do uso adequado dos pseudocomponentes.

PARTE EXPERIMENTAL

Reagentes e soluções

Todas as soluções foram preparadas com água deionizada e estocadas em frascos de polietileno limpos. A DMF e o etanol, de qualidade p.a., foram utilizados sem purificação adicional. As transferências de volume foram feitas utilizando-se micropipetas de volume variável ou pipetas graduadas, dependendo da necessidade.

Uma solução estoque de 1000 mg L-1 de Ni2+ foi preparada pela diluição do conteúdo de uma ampola de padrão Merck – Titrisol, para 1 L, com água deionizada. A partir dessa solução estoque, preparou-se uma solução de trabalho de 60 mg L-1 de níquel, da qual foram tomadas as alíquotas apropriadas para realização das medidas voltamétricas.

Uma solução estoque de 5 mol L-1 de acetato de amônio em pH 4,7 foi usada como eletrólito de suporte. Essa solução foi preparada pela dissolução de 38,5 g do sal em um béquer com cerca de 50 mL de água, a qual foram adicionados 10,0 mL de ácido clorídrico concentrado. Após homogeneização, ajustou-se o pH do meio em 4,7 e transferiu-se a solução resultante para um balão volumétrico de 100 mL, completando-se o volume e procedendo-se a uma nova homogeneização da solução resultante.

Planejamento experimental

O experimento proposto envolve um sistema homogêneo de solventes composto por DMF, etanol e água, utilizado como solução de medida para determinação de níquel usando a Voltametria de Redissolução Anódica ("Anodic Stripping Voltammetry, ASV"). Rigorosamente, as proporções dos solventes devem ser tomadas em termos de % m/m, pois o uso de proporções em massa elimina problemas como variações de volume para misturas de diferentes proporções e possíveis efeitos de temperatura. Entretanto, para fins didáticos e para facilitar a preparação das soluções, as massas dos solventes em cada mistura podem ser convertidas para volumes, considerando-se suas densidades individuais aproximadas (dDMF = 0,94 g cm-3, detanol = 0,78 g cm-3 e dágua = 1,00 g cm-3). Os possíveis erros induzidos com esse procedimento não são significativos e serão contabilizados no processo de modelagem.

Na prática, as misturas são preparadas adicionando-se os volumes de DMF, etanol e água previstos no planejamento (Tabela 1) mas, como a todas as soluções deve ser adicionado 1,00 mL da solução de eletrólito suporte, o volume de água a ser considerado será sempre o volume previsto no planejamento menos 1 mL, pois a solução de eletrólito suporte deve ser contabilizada como parte do componente água. Essa solução é preferencialmente adicionada por último, para evitar possíveis problemas de solubilidade do acetato de amônio na mistura. Ao final, cada mistura do planejamento conterá cerca de 0,25 mol L-1 de acetato de amônio e de 0,12 mol L-1 de HCl.

As medidas correspondentes aos brancos foram realizadas transferindo-se 10,00 mL de cada mistura do planejamento para a cela voltamétrica, sem a adição do metal. Depois da obtenção do voltamograma do branco, uma nova varredura de potencial foi registrada, após a adição de 50 µL da solução de trabalho de Ni2+ à cela polarográfica, resultando em uma concentração final de 300 µg L-1 de níquel na cela. A variação de volume devida à adição da solução de níquel é considerada desprezível e não introduz erros apreciáveis às medidas. As medidas experimentais utilizadas para construção do modelo são as correntes de pico observadas no potencial do níquel, menos a corrente obtida para o branco.

Determinações

As medidas voltamétricas foram feitas em um polarógrafo Radiometer POL 150 acoplado a um conjunto Radiometer MDE, completo com um eletrodo de gota pendente de mercúrio (HMDE), um eletrodo de referência Ag/AgCl (saturado com KCl e com AgCl) e um contra-eletrodo de platina. O potencial foi varrido entre -1200 e -100 mV, com velocidade de varredura de 5 mV s-1. A amplitude do pulso foi de –50 mV, com duração de 40 ms, e o tempo de eletrólise foi de 120 s. Nessas condições, a corrente (resposta analítica) variou entre 40 e 200 nA.

Todos os experimentos foram realizados em celas polarográficas de 10 mL, sob atmosfera de nitrogênio, após um tempo de purga de 120 s. A aquisição de dados e os registros das varreduras foram feitos com o "software" Trace Master (versão 2.03), parte integrante do equipamento utilizado. Para uso de equipamentos de outras marcas, seguir as instruções do manual de operações.

Cálculos

Os cálculos necessários para construção e avaliação dos modelos foram feitos usando-se a resolução de mínimos quadrados parciais, através do programa "freeware" MIXREG, disponibilizado no site Chemkeys14. As instruções para utilização do programa estão disponíveis no mesmo endereço eletrônico.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O experimento selecionado foi o da otimização do pico de corrente observado na determinação direta de Ni2+ por Voltametria de Redissolução Anódica (ASV) em um sistema de solventes composto por N,N-dimetilformamida (DMF), etanol e água, que formam uma mistura ternária homogênea em qualquer proporção. A resposta analítica a ser modelada é o pico de corrente (negativa por convenção), referente à concentração fixa de níquel contida na cela voltamétrica (300 µg L-1), que deverá ser maximizada em função da variação de composição da mistura de solventes.

Como a concentração do eletrólito suporte e o pH nominal da solução podem influenciar a corrente medida, foram realizados experimentos de varredura empregando-se uma mistura de DMF, etanol e água em proporções iguais. Esses experimentos mostraram que a corrente obtida para o níquel tende a aumentar quando a concentração de acetato de amônio aumenta e o pH nominal da solução diminui. Dessa forma, para simplificar o experimento, essas duas variáveis foram fixadas em níveis que permitem observar diferenças claras na resposta para o níquel em função da composição da mistura, permitindo sua otimização. Para que isso fosse possível, uma alíquota pré-determinada do eletrólito suporte foi adicionada em todos os experimentos, como parte do componente água das misturas.

Para o modelamento de misturas, costuma-se utilizar apenas os modelos mais simples possíveis. Esses são os modelos linear (Equação 2), quadrático (Equação 3) e cúbico especial (Equação 4), descritos genericamente abaixo.

Nas equações acima bi , bij e bijk são os coeficientes de interação de primeira, segunda e terceira ordens calculados para os fatores xi, xj e xk estudados, i indica o número do componente em questão (i = 1, 2, 3, ....) e y é a resposta experimental4.

Se consideramos uma mistura com 3 componentes, como a que desejamos otimizar, esses modelos seriam ampliados gradativamente, levando em conta apenas os efeitos dos três componentes puros no modelo linear, as interações binárias e uma interação entre três fatores nos modelos quadrático e cúbico especial. É importante destacar que, para os modelos quadrático e cúbico especial, os termos de segunda e terceira ordens descrevem as interações entre os componentes e não são termos com expoentes quadráticos ou cúbicos como nos planejamentos fatoriais empregados para variáveis de processo. Isso só acontece devido à restrição experimental imposta pela Equação 1, e pode ser demostrado matematicamente1. Já o modelo cúbico especial para uma mistura com três componentes difere do quadrático pela adição de um único termo, x1x2x3, que nesse caso seria o décimo termo do modelo.

A representação de um sistema de mistura com 3 componentes é feita usando diagramas triangulares, como mostrados na Figura 1, e a localização da composição das misturas não é trivial em um primeiro momento. Um procedimento comumente empregado para facilitar a localização dos pontos de mistura é a observação da direção em que a proporção do componente aumenta em relação ao seu respectivo eixo.



O planejamento experimental que permite ajustar até o modelo cúbico especial, sem que se tenha de adicionar mais experimentos de composições variadas, é o simplex centróide5,13 e por isso é o mais empregado. Segundo esse planejamento, para 3 componentes quaisquer A, B e C, devem ser feitos experimentos com misturas de 7 composições diferentes: 3 experimentos com componentes puros (1,00 de A ou de B ou de C, correspondentes aos experimentos localizados nos vértices do diagrama), 3 experimentos de misturas binárias (0,50 de A e de B, 0,50 de A e de C e 0,50 de B e de C, correspondente ao ponto médio das arestas) e um ponto central (0,33 de A, B e C, correspondente ao centróide do diagrama).

Na prática, é necessário incluir replicatas para poder avaliar o erro associado ao modelamento, o que é feito normalmente empregando o ponto central. Os pontos de verificação podem ser incluídos ou não. Esse pontos não entram nos cálculos, mas costumam ser utilizados para verificar a qualidade do ajuste dos modelos e compará-los entre si. Se não houver razão para se observar melhor uma região específica do planejamento experimental, eles devem ter composições o mais diferentes possíveis entre si. Os doze experimentos resultantes, listados na Tabela 1, devem ser realizados em ordem completamente aleatória. Isso é muito importante, pois alterações nesse procedimento devem necessariamente ser levadas em conta na realização dos cálculos.

Porém, mesmo sendo o eletrólito suporte parcialmente solúvel em DMF e em etanol, não foram observados picos de corrente para níquel nos registros voltamétricos obtidos com os solventes puros e com as misturas binárias, DMF-etanol, DMF-água ou etanol-água15. Dessa forma, são introduzidas restrições experimentais que não permitem usar as misturas previstas no planejamento simplex-centróide com sua composição exata, por exemplo 0,50 de DMF, 0,50 de etanol e zero de água. Verificou-se, no entanto, que é possível obter picos de corrente característicos para níquel quando se tem pelo menos 0,90 de um componente e 0,05 de cada um dos outros dois.

Entretanto, o planejamento simplex centróide pode ser aproveitado se for adequado a essas novas condições, através de um "re-escalonamento" que não altere a distribuição relativa dos experimentos. No re-escalonamento, feito através do uso de pseudocomponentes, as misturas representadas nos experimentos do planejamento simplex-centróide passam a ser feitas a partir das misturas permitidas dentro da área experimental restante mantendo sua distribuição original, como pode ser observado a partir da Tabela 1 e das Figuras 1a e 1b.

Por causa das restrições experimentais, o intervalo de composições que pode ser empregado na otimização passa a ter um limite inferior (b) e um limite superior (a) para cada componente da mistura, que é identificado pelo sub-índice i, e que pode ser descrito genericamente como bi < componente < ai. Se estabelecermos que a DMF é o componente 1 e que seu respectivo pseudocomponente será simbolizado por x1; etanol é o componente 2 (pseudocomponente dado por x2) e água é o componente 3 (pseudocomponente dado por x3), podemos descrever esses limites como 0,05 < PDMF < 0,90; 0,05 < Petanol< 0,90 e 0,05 < Págua < 0,90, sendo P a proporção do componente na mistura. Antes de "re-escalonar" o planejamento para a região limitada por esses três intervalos é necessário verificar se eles são consistentes, ou seja, se qualquer combinação desses valores corresponde a uma mistura contida no diagrama da Figura 1b. Para isso, é preciso calcular o intervalo de proporção (Ii) para cada componente empregando a Equação 5; e verificar se a combinação de limites inferiores dos componentes individuais (B), dada pela Equação 6, e se a combinação de limites superiores dos componentes individuais (A), dada pela Equação 7, não infringe a condição imposta pela Equação 1:

Se Ii< B e Ii< A, isso quer dizer que a soma dos limites testados é menor que um, e que os limites superior (a) e inferior (b) de cada solvente podem ser utilizados sem modificações. Caso contrário, os limites de cada componente da mistura devem ser alterados para obedecer a esse critério2. No nosso caso, onde o intervalo de proporção é de 0,85 para os 3 componentes, b é igual a 0,85 e a é igual a 1,70, satisfazendo os critérios de verificação. A etapa seguinte consiste em calcular a expressão que fornecerá a composição real das misturas, em termos dos solventes, em função dos experimentos do simplex centróide aplicados aos pseudocomponentes, como no ex. mostrado na Equação 8

onde Psolvente corresponde à %m/m do solvente na mistura. Por ex., para o solvente DMF, teremos

de modo que usando-se essas expressões para cada componente pode-se obter a composição real das misturas a serem testadas na otimização da determinação de níquel (Tabela 1). Os voltamogramas típicos são mostrados na Figura 2. Note-se, porém, que não apenas o valor máximo de corrente para o sinal do níquel varia, mas também o potencial em que seu pico de corrente é registrado (ver Tabela 2). Isso foi atribuído às diferentes composições da mistura, pois a composição e a concentração do eletrólito de suporte foram mantidas constantes.


Os valores de corrente obtidos e a composição das misturas, em pseudocomponentes, devem ser agrupados em matrizes para realização dos cálculos, que é também o formato utilizado pelo programa MIXREG. Mesmo sem a utilização do programa sugerido, a ordem de entrada dos dados deve obedecer rigorosamente aquela mostrada na Tabela 1, também conhecida como ordem padrão do planejamento, para permitir a realização das operações com matrizes envolvidas na resolução de mínimos quadrados parciais. A saída do programa inclui, entre outras coisas, a análise de variância (ANOVA) para ajuste do modelo selecionado aos dados e, como em qualquer modelamento, é necessário verificar primeiramente se a regressão é significativa e se existe evidência de falta de ajuste1. A ANOVA para o modelo linear é apresentada na Tabela 3.

Para um nível de confiança de 95%, os valores tabelados do teste F para (2, 9) e (7, 2) são, respectivamente, de 4,26 e 19,35. Assim, verifica-se que a regressão é significativa na descrição dos resultados experimentais, mas que o modelo não é adequado, pois a falta de ajuste é signifcativa1. Dessa forma, um modelo mais complexo, o modelo quadrático, deve ser testado. A ANOVA para a avaliação do modelo quadrático é apresentada na Tabela 4. Os fundamentos e formalismos referentes à ANOVA e ao teste F aplicados ao planejamento de misturas já foram discutidos em trabalho anterior13.

Nesse caso, verifica-se que a regressão é significativa no nível de confiança considerado (F5,6,95%=4,39) e que não há evidência de falta de ajuste (F4,2,95% =19,25), de modo que o modelo pode ser empregado satisfatóriamente, sem necessidade de se continuar testando outros modelos.

A próxima etapa consiste em verificar quais efeitos alteram os valores de corrente na determinação do níquel, distinguindo-se da variação aleatória existente em qualquer experimento. Para que isso seja possível é necessário admitir que a variância dos erros é constante em toda a faixa experiemental estudada (homoscedasticidade das respostas); os erros para as respostas observadas nos vários níveis da variável modelada não são correlacionados entre si e os erros seguem uma distribuição normal. Quando os experimentos são realizados de forma aleatória e cuidadosa essas hipóteses estatísticas podem ser aceitas sem problemas1.

Assim, os valores que permitem a distinção entre efeito e ruído serão função do planejamento experimental empregado (refletido no erro padrão dos coeficientes), da variação entre as replicatas realizadas e do nível de confiança estatística empregado. Nessas condições, a matriz de covariância será dada por V(b) = (XtX)-1s2, sendo X a matriz de planejamento (3 colunas da direita da Tabela 1) e s2 a estimativa da variância populacional.

Como não há evidência de falta de ajuste, a Média Quadrática dos resíduos para ajuste do modelo quadrático, mostrada na ANOVA da Tabela 4, que corresponde à variância residual em torno da regressão, pode ser empregada como uma estimativa de s2. Pode-se calcular então o erro padrão dos coeficientes do modelo, multiplicando-se os valores da diagonal principal da matriz de covariância pela referida média quadrática e obtendo-se a raiz quadrada. Logicamente, se o erro padrão calculado for maior que o valor do coeficiente, há uma forte indicação de que o efeito dessa variável não é significativo. Mais rigorosamente, pode-se dizer que ele deve ser pequeno o suficiente para que não tenha sido possível estimá-lo através do planejamento empregado. Essa mesma aproximação nos fornece a estimativa do erro experimental em uma medida (flutuação entre os valores de replicatas) através da raiz quadrada da média quadrática dos resíduos que, nesse experimento, foi de 19,2 nA.

Os intervalos de confiança para cada coeficiente podem ser calculados através da Equação 10, destacando-se que o valor do teste t de Student13 empregado deve corresponder ao número de graus de liberdade envolvidos no cálculo da estimativa de variância dos experimentos que, no nosso caso, é o número de graus de liberdade da média quadrática residual.

Os coeficientes para o modelo quadrático e o resultado do teste de significância encontram-se na Tabela 5.

Se o coeficiente for significativamente diferente de zero, ou seja, se o intervalo de confiança não incluir o valor zero, o efeito da variável ou interação correspondente altera a resposta analítica no nível de confiança considerado. A equação do modelo quadrático que descreve a variação do valor da corrente de pico do níquel (em nA) em função da composição do solvente é mostrada na Equação 11, onde apenas os efeitos significativos, acompanhados de seus respectivos erros padrão são considerados.

A interpretação da equação do modelo mais adequado para decrever um conjunto de dados químicos pode trazer informações interessantes para o sistema estudado, além da definição de uma região ou ponto de ótimo, mas deve ser feita sempre de forma cuidadosa para evitar enganos. A partir da Equação 11, podemos notar que os efeitos principais das variáveis de mistura, aqui mostrados na forma de pseudocomponentes, são negativos. Como o modelo foi desenvolvido empregando valores negativos de corrente, esses coeficientes indicam que o aumento da proporção desses componentes contribui para aumentar o sinal analítico. Já o termo cruzado x1x3 é positivo, indicando um efeito antagônico (diminui o sinal) na interação DMF – água. Como esse é o único termo quadrático para mistura mantido no modelo, podemos afirmar que é também o termo responsável pela redução da soma quadrática da falta de ajuste, que leva à seleção do modelo quadrático.

Nem sempre a notação empregando pseudocomponentes permite uma visualização global do comportamento das variáveis estudadas, sendo necessário obter uma equação para o modelo, em função dos solventes envolvidos. Para isso, basta substituir os pseudocomponentes pelas expressões empregadas para o escalonamento, mostradas abaixo da Tabela 1, reorganizando-a e obtendo a Equação 12.

Não há diferença estatística entre as Equações 11 e 12, e ambas podem ser empregadas para obter superfícies de resposta que facilitem a visualização da resposta em função da composição das misturas, como nas Figuras 1a e 3b, auxiliando também na definição do ponto de ótimo. Nessas figuras, as escalas foram multiplicadas por 100 para facilitar a leitura e o entendimento.


A rigor, o ponto de ótimo de um modelo é aquele que fornece a maior resposta numérica (em módulo), mas nem sempre essa é também a resposta analítica mais apropriada. Além disso, é freqüente a obtenção de uma região de ótimo e não um único ponto de composição bem definida. Dentro de uma região de ótimo, a composição da mistura pode ser variada, dentro de certos limites, sem que a resposta experimental seja alterada significativamente (ex: ±5%). Assim, podemos observar que para o modelo quadrático selecionado existe uma região de isorresposta, localizada no topo do triângulo, que corresponde à região de ótimo do modelo (Figura 3a). Nessa região a corrente obtida na determinação de níquel varia ente -181,6 e -164,1, e a composição da mistura, em pseudocomponentes, pode ser variada aproximadamente 0,8 e 1,0 de x1, 0 e 0,1 de x2 e 0 e 0,06 de x3, sem sair da região de melhor resposta descrita pelo modelo. Na prática, isso quer dizer que se houver pequenas variações de volume para cada solvente da mistura, dentro dos limites indicados pelas curvas de nível da Figura 3, ainda seria possível obter o maior valor de corrente nos experimentos com níquel. Dessa forma, a existência de uma região de ótimo é, muitas vezes, analiticamente conveniente.

Mas isso ainda pode não ser suficiente para um procedimento de otimização. Por ex., as medidas realizadas para as misturas na faixa de composição descritas pela região de ótimo discutida acima são pouco reprodutíveis, o que é obviamente indesejável. Para contornar o problema analítico, e sabendo como a corrente do níquel varia em função da composição da mistura, deve-se optar por utilizar uma região vizinha à da melhor resposta, mas que apresente maior reprodutibilidade, onde a corrente de níquel varia entre -146,5 e -164,1 nA. Essa alteração representa uma redução de aproximadamente 10% no sinal analítico.

Para facilitar a preparação das misturas no laboratório, podemos estabelecer uma composição de solventes que represente essa região de isorresposta, que corresponderá ao ponto central dessa área. Para isso, basta calcular a média de variação de composição para cada componente da mistura dentro da região de isorresposta selecionada. A composição da mistura, que representa um compromisso entre o ótimo encontrado pelo modelamento e as demais condições experimentais de interesse analítico, seria 81% m/m de DMF, 12 de etanol e 7 %m/m de água.

Para complementar o processo de otimização e verificar as figuras de mérito para fins analíticos, preparou-se uma curva de calibração para níquel com a composição da mistura selecionada. A faixa linear de resposta foi observada entre 30 a 650 µg L-1 de Ni2+ na cela polarográfica e seu limite de detecção foi estimado em 3 µg L-1, usando a equação (3 X Sy/x) / m , onde m é a inclinação da curva de calibração e Sy/x é o desvio padrão de 7 brancos16. A curva de calibração típica é descrita por I = - 4,99 + 0,55 [Ni2+] com r2 = 0,999, onde I é a corrente (negativa) em nA, [Ni2+] é a concentração de níquel na cela polarográfica, em µg L-1, e r o coeficiente de correlação para a regressão.

Esse trabalho mostra que o modelamento de misturas, acompanhado de processos de otimização, pode resultar em situações muito interessantes. Nesse caso, o níquel, que não apresenta picos de corrente (ASV) significativos nos solventes individuais e em algumas misturas binárias, mostra-se eletroativo em composições ternárias desses solventes, permitindo o uso dessa técnica para medidas diretas desse metal, o que antes não seria possível.

14. http://www.chemkeys.com, acessada em Agosto 2004.

15. May, G. M.; trabalho não publicado.

Recebido em 3/9/04; aceito em 3/3/05; publicado na web em 11/7/05

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  • *
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Dez 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Aceito
      03 Mar 2005
    • Recebido
      03 Set 2004
    Sociedade Brasileira de Química Instituto de Química, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), CP6154, 13083-0970 - Campinas - SP - Brazil
    E-mail: quimicanova@sbq.org.br