Acessibilidade / Reportar erro

Criações da cozinha: corpos, pessoas e relações em contextos indígenas, camponeses e quilombolas

Kitchen’s creations: bodies, people and relations in indigenous, peasant and quilombola contexts

resumo

Partindo das etnografias das autoras, uma realizada junto a agricultores/as fami­liares do povo dos Buracos e outra junto aos Karo-Arara, um povo indígena falante de uma língua Tupi Ramarama, este artigo investiga as relações elicitadas através da agência feminina na cozinha e da produção, circulação e compartilhamento de comida e bebida. Trata-se de tentar cruzar fronteiras entre duas tradições bem estabelecidas na antropologia brasileira: os estudos do campesinato e a etnologia indígena. Buscamos mostrar como, em diversos contextos etnográficos indígenas, quilombolas e camponeses, a cozinha é um dispositivo de criação através do qual se constituem, e também se desfazem, corpos, pessoas e coletividades necessariamen­te implicados em terras e territórios específicos.

palavras-chave
Mulheres; cozinha; comida; bebida; relação

abstract

Starting from the authors’ ethnographies, one carried out with farmers/family members of the Buracos people and the other with the Karo-Arara, an indigenous people who speak the Tupi Ramarama language, this article investigates the relationships elicited through female agency in the kitchen and production, circulation and sharing of food and drink. It is about crossing borders between two well-established traditions in Brazilian anthropology as peasant studies and indigenous ethnology. We seek to show how, in different indigenous, quilombola and peasant ethnographic contexts, the kitchen is a creative device through which bodies, people and communities necessarily involved in specific lands and territories are constituted, and also undone.

keywords
Women; kitchen; food; drink; relation

Fazendo a cozinha e a comida aparecerem

Partindo do diálogo entre as pesquisas realizadas pelas autoras do presente artigo – uma delas junto a agricultores/as familiares do povo dos Buracos, situado na bacia do médio rio São Francisco em Minas Gerais, e outra junto aos Karo-Arara, um povo indígena falante de uma língua Tupi Ramarama situado na bacia do médio rio Machado em Rondônia –, buscamos investigar as relações que se descrevem com o corpo e o olhar assentados na cozinha. Que pessoas ou coletivos se constituem ou se desfazem quando nos situamos nesse espaço? Quais os modos de associação efetivados? Nosso interesse reside sobretudo na relacionalidade criada nesse espaço ou a partir dele, mostrando como as ações envolvidas na cozinha contribuem para a produção da pessoa e do parentesco, arranjos coletivos e relações de alteridade.

Fruto de uma conversa mais ampla entre diversas pesquisadoras interessadas em questões em torno do gênero, da casa e da terra (incluindo nesta as florestas, águas, ares e seres diversos), este artigo é uma tentativa de, em certa medida, cruzar as fronteiras entre duas tradições bem estabelecidas no campo da antropologia brasileira: os estudos do campesinato e a etnologia indígena. Estamos cientes de que esse não é um movimento fácil. Ao longo das nossas muitas conversas e da escrita deste texto 1 1 Essas conversas e um primeiro esboço deste artigo também envolveram Yara Alves, que, por diversas razões, infelizmente não pôde seguir a escrita conosco. Ainda assim, sua pesquisa e suas ideias, especialmente em torno da maternidade, da memória e do tempo, foram contribuições valiosas para o desenvolvimento do que ora apresentamos. Agradecemos à Yara e às demais pesquisadoras que participaram do diálogo construído na série de encontros que gerou o dossiê no qual nos inserimos. , carregada de idas e vindas, de pausas reflexivas e retomadas, fomos forjando analogias, reconhecendo ou construindo aproximações, e evidentemente nos apercebendo das diferenças, dos debates implícitos e teorias relevantes em cada subárea, e mesmo entre os estilos de escrita. Esperamos que as chaves de análise e questões que distinguem, de um lado, os chamados estudos de etnologia e, de outro, os de campesinato sejam perturbadas por encontros etnográficos entre pesquisas que se voltam para a cozinha, a terra e o território. Não pretendemos obliterar as diferentes perspectivas teóricas e o vocabulário que fundam os dois campos – que, inevitavelmente, conduziram o diálogo entre as autoras, ora nos mobilizando criativamente, ora nos fazendo hesitar –, mas operar uma "transposição de fronteiras subdisciplinares e províncias etnográficas", para trazer "à tona certos aspectos que passariam despercebidos não fosse esse encontro" (Marques & Leal 2018MARQUES, Ana Claudia & LEAL, Natacha. 2018. "Introdução: alquimias do parentesco". In: MARQUES, A. C & LEAL, N. (orgs.). Alquimias do parentesco: casas, gentes, papéis, territórios. São Paulo, Editora Terceiro Nome; Rio de Janeiro, Gramma Editora.: 26).

Sem perder de vista a materialidade da cozinha, em nosso diálogo ela surge não como um espaço encerrado em si mesmo, mas antes como um poderoso dispositivo de criação para o qual as atividades femininas, por vezes negligenciadas nos dois campos, são determinantes. A cozinha e tudo o que circula por ela mostram-se como imagem conceitual através da qual se constituem, e também se desfazem, corpos, pessoas e coletividades necessariamente implicados em lugares e territórios determinados.

Um conjunto de pesquisas sobre campesinato e comunidades pesqueiras no Brasil trouxe a comida para o centro da análise ao entendê-la como linguagem ou sistema de classificação do mundo social; o alimento "fala" e por isso é "bom para pensar" (Brandão, 1981BRANDÃO, Carlos Rodrigues. 1981. Plantar, colher, comer: um estudo sobre o campesinato goiano. Rio de Janeiro, Edições Graal. ; Ibanez-Novión, 1974IBANEZ-NOVION, Martin Alberto. 1974. El cuerpo humano, la enfermedad y su representación: um abordaje antropológico em Sobradinho, cuidad satélite de Brasília. Rio de Janeiro, Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio de Janeiro. ; Maués e Motta-Maués, 1978MAUÉS, Raymundo Heraldo & MOTTA-MAUÉS, Maria Angélica. 1978. "O modelo da ‘reima’: representações alimentares em uma comunidade amazônica". Anuário Antropológico, 2(1): 120-147. ; Peirano, 1975PEIRANO, Mariza. 1960. Proibições alimentares numa comunidade de pescadores. Brasília-DF, Dissertação de mestrado, Universidade de Brasília. ; Woortmann, 2013WOORTMANN, Ellen. 2013. "A comida como linguagem". Habitus, 11(1): 5-17, jan./jun. , entre outros). Frequentemente inspiradas nesses trabalhos, as recentes etnografias rurais trazidas aqui extravasam o olhar sobre o simbólico ao observar, nos atos de cozinhar, dar de comer e comer junto, agenciamentos que produzem (e geram efeitos sobre) os próprios mundos materiais e sociocosmológicos estudados.

Para outro conjunto de estudos clássicos sobre o rural brasileiro, a atividade da cozinha, definida como atividade de consumo, deixa-se englobar pela unidade doméstica, enquanto o interesse analítico sobre o poder volta-se para a autoridade do pai e marido. Esta, fundada na valorização da atividade produtiva, marca o trabalho na terra como domínio do homem (Garcia & Heredia, 1971GARCIA Jr., Afrânio e HEREDIA, Beatriz. 1971. "Trabalho familiar e campesinato". América Latina, ano 14, n. 1/2: 10-20. ; Heredia, 1979HEREDIA, Beatriz. 1979. A morada da vida: trabalho familiar de pequenos produtores do nordeste do Brasil. São Paulo, Paz e Terra. ; Paulilo, 1987PAULILO, Maria Ignez. 1987. "O peso do trabalho leve". Ciência Hoje, Rio de Janeiro – RJ, 5(28): 64-70. , entre outros). Formadas por esses estudos e igualmente atentas às organizações familiares da casa, as etnografias do rural que mobilizamos a seguir somam-se a outros trabalhos recentes que atentam para a centralidade das práticas femininas domésticas – incluindo as cozinhas e também os quintais, com suas hortas e criações, assim como as circulações entre casas 2 2 Ver, por exemplo, Comerford et al. , 2022 ; Dainese, Carneiro e Menasche, 2018 ; Marques e Leal, 2018 . Para esses trabalhos, vale destacar a contribuição de Beatriz Heredia ( 1979 ), que oferece pistas importantes ao mostrar a indissociabilidade da casa-roçado, em um olhar original sobre a clássica definição de Chayanov do caráter familiar da reprodução social camponesa. Por sua vez, Brandão ( 1981 ) mostra como a comida não industrializada, e sim fruto do trabalho familiar na terra, dá forma a um modo de vida camponês singular e socialmente valorizado. O trabalho na cozinha, entretanto, perde o foco do autor diante da ênfase que ele dá à atividade de plantio. . Em diálogo com os chamados novos estudos do parentesco, a noção de família deixa de se referir à unidade de produção e consumo de alimentos, para ganhar contornos variáveis, à medida que a própria casa (e não mais a "unidade doméstica") expande-se no tempo e no espaço através da produção do sangue e do tronco familiar. Reconfigura-se assim a própria descrição da reprodução social da família camponesa (ver Marques, 2020 MARQUES, Ana Claudia. 2020. "La maison, le nombril, le monde". Révue Brésil(s) – Sciences Humaines et Sociales, 18/2020. http://journals.openedition.org/bresils/7601 . Acessado em: 30 nov. 2020.
http://journals.openedition.org/bresils/...
).

Tais abordagens recentes do rural repercutem, portanto, o tensionamento da divisão entre o doméstico e o público pensados como domínios estanques e hierarquizados, conforme crítica já há tempos estabelecida por variadas correntes do pensamento feminista 3 3 Na antropologia feminista, questionou-se sobretudo a divisão entre o domínio público-jural (masculino) e o doméstico (feminino), tendo como premissa a prerrogativa do primeiro sobre o segundo (ver Strathern, 1988 ). Fora do campo antropológico, a crítica à dicotomia ganhou diversas elaborações. Carole Pateman ( 1996 ), por exemplo, atrelou-a às raízes liberais do surgimento do movimento feminista. Para Oyeronke Oyewumi ( 1997 ), a teoria do gênero nasceu enclausurada no modelo ocidental da família nuclear e da divisão sexual do trabalho, baseadas em uma bio-lógica que não faria sentido para a cosmopercepção yorubá. . Diante da importância dada, na literatura clássica do campesinato, à relação matrimonial e à autoridade paterna, esses trabalhos muitas vezes exploram, como que por contraste implícito, a importância da relação mãe-filhos/as na descrição da vida social em geral. Algumas dessas etnografias do rural, incluindo as que apresentamos aqui, inspiram-se livremente em leituras etnológicas nas quais a reflexão sobre sociedades ameríndias passa pela conceituação etnográfica da fabricação do corpo (ver Seeger et al. , 1979SEEGER, Anthony, DA MATTA, Roberto & VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 1979. "A construção da pessoa nas sociedades indígenas brasileiras". Boletim do Museu Nacional, n. 32, maio, Rio de Janeiro, PPGAS-MN/UFRJ. ), abordagem que ecoa em etnografias de contextos campesinos nos quais as atividades relacionadas à comida e à concepção correlata do sangue estão no cerne da vida familiar e coletiva, como veremos.

Na literatura etnológica, já há algumas décadas, questões em torno da produção, circulação e consumo de comida e bebida (especialmente de caça e bebida fermentada) conectam-se ao tema do parentesco e da fabricação de corpos e pessoas por meio dos atos de alimentar e ser alimentado. A etnografia de Peter Gow ( 1989 GOW, Peter. 1989. "The perverse child: desire in a native Amazonian economy". Man, 24(4): 567-582. http://www.jstor.org/stable/2804288 .
http://www.jstor.org/stable/2804288...
, 1991GOW, Peter. 1991. Of mixed blood. Oxford, Clarendon Press. ) sobre os Piro do Baixo Urubamba é pioneira neste sentido. Seu entendimento da história como (memória do) parentesco inspirou diversos trabalhos e enterrou qualquer entendimento simplista sobre as economias indígenas. Um bebê torna-se parente comendo comida verdadeira ( real food ), preparada por parentes, e respondendo às pessoas que o alimentam e cuidam com termos de parentesco. O parentesco, entendido como a produção da semelhança e da identidade (consanguinidade), é a memória desses atos de cuidados mútuos.

Muitos dos autores e autoras que abordaram a comensalidade e a constituição do parentesco, inspirados no trabalho de Overing, voltaram suas etnografias para a vida cotidiana e o cuidado mútuo, fazendo a comida e o gênero, quase sempre vinculados, aparecerem como tópicos fundamentais. Ainda assim, o investimento etnográfico na cozinha e no cozinhar não são tão evidentes como nos estudos de campesinato mobilizados neste artigo.

A monografia primorosa de Christine Hugh-Jones ( 1979HUGH-JONES, Christine. 1979. From the milk river: spatial and temporal processes in Northwest Amazonia. New York, Cambridge University Press. ), que descreve e analisa simbolicamente o ciclo de produção, preparo e consumo da mandioca entre os Piri-Pará do alto rio Negro, e as receitas yudjás de cauim e seu consumo apresentados por Tânia Stolze Lima ( 2005LIMA, Tânia Stolze. 2005. Um peixe olhou pra mim: os Yudjá e a perspectiva. São Paulo, ISA, Unesp. ), ainda que não se engajem diretamente na tematização da cozinha, não deixam de produzir uma análise desde esse ponto de vista. Com descrições minuciosas das atividades envolvidas no preparo de bebida e comida, que aparecem como componentes indispensáveis para o entendimento das sociocosmologias dos povos pesquisados, ambas as etnólogas fazem entrever como as mulheres, engajadas em múltiplas relações e ações em torno do preparo de comida e bebida oriundas da roça, participam da produção e reprodução de corpos e pessoas.

Quando o foco é a caça – central nas descrições antropológicas dos regimes sociocosmológicos ameríndios –, o seu preparo culinário pelas mulheres tende a ser desconsiderado. Tomemos como exemplo a interpretação de Clastres ( 2003CLASTRES, Pierre. [1974] 2003. "O arco e o cesto". A sociedade contra o Estado: Pesquisas de Antropologia Política. São Paulo, Cosac Naify. ) da troca entre caçadores como o fundamento da sociedade guayaki. É a interdependência entre eles, instaurada pela interdição da conjunção entre o caçador e sua presa – alimento para outros homens, mas proibido para ele mesmo –, que institui o social propriamente. Em uma sociedade na qual vigora o casamento poliândrico, a relação social é concebida como uma relação entre homens, mediada pela caça e pelas mulheres. A distância entre o caçador e sua caça/mulher é justamente o social; "aqui se determina a relação estrutural do homem com a essência do grupo, isto é, com a troca" (idem). O ponto aqui não é rejeitar a interpretação clastriana, mas enfrentar um ponto cego de sua descrição, a saber, que socialidade aparece quando, por exemplo, a ação feminina de transformação da caça em alimento toma o primeiro plano das nossas descrições 4 4 Afinal, como afirma Carlos Fausto, é preciso reduzir a caça à comida, desprovendo-a "da capacidade de agir e de entrar em relação com um outro, capacidade que é própria dos seres em sua condição de pessoa" (Fausto, 2002: 16). Em alguns contextos etnográficos, isso é realizado primeiramente por meio da ação xamânica, que neutraliza a humanidade do animal. O preparo culinário é, contudo, a ação final – seguida pela ingestão – que assegura a animalidade da presa, pelo menos até que as pessoas apresentem, na forma de doença, evidências da agência patogênica (e, portanto, da humanidade). cosmopercepção yorubá. , quando as ações das mulheres são levadas em consideração. A intenção não é pensar a ação feminina desvinculada de sua contraparte masculina ou essencializada nos corpos femininos, mas experimentar outros pontos de vista e situar-se em outros lugares, indagando, assim, que socialidade é elicitada, que associações emergem e sob que formas.

Cozinha e variações do social: coletivização e diferenciação entre grupos

Ao descrever a vida cotidiana entre os Yudjà nos anos 1980, Lima ( 2005LIMA, Tânia Stolze. 2005. Um peixe olhou pra mim: os Yudjá e a perspectiva. São Paulo, ISA, Unesp. ) observou como os modos de cozinhar a caça – se grelhada, moqueada ou cozida – correspondiam a diferentes unidades sociais, "respectivamente a família conjugal, a casa e/ou grupo doméstico e a aldeia" (Lima, 2005LIMA, Tânia Stolze. 2005. Um peixe olhou pra mim: os Yudjá e a perspectiva. São Paulo, ISA, Unesp.: 174). O moqueado, por sua vez, poderia também servir refeições coletivas, quando o preparo era reservado ao xamã e o consumo envolvia "os espíritos dos mortos dos rochedos ou do ’e’ami celestes" (idem). Essa breve observação de Lima traz pistas do amplo alcance teórico da comida e do cozinhar quando articulados à questão geral de sua etnografia, voltada ao que seria, afinal, o grupo social Yudja, se assim fosse possível nomeá-lo. Essa questão interessa especialmente ao nosso diálogo.

Uma de nós (Otero dos Santos, 2016OTERO DOS SANTOS, Júlia. 2016. "Bebida, roça, caça e as variações do social entre os Arara de Rondônia". Espaço Ameríndio, 10(2): 118. ) mostrou como os Karo-Arara falam da reunião e separação de pessoas e coletivos por meio da caça, da roça e da bebida 5 5 Desde 2010, a autora trabalha com os Karo-Arara nas aldeias Paygap e Iterap. O trabalho de campo mais intensivo foi realizado entre 2010 e 2013 no âmbito do doutorado, perfazendo um total de doze meses em campo, e contou com o apoio do CNPq em forma de bolsa de doutorado e do projeto Effects of intellectual and cultural rights protection on traditional people and traditional knowledge. Case studies in Brazil , coordenado por Manuela Carneiro da Cunha. . Essas materialidades, bem como as formas em que elas se apresentam, fazem e desfazem coletivos – ou são a causa e o efeito deles (Kelly e Matos 2019 KELLY, José Antonio & MATOS, Marcos de Almeida. 2019. "Política da consideração: ação e influência nas Terras Baixas da América do Sul". Revista Mana, 25(2): 391-426. http://dx.doi.org/10.1590/1678-49442019v25n2p391 .
http://dx.doi.org/10.1590/1678-49442019v...
) –, sendo entendidas pela autora como um modo karo-arara de descrever as variações do social. O oferecimento e o compartilhamento de carne ou macaloba (designação regional para na’mẽk kap ou na’mẽk , bebida de macaxeira, cará ou milho produzida pelas mulheres) são ações que, reiteradas ao longo do tempo, aparentam as pessoas. É por meio da bebida e da caça que elas descrevem seus modos de se relacionarem, diferenciados por sua maior ou menor abertura à alteridade, e suas transformações ao longo do tempo. Assim, duas senhoras mais velhas sempre afirmavam que antigamente não se comiam pedacinhos de carne, não: a carne era cozida ou assada inteira! O porco era cozido inteiro porque todos eram chamados para compartilhar a refeição e, por isso, dizem, o povo era mais unido . Hoje em dia, com uma série de transformações, entre elas a chegada da eletricidade e a possibilidade de armazenar em refrigeradores a presa abatida, as famílias costumam reter a carne para si com mais frequência. Como dizem os Karo-Arara, elas preferem viver separado ou em família .

No início dos anos 1960, quando foram reunidas pelo Serviço de Proteção ao Índio depois de pelo menos duas décadas em que as famílias se dispersaram pelos seringais do rio Machado, as pessoas ansiavam por viverem juntas . Faziam muita festa, visitavam-se e tomavam macaloba azeda (a bebida em sua versão fermentada), consumida entre outros que não parentes ou entre parentes distantes.

Neste sentido, as oposições macaloba doce/macaloba azeda e pedaços de carne/carne inteira são distinções constantemente acionadas pelos interlocutores da pesquisadora, não somente como um modo de contar a história karo-ara, mas por implicarem disposições diferentes para se relacionar ou modalidades da socialidade. Essas coisas podem ser resultado de produção doméstica ou coletiva e ser consumidas no seio da família ou para além dela. É para essa distinção que as categorias junto e separado apontam nos contextos descritos pela autora. Essas materialidades e todo um vocabulário a elas relacionado são um tema recorrente nas conversas cotidianas: quem deu carne para quem, quem convidou para tomar macaloba, quem escondeu a comida dos visitantes. Elas são a medida das conexões traçadas entre pessoas, aparentando umas em detrimento de outras.

Um homem, ao retornar de uma caçada, entrega a presa à sua esposa, que irá tratá-la e orquestrar sua distribuição, enviando, por meio de alguma criança, pedaços crus e já limpos para aquelas com quem costuma trocar carne. A distribuição se dá de acordo com o tamanho da presa, com um animal grande como a anta – o boi do índio , como dizem – sendo compartilhado entre um número maior de casas, por vezes, todas as casas de uma aldeia pequena. A cabeça, quando não é doada à esposa do companheiro do caçador, quase sempre é destinada aos sogros de uma mulher que reside virilocalmente, este o arranjo mais comum 6 6 Os homens costumam caçar em duplas. Aquele que abate a presa não deve reter nem a cabeça nem o membro dianteiro esquerdo, que, tradicionalmente, costumava ficar com o companheiro de caçada. . As esposas dos irmãos do marido, não raro, irmãs reais ou classificatórias, também recebem alguma parte, de acordo com o tamanho da presa e da proximidade geográfica e afetiva. É por meio desses atos específicos que se constitui um tap , um grupo de parentes. Tap é uma partícula associativa e coletivizadora que costuma ser traduzida por pessoal [de alguém] ou parentes , podendo ser glosada em alguns contextos, como aqueles que envolvem as movimentações de conjunto de parentes pelo território, como grupo . A definição de quem compõe um tap é contextual e relacional, nunca podendo ser dada a priori . Em qualquer escala (seja o que denominamos um povo, uma aldeia, um grupo doméstico ou uma família), sua constituição e sua dissolução dependem da ação das pessoas e da produção e circulação de bebida e comida. De um ponto de vista do sujeito, ele se refere a qualquer um desses agregados pela expressão wat tap , meu pessoal ou meus parentes (Otero dos Santos, 2022OTERO DOS SANTOS, Júlia. 2022. "Como fazer um povo existir: ritual, política e parentesco entre os Karo-Arara de Rondônia". Mana, 28(2): 1-28.: 4).

Poderíamos descrever a relação entre cunhadas do ponto de vista masculino, como dois homens trocando caça por meio de suas esposas. O que o olhar atento para a casa, a cozinha e as mulheres possibilita é uma suspensão desse gesto naturalizado. Com isso – é esta a proposta –, outros conjuntos de relações e modos de associação podem ser visualizados. Um grupo doméstico aparece com outra "contagem" ou composição se observamos, por exemplo, a cozinha de uma avó. Uma mulher karo-arara, em geral, cozinha somente para os moradores de sua casa. Porém, aquelas com muitos netos assumem uma posição diferenciada na rede de comensalidade e compartilhamento de alimentos, contribuindo para a nutrição também daqueles que não moram com ela. A avó colabora doando alimentos já preparados para os netos/as ou recebendo-os/as para refeições. Neste sentido, um grupo doméstico pode ser definido a partir de uma mulher que alimenta outros que não os de sua casa, sendo essa a forma que um tap pode tomar desde o ponto de vista da ação de uma avó em sua cozinha.

Entre os Karo-Arara, é comum uma agricultora cultivar em suas roças sementes ou plantas recebidas de outras agricultoras. Assim como as roças, a macaloba doce revela a extensão das relações de uma mulher, fazendo aparecer uma socialidade feminina vinculada à cozinha. Nas casas, em sua maioria equipadas com um freezer ou geladeira, uma mulher guarda a bebida produzida por outras cozinheiras, especialmente quando não aparece na casa de uma delas para degustar a macaloba preparada. Na’mẽk é fabricada por uma mulher, ajudada pelas filhas solteiras ou noras, em sua cozinha. A bebida, que chega a render sessenta litros e dificilmente dura mais de três dias, é consumida pelos moradores da casa da produtora, que a tomam sempre que têm vontade, e oferecida aos visitantes.

Fazer macaloba é certeza de que pessoas de fora de casa aparecerão para degustar a bebida e conversar. En na’mẽk kap ya’ti nãn ahyâ ?, "você quer macaloba"?, é uma das primeiras coisas que um visitante, seja ele parente próximo ou distante, branco ou indígena, escuta da anfitriã. Não havendo a bebida, ela não se demorará em anunciar. Considerada o grau zero da hospitalidade, a oferta de macaloba aos visitantes é um convite à conversa e ao estabelecimento de relações de cordialidade, entremeadas por risos e abertas ao humor. Seu compartilhamento nos pátios familiares ou nas cozinhas adjacentes às casas – raramente no interior delas – enseja a troca de palavras; esta é a etiqueta imposta pela bebida. A associação entre bebida e conversa é criadora de um espaço-tempo positivo e muito valorizado pelas pessoas.

Também inspirada no problema colocado por Lima ( 2005LIMA, Tânia Stolze. 2005. Um peixe olhou pra mim: os Yudjá e a perspectiva. São Paulo, ISA, Unesp. ), a pesquisa de Carneiro ( 2015aCARNEIRO, Ana. 2015a. O povo parente dos Buracos: sistema de prosa e mexida de cozinha. Rio de Janeiro, E-papers. ) partiu da questão: como descrever o "povo dos Buracos" lançando mão do que seriam seus próprios procedimentos descritivos? 7 7 A pesquisa iniciou-se no doutorado, para o qual o trabalho de campo somou dezesseis meses entre 2006 e 2008 (ano em que a pesquisadora morou dez meses consecutivos junto ao povo dos Buracos), com bolsa CNPq. Entre 2010 e 2015, foram feitas idas a campo com durações menores, por meio de uma bolsa pós-doc Faperj/PAPD. Observando que noções nativas como sistema da casa , do povo ou da pessoa traziam problemas similares aos colocados, na antropologia, pelo termo sistema social , a autora perguntava a interlocutoras e interlocutores dos Buracos qual seria a definição de sistema . Ouvia como resposta, sempre e sem hesitação: é o modo de comer, o modo de conversar! A ideia de que a macaloba karo-arara instaura um espaço-tempo particular, ensejando conversa, hospitalidade e perigos, poderia ser aplicada ao gesto de passar o café nos Buracos, gesto instaurador desses modos ou sistemas buraqueiros. A técnica de coar o pó com água quente, fazendo exalar o vapor cheiroso do café, tem um poder atrativo inigualável e anuncia o início das outras ofertas da casa, no melhor dos casos: comida e conversa prolongada, animação e risadas.

A expressão prosa ruim , sinônimo de sangue ruim , é utilizada sempre que uma pessoa recusa a comida ou bebida que lhe oferecem. Também se pode adjetivar dessa maneira o povo gaúcho , que vive na sede municipal próxima à localidade dos Buracos desde que as primeiras famílias chegaram do sul com incentivo do governo militar, no final dos anos 1970, para plantio de monoculturas em larga escala. Gaúcho tem um de-comer esquisito, não come farinha, não toma café – explicavam os/as buraqueiros/as para a pesquisadora – quando você vai à casa deles, te recebem é da porta para fora.

Bem diferente é o sistema buraqueiro, em que a cozinha é o lugar para onde convergem as conversas entre os de fora e os de dentro da casa. Ali, no dizer do povo, assim como filhos puxam o sangue de um parente, o de-comer puxa a prosa, que por sua vez puxa mais comida, e daí por diante, em uma circulação que, em situações de visita, deve durar quão mais tempo quão mais valorizada e prazerosa for a relação entre visitantes e anfitriões. O tempo das visitas é fundamental ao sistema porque, graças a ele, se cria amizade . Assim,

[…] o "sistema" […] vive em variação constante, de acordo com o movimento das relações pessoais e familiares pelas quais circulam o de-comer e a prosa. […] A forma exata da unidade referida dependerá inevitavelmente das relações envolvidas no ato de fala.

(Carneiro, 2015bCARNEIRO, Ana. 2015b. "O sistema da mexida de cozinha: de que riem eles?". In: COMERFORD, John; CARNEIRO, Ana; DAINESE, Graziele (orgs.). 2015. Giros etnográficos em Minas Gerais. Casa, comida, prosa, festa, política, briga e o diabo. Rio de Janeiro, 7Letras, pp. 93-110.: 94).

A autora argumentou que, nos Buracos e em povos vizinhos, o sistema, o modo, o sangue ou a prosa são formas de definir pessoas e povos com base na circulação de conversa e comida. Se Lévi-Strauss ( 1982LÉVI-STRAUSS, Claude. 1982 [1949]. As estruturas elementares do parentesco. Petrópolis, Vozes. ) pensou a circulação de mulheres, palavras e comidas como constitutiva da estrutura social, na pesquisa de Carneiro são sobretudo as mulheres, em suas cozinhas, que fazem circular os objetos de trocas familiares e interfamiliares. Para essa agência feminina, existe a expressão "mexida de cozinha", utilizada nos Buracos em referência à movimentação da dona da casa no fogão e arredores. "Essa mexida é, por definição, melindrosa: nunca se sabe se o jeito mesminho de fazer o de-comer vai dar certo. Nunca se sabe sobre o olho dos outros [ou] quando uma palavra dita na hora errada ‘é o mesmo que dar veneno’" (Carneiro, 2015bCARNEIRO, Ana. 2015b. "O sistema da mexida de cozinha: de que riem eles?". In: COMERFORD, John; CARNEIRO, Ana; DAINESE, Graziele (orgs.). 2015. Giros etnográficos em Minas Gerais. Casa, comida, prosa, festa, política, briga e o diabo. Rio de Janeiro, 7Letras, pp. 93-110.: 106).

As visitas, por boa educação, devem chegar à casa visitada ainda pela manhã, a tempo de a mulher da casa mandar uma filha arranjar um frango no terreiro enquanto ela mesma passará o café. Sem sinal de celular na localidade, muitas dessas visitas ocorrem de forma mais ou menos inesperada por parte da casa anfitriã, e a dona da cozinha será elogiada por ter o fogão à lenha já bem aquecido, com água morna na chaleira e brasa suficiente para acelerar a fervura necessária aos diversos processos culinários. O tempo do preparo e o momento certo de servir diferentes comidas ao longo do dia serão determinantes para a extensão do tempo da visita (Carneiro, 2020 CARNEIRO, Ana. 2020. "Le temps des visites: philosophie politique de la maison dans une localité de Minas Gerais". Révue Brésil(s), 18: 1-20. https://doi.org/10.4000/bresils.7911 .
https://doi.org/10.4000/bresils.7911...
). Toda a mexida que se desdobra dali é objeto de atenção de muitas pessoas: quem foi à casa de quem, quando e como foi são temas de maior interesse nas conversas buraqueiras.

Mais do que trocas entre pessoas, a autora observou que uma visita engaja relações entre famílias, promovendo coletivizações específicas à medida que, a um só tempo, mistura as famílias anfitriã e visitante e as separa nos termos de duas vizinhanças relacionadas. Quando a pesquisadora ia ela mesma ser recebida em casas distantes da família com quem morava, ao retornar era logo interrogada pelas pessoas de sua vizinhança sobre a atitude da anfitriã: haveria esta matado um frango para lhe oferecer? Por quanta duração e o que havia sido conversado, comido e bebido na casa visitada também eram curiosidades comuns. Além das notícias, não raro a visitante trazia de volta algum presente – frutas do quintal, polvilho, beiju, semente, produto da horta, muda ou raiz. Coisas da roça . Quem presenteava era a dona da casa visitada, e a destinatária era a casa de onde a pesquisadora vinha. O presente carregava ele mesmo um causo, a ser recontado pela portadora ao retornar. Através dessas narrativas, um "pessoal" ou "povo" atualizava-se em uma composição contingente da vizinhança, atrelada à perspectiva da casa anfitriã.

No dia a dia, o assunto entre parentes pode ficar em aberto, e a comida é a que estiver disponível, em geral uma bolacha industrializada e o café já pronto na garrafa. Quem chega sem cerimônia na hora do almoço, sendo chamado para puxar o de-comer (arroz, feijão, macarrão e farinha), é em geral o pessoal [ou o povo ] da casa: além de moradoras/es, netas/os e sobrinhas/os da vizinhança, e filhas que se casaram e foram morar longe, junto à família do marido, mas que frequentam rotineiramente a casa da mãe, fazendo com que o pessoal se expanda, abrangendo territorialidades singulares. Assim, casa ou família pode ou não coincidir com a coletividade chamada pessoal ou povo .

A circulação cotidiana entre casas difere dos movimentos de visita tanto por sua temporalidade quanto pela qualidade do que circula e pelas relações criadas. Em quaisquer circunstâncias, entretanto, quem ao chegar encontrar o café morno na garrafa e não identificar o sinal de água na fervura provavelmente partirá logo. Em outra situação, caso raro e extremo, evita-se mesmo entrar na casa de alguém em especial, porque se avalia o risco de o/a chegante tomar um café rezado: ruindade .

O tempo cotidiano de cada cozinha, relativo ao sistema da casa , modula chegadas e partidas de sobrinhos/as e netos/s crianças ou jovens, acostumados/as a passar as tardes bestando nas casas . Ao menos durante os dois anos que se seguiram à chegada da luz elétrica nos Buracos – período no qual Carneiro realizou a pesquisa de campo mais intensa –, essa mexida rotineira da cozinha não foi alterada pela eventual presença de geladeira. Esta servia apenas para água gelada e, em momentos de festa, carne de gado fresca. O fogão à lenha era quem seguia ditando o ritmo da casa.

A poética social dos gestos culinários molda, seja no cotidiano ou nas visitas, os tempos e as intensidades da circulação de pessoas, prosas e alimentos nos Buracos, em uma rede de trocas que vai forjando continuamente um certo povo ou pessoal , coletividades estas sempre relativas ao ponto de vista da cozinha. Como parece ocorrer também com o tap karo-arara, essa unidade coletiva tem uma temporalidade própria, condicionada à tessitura atual da circulação promovida pelas cozinhas.

Memória do cuidado e memória da terra: criação e produção de pessoas

Ainda que a presença de macaloba em uma casa seja um atrator de visitas, é principalmente com os filhos pequenos em mente que uma mãe vai à roça tirar os produtos para a fabricação da macaloba doce. É a bebida que faz as crianças crescerem fortes e saudáveis. Sua ingestão produz corpos xopûttem , robustos. O adjetivo, traduzido pelos Karo-Arara por gordo(a) ou gordinho(a), refere-se a corpos saudáveis, bem nutridos e fortes, que exibem uma gordura não exagerada (Otero dos Santos, 2016OTERO DOS SANTOS, Júlia. 2016. "Bebida, roça, caça e as variações do social entre os Arara de Rondônia". Espaço Ameríndio, 10(2): 118. ).

Várias interlocutoras da autora mostravam-se extremamente preocupadas com a diminuição do consumo de macaloba e sua paulatina substituição pelo leite de vaca. De uma amiga próxima, a autora escutou que o neto vivia doente por quase não tomar na’mẽk kap . Essa escassez da bebida devia-se principalmente a uma diminuição do investimento nas roças por parte de algumas famílias e, em uma das aldeias, à destruição de alguns roçados pelo gado bovino, criado solto por alguns moradores. A ação do gado deixa as famílias desanimadas para se empenharem em suas roças e pode ser motivo de conflitos velados ou mais abertos. Prescindir da macaloba deixa as avós e mães apreensivas. Junto com a carne de caça, é ela a comida propriamente karo-arara, responsável pelo crescimento das pessoas e fortalecimento dos corpos; a comida é a causa e o efeito da relação de cuidado entre parentes. Não à toa, as mulheres passam boa parte de seu tempo na cozinha e na roça e os homens no mato à procura de caça. É essa colaboração que garante o crescimento saudável de uma criança.

Caçar e fazer macaloba são atividades complementares. Elas conectam o casal por meio de seus filhos, uma vez que as pessoas afirmam que mulheres fabricam bebida e homens caçam para os seus filhos . Ainda que nem todos os homens cacem com regularidade, a caça fornece uma imagem da masculinidade e mesmo da paternidade: pai é quem caça. Um homem se torna pai ao prover caça para os filhos e filhas pequenos da sua esposa, mesmo que não tenham sido concebidos por ele. Neste sentido, caça e bebida são considerados mais como as contribuições masculina e feminina para o crescimento e cuidado das crianças do que como produtos trocados entre os cônjuges em uma relação matrimonial (Otero dos Santos, 2016OTERO DOS SANTOS, Júlia. 2016. "Bebida, roça, caça e as variações do social entre os Arara de Rondônia". Espaço Ameríndio, 10(2): 118. ). Se a criança é a causa das ações do casal – no sentido proposto por Kelly e Matos ( 2019 KELLY, José Antonio & MATOS, Marcos de Almeida. 2019. "Política da consideração: ação e influência nas Terras Baixas da América do Sul". Revista Mana, 25(2): 391-426. http://dx.doi.org/10.1590/1678-49442019v25n2p391 .
http://dx.doi.org/10.1590/1678-49442019v...
) –, é no corpo dela que os efeitos dos atos dos pais irão aparecer.

O corpo de uma pessoa é, em qualquer fase da vida, uma objetivação do resultado das ações de outros. O corpo xopût de um bebê ou criança atesta os cuidados que seus pais e familiares mais próximos tiveram para alimentá-lo, o jeito amoroso de tratá-lo, bem como um resguardo bem-sucedido

(Otero dos Santos, 2016OTERO DOS SANTOS, Júlia. 2016. "Bebida, roça, caça e as variações do social entre os Arara de Rondônia". Espaço Ameríndio, 10(2): 118.: 191).

Esses atos reiterados de cuidado produzem uma memória criadora do parentesco, como bem mostrou Gow ( 1991GOW, Peter. 1991. Of mixed blood. Oxford, Clarendon Press. ) para os Piro do baixo Urubamba. Entre os Piro, é a memória, principalmente dos atos de alimentar e ser alimentado, que define um real kin , um parente de verdade, que se diferencia tanto dos parentes distantes (aqueles com os quais não se tem relação nem as lembranças de cuidado) como dos afins. Ao falarem sobre esses parentes, os Piro sempre mencionam o passado e, particularmente, a infância. A memória desse período de cuidados, de quando se é exclusivamente um consumidor, não tendo aprendido ainda as habilidades necessárias para participar da produção de pessoas (Gow 1989 GOW, Peter. 1989. "The perverse child: desire in a native Amazonian economy". Man, 24(4): 567-582. http://www.jstor.org/stable/2804288 .
http://www.jstor.org/stable/2804288...
), envolve um conjunto de parentes, especialmente os pais e os irmãos mais velhos. As relações de demanda 8 8 Gow diferencia relações de demanda, nas quais está engajado um casal e que se caracterizam pela demanda explícita feita pelos cônjuges um ao outro, das relações de respeito, marcadas pela proibição de brincadeiras e de qualquer demanda explícita. A relação de respeito mais intensa é entre uma sogra e um genro. As relações entre sogro e genro, entre uma mulher e seu sogro e sogra, entre pais e filhos adultos e entre irmãos também são marcadas, em diferentes graus, por respeito. As relações de respeito concernem principalmente ao campo da sexualidade. "Pessoas que se respeitam são pessoas com as quais as relações sexuais são proibidas" (Gow, 1989: 572-73), pois relações de demanda entre adultos são, afirma o autor, inevitavelmente relações sexuais. Marido e esposa demandam sexo e comida um ao outro. que caracterizam a relação conjugal – um marido caça para a sua esposa, e uma esposa produz bebida fermentada para o seu marido – garantem o cuidado das crianças. Cuidar e ser cuidado é a condição de uma economia voltada principalmente para a produção de pessoas.

No estudo de Cinthia Creatini da Rocha ( 2018ROCHA, Cinthia Creatini da. 2018. "Comer na mesma panela: agência das mulheres indígenas na sociopolítica Tupinambá". Tessituras 6(2): 230-56, jul./dez. ) entre os Tupinambá de Olivença (Ilhéus-BA), o cuidado passa pela centralidade da figura das mulheres-mãe, cujas ações cotidianas produzem as famílias e os corpos por meio da alimentação e também dos partos, benzeduras e rezas. A autora descreve um ideal coletivo definido pela expressão comer na mesma panela , que é o "resultado do esforço das mulheres-mãe que dão sustento , agradam e atraem seus filhos, produzindo e fortalecendo no cotidiano os laços subjetivos do parentesco" (Rocha, 2018ROCHA, Cinthia Creatini da. 2018. "Comer na mesma panela: agência das mulheres indígenas na sociopolítica Tupinambá". Tessituras 6(2): 230-56, jul./dez.: 250, grifos da autora). Tal princípio orienta o cuidado e o investimento de tempo no cultivo de plantas e na criação de filhos, no sentido de "colher a ação" das plantas e dos filhos (respectivamente, dar os alimentos cultivados e retribuir o cuidado atencioso quando as mães já estiverem mães idosas). Rocha mostra como esse princípio – que antecipa nos filhos o ato de lembrar – é ampliado pela expressão tupinambá ser cativo .

Os Tupinambá costumam dizer que são cativos da terra (e das plantas), assim como a terra (e as plantas) se torna "cativa deles". Do mesmo modo, as mães fazem seus filhos "cativos" e levam consigo a possiblidade de virem a se tornar "cativas" deles também. Como me explicaram alguns interlocutores indígenas, "um antropólogo torna-se cativo daqueles que lhe ajudam na pesquisa", assim como estes, por sua vez, também se tornam "cativos" do antropólogo. Nesta perspectiva, "ser cativo" é condição e vértice das relações, se cativa e se é cativado simultaneamente.

(Rocha, 2018ROCHA, Cinthia Creatini da. 2018. "Comer na mesma panela: agência das mulheres indígenas na sociopolítica Tupinambá". Tessituras 6(2): 230-56, jul./dez.: 250).

A autora explica que comer da mesma panela sintetiza não somente a fabricação de parentes, mas o fazer política em áreas de retomadas (Rocha, 2018ROCHA, Cinthia Creatini da. 2018. "Comer na mesma panela: agência das mulheres indígenas na sociopolítica Tupinambá". Tessituras 6(2): 230-56, jul./dez.: 235). O movimento político de ocupar um lugar improdutivo para fazer dele uma aldeia autônoma e forte na cultura estende a prática de comer da mesma panela , usualmente restrita às famílias, para o coletivo Tupinambá. A comensalidade "cria momentos de sociabilidade entre famílias distintas" (p. 239). Entre os Karo-Arara, poderíamos dizer que ela produz um povo, a forma mais ampliada de um tap , um grupo de parentes, o que se dá em ocasiões rituais, essas marcadas pela comensalidade estendida. "O ideal de viver junto em um lugar" (Rocha 2018ROCHA, Cinthia Creatini da. 2018. "Comer na mesma panela: agência das mulheres indígenas na sociopolítica Tupinambá". Tessituras 6(2): 230-56, jul./dez.: 237) toma como modelo os modos de relação do parentesco calcados no cuidado e na alimentação. Fazer de um lugar o lugar de um povo passa pela fabricação de corpos e de parentes, que a expressão comer da mesma panela exprime com precisão.

No cotidiano das cozinhas do povo dos Buracos, a atenção dada aos acontecimentos e às qualidades do sangue da pessoa , bem como sua interação com a comida, temas recorrentes em situações de comensalidade, de certo modo traduzem a definição de Janet Carsten ( 1995 CARSTEN, Janet. 1995. "The substance of kinship and the heat of the hearth: feeding, personhood, and relatedness among Malays in Pulau Langkawi". American Ethnologist, 22(2): 223-241. http://www.jstor.org/stable/646700 .
http://www.jstor.org/stable/646700...
) sobre o sangue como substância forjada na criação rotineira de corpos e pessoas, entendendo a matéria do parentesco a partir das práticas domésticas do nutrir e do cuidar. Tal matéria também é feita de memória, inscrita no próprio corpo de buraqueiros/as, seja à medida que o sangue puxa temperamentos e gostos narrados nas histórias sobre parentes do tempo antigo , seja porque o gosto por determinado de-comer faz rememorar uma comida de infância. Nesse sentido, o paladar pessoal é uma espécie de legado das mães, como mostram elas próprias ao repetirem, a seus filhos e filhas adultos/as, o ditado que os conecta a elas de forma indelével: panela que te criou não fura .

A mesma espécie de força atrativa da cozinha está nas dinâmicas de composição do território familiar descrito por Daniela Perutti ( 2018 PERUTTI, Daniela. 2018. "O monturo, as visitas, os presentes: casa e amizade entre mulheres de Família Magalhães (GO)". Apresentação no 2° Seminário Casa, Corpo e Políticas da Terra, realizado em Brasília-DF, na Universidade de Brasília. ). Na comunidade quilombola de Família Magalhães (GO), escreve a autora, as mulheres, "sobretudo na condição de mães , atuam na estabilização de relações disruptivas e ameaçadoras, ao receberem opositores no interior de suas casas seguindo as regras típicas de hospitalidade" (Perutti, 2018 PERUTTI, Daniela. 2018. "O monturo, as visitas, os presentes: casa e amizade entre mulheres de Família Magalhães (GO)". Apresentação no 2° Seminário Casa, Corpo e Políticas da Terra, realizado em Brasília-DF, na Universidade de Brasília. : 2 – grifo da autora). O monturo , terra escura formada pelo acúmulo no tempo dos restos de comida cotidianamente jogados no terreiro, remete a essa forma de hospitalidade que os interlocutores de Perutti chamam modo amigueiro e que reconhecem como traço distintivo de sua comunidade, ao mesmo tempo que marca na terra o pertencimento dos que viveram daquela cozinha.

Aproximando-se das descrições de Carneiro e de Perutti, o trabalho de Yara Alves ( 2016ALVES, Yara. 2016. A casa raiz e o voo de suas folhas: Família, Movimento e Casa entre os moradores de Pinheiro-MG. São Paulo, Dissertação de mestrado, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade de São Paulo. ) em comunidades quilombolas do Vale do Jequitinhonha mostra como pessoas e famílias diferenciam-se umas das outras por meio da ideia de modos e jeitos , e é também nas cozinhas que as mães apuram seus modos de conhecimento e intervenção sobre o destino de filhas e filhos. A autora traz uma elaboração inspiradora sobre a temporalidade desses modos familiares ao mostrar como eles vão sendo incorporados pelas crianças nos processos de singularização graças aos quais se tornarão pessoas . Na rotina do cozinhar e do dar de comer, sugere Alves, as mães especulam, experimentam e testam o que elas sabem ou buscam saber, seguindo o objetivo de fazer com que suas crianças, futuros adultos, aprendam a lembrar da casa da mãe , lembrar do lugar da gente . O trabalho materno cotidiano na cozinha projeta assim uma memória futura, vinculando a pessoa, a casa e a terra. Como cativos tupinambá, no Jequitinhonha os filhos bem-criados são os que cuidam, reconhecem, valorizam e amam a casa da mãe . Tendo migrado, retornarão regularmente 9 9 A imagem da casa-raiz, formulada por um interlocutor de Alves, exprime esse modo das mães para com seus filhos/as: como folhas de uma árvore, se desprendem desta a cada ano, rebrotando depois em seus galhos. Resta por aprofundar a confluência entre tal imagem e aquela descrita por Sandra Benites, que utiliza "a metáfora da árvore e a poética da língua guarani" (Benites, 2016: 12) para abordar a figura da mãe, sy, como "uma árvore, um pilar do ser humano. Seus filhos são os galhos; na língua guarani xe memby, ‘uma que nasce e sempre fica ali grudado’". Diversamente, um pai chama sua filha de xe radjy, "meu nervo", ele é responsável por fortalecer e cuidar das filhas especialmente no período da puberdade, cuidando de suas cólicas e tonturas (Benites, 2016: 12). .

Na descrição de Alves, a preocupação das mulheres quilombolas em relação à memória a ser desenvolvida pelos filhos é motivada pela percepção de que saber lembr ar é a condição da inteligência. A autora nota as atenções rotineiras relativas às comidas e aos corpos seguindo a preocupação com a memória, como por exemplo o cuidado em não deixar que filhos e filhas com menos de sete anos comam a rapa presa ao fundo da panela de angu. Se o corpo de uma criança é aberto por natureza, a qualidade colenta da rapa arrisca tapar precocemente a capacidade de memória da futura pessoa. O coto umbilical de um/a filho/a, por sua vez, será bem guardado ou enterrado de preferência no quintal perto da casa, em local que evoque um bom destino para a pessoa recém-nascida. Enquanto isso, o umbigo do recém-nascido precisa ser tratado com auxílio do picumã . Resina resultante do acúmulo de fumaça depositada, ao longo do tempo, nas vigas do telhado sobre o fogão à lenha, o picumã , ao enegrecer e cobrir as madeiras da casa, as protege dos cupins. Por isso dizem: fogão, esteio da casa.

Também as donas de casa dos Buracos refletem sobre as misturas entre as substâncias da cozinha e do corpo. Entre o sangue e a culinária parece mesmo haver uma relação lógica. Caldo grosso é facinho de dar caroço, aí esculhamba tudo, assim é o sangue da pessoa. Tal qual o caldo apurado no fogo brando, mode engrossar , também pode ocorrer de o sangue tornar-se grosso . Nesses casos, o sangue vira . Vários efeitos podem ocorrer no sangue, provocados seja pelo clima do ano, pelo corpo exposto ao choque quente-frio, por uma alergia, uma quebra de resguardo, um aborrecimento grave ou uma comida remosa, como se diz dos alimentos que, em determinados contextos e para certas pessoas, fazem mal 10 10 Para uma discussão sobre as relações entre sangue corpo e gênero na etnologia, ver o trabalho de Belaunde ( 2005 , 2006 ). . Não existe uma lista de alimentos remosos, os efeitos dependerão de uma articulação entre natureza pessoal e momento da ingestão. As especulações são fartas. Bebidas como remédio do mato , comidas específicas como caldo de galo, raízes em infusão ou, nos casos mais graves, injeções no posto de saúde, são meios de conhecimento geral, mas prerrogativa feminina, para intervir beneficamente no sangue. Há situações em que, ao se expor o corpo ao choque quente-frio, o sangue pode esteporar , o que significa que o corpo desenvolve um mal crônico (em geral dores de cabeça constantes e o surgimento recorrente de manchas vermelhas na pele). Isso ocorre também quando há quebra de resguardo das mulheres, que em períodos do ciclo reprodutivo como menstruação e puerpério devem ser alvo de cuidados redobrados relativos à alimentação 11 11 Os preceitos envolvendo saúde feminina, resguardo e alimentação foram observados em diferentes regiões e contextos etnográficos. Ao descrever a quebra de resguardo entre mulheres Tupinambá do Baixo Sul da Bahia, McCallum et al. ( 2015 ), propõem uma "etiologia tupinambá" que muito se aproxima ao observado nos Buracos. . Nas conversas de cozinha, o sangue apresenta-se como metonímia do corpo, da pessoa e de suas relações constitutivas.

Baseada na repetição da rotina, a mexida de cozinha requer a prática de observação e intervenção constantes sobre os efeitos singulares e às vezes inesperados das misturas culinárias e da interação entre estas e o sangue da pessoa . Uma comida forte , por exemplo, pode ser saudável ou pode fazer mal, dependendo do sangue da pessoa 12 12 Os trabalhos de Martin Alberto Ibañez-Novión e de Ellen e Klaas Woortman apresentam um vasto repertório em diversas regiões do Brasil sobre a "síndrome do quente-frio" relacionada à "reima" e à oposição forte-fraco, com suas interações com o corpo, presentes também na literatura internacional sobre campesinato. Sem espaço para desenvolver o tema aqui, vale mencionar que, tal qual observado nos Buracos, esses autores mostram que esse sistema de classificação dos alimentos tem em comum a busca por um equilíbrio relacional e não uma lista geral e preestabelecida das categorias de comida. . Tais efeitos, assunto recorrente nas cozinhas, falam sobre singularidades e variações do indivíduo de forma inseparável do povo, família ou pessoal que o constitui. Nos Buracos, povo constituído majoritariamente por laços de consaguinidade e/ou afinidade, quando primos-irmãos se casam entre si, por terem um sangue só , geram filhos e filhas com o sangue apurado e, conforme explicaram interlocutores e interlocutoras de Carneiro, pode acontecer de nascerem problemados . Mas não é todo filho que vai ter problemas, como diz o dizer: os dedos da mão, não é um igual ao outro . Através da comida e das conversas, a mexida de cozinha buraqueira mobiliza um gênero de astúcia sobre os acontecimentos do corpo tais quais a doença e o amor (Carneiro, 2015aCARNEIRO, Ana. 2015a. O povo parente dos Buracos: sistema de prosa e mexida de cozinha. Rio de Janeiro, E-papers. ), ao mesmo tempo que cria um pessoal que dá bem com determinado de-comer.

Raiva, embriaguez e feitiço: predação e alteração

Autoras como Maizza e Oliveira ( 2022 MAIZZA, Fabiana & OLIVEIRA, Joana. 2022. "Narrativas do cuidar: mulheres indígenas e a política feminista do compor plantas". Revista Mana, 28(2): 1-33. http://doi.org/10.1590/1678-49442022v28n2a102 .
http://doi.org/10.1590/1678-49442022v28n...
) desenvolvem uma ideia de cuidado atravessada pela dissidência e pelo perigo e, portanto, avessa a uma romantização das práticas de cuidado que constituem coletivos, povos, parentes e pessoas e a uma interpretação que as veja como exclusivamente harmônicas. Ao tomarem as relações cotidianas de cuidado como práticas de compor com , conforme proposto por Haraway, as autoras, interessadas nas temporalidades envolvidas no cuidado das plantas domésticas por parte das mulheres jarawaras e wajãpis, sublinham os perigos e tensões que atravessam "o cuidar, sobretudo, o cuidar com seres não humanos" (Maizza & Oliveira, 2022 MAIZZA, Fabiana & OLIVEIRA, Joana. 2022. "Narrativas do cuidar: mulheres indígenas e a política feminista do compor plantas". Revista Mana, 28(2): 1-33. http://doi.org/10.1590/1678-49442022v28n2a102 .
http://doi.org/10.1590/1678-49442022v28n...
: 20).

A raiva materna e a embriaguez nas etnografias karo-arara e dos Buracos deixam evidente como as criações da cozinha não se encerram numa visão idílica de cuidado, não se restringindo à produção de pessoas e corpos. Ou melhor, para fabricar parentes ou um povo é preciso sempre um fundo de diferença. Não há parentesco sem alteridade, como sustenta toda a reflexão de Viveiros de Castro sobre o parentesco ameríndio. Por vezes, é preciso consumir Outros ou virar Outro para constituir pessoas e coletivos de parentes. No campo do campesinato, John Comerford ( 2003Comerford, John Cunha. 2003. Como uma família: sociabilidade, territórios de parentesco e sindicalismo rural. Rio de Janeiro, Relume Dumará. ) e Ana Claudia Marques ( 2002Marques, Ana Claudia. 2002. Intrigas e questões: Vingança de família e tramas sociais no sertão de Pernambuco. Rio de Janeiro, Relume-Dumará. ), entre outros, focaram as dimensões agonísticas e violentas constitutivas das relações de família e parentesco. As mulheres também habitam esses mundos e, no caso karo-arara, assim como nos Buracos, desenvolvem certas habilidades para lidar com a alteridade.

Se a macaloba doce fortalece os corpos e faz as crianças crescerem, sua versão fermentada, ou azeda , como dizem, em português, os interlocutores de Otero dos Santos, produz outros efeitos: ela esquenta o sangue e o corpo preparando-os para a dança e promovendo um estado de animação generalizada, wãw nam . Por uma série de fatores, entre eles a conversão dos moradores de Iterap, a maior aldeia karo-arara, às religiões neopentecostais, seu consumo rareou, mas ainda acontece em ocasiões rituais, especialmente no Wayo ’at Kanã , Festa do Jacaré. Diferentemente da doçura envolvida na produção cotidiana do parentesco, estes contextos impõem o uso da bebida fermentada, geralmente fabricada na cozinha da dona da festa ou da esposa do dono, auxiliada por outras mulheres.

É a raiva que uma mãe sente dos filhos e filhas pequenos que enseja o Wayo ’at Kanã . O ritual, que costuma durar entre dois e três dias, é performado com o intuito de extrair a raiva de mulheres pewíup , brabas, que costumam ser impacientes e agressivas com seus filhos e filhas pequenos 13 13 O leitmotiv do ritual é a raiva da mãe dirigida a sua prole. O jacaré substitui o filho ou filha da matadora. Contudo, a exegese nativa estende o objeto da raiva para o marido (Otero dos Santos, 2019 ). O ritual problematiza a raiva que se instaura no seio da menor escala de um tap , a família nuclear. . Ao final da festa, algumas mulheres são escolhidas na hora pelo pajé para matarem a pauladas os jacarés (da espécie jacaretinga) capturados por caçadores dias antes. São, então, servidas de macaloba azeda por homens que ocupam a posição de afim virtual. Bebem muito, preferencialmente até cair. A bebida fermentada, produzida pelas mulheres da aldeia anfitriã na cozinha de uma delas, é o motor de vingança. É por meio dela que os homens se vingam das mulheres brabas . Por meio da bebida, as mulheres são vítimas da vingança masculina, mas também podem exercer suas capacidades predatórias. Ao longo da festa, as mulheres têm o poder de embriagar os homens. São elas que oferecem as cuias cheias da bebida.

A embriaguez, um estado de abertura ao Outro, é concebida como um feitiço. Em língua karo, embriagar-se é xahmòri , que, em uma construção causativa, também significa enfeitiçar. A pergunta nãn emaxahmòri , "quem fez você ficar bêbado?", também pode ser traduzida como "quem te enfeitiçou?". A embriaguez e o feitiço se aproximam, ambos são, em diferentes graus, uma tentativa de consumir o outro. A bebida fermentada, produzida e oferecida pelas mulheres, coloca em tela uma espécie de "alteridade ao quadrado": uma relação com outros humanos (a interação entre grupos domésticos, entre aldeias ou entre povos), mas também uma relação com outros não humanos (o encontro entre vivos e mortos 14 14 O grande pajé Cícero, vítima da covid-19 em 2020, conta em uma narrativa (Gabas Jr. & Arara 2009: 53-58) que antigamente os mortos apareciam para tomar macaloba. A existência de uma correlação entre embriaguez e morte é uma das principais conclusões a que chega Lima em sua etnografia da cauinagens yudjás. Entre outros paralelos que a autora traça, ela afirma que "a embriaguez de cauim é principalmente uma morte dos homens provocada pelas mulheres" (Lima, 2005: 255). ou entre humanos e animais, como no caso da Festa do Jacaré). É engajando-se nessas relações que um povo toma uma forma apropriada (Otero dos Santos, 2022OTERO DOS SANTOS, Júlia. 2022. "Como fazer um povo existir: ritual, política e parentesco entre os Karo-Arara de Rondônia". Mana, 28(2): 1-28. ).

Embora acusações de feitiçaria sejam bastante raras no presente, acompanhei o caso de uma senhora que ficou doente por meses a fio, o que a levou a fazer um longo tratamento com o pajé. Ela emagreceu muito e sofria de desmaios de vez em quando. A causa de sua doença estava na casa ao lado. Segundo me contou sua família, minha amiga estava tentando se recuperar de um feitiço causado pela nora de uma de suas filhas, que havia lhe dado de presente duas garrafas de macaloba envenenada. Foi depois de tomar a bebida que a senhora adoeceu. A transformação de uma bebida vinculada ao parentesco e à criação de crianças em uma infusão letal nos fala das capacidades predatórias de mulheres e suas criações na cozinha.

Para o povo dos Buracos, a cachaça e a raiva materna são temas de atenção quando se especula sobre o rumo da sorte de uma pessoa (Carneiro, 2015aCARNEIRO, Ana. 2015a. O povo parente dos Buracos: sistema de prosa e mexida de cozinha. Rio de Janeiro, E-papers.: 319-330). A noção de sorte , análoga à de destino , evoca um atributo pessoal dado por Deus , mas alguns acontecimentos carregam características que fazem buraqueiros/as notarem uma diferença em relação a destinos normalmente esperados. Nesses casos, estar-se-á especulando que aquela poderia não ser uma sorte dada por Deus, mas antes uma coisa feita por gente.

É importante perceber as gradações, nuances e variações de ruindades ou naturezas que se evidenciam ou não como possíveis causas narradas em função da diferença notada. A inveja é prima do feitiço , dizem. Alguns manifestam temer a irrupção de má-querença , pois muitas relações que se querem harmoniosas findam por se tornar violentas, mormente entre vizinhos . Conversando sobre uma relação hostil entre uma mãe e sua filha, Carneiro ( 2017 CERQUEIRA, Ana Carneiro. 2017. "‘Mulher é trem ruim’: A ‘cozinha’ e o ‘sistema’ em um povoado norte-mineiro". Revista Estudos Feministas 25(2): 707-31. https://doi.org/10.1590/1806-9584.2017v25n2p707 .
https://doi.org/10.1590/1806-9584.2017v2...
) ouviu críticas à postura da mãe: está errada! Chama a filha até de Besta-fera! A gente diz esse nome é para a mãe do capeta, não pode dizer isso pra filha! A sorte fica escangalhada! O capeta só está esperando a brecha pra entrar. E praga de mãe pega! Praga do pai pode não pegar, mas praga de mãe pega mesmo! Por outro lado, houve os que criticaram a filha: É da natureza dela mesmo, é do sangue! Filho não pode brigar com a mãe! Não pode! Mãe é fino.

O termo fino é utilizado também para caracterizar remédios do mato (feitos em casa à base de plantas) cujo manejo e dosagem devem ser cuidadosos, pois, ao invés de curar, podem fazer mal. Os remédios finos , assim com as comidas fortes , em geral são quentes , qualidade que pode torná-los remosos . O gênio forte da filha , ao provocar a raiva da mãe, transformava a palavra desta em praga, assim como um remédio pode inverter sua função e fazer mal. Isso justificava a má sorte da filha, na opinião de alguns. Para outros, o problema era o marido da filha, ele apresentava uma diferença, um ciúme doentio .

Carneiro ( 2015aCARNEIRO, Ana. 2015a. O povo parente dos Buracos: sistema de prosa e mexida de cozinha. Rio de Janeiro, E-papers.: 325) sugere que o termo diferença é utilizado para motivar especulações com base em um amplo espectro de causas possíveis para o mal-estar ou a má sorte de uma pessoa, sem, com isto, se afirmar assertivamente um feitiço , termo muito pesado e por isto evitado. Deu uma diferença , dizem fazendo comparações. Expressões como coisa feita , porqueira , ruindade , café rezado ou comida posta são mais amenas e mais utilizadas, mesmo assim de forma discreta. Uma mesma estrutura narrativa, entretanto, se repetia, deixando aparente a possibilidade do feitiço, sem abolir outras explicações.

Dizer que alguém está com uma cachaça ruim é uma dessas formas recorrentes de apontar uma diferença (em contraste com o vício natural da pessoa, explicado pelo sangue fraco de quem bebe ) . A cachaça ruim de um rapaz que bebia demais, deixara de trabalhar e agora passava a bater na esposa, por exemplo, foi considerada motivo legítimo para que a sogra dele fosse consultar-se com uma rezadeira . Foi um arroz , dissera-lhe esta última. Com isso, a portadora da notícia especulava sobre as relações entre pessoas e entre cozinhas, com o fim de evidenciar um culpado (fazedor/a do feitiço). De modo similar ao que descreveu Jeanne Favret-Saada ([ 1977FAVRET-SAADA, Jeanne. [1977] 2005. Les mots, la mort, les sorts. Paris, Galimard. ] 2005) a respeito de camponeses do interior da França, o anúncio do feitiço mobilizava assim um sistema de posições baseado no conhecimento sobre laços interpessoais, tensões e vizinhanças. Mas a falação e a fofoca geradas por quaisquer situações de bebedeira estarão sempre recheadas de comentários sobre relações tensionadas, descontroladas .

O termo cachaça ruim pode ser atribuído à aguardente quando esta é entendida como vetor ou causa da coisa feita , mas também pode ser usado apenas para indicar o alcoolismo de alguém – não à toa chamam garapa do demo . Por outro lado, quando se conversava sobre o tema da cachaça como bebida, a pesquisadora ouvia ponderações: tudo é o jeito da pessoa , porque beber um pouco não faz mal. A infusão de ervas em pequena dose de cachaça pode ser mesmo benéfica: sendo quente , corre o sangue levando o remédio das ervas ao corpo de modo mais rápido e eficaz do que as infusões em água quente, também utilizadas. Quando o terno de foliões , grupo de cantadores e tocadores devotos, visita um circuito de casas invocando os Santos Reis Magos, as mulheres e homens presentes, gente de todas as idades, bebem uma ou mais doses maiores ou menores, oferecidas e controladas por um folião especialmente responsável por isso. Durante a Folia de Reis, principal festividade da região, o santo não acha ruim a cachaça, pois ele quer a animação do povo , explicavam buraqueiros/as à pesquisadora. Nessas ocasiões, a aguardente é chamada remédio , pois leva infusão de plantas e raízes medicinais. Mas, caso a festividade do santo se transforme em briga, será chamada veneno .

A cozinha apresenta-se, assim, como um espaço de criação onde as misturas e variações culinárias conduzidas por mulheres são causa e efeito das formas da socialidade e da constituição de pessoas, parentes e outros (inimigo, afins, povo). O quente e o frio , o doce e o azedo , o veneno e o remédio modulam relações e desejos, imprimindo ao social suas variações.

Considerações finais

Nossa principal motivação ao iniciar a escrita deste artigo era uma confabulação em torno de etnografias produzidas, sobretudo, por mulheres e com mulheres, no âmbito de duas subáreas da antropologia que revelavam ressonâncias no que se refere à forma de habitar e de se relacionar com a terra. Estamos falando de "povos da terra" (ou, quem sabe, "povos com a terra"): aqueles "coletivos que fazem da terra algo entre um lugar, um sujeito e um evento" (Lewandowski & Otero dos Santos, 2019LEWANDOWSKI, Andressa & OTERO DOS SANTOS, Júlia. 2019. "Cosmopolíticas da terra contra os limites da territorialização". Ilha, 21(1): 6-20.: 13; ver também Coelho de Souza et al. , 2016COELHO DE SOUZA et al. 2016. "T/terras indígenas e territórios conceituais: incursões etnográficas e controvérsias públicas". Entreterras, 1(1): 1-60. ) em uma rede de relações marcada pela alteridade e pelo parentesco. As alianças que vêm se consolidando fora da academia, nos movimentos sociais de "mulheres do campo, das matas e das águas", pareciam legitimar essas ressonâncias entre nossas etnografias. No entanto, a tarefa de colocá-las em diálogo dentro de um mesmo argumento textual – ou teórico – mostrou-se um desafio maior do que imaginávamos. Que tipo de sistematização ou ficção persuasiva poderíamos construir sem supor (ou dar a entender) um fundo comum, uma identidade humana transcendental ou uma essência de gênero feminino? Noutras palavras: como aproximar nossos campos etnográficos sem anular a multiplicidade de nossas experiências em campo e dos sujeitos que nos recebem?

Encontrar pontos de semelhança para, a partir deles, traçar distâncias e diferenças etnográficas não é um procedimento simples (talvez nem seja possível) quando o que se compara não são unidades discretas e o que se conceitua não se fundamenta na mesma tradição teórica. Se como autoras compartilhávamos o interesse em lidar com a relacionalidade de nossas descrições e de nossos anfitriões sobre o sócius, o que exatamente estaríamos comparando e com qual objetivo? As analogias evidenciadas entre o café e a macaloba doce ou entre a cachaça e a macaloba azeda – entre outras comparações efetuadas – nos mostravam como as materialidades agenciadas pelas mulheres na cozinha fazem, modulam e também desfazem relações constitutivas de territórios existenciais específicos. Nosso intuito era mostrá-lo, esmiuçá-lo, mas a maneira com que isso emergia de nossa comparação corria o risco de apenas confirmar as conceituações que cada uma de nós já havia realizado previamente, criando uma matriz geral de entendimento destituída da potência criativa que a singularidade de nossos encontros etnográficos poderia permitir.

Tal risco remete-nos ao que formulou Isabelle Stengers ( 2002STENGERS, Isabelle. 2002. "Beyond conversation: the risks of peace". In: KELLER, Catherine & DANIELL, Anne (eds.). Process and difference: between cosmological and poststructuralist postmodernisms. Albany, University of New York Press, pp. 235-55.: 245 apud Jensen et al. , 2011 JENSEN, Casper Brunn; SMITH, Barbara Herrnstein; LLOID, G. E. R; HOLBRAAD, Martin & ROEPSTORFFM, Andreas. 2011. "Introduction: contexts for a comparative relativism". Common Knowledge, 17(1): 1-12. https://read.dukeupress.edu/common-knowledge/issue/17/1 .
https://read.dukeupress.edu/common-knowl...
: 12) sobre as perigosas consequências do relativismo, levando-a a estabelecer que "nenhuma comparação será legítima se as partes a serem comparadas não forem capazes de apresentar a sua própria versão daquilo de que trata a comparação" e que cada parte deve aparecer "em toda a sua força particular" 15 15 Tradução nossa. . As idas e vindas, impasses, desvios e reformulações que constituíram a escrita deste artigo permitiram que procedêssemos a uma série de reescritas sob os efeitos que a leitura de uma provocava na escrita da outra. Não tivemos a pretensão de alcançar com isto descrições supostamente mais gerais, completas ou próximas da realidade, mas sim de explorar novas conexões e limites evidenciados pelo contraste gerado neste diálogo. Os pontos de contato traçados entre as etnografias nos fizeram destacar as especificidades de cada uma das imagens que aproximávamos com intuito de comparação, sempre com o objetivo de dar a ver a multiplicidade de relações criadas e desfeitas na cozinha. Esperamos que essas criações da cozinha não sejam lidas em nome de um modelo relacional em comum, mas sim como abertura aos procedimentos – especialmente no interior de nossas próprias escritas – das misturas culinárias apreendidas.

Referências bilbliográficas

  • ALVES, Yara. 2016. A casa raiz e o voo de suas folhas: Família, Movimento e Casa entre os moradores de Pinheiro-MG. São Paulo, Dissertação de mestrado, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade de São Paulo.
  • BELAUNDE, Luisa Elvira. 2005. El recuerdo de luna: género, sangre y memoria entre los pueblos amazónicos. Lima, Fondo Editorial de la Facultad de Ciencias Sociales.
  • BELAUNDE, Luisa Elvira. 2006. "A força dos pensamentos, o fedor do sangue: hematologia e gênero na Amazônia". Revista Mana, 49(1): 205–243. https://doi.org/10.1590/S0034-77012006000100007
    » https://doi.org/10.1590/S0034-77012006000100007
  • BENITES, Sandra. 2016. Viver na língua Guarani Nhandewa (mulher falando). Rio de Janeiro, Tese de doutorado, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Museu Nacional.
  • BRANDÃO, Carlos Rodrigues. 1981. Plantar, colher, comer: um estudo sobre o campesinato goiano. Rio de Janeiro, Edições Graal.
  • CARNEIRO, Ana. 2020. "Le temps des visites: philosophie politique de la maison dans une localité de Minas Gerais". Révue Brésil(s), 18: 1-20. https://doi.org/10.4000/bresils.7911 .
    » https://doi.org/10.4000/bresils.7911
  • CARNEIRO, Ana. 2015a. O povo parente dos Buracos: sistema de prosa e mexida de cozinha. Rio de Janeiro, E-papers.
  • CARNEIRO, Ana. 2015b. "O sistema da mexida de cozinha: de que riem eles?". In: COMERFORD, John; CARNEIRO, Ana; DAINESE, Graziele (orgs.). 2015. Giros etnográficos em Minas Gerais. Casa, comida, prosa, festa, política, briga e o diabo. Rio de Janeiro, 7Letras, pp. 93-110.
  • CARSTEN, Janet. 1995. "The substance of kinship and the heat of the hearth: feeding, personhood, and relatedness among Malays in Pulau Langkawi". American Ethnologist, 22(2): 223-241. http://www.jstor.org/stable/646700 .
    » http://www.jstor.org/stable/646700
  • CERQUEIRA, Ana Carneiro. 2017. "‘Mulher é trem ruim’: A ‘cozinha’ e o ‘sistema’ em um povoado norte-mineiro". Revista Estudos Feministas 25(2): 707-31. https://doi.org/10.1590/1806-9584.2017v25n2p707 .
    » https://doi.org/10.1590/1806-9584.2017v25n2p707.
  • CHAYANOV, A. [1923] 1966. The theory of peasant economy. Illinois, American Economic Association.
  • CLASTRES, Pierre. [1974] 2003. "O arco e o cesto". A sociedade contra o Estado: Pesquisas de Antropologia Política. São Paulo, Cosac Naify.
  • COELHO DE SOUZA et al. 2016. "T/terras indígenas e territórios conceituais: incursões etnográficas e controvérsias públicas". Entreterras, 1(1): 1-60.
  • Comerford, John Cunha. 2003. Como uma família: sociabilidade, territórios de parentesco e sindicalismo rural. Rio de Janeiro, Relume Dumará.
  • COMERFORD, John; CARNEIRO, Ana; AYOUB, Dibe & DAINESE, Graziele. 2022. Casa, corpo, terra, violência: abordagens etnográficas. Rio de Janeiro, 7 Letras.
  • DAINESE, Graziele; CARNEIRO, Ana & MENASCHE, Renata. 2018. "Introdução: Dossiê Casa e corporalidade entre camponeses e povos tradicionais". Tessituras: Revista de Antropologia e Arqueologia, 6(2): 4-8. https://revistas.ufpel.edu.br/index.php/tessituras/issue/view/89 .
    » https://revistas.ufpel.edu.br/index.php/tessituras/issue/view/89
  • FAUSTO, Carlos. 2002. "Banquete de gente: comensalidade e canibalismo Na Amazônia". Revista Mana, 8(2): 7-44. https://doi.org/10.1590/S0104-93132002000200001 .
    » https://doi.org/10.1590/S0104-93132002000200001
  • FAVRET-SAADA, Jeanne. [1977] 2005. Les mots, la mort, les sorts. Paris, Galimard.
  • GARCIA Jr., Afrânio e HEREDIA, Beatriz. 1971. "Trabalho familiar e campesinato". América Latina, ano 14, n. 1/2: 10-20.
  • GOW, Peter. 1991. Of mixed blood. Oxford, Clarendon Press.
  • GOW, Peter. 1989. "The perverse child: desire in a native Amazonian economy". Man, 24(4): 567-582. http://www.jstor.org/stable/2804288 .
    » http://www.jstor.org/stable/2804288
  • HUGH-JONES, Christine. 1979. From the milk river: spatial and temporal processes in Northwest Amazonia. New York, Cambridge University Press.
  • HEREDIA, Beatriz. 1979. A morada da vida: trabalho familiar de pequenos produtores do nordeste do Brasil. São Paulo, Paz e Terra.
  • GABAS JR., Nilson. e ARARA, Sebastião (orgs.). 2009. Mitos Arara. Belém, Museu Paraense Emílio Goeldi.
  • IBANEZ-NOVION, Martin Alberto. 1974. El cuerpo humano, la enfermedad y su representación: um abordaje antropológico em Sobradinho, cuidad satélite de Brasília. Rio de Janeiro, Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
  • JENSEN, Casper Brunn; SMITH, Barbara Herrnstein; LLOID, G. E. R; HOLBRAAD, Martin & ROEPSTORFFM, Andreas. 2011. "Introduction: contexts for a comparative relativism". Common Knowledge, 17(1): 1-12. https://read.dukeupress.edu/common-knowledge/issue/17/1 .
    » https://read.dukeupress.edu/common-knowledge/issue/17/1
  • KELLY, José Antonio & MATOS, Marcos de Almeida. 2019. "Política da consideração: ação e influência nas Terras Baixas da América do Sul". Revista Mana, 25(2): 391-426. http://dx.doi.org/10.1590/1678-49442019v25n2p391 .
    » https://doi.org/10.1590/1678-49442019v25n2p391
  • LÉVI-STRAUSS, Claude. 1982 [1949]. As estruturas elementares do parentesco. Petrópolis, Vozes.
  • LEWANDOWSKI, Andressa & OTERO DOS SANTOS, Júlia. 2019. "Cosmopolíticas da terra contra os limites da territorialização". Ilha, 21(1): 6-20.
  • LIMA, Tânia Stolze. 2005. Um peixe olhou pra mim: os Yudjá e a perspectiva. São Paulo, ISA, Unesp.
  • MAIZZA, Fabiana & OLIVEIRA, Joana. 2022. "Narrativas do cuidar: mulheres indígenas e a política feminista do compor plantas". Revista Mana, 28(2): 1-33. http://doi.org/10.1590/1678-49442022v28n2a102 .
    » https://doi.org/10.1590/1678-49442022v28n2a102
  • MARQUES, Ana Claudia. 2020. "La maison, le nombril, le monde". Révue Brésil(s) – Sciences Humaines et Sociales, 18/2020. http://journals.openedition.org/bresils/7601 . Acessado em: 30 nov. 2020.
    » http://journals.openedition.org/bresils/7601
  • Marques, Ana Claudia. 2002. Intrigas e questões: Vingança de família e tramas sociais no sertão de Pernambuco. Rio de Janeiro, Relume-Dumará.
  • MARQUES, Ana Claudia & LEAL, Natacha. 2018. "Introdução: alquimias do parentesco". In: MARQUES, A. C & LEAL, N. (orgs.). Alquimias do parentesco: casas, gentes, papéis, territórios. São Paulo, Editora Terceiro Nome; Rio de Janeiro, Gramma Editora.
  • MAUÉS, Raymundo Heraldo & MOTTA-MAUÉS, Maria Angélica. 1978. "O modelo da ‘reima’: representações alimentares em uma comunidade amazônica". Anuário Antropológico, 2(1): 120-147.
  • McCALLUM, Cecília; MACEDO, Ulla; MENEZES, Greice & BELAUNDE, Luisa Elvira. "A ‘dona do corpo’ e o resguardo quebrado’: a etiologia tupinambá numa perspectiva etnográfica". In: McCALLUM, Cecília & ROHDEN, Fabíola. Corpo e saúde na mira da antropologia: ontologias, práticas, traduções. Salvador, EDUFBA, ABA, 2015, pp. 45-65.
  • OTERO DOS SANTOS, Júlia. 2022. "Como fazer um povo existir: ritual, política e parentesco entre os Karo-Arara de Rondônia". Mana, 28(2): 1-28.
  • OTERO DOS SANTOS, Júlia. 2019. "Sobre mulheres brabas: ritual, gênero e perspectiva". Amazônica, 11(2): 607-635.
  • OTERO DOS SANTOS, Júlia. 2016. "Bebida, roça, caça e as variações do social entre os Arara de Rondônia". Espaço Ameríndio, 10(2): 118.
  • OTERO DOS SANTOS, Júlia. 2015. Sobre mulheres brabas, parentes inconstantes e a vida entre outros: a Festa do Jacaré entre os Arara de Rondônia. Brasília, Tese de doutorado, Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília.
  • OYEWUMI, Oyeronke. 1997. The Invention of women: Making an African sense of western gender discourses. Minneapolis, University of Minnesota Press.
  • PATEMAN, Carole. 1996. "Críticas feministas a la dicotomía público/privado". In: CASTELLS, Carme. Perspectivas feministas en teoría política. Barcelona, Paidós, pp. 31-52.
  • PAULILO, Maria Ignez. 2016. "Que feminismo é esse que nasce na horta?". Revista Política & Sociedade, 15: 1-21. https://doi.org/10.5007/2175-7984.2016v15nesp1p296 .
    » https://doi.org/10.5007/2175-7984.2016v15nesp1p296
  • PAULILO, Maria Ignez. 1987. "O peso do trabalho leve". Ciência Hoje, Rio de Janeiro – RJ, 5(28): 64-70.
  • PEIRANO, Mariza. 1960. Proibições alimentares numa comunidade de pescadores. Brasília-DF, Dissertação de mestrado, Universidade de Brasília.
  • PERUTTI, Daniela. 2018. "O monturo, as visitas, os presentes: casa e amizade entre mulheres de Família Magalhães (GO)". Apresentação no 2° Seminário Casa, Corpo e Políticas da Terra, realizado em Brasília-DF, na Universidade de Brasília.
  • ROCHA, Cinthia Creatini da. 2018. "Comer na mesma panela: agência das mulheres indígenas na sociopolítica Tupinambá". Tessituras 6(2): 230-56, jul./dez.
  • SEEGER, Anthony, DA MATTA, Roberto & VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 1979. "A construção da pessoa nas sociedades indígenas brasileiras". Boletim do Museu Nacional, n. 32, maio, Rio de Janeiro, PPGAS-MN/UFRJ.
  • STENGERS, Isabelle. 2002. "Beyond conversation: the risks of peace". In: KELLER, Catherine & DANIELL, Anne (eds.). Process and difference: between cosmological and poststructuralist postmodernisms. Albany, University of New York Press, pp. 235-55.
  • STRATHERN, Marilyn. 1988. The gender of the gift: problems with women and problems with society in Melanesia. Berkley, University of California Press.
  • WOORTMANN, Ellen. 2013. "A comida como linguagem". Habitus, 11(1): 5-17, jan./jun.
  • 1
    Essas conversas e um primeiro esboço deste artigo também envolveram Yara Alves, que, por diversas razões, infelizmente não pôde seguir a escrita conosco. Ainda assim, sua pesquisa e suas ideias, especialmente em torno da maternidade, da memória e do tempo, foram contribuições valiosas para o desenvolvimento do que ora apresentamos. Agradecemos à Yara e às demais pesquisadoras que participaram do diálogo construído na série de encontros que gerou o dossiê no qual nos inserimos.
  • 2
    Ver, por exemplo, Comerford et al. , 2022COMERFORD, John; CARNEIRO, Ana; AYOUB, Dibe & DAINESE, Graziele. 2022. Casa, corpo, terra, violência: abordagens etnográficas. Rio de Janeiro, 7 Letras. ; Dainese, Carneiro e Menasche, 2018 DAINESE, Graziele; CARNEIRO, Ana & MENASCHE, Renata. 2018. "Introdução: Dossiê Casa e corporalidade entre camponeses e povos tradicionais". Tessituras: Revista de Antropologia e Arqueologia, 6(2): 4-8. https://revistas.ufpel.edu.br/index.php/tessituras/issue/view/89 .
    https://revistas.ufpel.edu.br/index.php/...
    ; Marques e Leal, 2018MARQUES, Ana Claudia & LEAL, Natacha. 2018. "Introdução: alquimias do parentesco". In: MARQUES, A. C & LEAL, N. (orgs.). Alquimias do parentesco: casas, gentes, papéis, territórios. São Paulo, Editora Terceiro Nome; Rio de Janeiro, Gramma Editora. . Para esses trabalhos, vale destacar a contribuição de Beatriz Heredia ( 1979HEREDIA, Beatriz. 1979. A morada da vida: trabalho familiar de pequenos produtores do nordeste do Brasil. São Paulo, Paz e Terra. ), que oferece pistas importantes ao mostrar a indissociabilidade da casa-roçado, em um olhar original sobre a clássica definição de Chayanov do caráter familiar da reprodução social camponesa. Por sua vez, Brandão ( 1981BRANDÃO, Carlos Rodrigues. 1981. Plantar, colher, comer: um estudo sobre o campesinato goiano. Rio de Janeiro, Edições Graal. ) mostra como a comida não industrializada, e sim fruto do trabalho familiar na terra, dá forma a um modo de vida camponês singular e socialmente valorizado. O trabalho na cozinha, entretanto, perde o foco do autor diante da ênfase que ele dá à atividade de plantio.
  • 3
    Na antropologia feminista, questionou-se sobretudo a divisão entre o domínio público-jural (masculino) e o doméstico (feminino), tendo como premissa a prerrogativa do primeiro sobre o segundo (ver Strathern, 1988STRATHERN, Marilyn. 1988. The gender of the gift: problems with women and problems with society in Melanesia. Berkley, University of California Press. ). Fora do campo antropológico, a crítica à dicotomia ganhou diversas elaborações. Carole Pateman ( 1996PATEMAN, Carole. 1996. "Críticas feministas a la dicotomía público/privado". In: CASTELLS, Carme. Perspectivas feministas en teoría política. Barcelona, Paidós, pp. 31-52. ), por exemplo, atrelou-a às raízes liberais do surgimento do movimento feminista. Para Oyeronke Oyewumi ( 1997OYEWUMI, Oyeronke. 1997. The Invention of women: Making an African sense of western gender discourses. Minneapolis, University of Minnesota Press. ), a teoria do gênero nasceu enclausurada no modelo ocidental da família nuclear e da divisão sexual do trabalho, baseadas em uma bio-lógica que não faria sentido para a cosmopercepção yorubá.
  • 4
    Afinal, como afirma Carlos Fausto, é preciso reduzir a caça à comida, desprovendo-a "da capacidade de agir e de entrar em relação com um outro, capacidade que é própria dos seres em sua condição de pessoa" (Fausto, 2002 FAUSTO, Carlos. 2002. "Banquete de gente: comensalidade e canibalismo Na Amazônia". Revista Mana, 8(2): 7-44. https://doi.org/10.1590/S0104-93132002000200001 .
    https://doi.org/10.1590/S0104-9313200200...
    : 16). Em alguns contextos etnográficos, isso é realizado primeiramente por meio da ação xamânica, que neutraliza a humanidade do animal. O preparo culinário é, contudo, a ação final – seguida pela ingestão – que assegura a animalidade da presa, pelo menos até que as pessoas apresentem, na forma de doença, evidências da agência patogênica (e, portanto, da humanidade). cosmopercepção yorubá.
  • 5
    Desde 2010, a autora trabalha com os Karo-Arara nas aldeias Paygap e Iterap. O trabalho de campo mais intensivo foi realizado entre 2010 e 2013 no âmbito do doutorado, perfazendo um total de doze meses em campo, e contou com o apoio do CNPq em forma de bolsa de doutorado e do projeto Effects of intellectual and cultural rights protection on traditional people and traditional knowledge. Case studies in Brazil , coordenado por Manuela Carneiro da Cunha.
  • 6
    Os homens costumam caçar em duplas. Aquele que abate a presa não deve reter nem a cabeça nem o membro dianteiro esquerdo, que, tradicionalmente, costumava ficar com o companheiro de caçada.
  • 7
    A pesquisa iniciou-se no doutorado, para o qual o trabalho de campo somou dezesseis meses entre 2006 e 2008 (ano em que a pesquisadora morou dez meses consecutivos junto ao povo dos Buracos), com bolsa CNPq. Entre 2010 e 2015, foram feitas idas a campo com durações menores, por meio de uma bolsa pós-doc Faperj/PAPD.
  • 8
    Gow diferencia relações de demanda, nas quais está engajado um casal e que se caracterizam pela demanda explícita feita pelos cônjuges um ao outro, das relações de respeito, marcadas pela proibição de brincadeiras e de qualquer demanda explícita. A relação de respeito mais intensa é entre uma sogra e um genro. As relações entre sogro e genro, entre uma mulher e seu sogro e sogra, entre pais e filhos adultos e entre irmãos também são marcadas, em diferentes graus, por respeito. As relações de respeito concernem principalmente ao campo da sexualidade. "Pessoas que se respeitam são pessoas com as quais as relações sexuais são proibidas" (Gow, 1989 GOW, Peter. 1989. "The perverse child: desire in a native Amazonian economy". Man, 24(4): 567-582. http://www.jstor.org/stable/2804288 .
    http://www.jstor.org/stable/2804288...
    : 572-73), pois relações de demanda entre adultos são, afirma o autor, inevitavelmente relações sexuais. Marido e esposa demandam sexo e comida um ao outro.
  • 9
    A imagem da casa-raiz, formulada por um interlocutor de Alves, exprime esse modo das mães para com seus filhos/as: como folhas de uma árvore, se desprendem desta a cada ano, rebrotando depois em seus galhos. Resta por aprofundar a confluência entre tal imagem e aquela descrita por Sandra Benites, que utiliza "a metáfora da árvore e a poética da língua guarani" (Benites, 2016BENITES, Sandra. 2016. Viver na língua Guarani Nhandewa (mulher falando). Rio de Janeiro, Tese de doutorado, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Museu Nacional.: 12) para abordar a figura da mãe, sy, como "uma árvore, um pilar do ser humano. Seus filhos são os galhos; na língua guarani xe memby, ‘uma que nasce e sempre fica ali grudado’". Diversamente, um pai chama sua filha de xe radjy, "meu nervo", ele é responsável por fortalecer e cuidar das filhas especialmente no período da puberdade, cuidando de suas cólicas e tonturas (Benites, 2016BENITES, Sandra. 2016. Viver na língua Guarani Nhandewa (mulher falando). Rio de Janeiro, Tese de doutorado, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Museu Nacional.: 12).
  • 10
    Para uma discussão sobre as relações entre sangue corpo e gênero na etnologia, ver o trabalho de Belaunde ( 2005BELAUNDE, Luisa Elvira. 2005. El recuerdo de luna: género, sangre y memoria entre los pueblos amazónicos. Lima, Fondo Editorial de la Facultad de Ciencias Sociales. , 2006 BELAUNDE, Luisa Elvira. 2006. "A força dos pensamentos, o fedor do sangue: hematologia e gênero na Amazônia". Revista Mana, 49(1): 205–243. https://doi.org/10.1590/S0034-77012006000100007
    https://doi.org/10.1590/S0034-7701200600...
    ).
  • 11
    Os preceitos envolvendo saúde feminina, resguardo e alimentação foram observados em diferentes regiões e contextos etnográficos. Ao descrever a quebra de resguardo entre mulheres Tupinambá do Baixo Sul da Bahia, McCallum et al. ( 2015McCALLUM, Cecília; MACEDO, Ulla; MENEZES, Greice & BELAUNDE, Luisa Elvira. "A ‘dona do corpo’ e o resguardo quebrado’: a etiologia tupinambá numa perspectiva etnográfica". In: McCALLUM, Cecília & ROHDEN, Fabíola. Corpo e saúde na mira da antropologia: ontologias, práticas, traduções. Salvador, EDUFBA, ABA, 2015, pp. 45-65. ), propõem uma "etiologia tupinambá" que muito se aproxima ao observado nos Buracos.
  • 12
    Os trabalhos de Martin Alberto Ibañez-Novión e de Ellen e Klaas Woortman apresentam um vasto repertório em diversas regiões do Brasil sobre a "síndrome do quente-frio" relacionada à "reima" e à oposição forte-fraco, com suas interações com o corpo, presentes também na literatura internacional sobre campesinato. Sem espaço para desenvolver o tema aqui, vale mencionar que, tal qual observado nos Buracos, esses autores mostram que esse sistema de classificação dos alimentos tem em comum a busca por um equilíbrio relacional e não uma lista geral e preestabelecida das categorias de comida.
  • 13
    O leitmotiv do ritual é a raiva da mãe dirigida a sua prole. O jacaré substitui o filho ou filha da matadora. Contudo, a exegese nativa estende o objeto da raiva para o marido (Otero dos Santos, 2019OTERO DOS SANTOS, Júlia. 2019. "Sobre mulheres brabas: ritual, gênero e perspectiva". Amazônica, 11(2): 607-635. ). O ritual problematiza a raiva que se instaura no seio da menor escala de um tap , a família nuclear.
  • 14
    O grande pajé Cícero, vítima da covid-19 em 2020, conta em uma narrativa (Gabas Jr. & Arara 2009GABAS JR., Nilson. e ARARA, Sebastião (orgs.). 2009. Mitos Arara. Belém, Museu Paraense Emílio Goeldi.: 53-58) que antigamente os mortos apareciam para tomar macaloba. A existência de uma correlação entre embriaguez e morte é uma das principais conclusões a que chega Lima em sua etnografia da cauinagens yudjás. Entre outros paralelos que a autora traça, ela afirma que "a embriaguez de cauim é principalmente uma morte dos homens provocada pelas mulheres" (Lima, 2005LIMA, Tânia Stolze. 2005. Um peixe olhou pra mim: os Yudjá e a perspectiva. São Paulo, ISA, Unesp.: 255).
  • 15
    Tradução nossa.
  • A pesquisa com os Karo-Arara contou com financiamento do CNPq por meio de bolsa de estudos (2010-2014). O trabalho de campo foi financiado pelo projeto Socialidades perspectivas: transformações indígenas no mundo indígena centro-brasileiro (Edital Universal/CNPq), coordenado por Marcela Coelho de Souza, e pela Fundação Ford no âmbito do projeto Effects of intellectual and cultural rights protection on traditional people and traditional knowledge. Case studies in Brazil , coordenado por Manuela Carneiro da Cunha.
  • A pesquisa com o povo dos Buracos contou com financiamento CNPq (2006-2010) e Faperj (2010-2015). Atualmente, o trabalho de comparação com escopo mais amplo desenvolve-se no âmbito do projeto temático Artes e semânticas da criação e da memória (Processo n. 2020/07886-8 – Fapesp), coordenado por Fernanda Arêas Peixoto.
  • O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    05 Abr 2023
  • Aceito
    17 Out 2023
Universidade de São Paulo - USP Departamento de Antropologia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo. Prédio de Filosofia e Ciências Sociais - Sala 1062. Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, Cidade Universitária. , Cep: 05508-900, São Paulo - SP / Brasil, Tel:+ 55 (11) 3091-3718 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista.antropologia.usp@gmail.com