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Amarrar ressonâncias: considerações sobre desenho e antropologia1 1 Este artigo é parte de uma pesquisa de pós-doutorado no PPGAS/USP, com supervisão de Sylvia Caiuby Novaes e financiamento da Fapesp (processo nº 2020/13.113-1). Agradeço a Luis Felipe Hirano, Luis Cayón e aos/às pareceristas, pelas leituras e sugestões recebidas.

ENTWINING RESONANCES: CONSIDERATIONS ON DRAWING AND ANTHROPOLOGY

RESUMO

Este artigo visa reunir considerações da antropologia sobre o desenho, articulando-as a aprendizagens recebidas em minha experiência de campo com artistas inga, na Colômbia. Primeiramente, apresenta-se um conjunto de autores que têm renovado os usos e compreensões do desenhar na pesquisa em antropologia e/ou autores que consideram as implicações do desenho para seus sujeitos de pesquisa, inclusive por meio de uma discussão das noções de desenho, design, grafismo e imagem, entre outras. Em segundo lugar, apresentam-se considerações de meus interlocutores de pesquisa sobre o desenho. Para finalizar, o artigo levanta algumas questões, a fim de sugerir alcances, efeitos e ressonâncias dessas reflexões para a pesquisa em antropologia.

PALAVRAS CHAVE:
Desenho; design; ressonâncias; Antropologia; trabalho de campo

ABSTRACT

This article seeks to bring together anthropological considerations about drawing, in articulation with examples from my own fieldwork with Inga artists in Colombia. Firstly, I present a conjunction of authors who have renewed the uses and understanding of drawing in anthropological research and/or authors who consider the implications of drawing among their subjects, including a discussion on the notions of drawing, design, designs (as graphic inscriptions) and image, among others. Secondly, I present some considerations from my research subjects about drawing. Finally, the article raises some questions in order to suggest the extent, effects and resonances of these thoughts for research in anthropology.

KEYWORDS:
Drawing; design; resonances; Anthropology; fieldwork

Em livro de 2011, Michael Taussig revê um desenho no qual, em suas palavras, ele mesmo ficou desenhado. A composição, que se encontra em um caderno de campo usado na Colômbia, foi feita em Medellín, em 2006. No interior de um táxi, Taussig passava sob um túnel de autopista. À sombra do túnel, ele teria visto uma mulher costurando um homem dentro de um saco de nylon. Era “aparentemente” uma mulher, como explica Taussig: a visão no escuro, em alta velocidade, não permitia certezas. Mas a cena era tão impressionante, que o antropólogo apenas conseguiu desenhá-la, em rabiscos apressados no papel, depois de escrever “Eu juro que vi isso”, em vermelho. “Eu juro que vi isso” é, aliás, o título do livro em questão.

Desenhar, reflete, seria um ato de testemunho. Tal observação é interessante em si mesma. Uma testemunha é alguém que, por estar em local e momento específicos, viu algo que, talvez, não devesse. É também alguém que passa a estar acompanhada pelo temor de ter sido vista e que, tentando apagar-se daquela história, continua amarrada à trama que presenciou. Já o desenho mostraria aquilo que não poderia ou não deveria ser visto. Na percepção de Taussig, desenha-se o que não é, entre outras coisas, fotografável.

Neste artigo, gostaria de refletir sobre essas e outras ideias, retomando minha própria experiência de campo na Colômbia, com artistas inga do Vale de Sibundoy2 2 Vale andino no sudoeste da Colômbia, a duas horas de carro do Equador e três horas da primeira cidade amazônica, Mocoa. Comporta os pueblos de Manoy/Santiago; Uaira/San Andrés; Chaugpi Sibundoy/Colón; Sibundoy; e Uaira Sacha/ San Francisco, habitados por indígenas Inga e Kamëntšá. , Alto Putumayo - Benjamín Jacananamijoy (Uaira Uaua), Carlos Jacanamijoy, Kindi Llajtu, Rosa Tisoy, Nestor Jacanamijoy e Tirsa Chindoy. Como se sabe, um dos principais interlocutores de Taussig foi Santiago Mutumbajoy, taita (xamã) inga de enorme importância, residente em Mocoa, já falecido. Benjamín, Carlos e Nestor são filhos, e Kindi neto, do taita Antonio Jacanamijoy que, na juventude, esteve com o “Amigo Santiago” em inúmeras ocasiões3 3 A maloca de Santiago era passagem obrigatória nas viagens de taitas de Manoy a Mocoa. Em relato de taita Antonio, registrado por Benjamín (Jacanamijoy Tisoy, 2017), ele é descrito como o Amigo Santiago, com quem os viajantes tomavam Yagecito (Ayahuasca, Banisteriopsis caapi) e de quem compravam provisões. . Minha pesquisa de campo foi feita em dois períodos, ao longo de nove meses, em 2016 e 2017. No Vale de Sibundoy e em Bogotá, pude conviver com esses artistas e muitas outras pessoas, que me receberam com enorme generosidade - notadamente, mamita Mercedes Tisoy de Jacanamijoy.

Em razão desse convívio, o argumento de Taussig tocou em mim uma sensação de familiaridade, levando-me a propor mais algumas conexões que contribuam para pensar o desenho, o desenhar e suas implicações na/para a produção de conhecimento antropológico. Uma questão importante para este artigo é a relação entre desenhar e “amarrar”. Como aprendi com meus interlocutores, desenhar é, entre outras coisas, trazer coisas boas para este mundo e as amarrar. Um desenhador fica amarrado em/a seus desenhos - e considero que isso possa dar outros alcances à reflexão sobre testemunho, entre outras questões. Com meus amigos em campo, passei a ver o desenho como fruto de deslocamentos existenciais.

Para levar adiante essas considerações, busco articular autores que, como Taussig, vêm promovendo uma retomada do desenho e do desenhar na antropologia (p. ex., Ingold, 2011aINGOLD, Tim (ed.). 2011a. Redrawing anthropology: materials, movements, lines. Farnham: Ashgate. e 2013INGOLD, TIM. 2013. Making: Anthropology, Archeology, Art and Architecture. Londres, Routledge.; Kushnir, 2012KUSHNIR, Karina. 2012. “Desenhando cidades”. Sociologia & Antropologia, v. 2, n. 4: 295-314. https://doi.org/10.1590/2238-38752012v2413.
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, 2014KUSHNIR, Karina. 2014. “Ensinando antropólogos a desenhar: uma experiência didática e de pesquisa”. Cadernos de Arte e Antropologia , v. 3, n. 2: 23-46. https://doi.org/10.4000/cadernosaa.506.
https://doi.org/https://doi.org/10.4000/...
e 2016KUSHNIR, Karina. 2016a. “A antropologia pelo desenho: experiências visuais e etnográficas”. Cadernos de Arte e Antropologia , v. 5, 2: 5-13. https://doi.org/10.4000/cadernosaa.1095.
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; Azevedo, 2013AZEVEDO, Aina. 2013. Conquistas cosmológicas: pessoa, casa e casamento entre os Kubheka de KwaZulu-Natal e Gauteng. Brasília, tese de doutorado, Universidade de Brasília., 2016aAZEVEDO, Aina. 2016a. “Desenho e antropologia: recuperação histórica e momento atual”. Cadernos de Arte e Antropologia, v. 5, n. 2: 15-32. http://journals.openedition.org/cadernosaa/1096.
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, 2016bAZEVEDO, Aina. 2016b. “Um convite à antropologia desenhada”. METAgrafias. Brasília, v. 1, n. 1: 194-208. http://periodicos.unb.br/index.php/metagraphias/article/view/15821.
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e 2020AZEVEDO, Aina. 2020. “De uma trajetória desenhada às experimentações etnográficas”. R@u, v. 12, n. 2: 27-44. http://www.rau.ufscar.br/?p=1659.
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; Azevedo; Ramos, 2016AZEVEDO, Aina; RAMOS, Manuel João. 2016. “Drawing close - on visual engagements in fieldwork, drawing workshops and the anthropological imagination”. Visual Ethnography, v. 5: 135-160. http://dx.doi.org/10.12835/ve2016.1-0061.
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) e antropólogos que analisam, por vezes em meio a outros temas, a presença do desenho, do grafismo e/ou do design, assim como as relações que eles permitem, em diferentes contextos (p. ex., Gebhart-Sayer, 1985GEBHART-SAYER, Angelika. 1985. “The geometric designs of the Shipibo-Conibo in ritual context”. Journal of Latin-American Lore, v. 2, n. 2: 143-145. https://www.international.ucla.edu/lai/publications/lore.
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; Vidal, 1992VIDAL, Lux (org.). 1992. Grafismo indígena . São Paulo, Studio Nobel/Fapesp/Edusp .; Gow, 1989GOW, Peter. 1989. “Visual compulsion: design and image in Western Amazonian cultures”. Revindi, v. 2: 19-32., 1999GOW, Peter. 1999. “Piro designs. Painting as meaningful action in an Amazonian lived world”. JRAI, v. 5, n. 2: 229-246. https://doi.org/10.2307/2660695.
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e 2001GOW, Peter. 2001. An Amazonian myth and its history. Oxford, Oxford University Press.; Müller, 1990MÜLLER, Regina Aparecida Polo. 1990. Asurini do Xingu. História e arte. Campinas, Editora da Unicamp. e 1992MÜLLER, Regina Aparecida Polo. “Tayngava, a noção de representação na arte gráfica”. In: VIDAL, Lux (org.). Grafismo Indígena . São Paulo, Studio Nobel/Fapesp/Edusp , pp. 133-142.; Severi, 2007SEVERI, Carlo. 2007. Le principe de la chimère. Une anthropologie de la mémoire. Paris, Éditions Rue d’Ulm/Musée du Quai Branly. e 2013SEVERI, Carlo. 2013. “O espaço quimérico. Percepção e projeção nos atos do olhar”. In: SEVERI, Carlo; LAGROU, Els (org.). Quimeras em diálogo . Rio de Janeiro, 7 Letras , pp. 25-66.; Lagrou, 1993LAGROU, Els. 1993. “Resenha de GOW, Peter. Visual compulsion: design and images in Western Amazonian Cultures”. Antropologia em primeira mão, v. 9: 1-27., 1998LAGROU, Els. 1998. Caminhos, duplos e corpos: uma abordagem perspectivista da identidade e alteridade entre os Kaxinawa. São Paulo, tese de doutorado, Universidade de São Paulo., 2007LAGROU, Els. 2007. Fluidez da forma: arte, alteridade e agência em uma sociedade amazônica (Kaxinawa, Acre). Rio de Janeiro, Topbooks. e 2013LAGROU, Els. 2013. “A pele da Anaconda: um princípio andrógeno de geração e ligação de formas na Amazônia popular”. Caxambu, 37º Encontro Anual da Anpocs. http://anpocs.com/ index.php/encontros/papers/37-encontro-anual-da-anpocs/st/st35/8645-a-pele-da-anaconda-um-principio-androgeno-de-geracao-e-ligacao-de-formas-na-amazonia/file.
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; Cesarino, 2013CESARINO, Pedro N. 2013. “Cartografias do cosmos: conhecimento, iconografia e artes verbais entre os Marubo”. Mana , v, 19, n. 3: 437-471. https://doi.org/10.1590/S0104-93132013000300002.
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; Garcia dos Santos, 2014GARCIA DOS SANTOS, Laymmert. 2014. “Projeções da terra-floresta: o desenho-imagem yanomami”. L. https://www.laymert.com.br/yanomami/.
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). O artigo busca contribuir para as discussões propostas no marco dessa problemática, sobretudo com base em aprendizagens recebidas de meus amigos inga - grandes conhecedores do desenho e de suas implicações.

DESENHO NA, DA E PELA ANTROPOLOGIA

Embora por vezes, ao longo do tempo, não tenha sido suficientemente reconhecido como método legítimo de produção de conhecimento antropológico (Azevedo, 2016aAZEVEDO, Aina. 2016a. “Desenho e antropologia: recuperação histórica e momento atual”. Cadernos de Arte e Antropologia, v. 5, n. 2: 15-32. http://journals.openedition.org/cadernosaa/1096.
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), o desenho ganha força na atualidade da disciplina. Isso acontece, segundo Azevedo (2016a)AZEVEDO, Aina. 2016a. “Desenho e antropologia: recuperação histórica e momento atual”. Cadernos de Arte e Antropologia, v. 5, n. 2: 15-32. http://journals.openedition.org/cadernosaa/1096.
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, de duas maneiras: (1) através de uma retomada e defesa do uso do desenho como método de pesquisa e/ou de apresentação de informações (impulsionada, no Brasil, por Kushnir, 2012KUSHNIR, Karina. 2012. “Desenhando cidades”. Sociologia & Antropologia, v. 2, n. 4: 295-314. https://doi.org/10.1590/2238-38752012v2413.
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, 2014KUSHNIR, Karina. 2014. “Ensinando antropólogos a desenhar: uma experiência didática e de pesquisa”. Cadernos de Arte e Antropologia , v. 3, n. 2: 23-46. https://doi.org/10.4000/cadernosaa.506.
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, 2016aKUSHNIR, Karina. 2016a. “A antropologia pelo desenho: experiências visuais e etnográficas”. Cadernos de Arte e Antropologia , v. 5, 2: 5-13. https://doi.org/10.4000/cadernosaa.1095.
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e 2016bKUSHNIR, Karina. 2016b. “Ethnographic drawing: eleven benefits of using a sketchbook for fieldwork”. Visual Ethnography , v. 5, n. 1: 103-134. https://doi.org/10.12835/ve2016.1-0060.
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; Azevedo, 2013AZEVEDO, Aina. 2013. Conquistas cosmológicas: pessoa, casa e casamento entre os Kubheka de KwaZulu-Natal e Gauteng. Brasília, tese de doutorado, Universidade de Brasília., 2016aAZEVEDO, Aina. 2016a. “Desenho e antropologia: recuperação histórica e momento atual”. Cadernos de Arte e Antropologia, v. 5, n. 2: 15-32. http://journals.openedition.org/cadernosaa/1096.
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, 2016bAZEVEDO, Aina. 2016b. “Um convite à antropologia desenhada”. METAgrafias. Brasília, v. 1, n. 1: 194-208. http://periodicos.unb.br/index.php/metagraphias/article/view/15821.
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, 2019AZEVEDO, Aina. 2019. “Uma análise da coleção de desenhos etnográficos do Museu Kunstkamera de São Petersburgo”. Tessituras, v. 7, n. 2: 243-265. https://doi.org/10.15210/tes.v7i2.16254.
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e 2020AZEVEDO, Aina. 2020. “De uma trajetória desenhada às experimentações etnográficas”. R@u, v. 12, n. 2: 27-44. http://www.rau.ufscar.br/?p=1659.
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) e (2) através de considerações sobre o papel do desenho como modo de conhecimento específico - o que comporta diferentes abordagens. Interessa-me, neste artigo, enfocar o segundo tipo de reflexão4 4 Aproveito para esclarecer que eu mesma fiz desenhos em campo e venho pensando sobre suas implicações, em minha pesquisa de pós-doutorado.Nesse sentido, o artigo é também uma reflexão que procura embasar esse trabalho de desenho-pensar. . Procuro pensar o desenho como um modo de conhecimento, a partir de alguns pontos de encontro entre reflexões que nascem de seu uso por antropólogos em campo, de percepções antropológicas sobre o desenho e o desenhar e de composições e reflexões de interlocutores, vistas em campo.

Primeiramente, é preciso destacar questões de referência que crescem no bojo das reflexões sobre os usos do desenho em antropologia, a saber: o entendimento de que desenhar é um fazer (Ingold, 2011aINGOLD, Tim (ed.). 2011a. Redrawing anthropology: materials, movements, lines. Farnham: Ashgate., 2011bINGOLD, Tim. 2011b. Being alive: essays on movement, knowledge and description. Abingdon, Routledge., 2013INGOLD, TIM. 2013. Making: Anthropology, Archeology, Art and Architecture. Londres, Routledge.) conectado a modos específicos de conhecer; a percepção de que o desenho antropológico é dotado de um “princípio de narratividade” (Ramos 2008RAMOS, Manuel João. 2008. “Portugal. 1960”. In: SALAVISA, Eduardo. Diários de viagem: desenhos do quotidiano. Lisboa, Quimera Editores, pp. 152-157.: 153), cujo principal suporte é o caderno de campo (embora haja outros formatos propícios para “narrativas” visuais)5 5 Ver discussão formatos como “caderno de campo” e “diário gráfico” em Azevedo (2016b e 2016c); Kushnir (2016b); Ramos (2004 e 2010) e Salavisa (2008). Taussig (2011) descreve o caderno de campo como scrapbook - álbum de recortes. e o reconhecimento da liberdade propiciada pela ausência de formalização do desenho antropológico em um estilo ou conjunto de estilos (Azevedo, 2016aAZEVEDO, Aina. 2016a. “Desenho e antropologia: recuperação histórica e momento atual”. Cadernos de Arte e Antropologia, v. 5, n. 2: 15-32. http://journals.openedition.org/cadernosaa/1096.
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, 2016bAZEVEDO, Aina. 2016b. “Um convite à antropologia desenhada”. METAgrafias. Brasília, v. 1, n. 1: 194-208. http://periodicos.unb.br/index.php/metagraphias/article/view/15821.
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; Kushnir, 2014KUSHNIR, Karina. 2014. “Ensinando antropólogos a desenhar: uma experiência didática e de pesquisa”. Cadernos de Arte e Antropologia , v. 3, n. 2: 23-46. https://doi.org/10.4000/cadernosaa.506.
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, 2016aKUSHNIR, Karina. 2016a. “A antropologia pelo desenho: experiências visuais e etnográficas”. Cadernos de Arte e Antropologia , v. 5, 2: 5-13. https://doi.org/10.4000/cadernosaa.1095.
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e 2016bKUSHNIR, Karina. 2016b. “Ethnographic drawing: eleven benefits of using a sketchbook for fieldwork”. Visual Ethnography , v. 5, n. 1: 103-134. https://doi.org/10.12835/ve2016.1-0060.
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). Por fim, há reflexões que consideram as diferenças entre um desenho etnográfico e outros tipos de desenho. Segundo Cabau (2016CABAU, Philip. 2016. “Crús e descosidos. Reflexões em torno do ensino do desenho da antropologia”. Cadernos de Arte e Antropologia , v. 5 n. 2: 21-26. http://journals.openedition.org/cadernosaa/1104.
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), todos voltam-se ao processo do olhar, mas o desenho etnográfico não necessita ser cristalizado como produto: ele não se voltaria a fixar ou decifrar atributos concretos do que mostra, como o desenho taxonômico, e não é linguagem projetiva, como o arquitetônico, entre outros tipos.

Dois antropólogos destacam-se como referências frequentes: Tim Ingold (2011aINGOLD, Tim (ed.). 2011a. Redrawing anthropology: materials, movements, lines. Farnham: Ashgate., 2011bINGOLD, Tim. 2011b. Being alive: essays on movement, knowledge and description. Abingdon, Routledge. e 2013INGOLD, TIM. 2013. Making: Anthropology, Archeology, Art and Architecture. Londres, Routledge.) e Michael Taussig (2011TAUSSIG, Michael. 2011. I swear I saw this. Drawing in fieldwork notebooks, namely my own. Chicago, The University of Chicago Press.). Ambos remetem parte de suas inquirições a John Berger - pintor, romancista e autor do clássico Ways of Seeing (1972BERGER, John. 1972. Ways of seeing. Londres, Penguin.). Berger (2007BERGER, John. 2007. “John Berger, life drawing”. In: SAVAGE, Jim. Berger on drawing. Londres, Occasional Press, pp. 1-10.: 3) é artífice da máxima, citada por Taussig, de que “um desenho é um registro autobiográfico da descoberta de um evento visto, lembrado ou imaginado por alguém”6 6 Neste artigo, as traduções de citações em língua estrangeira são livres. . O pintor prossegue, de modo não menos interessante: “um trabalho ‘finalizado’ é uma tentativa de construir um evento em si mesmo”. Segundo Berger, uma fotografia paralisa o tempo, captura eventos - é algo que se tira. Já um desenho envolve (encompasses) ou retém (encloses) o tempo - é algo que se faz. Taussig e Ingold retomam esse ponto, cada qual à sua maneira.

Berger ensina que alguém desenha para ver: dar-se o tempo de ver, pensar sobre o que vê e talvez, no futuro, entender parcialmente o que foi visto. A partir daí, Taussig (2011TAUSSIG, Michael. 2011. I swear I saw this. Drawing in fieldwork notebooks, namely my own. Chicago, The University of Chicago Press.: 22) reafirma que uma linha desenhada não é tão importante pelo que registra, mas pelo que leva a ver. E completa: “para mim, a coisa decisiva e alarmante aqui é a ideia de que a pessoa que desenha se torna aquilo que ela desenha”. Retorna, assim, a ideia de que desenhar é um ato de testemunho. Ele mostra como o desenho pode ocupar nichos que a fotografia (supostamente) não alcançaria (eventos passados e a imaginação em si, por exemplo) e discute espaços reservados ao desenho, nos quais a fotografia não é permitida. Seus dois exemplos são contundentes. O primeiro é sobre a divulgação, em jornais, de uma controvérsia envolvendo a cabeça de um homem maori decapitado, em posse de um museu em Rouen, França (o prefeito da cidade desejava restituí-la, mas o ministro da Cultura era contrário). Nesse caso, autorizou-se a publicação de um desenho da cabeça, e não de uma foto7 7 O exemplo vale uma explicação adicional: Taussig diz que essa decisão partiu dos “detentores” da cabeça, em Rouen. Não sem ironia, ele especula que foi, talvez, um ato de reverência pelo morto, envolvendo também a (confortável) prerrogativa de poder voltar as costas para o horror praticado pelos antepassados oitocentistas desses “detentores”. O exemplo também é sugestivo para pensar um reposicionamento dos museus etnográficos na atualidade. Sobre isso, ver Vincent (2015), que comenta as diferentes visões envolvidas na disputa entre exibir ou não os crânios - os chamados mokomokai - em museus, em face da variedade de representações para eles, inclusive feitas por artistas maori. . O segundo exemplo é a lembrança de que os tribunais norte-americanos - onde se jura contar a verdade - não permitem o uso da fotografia, mas liberam o uso do desenho.

Taussig (2011TAUSSIG, Michael. 2011. I swear I saw this. Drawing in fieldwork notebooks, namely my own. Chicago, The University of Chicago Press.: 13) deseja enfatizar que “o desenho intervém no reconhecimento da realidade de maneiras que a escrita e a fotografia não fazem”. Soma-se a isso que - concordemos ou não - o desenho, visto como fragmento ou sugestão de um mundo impossível de abarcar e registrar realisticamente de forma completa, seria, por assim dizer, anti-realista no sentido etnográfico e, por isso, oposto à escrita, segundo o antropólogo8 8 Esse trecho parece pressupor uma noção de realidade transcendente, que ultrapassa os sujeitos, aparentemente, passível de ser descrita (leia-se, interpretada) de forma objetiva (o realismo etnográfico). Parece também sugerir que os desenhos seriam sempre evocações, fragmentos dessa “realidade”. Para uma crítica a esse tipo de pensamento, que opera em partes e todos, ver Strathern, 2004. . Taussig (2011TAUSSIG, Michael. 2011. I swear I saw this. Drawing in fieldwork notebooks, namely my own. Chicago, The University of Chicago Press.: 12) pergunta, no caso da cabeça maori: será que “a fotografia é implicitamente tomada [pelos ‘detentores’ desse crânio, em Rouen] como uma forma mágica de capturar o espírito do morto, enquanto o desenho é entendido apenas como uma aproximação tímida, oferecendo não mais do que uma visão estrábica, de modo que, diferentemente da fotografia, ele não pode ser tão facilmente apropriado pela magia simpática?”9 9 Sobre uma origem comum dos termos imagem e magia, ver Caiuby Novaes (2008). . Mas essa pergunta não tem resposta e pode, aliás, caminhar em sentido contrário, como ele mesmo sugere.

A testemunha, afinal, torna-se aquilo que desenha. Taussig retoma Berger ao afirmar que o desenho possui corporalidade - ausente, em sua percepção, na pintura, escultura, vídeos e instalações10 10 Ver, entretanto, Grimshaw e Ravetz (2021). . O antropólogo prossegue, afirmando que essa corporalidade lhe parece similar à magia simpática - na qual o criador de uma imagem a utiliza para acessar fisicamente o ser a partir do qual ela foi feita. Ele volta, então, ao desenho inicial. A própria (talvez) mulher que costura desenha a si mesma naquele momento, tanto no papel, quanto no saco de nylon - faz a imagem e a situação. Já quem desenha refaz o movimento da costureira, mimetizando sua ação. A mímese se dá no próprio corpo do desenhador, entre a mulher e o desenho resultante. Assim, o desenho refaz o corpo de quem o produz - magia simpática, por princípio.

Retomo Ingol de outros autores que têm refletido sobre o desenho e o desenhar. Fazer é o termo chave utilizado por esse antropólogo para abordar tal prática como parte de uma série de movimentos que criam seu próprio espaço. Há, no argumento de Ingold, uma valorização do que ele chama de “dança da animacidade” [dance of animacy], ou seja, a correspondência entre seres e/ou coisas por meio de um transdutor11 11 Sautchuk (2015) questiona a separação, em Ingold, do fazer em dois fluxos (humano e ambiental) unidos por um transdutor e nota que este antropólogo faz uso particular do conceito de transdução proposto por Simondon. Neste artigo, sugiro que a relação de transdução pode ser mútua ou mesmo múltipla, a depender do contexto. (p. ex., músico-violoncelo-som, empinador de pipa-pipa-ar), que “converte a qualidade cinética do gesto - seu ductus -, do registro do movimento e consciência corporal ao fluxo material” (Ingold, 2013INGOLD, TIM. 2013. Making: Anthropology, Archeology, Art and Architecture. Londres, Routledge.: 128). No caso do desenhar, o transdutor conectando mão e linha desenhada seria o lápis, ou outro material equivalente. Por depender da capacidade de transdução, um desenho deixa de ser “a sombra visível de um evento mental; [ele é] um processo de pensamento, mas não a projeção de um pensamento” (Ingold, 2013INGOLD, TIM. 2013. Making: Anthropology, Archeology, Art and Architecture. Londres, Routledge.: 128).

Esse tipo de desenho é performativo, não projetivo. O projeto implicaria um lançar para frente, enquanto o desenhar seria uma reunião, um trazer para perto que envolve a habilidade de cooperar com o próprio trabalho; é fruto de uma incerteza e não de um pensamento pré-determinado. O desenho, afinal, “descreve a linha - é um ato gráfico - mas essa linha não é descritiva de nada mais do que ela mesma. É, porém, transformativa” (Ingold, 2013INGOLD, TIM. 2013. Making: Anthropology, Archeology, Art and Architecture. Londres, Routledge.: 129); ela deixa algo mais no mundo, cria novas correspondências. Daí a proposta de uma antropologia gráfica, contraposta à etnografia: a antropografia (Ingold, 2011bINGOLD, Tim. 2011b. Being alive: essays on movement, knowledge and description. Abingdon, Routledge.) que, grosso modo, permitiria criar correspondências e ir além da descrição etnográfica e de suas limitações: não raro, essa descrição fica entre uma suposta objetividade e uma recriação de um contexto, como evidenciam Kofes & Manica (2015KOFES, Suely; MANICA, Daniela (org.). 2015. Vida & grafias: narrativas antropológicas entre biografia e etnografia. Rio de Janeiro, Lamparina/FAPERJ.); Kofes (2020)KOFES, Suely. 2020. “As grafias - traços, linhas, escrita, gráficos, desenhos - como perturbação no conhecimento antropológico”. R@u , v. 12, n. 2: 12-26. https://doi.org/10.52426/rau.v12i2.345.
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.

Ingold, como Taussig, recupera em Berger (1972BERGER, John. 1972. Ways of seeing. Londres, Penguin.) a ideia de que alguém se torna aquilo que desenha. Isso aconteceria no afeto, definido por Ingold (2015INGOLD, TIM. 2015. The life of lines. Abingdon, Routledge .: 73) como “uma qualidade indeterminada e espacialmente estendida do sentir”. Quando tomam o desenho e o desenhar como foco de reflexões e ação, com base em Berger, considero que os dois antropólogos estão abordando fenômenos que dizem respeito não à representação do mundo, mas àquilo que poderia ser entendido como uma capacidade de transformar e/ou criar relações e correspondências no mundo através do fazer, afetar e perceber. Pode-se dizer que, guardadas as especificidades de cada autor, os dois elucidam como o desenho conecta um tipo de corporalidade particular, que participa de fluxos relacionais de afetos, de atenção, de feitiçaria, possibilitando um alargamento da existência, a partir de movimentos de composições de seres, coisas e matéria, cujas bases ontológicas podem variar.

Nesse sentido, a ideia de testemunho presente em Taussig e Berger também adquire um alcance diferente do que se poderia supor a partir das noções de “comprovação” ou “evocação” (p. ex., Tyler, 1986TYLER, Stephen A. 1986. “Post-modern ethnography: from document of the occult to occult document”. In: CLIFFORD, James; MARCUS, George (ed.). Writing culture: the poetics and politics of ethnography. Berkeley, University of California Press, pp. 122-140.) de um evento - ambas pressuposições de uma realidade que ultrapassa o sujeito-testemunha, colocando-se em outra escala em relação a ele. Strathern (2004STRATHERN, Marilyn. 2004. Partial connections: updated edition. Lanham, AltaMira Press.) ensina que a ideia de comprovação de uma realidade observada in loco é marcante na antropologia modernista e, ainda que já existissem questionamentos entre antropólogos quanto aos limites dessa capacidade de descrição e comparação entre sociedades e culturas, pode-se dizer que os “testemunhos” retiveram, para essa antropologia, sua importância como provas da existência dessa realidade. Conforme a antropóloga, o pós-modernismo, entre outros movimentos de revisão crítica da antropologia, propôs deslocar esses pressupostos da antropologia modernista, por exemplo, através da noção de evocação (presente em Tyler, 1986TYLER, Stephen A. 1986. “Post-modern ethnography: from document of the occult to occult document”. In: CLIFFORD, James; MARCUS, George (ed.). Writing culture: the poetics and politics of ethnography. Berkeley, University of California Press, pp. 122-140.) - pressupondo a existência de um todo que extrapolaria a capacidade de comprovação objetiva, acessível apenas através de fragmentos e por meio de um dispositivo estético, qual seja, o próprio antropólogo apresentado como um viajante (turista ou cosmopolita). Em ambos os casos, Strathern (2004)STRATHERN, Marilyn. 2004. Partial connections: updated edition. Lanham, AltaMira Press. percebe a presença de um pensamento de “partes e todos”, que embasa modos de conhecimento euro-americanos (ver também Lebner, 2017LEBNER, Ashley. 2017. “Introduction. Strathern’s redescription of Anthropology”. In: LEBNER, Ashley (org.). Redescribing relations: Strathernian conversations on ethnography, knowledge and politics. Nova York, Berghahn Books, 2017, pp. 1-38.).

Embora a ideia de testemunho apresentada por Taussig e Berger se incline, em certos momentos, para a evocação, creio que ela também comporta uma transformação da pessoa que desenha naquilo que desenha e, assim, pode carregar outras implicações, que têm a ver com a possibilidade de intervir/participar na configuração das relações que ampliam e transformam a existência. Essa é a dimensão de testemunho que procuro retomar mais adiante, sobretudo a propósito de minha experiência de campo.

DESENHO [E/OU] DESIGN

Uma questão presente em Ingold propicia um diálogo ampliado com outros antropólogos. Ela diz respeito ao termo “design”. O antropólogo considera que design, ao contrário do que sugere sua associação corrente com a ideia de projeto, não precede o desenhar. Design [...] tem um “tempo de crescimento ou formação, de ontogênese” (Ingold, 2013INGOLD, TIM. 2013. Making: Anthropology, Archeology, Art and Architecture. Londres, Routledge.: 69). Reside nessa compreensão um aspecto central do argumento de Ingold (2012)INGOLD, Tim. 2012. “Trazendo as coisas de volta à vida. Emaranhados criativos num mundo de materiais”. Horizontes Antropológicos, v. 18, n. 37: 25-44.: seu questionamento ao pensamento hilemórfico, que separa entre forma e matéria. A proposta é deslocar o foco de um produto ou forma final para os processos de formação e fluxos de transformação que percorrem as coisas e seres e produzem zonas de interpenetração e mistura entre eles. Nesse sentido, as artes e ciências (humanas e naturais) não deveriam olhar para formas acabadas, mas sim se unir a forças que fazem formas, somando-se a movimentos contínuos dos fios vitais que as percorrem e atravessam, à animação mútua que lhes confere existência.

O design não resultaria, portanto, de um projeto, mas sim da execução: como poderíamos desenhar um mundo perpetuamente em obra por seus habitantes, que desempenham cotidianamente a tarefa da perpetuação da vida? - pergunta-se o autor. Um relógio possui formato específico, em razão da disposição, combinação ou engajamento entre/com as peças, em exemplo de Ingold (2013INGOLD, TIM. 2013. Making: Anthropology, Archeology, Art and Architecture. Londres, Routledge.). Um cesto é visto como a “incorporação de movimentos rítmicos”, sua forma final emerge graças a um jogo de forças que envolve materiais e outros fatores ambientais - não é, assim, a impressão dos planos ou ideias anteriores de um criador (Ingold, 2000INGOLD, TIM. 2000. “On weaving a basket”. In: INGOLD, Tim. The Perception of the Environment. London, Routledge, pp. 339-348.). Assim, um design pode ser visto, entre outras coisas, como um desenho que cresce/cresceu com o tempo.

A palavra design tem recebido a atenção de antropólogos há décadas. Em língua inglesa, há uma distinção mais evidente entre desenho e design. Desenho (drawing) seriam linhas, motivos, figuras traçadas com lápis, caneta, pincel ou outros materiais sobre uma superfície ou em um meio, enquanto design se refere ao arranjo das partes que compõem uma coisa, ao arranjo de elementos conforme um padrão (listras, motivos geométricos, flores, etc.) - inclusive formando desenhos - e ao projeto que indica como uma criação deve parecer. Essa distinção trata o desenho como algo quase independente da superfície desenhada, enquanto o design poderia ser uma qualidade intrínseca das coisas, que faz delas um todo ordenado segundo princípios estéticos ou composicionais preestabelecidos. Já em português, o uso da palavra design e a distinção mais rigorosa entre desenho e design é relativamente recente, de modo que a palavra desenho engloba a palavra design em muitos aspectos. O que a antropologia tem evidenciado é como essas definições podem ser deslocadas pela imensa variedade de desenhos e/ou designs existentes e das diferentes relações que eles permitem, em variados contextos (p. ex. Vidal, 1992VIDAL, Lux (org.). 1992. Grafismo indígena . São Paulo, Studio Nobel/Fapesp/Edusp .; Gallois, 1988GALLOIS, Dominique Tilkin. 1988. O movimento na cosmologia waiãpi: criação, expansão e transformação do universo. São Paulo, tese de doutorado, Universidade de São Paulo., 1992GALLOIS, Dominique Tilkin. 1992. “Arte iconográfica waiãpi”. In: VIDAL, Lux (org.). Grafismo Indígena. São Paulo, Studio Nobel/Fapesp/Edusp, pp. 209-230., 2002GALLOIS, Dominique Tilkin. 2002. Kusiwa: pintura corporal e arte gráfica wajãpi. Rio de Janeiro, Museu do Índio - FUNAI/APINA/CTI/NHII-USP.; Müller, 1990MÜLLER, Regina Aparecida Polo. 1990. Asurini do Xingu. História e arte. Campinas, Editora da Unicamp. e 1992MÜLLER, Regina Aparecida Polo. “Tayngava, a noção de representação na arte gráfica”. In: VIDAL, Lux (org.). Grafismo Indígena . São Paulo, Studio Nobel/Fapesp/Edusp , pp. 133-142.; Barcelos Neto, 2000BARCELOS NETO, Aristóteles. 2000. A arte dos sonhos. Uma iconografia ameríndia. Lisboa, Museu Nacional de Etnologia/Assírio&Alvim. e 2004BARCELOS NETO, Aristóteles. 2004. Apapaatai: rituais de máscaras no Alto Xingu. São Paulo, Edusp.; Lagrou, 1998LAGROU, Els. 1998. Caminhos, duplos e corpos: uma abordagem perspectivista da identidade e alteridade entre os Kaxinawa. São Paulo, tese de doutorado, Universidade de São Paulo., 2007LAGROU, Els. 2007. Fluidez da forma: arte, alteridade e agência em uma sociedade amazônica (Kaxinawa, Acre). Rio de Janeiro, Topbooks. e 2013LAGROU, Els. 2013. “A pele da Anaconda: um princípio andrógeno de geração e ligação de formas na Amazônia popular”. Caxambu, 37º Encontro Anual da Anpocs. http://anpocs.com/ index.php/encontros/papers/37-encontro-anual-da-anpocs/st/st35/8645-a-pele-da-anaconda-um-principio-androgeno-de-geracao-e-ligacao-de-formas-na-amazonia/file.
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; Coelho de Souza, 2012COELHO DE SOUZA, Marcela. 2012. “A pintura esquecida e o desenho roubado: contrato, troca e criatividade entre os Kisêdjê”. Revista de Antropologia , v. 55, n. 1: 209-253. https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2012.46965.
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; Cesarino, 2011CESARINO, Pedro N. 2011. Oniska: poética do xamanismo na Amazônia. São Paulo, Perspectiva/Fapesp., 2012CESARINO, Pedro N. 2012. “A escrita e os corpos desenhados: transformações do conhecimento xamanístico entre os Marubo”. Revista de Antropologia , v. 55, n. 1: 75-137. https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2012.47583.
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e 2013CESARINO, Pedro N. 2013. “Cartografias do cosmos: conhecimento, iconografia e artes verbais entre os Marubo”. Mana , v, 19, n. 3: 437-471. https://doi.org/10.1590/S0104-93132013000300002.
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).

Nesse sentido, design é a palavra usada em diferentes trabalhos em língua inglesa sobre grafismos (“designs”). Os grafismos são marcados, grosso modo, pela repetição ou replicação de padrões auto-similares, por vezes segundo princípios de transformação planar (reflexão, rotação, translação e reflexão deslizante).12 12 Ver Gell (1998), sobre labirintos. Outros pontos: o grafismo pode formar fractais, ou seja, estruturas que se complexificam em níveis cada vez mais finos de detalhes, sem perder a forma básica. Por fim, a definição de grafismo pode incluir motivos figurativos (p. ex., Cisneiros; Pessis, 2011) - notadamente, quando configuram um padrão de notação gráfica, cujo estilo de traço se destaca em relação à figura supostamente desenhada. Em certos casos, incorporam modificações sutis que produzem movimento intraimagético (Lagrou, 2013LAGROU, Els. 2013. “A pele da Anaconda: um princípio andrógeno de geração e ligação de formas na Amazônia popular”. Caxambu, 37º Encontro Anual da Anpocs. http://anpocs.com/ index.php/encontros/papers/37-encontro-anual-da-anpocs/st/st35/8645-a-pele-da-anaconda-um-principio-androgeno-de-geracao-e-ligacao-de-formas-na-amazonia/file.
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). Lévi-Strauss (1942LÉVI-STRAUSS, Claude. 1942. “Indian cosmetics”. VVV, 1: 33-35., 1955LÉVI-STRAUSS, Claude. 1955. Tristes tropiques. Paris, Plon. e 2008LÉVI-STRAUSS, Claude. 2008. “O desdobramento da representação nas artes da Ásia e da América”. In: LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. São Paulo, Cosac&Naify, pp. 261-292.) notou, sobre a pintura facial kadiweu, que ela refaz a superfície na qual se aplica como outra superfície, com profundidade e características próprias. Pode-se, enfim, dizer que grafismos existem no e fora do suporte: são design e desenho.

Assim como Ingold, diferentes antropólogos sugerem que design não se resume a um projeto anterior ao desenho, à imagem mental ou à forma final resultante do ato de desenhar. Também sugerem que o design pode envolver fluxos relacionais bastante amplos. A partir de aprendizagens com os Piro, no Peru, Peter Gow (1999GOW, Peter. 1999. “Piro designs. Painting as meaningful action in an Amazonian lived world”. JRAI, v. 5, n. 2: 229-246. https://doi.org/10.2307/2660695.
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e 2001GOW, Peter. 2001. An Amazonian myth and its history. Oxford, Oxford University Press.) mostra que design (yonchi) é uma experiência saliente que resulta, por exemplo, na ação de “pintar com design” (yonata). Há yonchi na pintura feita por mulheres, no corpo de alguns animais, nas visões de Yagé e na produção das pessoas (sendo a placenta o primeiro design).

Uma “pintura com design” é uma decorrência da agência das mulheres, manifesta em sua capacidade de manejar fluxos (gachi), como o de cerveja de mandioca e os fluidos sexuais. É preciso haver cerveja circulando, relações sexuais e linhas pintadas para haver design como experiência saliente desses fluxos, pois ele resulta da incorporação de inúmeras relações. Assim, design vai além do modo com que um suporte se re-a-presenta (formato, cor, qualidades materiais). Ele envolve uma lógica ontológica, por assim dizer, que se refere à produção da existência em diferentes registros (ou incorporações/encorporações) e à criatividade em si mesma, entendida como movimento de perpetuação da vida em fluxos. Note-se também que “os designs piro não são um código visual para a representação de objetos de uma ordem diferente deles mesmos” (Gow, 1999GOW, Peter. 1999. “Piro designs. Painting as meaningful action in an Amazonian lived world”. JRAI, v. 5, n. 2: 229-246. https://doi.org/10.2307/2660695.
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: 236). Eles são uma incorporação da riqueza infinita de experiência vivida, conforme Gow13 13 A ideia de que um desenho ou design é, afinal, relação está presente, de diferentes maneiras, nos trabalhos de Gebhart-Sayer (1985); Gallois (1988, 1992 e 2002); Van Velthen (1998 e 2003); Barcelos Neto (2000 e 2004); Lagrou (1998, 2007 e 2013); Coelho de Souza (2012); Belaunde (2013 e 2016) e Cesarino (2013), entre outros. .

Design não seria, portanto, um projeto de como as coisas devem parecer. Ele não necessariamente emerge a partir de um único engajamento via transdução, pois vai sendo produzido em momentos diferentes no tempo e no espaço - passa por diferentes engajamentos. Talvez seja possível perceber também o desenho como algo que existe porque a vida flui através de corpos e seres que crescem nesses fluxos e relacionamentos. Desenho e design seriam adquiridos na concepção e crescimento dos seres, como aspectos da vida incorporada e da encorporação de vida em outros seres e coisas. Isso permite vislumbrar alcances dos desenhos/designs existentes (e de novas composições e figuras) e suas implicações em corpos, seres, lugares e relações com o espaço (Müller, 1990MÜLLER, Regina Aparecida Polo. 1990. Asurini do Xingu. História e arte. Campinas, Editora da Unicamp. e 1992MÜLLER, Regina Aparecida Polo. “Tayngava, a noção de representação na arte gráfica”. In: VIDAL, Lux (org.). Grafismo Indígena . São Paulo, Studio Nobel/Fapesp/Edusp , pp. 133-142.; Severi, 2007SEVERI, Carlo. 2007. Le principe de la chimère. Une anthropologie de la mémoire. Paris, Éditions Rue d’Ulm/Musée du Quai Branly. e 2013SEVERI, Carlo. 2013. “O espaço quimérico. Percepção e projeção nos atos do olhar”. In: SEVERI, Carlo; LAGROU, Els (org.). Quimeras em diálogo . Rio de Janeiro, 7 Letras , pp. 25-66.; Lagrou, 2013LAGROU, Els. 2013. “A pele da Anaconda: um princípio andrógeno de geração e ligação de formas na Amazônia popular”. Caxambu, 37º Encontro Anual da Anpocs. http://anpocs.com/ index.php/encontros/papers/37-encontro-anual-da-anpocs/st/st35/8645-a-pele-da-anaconda-um-principio-androgeno-de-geracao-e-ligacao-de-formas-na-amazonia/file.
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; Cesarino, 2013CESARINO, Pedro N. 2013. “Cartografias do cosmos: conhecimento, iconografia e artes verbais entre os Marubo”. Mana , v, 19, n. 3: 437-471. https://doi.org/10.1590/S0104-93132013000300002.
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).

Com interlocutores Shipibo-Conibo, Gebhart-Sayer (1985)GEBHART-SAYER, Angelika. 1985. “The geometric designs of the Shipibo-Conibo in ritual context”. Journal of Latin-American Lore, v. 2, n. 2: 143-145. https://www.international.ucla.edu/lai/publications/lore.
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14 14 Lagrou (1995) analisa as diferenças entre Gebhart-Sayer, Gow e outros autores. Ver também Gow (1989). aprendeu que os corpos de todas as pessoas são desenhados com padrões invisíveis (kene). O adoecimento acontece quando um espírito desmancha tais desenhos. Para curar, o xamã conta com o auxílio de um colibri que refaz os grafismos com o bico e as asas. Uma figura que não se refaz é sinal de morte iminente. O corpo redesenhado é protegido por uma capa de canções (pana).

Nesse caso, desenhar pode não envolver uma relação direta de contiguidade mão-transdutor-linha, consistindo num fazer que envolve mais de um, passando pela agência de plantas e outros seres. Seria possível perguntar, então, se alguém que recebe desenhos de plantas e passa a desenhar (ou a realizar outras atividades envolvendo grafismos, como tecer) é autor de seus desenhos ou se está atuando conjuntamente com outros seres e agências. Ou ainda, em qual estado da existência uma pessoa que desenha se encontra. Por fim, quem/o que estaria operando como transdutor nesses casos? Onde começa, afinal, um desenho? Tais perguntas podem contribuir para pensar a pintura visionária15 15 Feita sob a guia de plantas de conhecimento, como a Ayahuasca. Ver, por exemplo, o trabalho de Pablo Amaringo (1943-2009), fundador da escola Usko Ayar, em 1988, com apoio do antropólogo Luis Eduardo Luna e de Sirpa Rasanen. - bem analisada por Belaunde (2013BELAUNDE, Luisa Elvira. 2013. “Movimento e profundidade no kene shipibo-konibo da Amazônia peruana”. In: SEVERI, Carlo; LAGROU, Els (org.). Quimeras em diálogo. Rio de Janeiro, 7 Letras, pp. 199-222. e 2016BELAUNDE, Luisa Elvira. 2016. “Donos e pinturas: plantas e figuração na Amazônia peruana”. Mana, v. 22 n. 3: 611-640. https://doi.org/10.1590/1678-49442016v22n3p611.
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) -, entre outras manifestações, e desenhos que, como ela mostra, “brotam” como plantas, têm potência acumulada e guardam relação com seres não-humanos. Um trabalho que traz mais elementos para pensar questões desse tipo é o de Els Lagrou (1995, 1998LAGROU, Els. 1998. Caminhos, duplos e corpos: uma abordagem perspectivista da identidade e alteridade entre os Kaxinawa. São Paulo, tese de doutorado, Universidade de São Paulo., 2007LAGROU, Els. 2007. Fluidez da forma: arte, alteridade e agência em uma sociedade amazônica (Kaxinawa, Acre). Rio de Janeiro, Topbooks., 2013LAGROU, Els. 2013. “A pele da Anaconda: um princípio andrógeno de geração e ligação de formas na Amazônia popular”. Caxambu, 37º Encontro Anual da Anpocs. http://anpocs.com/ index.php/encontros/papers/37-encontro-anual-da-anpocs/st/st35/8645-a-pele-da-anaconda-um-principio-androgeno-de-geracao-e-ligacao-de-formas-na-amazonia/file.
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), que aborda uma oposição entre desenho/design e imagem, identificada por diferentes antropólogos no mundo amazônico: grosso modo, um desenho (re)produz o corpo como forma contínua, enquanto a imagem seria desprovida de corpo, instável, em processo de transformação contínua. O desenho também faria, em certos casos e de diferentes maneiras, a mediação entre o mundo dos corpos e o mundo das imagens.

A autora pontua que, entre os Huni Kuin, o desenho/design é o que dá forma aos corpos de todos os seres e os diferencia16 16 Várias palavras referem-se a tipos de imagem e/ou desenho, segundo a autora: yuxin, como imagem no espelho; dami, uma réplica inacabada ou imperfeita; imagem sem corpo; kene, desenho que torna possível a percepção; kunu, desenhos/visões que aparecem no início da toma de Ayahuasca (sobretudo, na forma de padrões gráficos). . Mas como o ser tende à transformação contínua, o desenho/design é instável. Cada estado do ser é uma percepção-imaginação que se desloca entre a visão dos olhos e a visão do espírito dos olhos (seu yuxin) - uma espécie de visão mental ou onírica, em termos ocidentais. Assim, há uma tensão existencial no desenho/design, que parece definir os corpos e, ao mesmo tempo, empurrá-los a ser outros. Viver é experimentar uma relação entre imaginação perceptiva e percepção imaginativa através de determinados padrões gráficos, saber-se corpo que vê em muitos mundos. O desenho poderia, assim, resultar de uma experiência ou de um fazer em um estado de percepção-imaginação específico, virando outro desenho, em estados diferentes.

A antropóloga também nota que, para alguns povos indígenas - como os Shipibo Conibo -, Certos desenhos (kene) visam “produzir uma percepção espacial nova através do jogo entre as linhas que não substitui um espaço preexistente, mas se superpõe a este” (Lagrou, 2013LAGROU, Els. 2013. “A pele da Anaconda: um princípio andrógeno de geração e ligação de formas na Amazônia popular”. Caxambu, 37º Encontro Anual da Anpocs. http://anpocs.com/ index.php/encontros/papers/37-encontro-anual-da-anpocs/st/st35/8645-a-pele-da-anaconda-um-principio-androgeno-de-geracao-e-ligacao-de-formas-na-amazonia/file.
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: 81). A maior parte deles é “invisível”. Merece atenção a capacidade de cada desenho de abrir o espaço em imagens diferentes, desencadeando um jogo de transformações contínuas.

Garcia dos Santos (2014)GARCIA DOS SANTOS, Laymmert. 2014. “Projeções da terra-floresta: o desenho-imagem yanomami”. L. https://www.laymert.com.br/yanomami/.
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, por sua vez, qualifica como desenho-imagem o tipo de desenho feito por alguns Yanomami a pedido de Claudia Andujar17 17 Ver alguns desenhos em Andujar, 1979. Em contextos diferentes, antropólogos também convidaram seus interlocutores a desenhar, levando ou não materiais específicos a campo. Ver, p. ex., Recasens, M. R. M., 1963; Recasens, M. R. M.; Recasens T., J., 1965; Reichel-Dolmatoff, 1985 e 1987; Langdon, 1992; Ribeiro, 1992; Gallois, 1988, 1992, 2002 - que levou os materiais a pedido dos Waiãpi; Barcelos Neto, 2000; Cesarino, 2013. . A fotógrafa deu a eles papel e canetas coloridas - materiais que até então desconheciam -, para que mostrassem, nas folhas, suas terras e perspectivas. O sociólogo fala da impressão dos desenhos sobre Francis Alÿs. Esse artista os viu como projeções de imagens que tomam o espaço do papel como um todo - não porque as linhas recubram toda a superfície (nem sempre é assim), mas por seu movimento: os desenhos desenham a si mesmos na folha, “inscrevem a terra-floresta numa superfície que transfigura a folha de papel, que a leva ao limite da topologia” (Garcia dos Santos, 2014GARCIA DOS SANTOS, Laymmert. 2014. “Projeções da terra-floresta: o desenho-imagem yanomami”. L. https://www.laymert.com.br/yanomami/.
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: [s/p]). Por fim, revelam, segundo Garcia dos Santos, um modo de ser-imagem próprio do xamanismo, que incorpora perspectivas aparentemente incompatíveis em si.

QUESTÕES PARA UMA ANTROPOLOGIA COM DESENHO

O trabalho com imagens - desenho, foto, visão, sonho, memória, reflexo e metáfora (“imagem verbal”), entre outras coisas - possibilita ao antropólogo “mostrar a etnografia”, como o texto apenas não pode fazer (Caiuby Novaes, 2008CAIUBY NOVAES, Sylvia. 2008. “Imagem, magia e imaginação: desafios ao texto antropológico”. Mana , v. 14, n. 2: 455-475. https://doi.org/10.1590/S0104-93132008000200007.
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e 2014CAIUBY NOVAES, Sylvia. 2014. “O silêncio eloquente das imagens fotográficas e sua importância na etnografia”. Cadernos de Arte e Antropologia , v. 3, n. 2: 57-67. https://doi.org/10.4000/cadernosaa.245.
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). Isso porque a etnografia é um tipo de pesquisa que “permite um conhecimento em que os aspectos mais sensíveis impregnam o conhecimento inteligível que aos poucos ele vai adquirindo” (Caiuby Novaes, 2014CAIUBY NOVAES, Sylvia. 2014. “O silêncio eloquente das imagens fotográficas e sua importância na etnografia”. Cadernos de Arte e Antropologia , v. 3, n. 2: 57-67. https://doi.org/10.4000/cadernosaa.245.
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: 59): uma investigação em que o conhecimento entra no corpo e provoca novas maneiras de estar no mundo.

Pergunto-me, então, em que medida o desenho antropológico está ou deixa de estar impregnado de campo? Que tipo de desenho permite mostrar a etnografia? Como abordar a dupla posição do antropólogo como alguém que desenha com as próprias mãos e alguém que é percorrido por muitos eus e relações, tornando-se, em certas conjunções, um suporte ou transdutor e deixando de ser o desenhador? Ou, ainda, alguém que é desenhado? E como lidar com questões complexas envolvidas no desenho, sobretudo as que dizem respeito à relação que diferentes sujeitos em campo têm com essa prática, as figuras desenhadas e as imagens?

Não há resposta única para esse tipo de pergunta e as pesquisas recentes com/ sobre desenho em antropologia têm contribuído para ampliar horizontes, inclusive, ao deixar-se envolver no desafio de desenhar e conhecer com os outros - e não sobre ou a partir deles (Ingold, 2011bINGOLD, Tim. 2011b. Being alive: essays on movement, knowledge and description. Abingdon, Routledge.). Considero importante, nesse sentido, articular algumas reflexões que remontam à minha experiência de campo.

PERCURSO, AMARRAÇÃO E KILKA: DA LINHA À SERPENTE

Ao longo de minha pesquisa, ficou bastante evidenciada uma relação entre caminhar (purij) e desenhar, pintar ou desempenhar outras atividades - por exemplo, tecer. Essa última prática é voltada, entre outras coisas, à confecção de uma faixa recoberta de grafismos - o chumbe -, usada ao redor da cintura, sobretudo pelas mulheres18 18 Notadamente, crianças pequenas e taitas também as utilizam. . Tecida mais frequentemente com fios de lã de três cores, como ensina Benjamín (Jacanamijoy, 1998JACANAMIJOY TISOY, Benjamín. 1998. El chumbe inga: una forma artística de percepción del mundo. Bogotá, Instituto Colombiano de Cultura. e 2017JACANAMIJOY TISOY, Benjamín. 2017. El chumbe inga: una forma artística de percepción del mundo . Bogotá, o autor.), um chumbe contém cerca de 100 grafismos de uma base de 38 motivos conhecidos e compõe a história de sua tecedora.

Aprendi com meus amigos que a palavra caminhar refere-se, entre outras coisas, à maneira com que tudo o que faz parte da existência possui um caminhar. Através de um caminhar, a criatividade flui e dá muitas coisas, como plantas e quadros. Traçar uma linha no papel e amarrar um percurso com desenho, tecer, ou semear a terra são modos de caminhar, podendo-se, inclusive, “caminhar palavras”. Importa reter que uma obra de arte - bom ou bonito fazer (de suma ruray)19 19 A palavra “arte” não existe em inga. Aprendi com Benjamín e Tirsa Chindoy a expressão suma ruray (bom/ bonito fazer), também presente em Manai Kowii (2016), artista Kichwa. -, pode ser vista pelas pegadas e caminhos de linhas e percursos que contém, capazes de ativar e perpetuar vida(s).

Apresento em linhas breves tais artistas: Benjamín Jacanamijoy Uaira Uaua é formado em desenho gráfico na Universidad Nacional da Colômbia. Carlos Jacanamijoy e Kindi Llajtu são formados em artes visuais na mesma universidade. Rosa Tisoy é formada em artes visuais na Universidad del Cauca, em Popayán, e Tirsa Chindoy e Nestor Jacanamijoy formaram-se em artes visuais na Universidad de Antioquia, em Medellín. Todos são beneficiários do programa de admissão especial para estudantes indígenas implementado no final da década de 1980 nesse país. Os três primeiros são amplamente reconhecidos na Colômbia e no exterior, enquanto Rosa, Tirsa e Nestor vêm angariando reconhecimento crescente. Todos expõem em galerias e museus importantes, que movimentam um mercado ocidental, por assim dizer. Atualmente, Nestor tem estado mais voltado à confecção e comercialização de acessórios com miçangas20 20 Uma parte dessa produção - de colares, pulseiras, brincos e outros itens - é vendida para turistas que viajam ao Vale de Sibundoy, sobretudo em razão das terapias xamânicas com plantas de conhecimento. Outra parte é vendida em lojas e feiras em diferentes partes da Colômbia e no exterior, principalmente no Equador e na Venezuela. . As obras desses artistas transitam entre a pintura, as intervenções em objetos, corpos e lugares, o site specific, a performance e outras modalidades expressivas e perceptivas. Embora todos explorem uma variedade de formatos, Carlos, Kindi e Nestor, particularmente, têm vasta produção de pinturas a óleo e/ou acrílico sobre tela, enquanto Rosa e Tirsa dedicam-se mais fortemente à performance, à fotografia (híbrida ou não) e às intervenções em objetos. Benjamín é possivelmente o mais versátil desses artistas, combinando a esses formatos obras de arte eletrônica e outras composições. Ele também é autor de El chumbe inga: una forma artística de percepción del mundo, livro que pode ser situado entre álbum de família, caderno do artista e estudo do chumbe. Em uma de minhas visitas ao ateliê de Kindi Llajtu com Benjamín Jacanamijoy, Kindi comentou em mais detalhe seu processo de composição. Detenho-me em certas pinturas que, como ele diz, seguem pegadas (imagem 1). As pegadas são marcas que se formam em uma superfície por acúmulo e desgaste: manchas de cor e textura resultantes do tratamento das tintas e materiais aplicados e removidos, cobertos novamente e descascados ou arranhados, continuamente. Uma tela mostrada por Kindi tinha um pássaro desenhado, sobre o qual ele explicou:

[...] é uma ave e não sei que ave pode ser, não? E o que se vê, se o vemos aqui à distância, conseguimos ver certas árvores. Que estavam feitas no princípio e que agora se consegue ver como um pouquinho leves. Por quê? Porque fazem parte do processo de como vou trabalhando por tempos, por espaços, por camadas e pegadas, o que vai ficando é a pegada, sim? A pegada do que se fez. Em si, a obra minha, eu acredito que o resultado vem sendo a pegada de tirar, de pôr, de construir e desconstruir, de brincar com o desenho e de pronto o apagar, apagar esse desenho, deixar coisas para novamente fazê-las, sim? E estou nisso (abril de 2016, grifos meus).

Imagem 1
Kindi Llajtu. Nidos en la Aurora [2016]. Acrílico e óleo sobre tela, 50cm x 80cm.

Segundo Kindi, os contornos de uma pegada sugerem uma presença - algo que pode ou não ser amarrado. Amarra-se uma pegada com linhas e, uma vez amarrada, ela vira desenho: faz percurso. O desenho, por sua vez, pode ser apagado e virar pegada outra vez. O que fica são telas-terra, plenas de pegadas que dão caminhos em um espaço ampliado. Não só o artista vê pegadas ao pintar: cada pessoa, diante de um desses quadros, é convidada a ver suas pegadas e formar seus próprios desenhos e percursos. São caminhos que existem para alguém que possa amarrar o que eles dão. Há níveis variados de percepção e afetação implicados nessas telas, que se tornam deslocamentos espaciais em si mesmos, com desenhos-fronteiras e linhas-caminhos. Segundo Kindi:

O desenho e a linha dão duas opções, limitam e deslimitam, porque da linha para dentro, [o quadro] te fala de uma maneira e da linha para fora, [o quadro] te diz outras coisas, deslimita. Então a linha é uma forma de perceber e é um percurso, é um percurso e o percurso pode ser a própria linha, o percurso de um rio ou o percurso mesmo de como começa um quadro e alguém se afasta dele (abril de 2016).

Refiz o alcance dessa conversa ao caminhar ressonâncias. Ela fez lembrar uma imagem que encontrei primeiro através do artista walla walla James Lavadour e, depois, do filósofo e historiador da arte francês Georges Didi-Huberman: a visão de erosões remodelando criativamente o espaço e abrindo passagens e alternativas existenciais. Para Lavadour (2013)LAVADOUR, James. 2013. “James Lavadour - Walla Walla”. Contemporary North American indigenous artists, 3 de janeiro http://contemporarynativeartists.tumblr.com/post/39548682844/james-lavadour-walla-walla.
http://contemporarynativeartists.tumblr....
, mesclar tintas e jogar, esfregar no papel é fazer erosões, que formam cânions, pequenas montanhas e outros caminhos. Já Didi-Huberman (2013DIDI-HUBERMAN, Georges. 2013. A imagem sobrevivente. História da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg. Rio de Janeiro, Contraponto.: 418) vê erosão e fronteira juntas: “que faz o clandestino quando quer cruzar uma fronteira? Usa um intervalo já existente - uma linha de fratura, uma fenda, um corredor de erosão - e que, se possível, passe despercebido aos guardas como um ‘detalhe’”.

O que ressoa com os caminhos são vislumbres dos desenhos que nascem sobre “linhas de fratura”, “fendas” ou “detalhes” no espaço, amarrando pegadas que formam percursos em meio a deslocamentos existenciais, que estão ali para alguém. Ressoam também os versos de Hugo Jamioy Juagibioy, poeta kamëntšá: “Só quero te dizer/filho de minha vida/que nem todos os lugares/são teus,/mas cada um deles/ guarda algo para ti” (2010JAMIOY JUAGIBIOY, Hugo. 2010. “Ndoñ nÿetsquenach/No todos los lugares”. In: JAMIOY JUAGIBIOY, Hugo. Danzantes del viento. Bogotá, Ministerio de Cultura, pp. 38-39.: 39).

Essa reflexão sobre linhas que viram em caminhos na existência ou na “própria história” de alguém, na expressão de Benjamín, envolve um pensamento sobre a vida e as maneiras com que cada pessoa vai acessar o que é importante para sua perpetuação através de inúmeras relações, abrindo novas vias e desfazendo amarrações que aprisionam, ou pelo menos permitindo que seja possível encontrar rotas de saída em todo tipo de percursos - um desenho, por exemplo, cujo interior contenha uma forma, faz erosão, permitindo escapar para outros lugares.

Em inga, não há palavra específica e genérica para “desenho”. Desenhar tem a ver com um caminho que se completa quando algo é amarrado - e o uso da palavra “amarrar”, em espanhol, por meus amigos refere-se, inclusive, ao corpo que é envolvido por uma faixa (uangui, uatai) e ao trançado (simbai), a exemplo do trançado de esteiras (prática já não tão presente). Tem-se então um tipo de desenho/design que é tomado como uma maneira de segurar as coisas em uma forma, fazer um percurso de enlaces e nós, em que elas ficam atadas umas às outras - uma amarração.

“Amarrar” é uma noção importante por muitas razões. Ela remete à confecção e usos do chumbe, que amarra desenhos e é amarrado em torno do ventre, dos pulsos ou da testa, sustentando e segurando o corpo. Remete também à maneira com que uma pessoa conhece pelo umbigo (kosko) o lugar onde está amarrada (Lotierzo, 2019LOTIERZO, Tatiana. 2019. Erosão num pedaço de papel. Brasília, tese de doutorado, Universidade de Brasília. e 2020LOTIERZO, Tatiana. 2020. “Dos corpos, a terra: notas sobre a criatividade no trabalho de Rosa Tisoy”. In: DAL BÓ, Talita L.; LOTIERZO, Tatiana; MAINARDI, Camila (org.). Processos e efeitos da produção de conhecimentos com populações indígenas: algumas contribuições. Goiânia: Imprensa Universitária, pp. 140-188.). O bebê que nasce tem sua placenta e cordão umbilical enterrados em um lugar de tulpa (fogão de pedra), amarrando-se a uma casa e a uma pacha - entendida, grosso modo, como um sol com luminosidade própria (Allen, 2015ALLEN, Catherine J. 2015. “The whole world is watching: new perspectives on Andean animism”. In: BRAY, Tamara L.(ed.). The archaeology of wak’as: explorations of the sacred in the Pre-Columbian Andes. Boulder, University Press of Colorado, pp.23-46.)21 21 Salomon (1991); Allen (2002 e 2015); Dean (2010 e 2015); Mannheim; Salas Carreño (2015) evidenciam que pacha se refere a um tempo e a um espaço, entre muitos que constituem a existência e abrange a terra e a Terra experimentadas por alguém. Allen (2015: 27) aprendeu em Sonqo, Peru, que em um sol diferente, haveria um mundo diferente, com gente diferente. “No momento imediato, vê-se claramente e verdadeiramente. Numa pacha diferente, haveria luz diferente e veríamos diferentemente”. . Isso assegura seu crescimento. Antes de ser enterrado, o cordão é amarrado por um fio de lã vermelha.

O corpo em si pode ser visto como um desenho/design, com seu próprio tempo, para viver neste mundo. Isso envolve uma multiplicidade de existências em outros tempos. Conforme Benjamín (Jacanamijoy Tisoy, 2017JACANAMIJOY TISOY, Benjamín. 2017. El chumbe inga: una forma artística de percepción del mundo . Bogotá, o autor.), esse desenho começa a partir de um par de “olhos de ventre” (uigsa ñaui) que “crescem” corpo, primeiro na barriga. Depois, uma série de atividades asseguram sua fixação em forma humana. O corpo é amarrado também por linhas-tempo: sugllasina kutijkuna, ou tempos iguais, e sugsina kutijkuna, ou tempos diferentes - conceitos que constam do chumbe como grafismos específicos (imagens 2e3). Kutij - quem ou o que regressa (imagem 4) - é a base dos dois grafismos, por isso, pode-se dizer “quem regressa como um só” e “quem regressa como outro”. “Quem regressa como um só”, ou “tempos iguais” fala sobre as maneiras com que uma pessoa é a combinação única de alentos (samai) de seus ancestrais, recebidos de pai e mãe. “Tempos diferentes”, ou “quem regressa como outro” são os outros tempos que ela experimenta ao longo da vida, tempos de seres diferentes que também propiciam crescimento. Em ambos os casos, o corpo vai sendo amarrado, tornado um desenho/design que cresce no(s) tempo(s). Também é sempre passível de se desfazer e refazer. Dois ou mais corpos, por sua vez, existem juntos, amarrados uns nos outros, formam linhas e caminhos que alcançam uma vasta extensão de lugares.

Imagem 2
Sugllasina Kutijkuna/ Tempos Iguais.

Imagem 3
Sugsina Kutijkuna/Tempos Diferentes.

Imagem 4
Kutij/Quem Regressa, O Que Regressa.

Se essa amarração é desfeita, é preciso refazer o corpo - redesenhar. Entram aí certos desenhos curativos que aparecem por meio de um gestual específico chamado, em inga, kilkay. Há indícios da chamada kilka como prática muito antiga no mundo andino. Em 1936, o geógrafo Javier Pulgar Vidal (2014)PULGAR VIDAL, Javier. 2014. “Las ocho regiones naturales del Perú”. Terra Brasilis, 3: 1-20. https://doi.org/10.4000/terrabrasilis.1027.
https://doi.org/https://doi.org/10.4000/...
propôs que quilca seria um topônimo, indicando lugares onde havia arte rupestre. Conforme Platt (1997PLATT, Tristan. 1997. “The sound of light: emergent communication through Quechua shamanic dialogue”. In: HOWARD-MALVERDE, Rosaleen (ed.). Creating context in Andean cultures. Oxford, Oxford University Press , pp. 196-226.), no norte de Potosí, na Bolívia, quillca refere-se a “inscrições gráficas”. Já fontes do período colonial sugerem que, no Tahuantinsuyu, termos quechua e aimara como quillca, quilca, quellca ou kellka seriam usados como “desenhar” ou “pintar” (Porras Barrenchea, 1999PORRAS BARRENCHEA, Raúl. 1999. El legado quechua: indagaciones peruanas - obras completas de Raúl Porras Barrenchea I. Lima, Universidad Mayor de San Marcos.). Outros sentidos são escrita e bordado, sendo a palavra também usada em referência a suportes como o papel grafado trazido pelos espanhóis (seus “documentos”) e certas folhas de árvores nas quais se desenhava ou pintava (Gow, 1990GOW, Peter. 1990. “Could Sangama read? The origin of writing among the Piro of Eastern Peru”. History & Anthropology, v. 5, n. 1: 87-103. https://doi.org/10.1080/02757206.1990.9960809.
https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
; Grube y Arellano, 2002GRUBE, Nikolai; ARELLANO HOFFMAN, Carmen. 2002. “Escritura y literalidad en Mesoamérica y la región andina: una colaboración”. In: ARELLANO-HOFFMANN, Carmen; SCHMIDT, Peer; NOGUEZ, Xavier (org.). Libros y escritura de tradición indígena: ensayos sobre los códices prehispánicos y coloniales de México. Ciudad de México, El Colegio Mexiquense y Universidad Católica de Eichstadtt , pp. 27-63.; Cummins, 2002CUMMINS, Thomas B. F. 2002.“Los quilcakamayoq y los dibujos de Guaman Poma”. In: ARELLANO-HOFFMANN, Carmen; SCHMIDT, Peer; NOGUEZ, Xavier (org.). Libros y escritura de tradición indígena: ensayos sobre los códices prehispánicos ycoloniales de México. Ciudad de México, El Colegio Mexiquense y Universidad Católica de Eichstadtt, pp. 188-215.; Quispe-Agnoli, 2006QUISPE-AGNOLI, Rocío. 2006. La fe andina en la escritura: resistencia e identidad en la obra de Guaman Poma de Ayala. Lima, Universidad Mayor de San Marcos .; Moscovich, 2017MOSCOVICH, Viviana R. 2017. “Khipu, t’uqapu y qillqa y la historia de los Incas”. In: NOBOA, Alden Yépez; MOSCOVICH, Viviana R.; ASTUHUAMÁN GONZÁLES, César W. (org.). El concepto de lo sagrado en el mundo andino antiguo: espacios y elementos pan-regionales. Quito, Centro de Publicaciones PUCE, pp. 288-308.; Harrison, 2020HARRISON, Regina. 2020. “El papel como artefacto y comunicación en Guaman Poma: palabra e imagen en la Nueva corónica”. Letras, v. 91, n. 133: 113-140. http://dx.doi.org/10.30920/letras.91.133.5.
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).

Em campo, aprendi que as grafias kilka feitas por Benjamín não intencionam compor signos gráficos ou figurativos, mas sim curar. Elas são gestos impressos no suporte, como caminhos, através do movimento aleatório de fazer linhas. Em 2017, ele trabalhou com seu filho mais novo, Yacha, na tela Tecido no vento para sanar o espírito (imagem 5), de grandes proporções. Yacha, naquele momento, precisava de sanação e Benjamín explicou que ele próprio precisava se curar para que o filho se curasse: a ligação dos dois, fio do alento dos maiores, precisava ser refeita. Dia após dia, eles foram desenhando linhas kilka com pincéis sobre uma folha de papel, na cor preta, até cobrir o espaço em branco.

Imagem 5
Yacha e Uaira Uaua Jacanamijoy [2017]. Tecido no vento para sanar o espírito. Acrílico sobre papel, 160 x 180.

Nessa obra, que estou chamando de “Tecido no vento para sanar o espírito”, pintar com esses desenhos é como fazer linhas, listras, escrever - é kilkay a palavra para isso, escrever como grafia, como venha à mente, como algo sentido, não palavras. É um exercício como a arte de escrever, ou seja, escrever grafias, não palavras. Essas são linhas que sanam […] é mais ou menos o que eu faço em minhas pinturas, começo com esse tipo de desenho (julho de 2017).

Para desenhar-kilkay, Benjamín move as mãos e braços, retorcendo os pulsos e deixando traços na superfície, livremente. Com o tempo, tem-se um emaranhado. Kilkay é um trabalho exigente, que pode levar meses, até anos. Benjamín contou que todas as suas obras partem desse tipo de linhas e Kindi me mostrou obras suas em processo, com uma base de kilka. Um espaço (chipe) em branco, como explicam, nunca está vazio, dá muitas coisas. A kilka filtra parte do que ele dá e mostra pegadas que podem ser seguidas. Além disso, quem desenha kilkay também é desenhado: traçando as linhas curativas, o corpo do desenhador é refeito. O mesmo acontece com o corpo dos taitas que curam (e suas amarrações), visto que, como diz Benjamín, “uma pessoa não se cura sozinha; pessoas curam-se juntas” (julho de 2017).

Os taitas e sabedores (yachakuna) utilizam esse tipo de gestual, entre outros, para diluir maus pensamentos, ou qualquer coisa que se deseje diluir - as preocupações que alguém tenha, por exemplo - inclusive em conversas cotidianas. Benjamín explica que os desenhos kilkay não fixam coisas, eles correm soltos. Quando alguém segue tais linhas, aprende a senti-las em fluxos que chegam ao coração (sungu)22 22 O termo sungu não se refere ao órgão físico do coração (kurazun), logo, a circulação de fluxos vitais não é entendida somente como fato biológico. Ver Belaunde (2006). . Enquanto o sangue flui num tempo-kilka, o corpo inteiro é retomado e a pessoa pode voltar daqueles lugares de pensamentos perdidos ou aprisionados. O quadro de Benjamín e Yacha, Tecido no Vento para Sanar o Espírito, fez com que ambos fossem desenhadores e desenhados, servindo de mediador para sua cura recíproca.

Mencionei que o espaço (chipe) nunca é vazio. Kilkay, além de reter pegadas, pode proteger os rastros de alguém. Diz-se que um feiticeiro “pega rastro” ao amarrar a terra de uma pegada, entre outras coisas23 23 Inclusive, terra e outros materiais coletados em cemitérios. , em uma bolsa chamada kapachu. O feiticeiro esconde o kapachu na roça ou casa da vítima, para causar malefícios. Uma imagem presente em Munn (1973MUNN, Nancy D. 1973. Walbiri iconography: graphic representation and cultural symbolism in a central Australian society. Ithaca, Cornell University Press.) e Wagner (1986WAGNER, Roy. 1986. Symbols that stand for themselves. Chicago, University of Chicago Press.), sobre os grafismos Walbiri, pode ajudar a pensar, livremente, sobre esse assunto: uma pegada é uma inversão no processo de abstração. Ela contém a existência e o movimento de quem a imprimiu, que podem ser refeitos por quem a encontre24 24 Segundo Wagner (1986: 31), “[...] uma pegada apresenta a si mesma [...] como ser e movimento comprimidos em um plano bidimensional e assim implica a incorporação completa desse ser e movimento [...] qualquer enriquecimento sensório dessa iconografia constitui uma inversão similar do processo de abstração”. .

Sugere-se, com isso, que não se pode definir um quadro ou obra apenas como abstração, pois ele amplia o território de alguém através de muitas pegadas - faz caminho no espaço e permite seguir perpetuando a vida e amarrando coisas boas. O desenho é uma evidência de algo que uma pessoa soube trazer de seu caminhar e do sucesso desses trânsitos que, poderíamos pensar, ultrapassam os domínios que chamamos de atuais, para incluir domínios virtuais (acessados no espaço chipe).

A relação intrínseca entre uma pegada e/ou um desenho e a existência de alguém também está presente quando se diz que um desenho não pode ser copiado. A cópia tem o problema de não amarrar nada. É, afinal, pensamento roubado. Essa expressão é de Benjamín e foi cunhada em referência ao tempo dos brancos - a colonização, que ele traduz como Tempo dos Pensamentos Roubados (Yuyaykunata Kichuska Kutijkunapi). Se em espanhol Benjamín usa o verbo "roubar", ele mesmo esclarece que roubar (sisay) é palavra extremamente negativa, em inga. Já kichuy é algo próximo a despojar. Despojar seria arrancar algo de alguém, fazendo ou não uso da violência, mas também retirar uma parte que acompanha, cobre ou completa uma coisa. Tirar uma cópia, nesse sentido, seria despojar uma coisa de algo que ela contém, ou despojar uma pessoa de algo seu. Para fugir dos perigos da cópia - imagem à deriva -, o desenho tem que existir para alguém que possa/ saiba amarrá-lo, formar percurso. Mesmo o chumbe, que combina 38 grafismos, não se aprende copiando, pois sempre compõe a vida de alguém. Por essa razão, ele deve ser desfeito e refeito inúmeras vezes, tantas quanto for necessário, até que os verdadeiros desenhos - que existem para quem desenha - sejam amarrados.

Desenhar envolve tecer relações harmônicas com todos os seres, a fim de conhecer a própria história - entendida como a passagem por caminhos que também ajudam a preservar os percursos alheios. Daí a importância de fazer obras onde cada pessoa possa achar seus próprios percursos - e não apenas os percursos do artista.

A conexão entre desenhos e caminhos em uma terra existencialmente vasta remete à história de uma batalha contra uma serpente, “amarrón” - o que aproxima os Inga de outros povos que encontram uma cobra na origem dos desenhos (p. ex. Reichel-Dolmatoff, 1978REICHEL-DOLMATOFF, Gerardo. 1978. Beyond the Milky Way: hallucinatory imagery of the Tukano indians. Los Angeles, UCLA Latin American Center Publications. e 1985REICHEL-DOLMATOFF, Gerardo. 1985. Basketry as metaphor: arts and crafts of the Desana indians of the Northwest Amazon. Los Angeles, University of California Press.; Gebhart-Sayer, 1985GEBHART-SAYER, Angelika. 1985. “The geometric designs of the Shipibo-Conibo in ritual context”. Journal of Latin-American Lore, v. 2, n. 2: 143-145. https://www.international.ucla.edu/lai/publications/lore.
https://www.international.ucla.edu/lai/p...
; Gow, 1999GOW, Peter. 1999. “Piro designs. Painting as meaningful action in an Amazonian lived world”. JRAI, v. 5, n. 2: 229-246. https://doi.org/10.2307/2660695.
https://doi.org/https://doi.org/10.2307/...
; Lagrou, 1998LAGROU, Els. 1998. Caminhos, duplos e corpos: uma abordagem perspectivista da identidade e alteridade entre os Kaxinawa. São Paulo, tese de doutorado, Universidade de São Paulo. e 2013LAGROU, Els. 2013. “A pele da Anaconda: um princípio andrógeno de geração e ligação de formas na Amazônia popular”. Caxambu, 37º Encontro Anual da Anpocs. http://anpocs.com/ index.php/encontros/papers/37-encontro-anual-da-anpocs/st/st35/8645-a-pele-da-anaconda-um-principio-androgeno-de-geracao-e-ligacao-de-formas-na-amazonia/file.
http://anpocs.com/ index.php/encontros/p...
; Barcelos Neto, 2000BARCELOS NETO, Aristóteles. 2000. A arte dos sonhos. Uma iconografia ameríndia. Lisboa, Museu Nacional de Etnologia/Assírio&Alvim., 2004BARCELOS NETO, Aristóteles. 2004. Apapaatai: rituais de máscaras no Alto Xingu. São Paulo, Edusp. e 2011BARCELOS NETO, Aristóteles. 2011. “A serpente com o corpo repleto de canções: um tema amazônico sobre a arte do trançado”. Revista de Antropologia, v. 54, n. 2: 981-1012. https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2011.39653.
https://doi.org/https://doi.org/10.11606...
; Van Velthen, 2001). Há, decerto, mais de uma versão para essa história, mas alguns pontos se repetem: os habitantes de Uaira começaram a desaparecer. Descobriu-se que eles estavam sendo devorados, um a um, pela enorme serpente. A população, junto aos taitas sinchi, resolveu atacar a amarrón, atirando-lhe ají (pimenta) no corpo e na boca. Cada versão tem um final: a serpente saiu se contorcendo e ficou aninhada em um lugar, onde brotaram as águas termais do Salado25 25 Salado é um lugar com alta concentração de sal, onde várias espécies de herbívoros buscam alimento. O Salado em questão fica próximo ao vulcão Patascoy (de patasca, brasa ou cinza fervente), Lugar das Cinzas Ferventes, possível referência à passagem da cobra em chamas. Outros locais em torno do Vale parecem remeter ao trajeto da serpente: Cerro Cascabel (chocalho) - onde se ouve na água o ruído da cobra - e Páramo de Quilinsayaco (água de carvão). , ou partiu-se ao meio, virando dois rios, às margens do quais nasceram plantas de poder desconhecidas e pedras misteriosas - sinchis petrificados em meio à batalha.

Além de modelar a terra que circunda e dá forma ao vale, a amarrón também deixou grafismos em pelo menos 28 pedras na região (Patiño, 1995PATIÑO, Diogenes. 1995. Línea de transmisión eléctrica a 230 Kv. Pasto-Mocoa. Cali, Instituto Vallecaucano de Investigaciones Científicas.; Flórez Páez, [s.d.]FLÓREZ PÁEZ, Ana Lucía. [s.d.]. “Piedras vivas: manifestaciones rupestres y memoria oral en el Valle de Sibundoy, corredor milenario entre Andes y selva”. Rupestre Web. http://www.rupestreweb.info/piedrasvivas.html.
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)26 26 Sobre a importância das pedras no mundo andino, ver Duviols (1979); Dean (2010 e 2015). . Conta-se que elas são sinchis requisitados por quem busca ensinamentos, conselhos eremédios. Quem deseja receber esse conhecimento deve levar presentes, como tabaco, de preferência à noite, quando seu calor e respiração são mais intensos. As parteiras, sovadeiras (sobanderas, que colocam os ossos no lugar) e suas aprendizes procuram tais sinchi em noites de lua cheia ou minguante. Elas massageiam espirais gravadas na pedra e, assim, vão “curando” suas mãos para “trazer bem” (apamuchij) os seres que chegam a este mundo. Um desenho recorrente é o da dupla espiral. Diz-se que pedras com espirais são “pedras com cobras” - lembrança da amarrón. Abordá-las requer cuidado. O consumo de pimenta é vetado, pois a serpente e as espirais podem fugir e voltar a devorar gente. Adicionalmente, cultiva-se ají ao redor de algumas (Flórez Páez, [s.d.]FLÓREZ PÁEZ, Ana Lucía. [s.d.]. “Piedras vivas: manifestaciones rupestres y memoria oral en el Valle de Sibundoy, corredor milenario entre Andes y selva”. Rupestre Web. http://www.rupestreweb.info/piedrasvivas.html.
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).

Além de lugares, rios e desenhos, a serpente transforma-se em chumbe. Mamita Mercedes contou-me a história de uma jovem que tecia um chumbe em sua casa. Foi quando um “urso” (kusumbi - o quati, como vim a saber27 27 Gusumbi (quati, na Colômbia) é também “urso”, no Vale. Os nomes de outros animais também têm mais de uma tradução. ) entrou, sem que ela se desse conta. Queria raptá-la, mas avistou uma serpente na cintura da jovem e fugiu assustado. Era um chumbe que ela tecia, preso a um degrau da escada que levava à despensa no piso superior. O urso via no chumbe, afinal, seu lado cobra, aparição desse ser em outra circunstância. Já Margarita Jansajoy (1984JANSASOY, Margarita. 1984. Muscuycuna y tapiacuna, sueños y agüeros en inga y español. Santiago, Comité de Educación Inga de la Organización Musu Runakuna.: 17-18; McDowell, 1989MCDOWELL, John Holmes. 1989. Sayings of the ancestors: the spiritual life of the Sibundoy indians. Lexington, The University Press of Kentucky.: 62-63) registra um sonho: o cordão que prendia seu cabelo se desatava. No dia seguinte, na roça, ela agarrou um punhado de ervas e, quando olhou, tinha na mão a cabeça de uma cobra.

Cobra e desenhos aparecem em contextos de trânsito e transformação por outros tempos e estados do ser. Talvez, então, seja possível imaginar a importância do chumbe como marco de uma transição do nascimento a corpo estável: um chumbe usado pelas crianças garante a formação e fixação do corpo em seus primeiros anos. As meninas seguem portando chumbes ao longo da vida e, assim, protegem/amarram a matriz Uigsa Suyu com desenhos. Por fim, o fluxo que vai da terra - o Salado, os rios - às pedras e à faixa também inclui pelo menos um desenho do chumbe: Kutij. Essa dupla espiral sugere um movimento com pelo menos dois começos, dois pontos no espaço, que inauguram fluxos em uma e outra direção.

Há muitas dimensões implicadas nos desenhos e uma delas diz respeito ao fato deles amarrarem corpos e percursos, remetendo a uma passagem entre tempos. Eles também apontam para a instabilidade do ser e à tensão existencial que afeta todos os seres-corpo. Em campo, aprendi a pensar que um desenho aparentemente estável vem sempre acompanhado de muitas pegadas. A serpente, matriz das pegadas que levam e trazem caminhos por onde a vida flui, segue provocando erosões. Se a existência torna-se possível a cada desenho ganhado desse animal, desenhos mal amarrados sempre podem desfazê-la.

DESENHAR RESSONÂNCIAS

Tópicos destacados por Azevedo (2016aAZEVEDO, Aina. 2016a. “Desenho e antropologia: recuperação histórica e momento atual”. Cadernos de Arte e Antropologia, v. 5, n. 2: 15-32. http://journals.openedition.org/cadernosaa/1096.
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, 2016bAZEVEDO, Aina. 2016b. “Um convite à antropologia desenhada”. METAgrafias. Brasília, v. 1, n. 1: 194-208. http://periodicos.unb.br/index.php/metagraphias/article/view/15821.
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, 2019AZEVEDO, Aina. 2019. “Uma análise da coleção de desenhos etnográficos do Museu Kunstkamera de São Petersburgo”. Tessituras, v. 7, n. 2: 243-265. https://doi.org/10.15210/tes.v7i2.16254.
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, 2020AZEVEDO, Aina. 2020. “De uma trajetória desenhada às experimentações etnográficas”. R@u, v. 12, n. 2: 27-44. http://www.rau.ufscar.br/?p=1659.
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), Ramos (2008RAMOS, Manuel João. 2008. “Portugal. 1960”. In: SALAVISA, Eduardo. Diários de viagem: desenhos do quotidiano. Lisboa, Quimera Editores, pp. 152-157.), Cabau (2016CABAU, Philip. 2016. “Crús e descosidos. Reflexões em torno do ensino do desenho da antropologia”. Cadernos de Arte e Antropologia , v. 5 n. 2: 21-26. http://journals.openedition.org/cadernosaa/1104.
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) e Kushnir (2012KUSHNIR, Karina. 2012. “Desenhando cidades”. Sociologia & Antropologia, v. 2, n. 4: 295-314. https://doi.org/10.1590/2238-38752012v2413.
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, 2014KUSHNIR, Karina. 2014. “Ensinando antropólogos a desenhar: uma experiência didática e de pesquisa”. Cadernos de Arte e Antropologia , v. 3, n. 2: 23-46. https://doi.org/10.4000/cadernosaa.506.
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, 2016aKUSHNIR, Karina. 2016a. “A antropologia pelo desenho: experiências visuais e etnográficas”. Cadernos de Arte e Antropologia , v. 5, 2: 5-13. https://doi.org/10.4000/cadernosaa.1095.
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e 2016bKUSHNIR, Karina. 2016b. “Ethnographic drawing: eleven benefits of using a sketchbook for fieldwork”. Visual Ethnography , v. 5, n. 1: 103-134. https://doi.org/10.12835/ve2016.1-0060.
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) fazem vislumbrar como desenhar pode dar amplitude a questões que nascem em campo. Como vim a perceber através desses e outros autores, o desenho feito por antropólogos é marcado, afinal, pela condição de existir com outros. Considero importante, nesse sentido, pensar uma capacidade do desenho para as ressonâncias, ou erosões (Lavadour, 2013LAVADOUR, James. 2013. “James Lavadour - Walla Walla”. Contemporary North American indigenous artists, 3 de janeiro http://contemporarynativeartists.tumblr.com/post/39548682844/james-lavadour-walla-walla.
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; Didi-Huberman, 2013DIDI-HUBERMAN, Georges. 2013. A imagem sobrevivente. História da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg. Rio de Janeiro, Contraponto.) com/em nossos modos de conhecer. Ressonância é palavra usada de modos diferentes por Carneiro da Cunha (1998CUNHA, Manuela Carneiro da. 1998. “Pontos de vista sobre a floresta amazônica: xamanismo e tradução”. Mana , v. 4, n. 1: 7-22. https://doi.org/10.1590/S0104-93131998000100001.
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), Strathern (2006STRATHERN, Marilyn. 2006. O gênero da dádiva. Problemas com as mulheres e problemas com a sociedade na Melanésia. Campinas, Editora Unicamp.) e Latour (2007LATOUR, Bruno. 2007. “Como falar do corpo? A dimensão normativa dos estudos sobre a ciência”. In: NUNES, João Arriscado; ROQUE, Ricardo (org.). Objectos impuros. Experiências em estudos sociais da ciência. Porto, Edições Afrontamento, pp. 39-61.), e as três definições inspiram reflexões deste artigo. Segundo Carneiro da Cunha (1998)CUNHA, Manuela Carneiro da. 1998. “Pontos de vista sobre a floresta amazônica: xamanismo e tradução”. Mana , v. 4, n. 1: 7-22. https://doi.org/10.1590/S0104-93131998000100001.
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, ressonância é a capacidade de multiplicar conexões entre os planos em que um termo se exprime - locais diferentes de recepção e escuta, diferentemente conectados. Na Amazônia, segundo a antropóloga, ela coincide com o xamã, capaz de totalizar pontos de vista singulares e irredutíveis.

Strathern (2006STRATHERN, Marilyn. 2006. O gênero da dádiva. Problemas com as mulheres e problemas com a sociedade na Melanésia. Campinas, Editora Unicamp.: 45)28 28 A autora utiliza a palavra em meio à sua defesa da “relação” como construto epistemológico e à sua crítica à comparação, que cede lugar à analogia. Ver Lebner, 2017. ensina que uma ressonância não deve ser contornada, mas sim entendida como modo de “utilizar nossa linguagem com vistas a criar um contraste interno a ela”. Ela reconhece que expressamos concepções alheias por meio das formas (e imagens) que damos ao nosso pensamento. Assim, a ressonância tem a capacidade de “tornar explícita a prática da própria descrição antropológica” (Strathern, 2006STRATHERN, Marilyn. 2006. O gênero da dádiva. Problemas com as mulheres e problemas com a sociedade na Melanésia. Campinas, Editora Unicamp.: 45). Coloca-se então a possibilidade de “redescrição” (Lebner, 2017LEBNER, Ashley. 2017. “Introduction. Strathern’s redescription of Anthropology”. In: LEBNER, Ashley (org.). Redescribing relations: Strathernian conversations on ethnography, knowledge and politics. Nova York, Berghahn Books, 2017, pp. 1-38.) através de analogias, que permitem fazer “conexões sem a suposição de comparabilidade” (Strathern, 2004STRATHERN, Marilyn. 2004. Partial connections: updated edition. Lanham, AltaMira Press.: 38)29 29 Note-se, aqui, que não se trata de estabelecer “simetria”, no sentido latouriano (Lebner, 2017; Viveiros de Castro; Goldman, 2017). .

Se nesse trecho, trata-se de ressonâncias verbais, elas também se referem a alcances metafóricos das palavras - imagens verbais, cuja capacidade criativa impede o conhecimento de ser aprisionado em uma única forma. Nesse sentido, considero válido pensar que desenhos (e outras “amarrações”), ao serem usados com intenção de mostrar etnografias, também são capazes de articular-se com e ampliar ressonâncias em diferentes planos - o que pode emergir como parte de uma antropologia analógica.

Em reflexões sobre o que é um corpo, Latour (2007LATOUR, Bruno. 2007. “Como falar do corpo? A dimensão normativa dos estudos sobre a ciência”. In: NUNES, João Arriscado; ROQUE, Ricardo (org.). Objectos impuros. Experiências em estudos sociais da ciência. Porto, Edições Afrontamento, pp. 39-61.) dialoga com Stengers (1996STENGERS, Isabelle. 1996. Cosmopolitiques, tome 1: la guerre des sciences. Paris, La Découverte/ Les Empêcheurs de Penser en Rond., 1997STENGERS, Isabelle. 1997. Power and invention. With a foreword by Bruno Latour “Stengers’ Shibboleth”. Minneapolis, University of Minnesota Press.,1998STENGERS, Isabelle. 1998. “La guerre des sciences: et la paix?”. In: JURDANT, Baudoin (org.). Impostures scientifiques. Les malentendus de l’affaire Sokal. Paris, La Découverte, pp. 268-292.) e Despret (1996DESPRET, Vinciane. 1996. Naissance d’ une théorie ethologique - la danse du cratérope écaillé. Paris, Les Empêcheurs de Penser en Rond.,1999DESPRET, Vinciane. 1999. Ces emotions qui nous fabriquent. Ethnopsychologie de l’authenticité. Paris, Les Empêcheurs de Penser en Rond .,2002DESPRET, Vinciane. 2002. Quand le loup habitera avec l’agneau. Paris, Les Empêcheurs de Penser en Rond .) efala da aprendizagem de ressoarcom: ocorpo, como entidade que aprende a ser afetada/efetuada por outras entidades, humanas ou não, é colocado em movimento por camadas de diferenças que o tornam mais articulado, de modo a diluir fronteiras entre sujeito e objeto. O conhecimento que pode aparecer através dessas rearticulações, argumenta Latour, passa pela presença desse corpo que é capaz de ser sensível às diferenças. Visto desse modo, o desenho que ressoa com poderia propiciar diversas rearticulações do corpo e do conhecimento. Diante disso, proponho algumas reflexões que podem embasar trabalhos futuros. Caiuby Novaes (2014)CAIUBY NOVAES, Sylvia. 2014. “O silêncio eloquente das imagens fotográficas e sua importância na etnografia”. Cadernos de Arte e Antropologia , v. 3, n. 2: 57-67. https://doi.org/10.4000/cadernosaa.245.
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convida-me a pensar como mostrar a etnografia em desenhos, qual ou quais corpo(s) desenha(m) e que tipo de conhecimento o(s) constitui/ rearticula ao desenhar. Alinho essas questões a algo que meus interlocutores, por sua vez, ensinam: a importância de pensar o que um desenho pode trazer ao mundo ou provocar - algo que pode ganhar diferentes contornos, a depender da pesquisa realizada. Creio que essas questões permitem desdobrar, por outros caminhos, a ideia de que a linha é “transformativa”, cria novas correspondências (Ingold, 2013INGOLD, TIM. 2013. Making: Anthropology, Archeology, Art and Architecture. Londres, Routledge.: 129).

No horizonte da antropologia, a percepção de um diferencial entre desenho etnográfico e outros tipos de desenho (Cabau, 2016CABAU, Philip. 2016. “Crús e descosidos. Reflexões em torno do ensino do desenho da antropologia”. Cadernos de Arte e Antropologia , v. 5 n. 2: 21-26. http://journals.openedition.org/cadernosaa/1104.
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) convida a conhecer as concepções de desenho e desenhar expressas por interlocutoras/es em campo. Além disso, a própria visão é problematizável, pois pode não estar em um único corpo (ou em um corpo uno) - e o mesmo poderia ser dito com relação aos desenhos alguém recebe/ encontra/amarra.

A ideia de que o desenho antropológico é dotado de um “princípio de narratividade” (Ramos, 2008RAMOS, Manuel João. 2008. “Portugal. 1960”. In: SALAVISA, Eduardo. Diários de viagem: desenhos do quotidiano. Lisboa, Quimera Editores, pp. 152-157.: 153) faz pensar quem desenha em determinados momentos - quem é “autor/a” dessa narrativa,ou quem a “escreve”. Ainda que lápis ecaderno sejam manejados pelo antropólogo/a, outras autorias podem estar implicadas, como, por exemplo, a das plantas de conhecimento, ou demais agentes que participam dessa concepção. Assim, diferentes “narrativas”30 30 Sem descuidar dos riscos da palavra “narrativa”, que sugere que desenhos sejam apenas representações. poderiam, em certos contextos, coexistir em uma página desenhada, com alcances e efeitos distintos. Esse tipo de concepção é evidenciado na pesquisa de Gebhart-Sayer (1985)GEBHART-SAYER, Angelika. 1985. “The geometric designs of the Shipibo-Conibo in ritual context”. Journal of Latin-American Lore, v. 2, n. 2: 143-145. https://www.international.ucla.edu/lai/publications/lore.
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com os Shipibo-Conibo, entre outros autores, e por meus interlocutores de pesquisa.

O trabalho de Gow (1999GOW, Peter. 1999. “Piro designs. Painting as meaningful action in an Amazonian lived world”. JRAI, v. 5, n. 2: 229-246. https://doi.org/10.2307/2660695.
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), por sua vez, revela a origem dos designs em processos e conexões que ultrapassam o ato de desenhar em si. Em que medida tais conexões afetam quem desenha em campo (e quem produz etnografia)? A pergunta pode conferir uma calibragem diferente a uma questão destacada por Ingold: a ideia de que há seres ou coisas que, em certas conjunções, servem como transdutores em uma “dança da animacidade” (Ingold, 2013INGOLD, TIM. 2013. Making: Anthropology, Archeology, Art and Architecture. Londres, Routledge.: 128). Creio que ela poderia alçar outros voos, justamente porque habilita pensar em quem ou o que pode estar cumprindo o papel de transdutor, no desenhar. Questões interessantes surgem daí: visto que os materiais que participam dessa dança têm resistências e capacidades diferentes entre si, eles podem, talvez, possibilitar alcances variados para o desenho31 31 O que foi bem notado em um parecer recebido pelo artigo, ao qual agradeço. , entre seres. Além disso, a própria pessoa que realiza a ação imediata de desenhar pode ser transdutora, em certas conjunções, e seu corpo pode se tornar múltiplo (Mol, 2002MOL, Annemarie. 2002. The body multiple: ontology in medical practice. Durham, Londres, Duke University Press.), a depender da situação.

Quando Berger (2007BERGER, John. 2007. “John Berger, life drawing”. In: SAVAGE, Jim. Berger on drawing. Londres, Occasional Press, pp. 1-10.) nota que se desenha para ver, suscita questões relativas aos olhos e ao olhar. Lagrou (2007LAGROU, Els. 2007. Fluidez da forma: arte, alteridade e agência em uma sociedade amazônica (Kaxinawa, Acre). Rio de Janeiro, Topbooks. e 2013LAGROU, Els. 2013. “A pele da Anaconda: um princípio andrógeno de geração e ligação de formas na Amazônia popular”. Caxambu, 37º Encontro Anual da Anpocs. http://anpocs.com/ index.php/encontros/papers/37-encontro-anual-da-anpocs/st/st35/8645-a-pele-da-anaconda-um-principio-androgeno-de-geracao-e-ligacao-de-formas-na-amazonia/file.
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), entre outros, percebe que há diferentes tipos de olhos e visão, que acessam diferentemente aquilo que têm diante de si. Como aprendi em minha pesquisa, nem tudo o que se vê pode/deve ser desenhado, pois um desenho, afinal, é percurso, amarração de um ser-corpo enquanto tal e a lugares e relações, que faz com que a(s) existência(s) como um todo se amplie(m) e rearticule(m) de diversas maneiras.

Questões de alta complexidade podem emergir. Se é verdade que “um desenho é um registro autobiográfico da descoberta de um evento visto, lembrado ou imaginado por alguém” (Berger, 2007BERGER, John. 2007. “John Berger, life drawing”. In: SAVAGE, Jim. Berger on drawing. Londres, Occasional Press, pp. 1-10.: 3), em que medida podem haver “biografias” correndo juntas, por caminhos diferentes, num mesmo desenho? Quantos “tempos” (kutij, inclusive) estarão ali envolvidos ou contidos? Como lidar com pegadas visíveis, que provocam tocar (e desenhar)?

Creio que esse tipo de questão está, a seu modo, presente em Taussig (2011TAUSSIG, Michael. 2011. I swear I saw this. Drawing in fieldwork notebooks, namely my own. Chicago, The University of Chicago Press.) - e retomo, aqui, o problema do testemunho. O antropólogo sugere, em sua escrita, que nem tudo o que se vê/testemunha é fruto do acaso, ou seja, certas visões podem na prática ter sido mostradas ou enviadas a alguém-o que ganha contornos particulares em contextos de xamanismo e feitiçaria. Se um desenho de uma mulher que costura um homem em um saco de nylon dentro de um túnel pode ter implicações existenciais - quem desenha se torna aquilo que desenha -, talvez fosse possível pensar, então, que esse também pode ser um desenho que “desenha a si mesmo” (Garcia dos Santos, 2014GARCIA DOS SANTOS, Laymmert. 2014. “Projeções da terra-floresta: o desenho-imagem yanomami”. L. https://www.laymert.com.br/yanomami/.
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), tornando o antropólogo uma espécie de outro eu que flui em tempo paralelo, num plano diferente, dentro e fora do papel. Seguir uma imagem-pegada, como a visão que provocou o desenho de Taussig, é também uma inversão no processo de abstração (Munn, 1973MUNN, Nancy D. 1973. Walbiri iconography: graphic representation and cultural symbolism in a central Australian society. Ithaca, Cornell University Press.; Wagner, 1986WAGNER, Roy. 1986. Symbols that stand for themselves. Chicago, University of Chicago Press.), exigindo cuidado.

Essa mesma possibilidade leva-me a pensar questões como a composição de corpos múltiplos, formados por seres análogos e transformados (ampliados, reduzidos, modificados), conforme o contexto, para operar conjunta ou separadamente. E também na rearticulação do corpo através do desenho32 32 Ver Strathern, 2004; Annemarie Mol, 2002; Donna Haraway, 2006. . O testemunho, no exemplo de Taussig, é uma transformação sentida no corpo - um corpo que, como sugiro à luz de minha pesquisa, refaz-se através de suas amarrações, seus desenhos. É, em diversos momentos, um corpo em erosão. Da mesma maneira, um desenho pode ser entendido como uma ampliação analógica dos corpos ali implicados. Isso diz respeito ao tipo de conhecimento que ele pode propiciar, ao deixar de ser tomado como uma evocação - um fragmento - de uma escala de abstração que transcende os sujeitos ou relações entre eles (Strathern, 2004STRATHERN, Marilyn. 2004. Partial connections: updated edition. Lanham, AltaMira Press.).

Volto, aqui, ao problema da cópia. Taussig (2011TAUSSIG, Michael. 2011. I swear I saw this. Drawing in fieldwork notebooks, namely my own. Chicago, The University of Chicago Press.) menciona o incômodo que lhe causou uma imagem - a cópia em xerox que Rosário, a mãe de um interlocutor, Bosco, levava consigo. Rosário era uma mulher branca, avessa ao Yagé, com parte do corpo paralisada e próxima da morte. A imagem - uma “foto”, na percepção de Rosário - mostrava o espírito Tomás Huamanga, venezuelano falecido há 350 anos, que ela incorporava33 33 “Era uma foto de um índio local!”, exclama Taussig (2011: 87), em razão do racismo escancarado de Rosário contra indígenas. . O antropólogo descreve essa imagem como uma composição de estrias e manchas escuras contra o fundo esbranquiçado, algo comum às cópias em xerox: em seu entendimento, ela ficava a meio caminho entre foto e desenho34 34 “De fato, eu não posso dizer se a ‘fotografia’ que ela pôs em minha mão não foi originalmente um desenho” (Taussig, 2011: 87). . Então, diz Taussig: enquanto a imagem de Huamanga esmaecia, também a mulher agarrada (amarrada) a ele ia sumindo. “E se pudéssemos ver sucessivas gerações de cópias tiradas a partir dessa, elas seriam substituídas por vestígios de substância, como a poeira de terra e ossos no cemitério, esperando o feiticeiro fazer um capacho [kapachu]” (Taussig, 2011TAUSSIG, Michael. 2011. I swear I saw this. Drawing in fieldwork notebooks, namely my own. Chicago, The University of Chicago Press.: 88). Magia simpática, afinal, por meio de uma imagem - uma foto-desenho - que tomou o corpo de Rosário.

Taussig relaciona a imagem de Huamanga ao desenho da cena flagrada sob o túnel, em Medellín - a visão de algo (a vida) em vias de desaparecer e a visão da testemunha, marcada pela dúvida. Diante de algo que lhe foi dado a ver, o antropólogo encontrou-se, em alguma medida, refazendo (amarrando-se a) o desenho da agulha que, nas mãos da costureira, selava um corpo num saco de nylon e se fechava ali. Mas desenhar tal visão era, em sua percepção, diferente de (foto)copiar (repetir) um desenho preexistente: desenhar era duvidar de uma imagem - tornando-se testemunha e não se deixando tomar por ela. Era “ver vendo”, como lhe dizia Bosco sobre o Yagé - inclusive, ver quem/o que está causando um mal e se curar. Rosário, que não tomava Yagé, teria deixado de “ver vendo” para agarrar-se a uma cópia e, com ela, desapareceu.

A cópia, talvez, já constitua o lugar inalcançável das representações ou comprovações impossíveis, da desarticulação que não ressoa com, pois não faz caminho, não amarra, nem conecta relações entre corpos. Pode ser, nesse sentido, um testemunho como comprovação, ou mesmo evocação (nesse caso, de um plano espiritual transcendente). Diferentemente dela, o desenho, como ato de testemunho, faz duvidar-duplicar uma imagem laboriosamente, a fim de agarrá-la, "ver vendo" [...] e recompor o corpo de quem viu/desenhou. Esse tipo de desenho pode curar, enquanto a cópia pode aprisionar. E para fins deste artigo, esse é um desenho que produz conhecimento pelas transformações que ele permite, nas relações que refaz e na etnografia que pode mostrar. Não se sabe qual foi o destino das pessoas naquele túnel. Já o desenho de Taussig e sua circulação, é possível que ainda tenham efeitos inesperados.

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  • WAGNER, Roy. 1986. Symbols that stand for themselves. Chicago, University of Chicago Press.
  • 1
    Este artigo é parte de uma pesquisa de pós-doutorado no PPGAS/USP, com supervisão de Sylvia Caiuby Novaes e financiamento da Fapesp (processo nº 2020/13.113-1). Agradeço a Luis Felipe Hirano, Luis Cayón e aos/às pareceristas, pelas leituras e sugestões recebidas.
  • 2
    Vale andino no sudoeste da Colômbia, a duas horas de carro do Equador e três horas da primeira cidade amazônica, Mocoa. Comporta os pueblos de Manoy/Santiago; Uaira/San Andrés; Chaugpi Sibundoy/Colón; Sibundoy; e Uaira Sacha/ San Francisco, habitados por indígenas Inga e Kamëntšá.
  • 3
    A maloca de Santiago era passagem obrigatória nas viagens de taitas de Manoy a Mocoa. Em relato de taita Antonio, registrado por Benjamín (Jacanamijoy Tisoy, 2017JACANAMIJOY TISOY, Benjamín. 2017. El chumbe inga: una forma artística de percepción del mundo . Bogotá, o autor.), ele é descrito como o Amigo Santiago, com quem os viajantes tomavam Yagecito (Ayahuasca, Banisteriopsis caapi) e de quem compravam provisões.
  • 4
    Aproveito para esclarecer que eu mesma fiz desenhos em campo e venho pensando sobre suas implicações, em minha pesquisa de pós-doutorado.Nesse sentido, o artigo é também uma reflexão que procura embasar esse trabalho de desenho-pensar.
  • 5
    Ver discussão formatos como “caderno de campo” e “diário gráfico” em Azevedo (2016bAZEVEDO, Aina. 2016b. “Um convite à antropologia desenhada”. METAgrafias. Brasília, v. 1, n. 1: 194-208. http://periodicos.unb.br/index.php/metagraphias/article/view/15821.
    http://periodicos.unb.br/index.php/metag...
    e 2016cAZEVEDO, Aina. 2016c. “Diário de campo e diário gráfico: contribuições do desenho à antropologia”. Áltera, v. 2, n. 2: 100-119. https://periodicos.ufpb.br/index.php/altera/article/view/34737.
    https://periodicos.ufpb.br/index.php/alt...
    ); Kushnir (2016b)KUSHNIR, Karina. 2016b. “Ethnographic drawing: eleven benefits of using a sketchbook for fieldwork”. Visual Ethnography , v. 5, n. 1: 103-134. https://doi.org/10.12835/ve2016.1-0060.
    https://doi.org/https://doi.org/10.12835...
    ; Ramos (2004RAMOS, Manuel João. 2004. “Drawing the lines - The limitation of intercultural ekphrasis”. In: PINK, Sarah; KURT, Lazslo; AFONSO, Ana Isabel (ed.). Working images: visual research and representation in ethnography. Londres, Routledge , pp. 147-156. e 2010RAMOS, Manuel João. 2010. Histórias etíopes, diário de viagem. Lisboa, Tinta da China.) e Salavisa (2008)SALAVISA, Eduardo. 2008. Diários de viagem: desenhos do quotidiano . Lisboa, Quimera Editores .. Taussig (2011)TAUSSIG, Michael. 2011. I swear I saw this. Drawing in fieldwork notebooks, namely my own. Chicago, The University of Chicago Press. descreve o caderno de campo como scrapbook - álbum de recortes.
  • 6
    Neste artigo, as traduções de citações em língua estrangeira são livres.
  • 7
    O exemplo vale uma explicação adicional: Taussig diz que essa decisão partiu dos “detentores” da cabeça, em Rouen. Não sem ironia, ele especula que foi, talvez, um ato de reverência pelo morto, envolvendo também a (confortável) prerrogativa de poder voltar as costas para o horror praticado pelos antepassados oitocentistas desses “detentores”. O exemplo também é sugestivo para pensar um reposicionamento dos museus etnográficos na atualidade. Sobre isso, ver Vincent (2015)VINCENT, Nina. 2015. Paris, Maori. O museu e seus outros. Curadoria nativa no Quai Branly. Rio de Janeiro, Garamond, 2015., que comenta as diferentes visões envolvidas na disputa entre exibir ou não os crânios - os chamados mokomokai - em museus, em face da variedade de representações para eles, inclusive feitas por artistas maori.
  • 8
    Esse trecho parece pressupor uma noção de realidade transcendente, que ultrapassa os sujeitos, aparentemente, passível de ser descrita (leia-se, interpretada) de forma objetiva (o realismo etnográfico). Parece também sugerir que os desenhos seriam sempre evocações, fragmentos dessa “realidade”. Para uma crítica a esse tipo de pensamento, que opera em partes e todos, ver Strathern, 2004STRATHERN, Marilyn. 2004. Partial connections: updated edition. Lanham, AltaMira Press..
  • 9
    Sobre uma origem comum dos termos imagem e magia, ver Caiuby Novaes (2008)CAIUBY NOVAES, Sylvia. 2008. “Imagem, magia e imaginação: desafios ao texto antropológico”. Mana , v. 14, n. 2: 455-475. https://doi.org/10.1590/S0104-93132008000200007.
    https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
    .
  • 10
    Ver, entretanto, Grimshaw e Ravetz (2021)GRIMSHAW, Anna; RAVETZ, Amanda. 2021. “Desenhar com uma câmera? Filme etnográfico e antropologia transformadora”. GIS - Gesto, Imagem e Som, v. 6, n. 1: e-178546. https://doi.org/10.11606/issn.2525-3123.gis.2021.178546.
    https://doi.org/https://doi.org/10.11606...
    .
  • 11
    Sautchuk (2015)SAUTCHUK, Carlos Emanuel. 2015. “Aprendizagem como gênese. Prática, skill e individuação”. Horizontes Antropológicos , v. 21, n. 44: 109-139 https://doi.org/10.1590/ S0104-71832015000200006.
    https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
    questiona a separação, em Ingold, do fazer em dois fluxos (humano e ambiental) unidos por um transdutor e nota que este antropólogo faz uso particular do conceito de transdução proposto por Simondon. Neste artigo, sugiro que a relação de transdução pode ser mútua ou mesmo múltipla, a depender do contexto.
  • 12
    Ver Gell (1998)GELL, Alfred. 1998. Art and agency. Oxford, Clarendon Press, 1998., sobre labirintos. Outros pontos: o grafismo pode formar fractais, ou seja, estruturas que se complexificam em níveis cada vez mais finos de detalhes, sem perder a forma básica. Por fim, a definição de grafismo pode incluir motivos figurativos (p. ex., Cisneiros; Pessis, 2011CISNEROS, Daniela; PESSIS, Anne-Marie. 2011. “Grafismos de contorno aberto no Parque Nacional Serra da Capivara”. CLIO Arqueológica, v. 26, n. 2: 207-235. https://periodicos.ufpe.br/revistas/clioarqueologica/article/view/246668.
    https://periodicos.ufpe.br/revistas/clio...
    ) - notadamente, quando configuram um padrão de notação gráfica, cujo estilo de traço se destaca em relação à figura supostamente desenhada.
  • 13
    A ideia de que um desenho ou design é, afinal, relação está presente, de diferentes maneiras, nos trabalhos de Gebhart-Sayer (1985)GEBHART-SAYER, Angelika. 1985. “The geometric designs of the Shipibo-Conibo in ritual context”. Journal of Latin-American Lore, v. 2, n. 2: 143-145. https://www.international.ucla.edu/lai/publications/lore.
    https://www.international.ucla.edu/lai/p...
    ; Gallois (1988GALLOIS, Dominique Tilkin. 1988. O movimento na cosmologia waiãpi: criação, expansão e transformação do universo. São Paulo, tese de doutorado, Universidade de São Paulo., 1992GALLOIS, Dominique Tilkin. 1992. “Arte iconográfica waiãpi”. In: VIDAL, Lux (org.). Grafismo Indígena. São Paulo, Studio Nobel/Fapesp/Edusp, pp. 209-230. e 2002GALLOIS, Dominique Tilkin. 2002. Kusiwa: pintura corporal e arte gráfica wajãpi. Rio de Janeiro, Museu do Índio - FUNAI/APINA/CTI/NHII-USP.); Van Velthen (1998VAN VELTHEN, Lúcia Hussak. 1998. A pele de Tuluperê: uma etnografia dos trançados wayana. Belém, Museu Paraense Emílio Goeldi. e 2003VAN VELTHEN, Lúcia Hussak. 2003. O belo é a fera. A estética da produção e da predação entre os Wayana. Lisboa, Assírio e Alvim.); Barcelos Neto (2000BARCELOS NETO, Aristóteles. 2000. A arte dos sonhos. Uma iconografia ameríndia. Lisboa, Museu Nacional de Etnologia/Assírio&Alvim. e 2004BARCELOS NETO, Aristóteles. 2004. Apapaatai: rituais de máscaras no Alto Xingu. São Paulo, Edusp.); Lagrou (1998LAGROU, Els. 1998. Caminhos, duplos e corpos: uma abordagem perspectivista da identidade e alteridade entre os Kaxinawa. São Paulo, tese de doutorado, Universidade de São Paulo., 2007LAGROU, Els. 2007. Fluidez da forma: arte, alteridade e agência em uma sociedade amazônica (Kaxinawa, Acre). Rio de Janeiro, Topbooks. e 2013LAGROU, Els. 2013. “A pele da Anaconda: um princípio andrógeno de geração e ligação de formas na Amazônia popular”. Caxambu, 37º Encontro Anual da Anpocs. http://anpocs.com/ index.php/encontros/papers/37-encontro-anual-da-anpocs/st/st35/8645-a-pele-da-anaconda-um-principio-androgeno-de-geracao-e-ligacao-de-formas-na-amazonia/file.
    http://anpocs.com/ index.php/encontros/p...
    ); Coelho de Souza (2012)COELHO DE SOUZA, Marcela. 2012. “A pintura esquecida e o desenho roubado: contrato, troca e criatividade entre os Kisêdjê”. Revista de Antropologia , v. 55, n. 1: 209-253. https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2012.46965.
    https://doi.org/https://doi.org/10.11606...
    ; Belaunde (2013BELAUNDE, Luisa Elvira. 2013. “Movimento e profundidade no kene shipibo-konibo da Amazônia peruana”. In: SEVERI, Carlo; LAGROU, Els (org.). Quimeras em diálogo. Rio de Janeiro, 7 Letras, pp. 199-222. e 2016BELAUNDE, Luisa Elvira. 2016. “Donos e pinturas: plantas e figuração na Amazônia peruana”. Mana, v. 22 n. 3: 611-640. https://doi.org/10.1590/1678-49442016v22n3p611.
    https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
    ) e Cesarino (2013)CESARINO, Pedro N. 2013. “Cartografias do cosmos: conhecimento, iconografia e artes verbais entre os Marubo”. Mana , v, 19, n. 3: 437-471. https://doi.org/10.1590/S0104-93132013000300002.
    https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
    , entre outros.
  • 14
    Lagrou (1995) analisa as diferenças entre Gebhart-Sayer, Gow e outros autores. Ver também Gow (1989)GOW, Peter. 1989. “Visual compulsion: design and image in Western Amazonian cultures”. Revindi, v. 2: 19-32..
  • 15
    Feita sob a guia de plantas de conhecimento, como a Ayahuasca. Ver, por exemplo, o trabalho de Pablo Amaringo (1943-2009), fundador da escola Usko Ayar, em 1988, com apoio do antropólogo Luis Eduardo Luna e de Sirpa Rasanen.
  • 16
    Várias palavras referem-se a tipos de imagem e/ou desenho, segundo a autora: yuxin, como imagem no espelho; dami, uma réplica inacabada ou imperfeita; imagem sem corpo; kene, desenho que torna possível a percepção; kunu, desenhos/visões que aparecem no início da toma de Ayahuasca (sobretudo, na forma de padrões gráficos).
  • 17
    Ver alguns desenhos em Andujar, 1979ANDUJAR, Claudia. 1979. Mitopoemas yãnomam. São Paulo, Olivetti do Brasil S/A.. Em contextos diferentes, antropólogos também convidaram seus interlocutores a desenhar, levando ou não materiais específicos a campo. Ver, p. ex., Recasens, M. R. M., 1963RECASENS, María Rosa M. 1963. “Cuatro representaciones de las imágenes alucinatorias originadas por la toma de Yajé”. Revista Colombiana de Folclor, v. III, n. 8: 59-79.; Recasens, M. R. M.; Recasens T., J., 1965RECASENS, María Rosa M.; RECASENS T., Jose de. 1965. “Contribución al conocimiento del cacique-curaca entre los Siona”. Revista Colombiana de Antropología, v. 13: 91-145. http://dx.doi.org/10.22380/2539472X.1712.
    https://doi.org/http://dx.doi.org/10.223...
    ; Reichel-Dolmatoff, 1985REICHEL-DOLMATOFF, Gerardo. 1985. Basketry as metaphor: arts and crafts of the Desana indians of the Northwest Amazon. Los Angeles, University of California Press. e 1987REICHEL-DOLMATOFF, Gerardo. 1987. Shamanism and art of the Eastern Tukanoan indians: Colombian Northwest Amazon. New York, E. J. Brill.; Langdon, 1992LANGDON, Jean. 1992. “A cultura siona e a experiência alucinógena”. In: VIDAL, Lux (org.). Grafismo indígena. São Paulo, Studio Nobel/Fapesp/Edusp , pp. 67-88.; Ribeiro, 1992RIBEIRO, Berta. 1992. “A mitologia pictórica dos Desâna”. In: Lux Vidal, Grafismo indígena . São Paulo, Studio Nobel/Fapesp/Edusp , pp. 35-52.; Gallois, 1988GALLOIS, Dominique Tilkin. 1988. O movimento na cosmologia waiãpi: criação, expansão e transformação do universo. São Paulo, tese de doutorado, Universidade de São Paulo., 1992GALLOIS, Dominique Tilkin. 1992. “Arte iconográfica waiãpi”. In: VIDAL, Lux (org.). Grafismo Indígena. São Paulo, Studio Nobel/Fapesp/Edusp, pp. 209-230., 2002GALLOIS, Dominique Tilkin. 2002. Kusiwa: pintura corporal e arte gráfica wajãpi. Rio de Janeiro, Museu do Índio - FUNAI/APINA/CTI/NHII-USP. - que levou os materiais a pedido dos Waiãpi; Barcelos Neto, 2000BARCELOS NETO, Aristóteles. 2000. A arte dos sonhos. Uma iconografia ameríndia. Lisboa, Museu Nacional de Etnologia/Assírio&Alvim.; Cesarino, 2013CESARINO, Pedro N. 2013. “Cartografias do cosmos: conhecimento, iconografia e artes verbais entre os Marubo”. Mana , v, 19, n. 3: 437-471. https://doi.org/10.1590/S0104-93132013000300002.
    https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
    .
  • 18
    Notadamente, crianças pequenas e taitas também as utilizam.
  • 19
    A palavra “arte” não existe em inga. Aprendi com Benjamín e Tirsa Chindoy a expressão suma ruray (bom/ bonito fazer), também presente em Manai Kowii (2016)KOWII ALTA, Nary Manai. 2016. El concepto sumakruray: una categoría que permite definir y analizar las funciones que tiene el arte para el pueblo Kichwa-Otavalo. Quito, dissertação de mestrado, Universidade Andina Simón Bolívar., artista Kichwa.
  • 20
    Uma parte dessa produção - de colares, pulseiras, brincos e outros itens - é vendida para turistas que viajam ao Vale de Sibundoy, sobretudo em razão das terapias xamânicas com plantas de conhecimento. Outra parte é vendida em lojas e feiras em diferentes partes da Colômbia e no exterior, principalmente no Equador e na Venezuela.
  • 21
    Salomon (1991)SALOMON, Frank. 1991. “Introductory essay: The Huarochirí manuscript”. In: SALOMON, Frank; URIOSTE, George (ed.). Huarochirí manuscript. Austin, University of Texas Press, pp. 1-38.; Allen (2002ALLEN, Catherine J. 2002. The hold life has: coca and cultural identity in an Andean community. Washington, DC, Smithsonian Institution Press. e 2015ALLEN, Catherine J. 2015. “The whole world is watching: new perspectives on Andean animism”. In: BRAY, Tamara L.(ed.). The archaeology of wak’as: explorations of the sacred in the Pre-Columbian Andes. Boulder, University Press of Colorado, pp.23-46.); Dean (2010DEAN, Carolyn. 2010. A culture of stone: Inka perspectives on rock. Durham, Duke University Press. e 2015DEAN, Carolyn. 2015. “Men who would be rocks: the Inka wank’a”. In: BRAY, Tamara L. (ed.). The archaeology of wak’as: explorations of the sacred in the Pre-Columbian Andes . Boulder, University Press of Colorado , pp. 213-238.); Mannheim; Salas Carreño (2015)MANNHEIM, Bruce; SALAS CARREÑO, Guillermo. 2015. “Wak’as: edifications of the Andean sacred”. In: BRAY, Tamara L. (ed.), The archaeology of wak’as: explorations of the sacred in the Pre-Columbian Andes . Boulder, University Press of Colorado , pp. 47-74. evidenciam que pacha se refere a um tempo e a um espaço, entre muitos que constituem a existência e abrange a terra e a Terra experimentadas por alguém. Allen (2015ALLEN, Catherine J. 2015. “The whole world is watching: new perspectives on Andean animism”. In: BRAY, Tamara L.(ed.). The archaeology of wak’as: explorations of the sacred in the Pre-Columbian Andes. Boulder, University Press of Colorado, pp.23-46.: 27) aprendeu em Sonqo, Peru, que em um sol diferente, haveria um mundo diferente, com gente diferente. “No momento imediato, vê-se claramente e verdadeiramente. Numa pacha diferente, haveria luz diferente e veríamos diferentemente”.
  • 22
    O termo sungu não se refere ao órgão físico do coração (kurazun), logo, a circulação de fluxos vitais não é entendida somente como fato biológico. Ver Belaunde (2006)BELAUNDE, Luisa Elvira. “The strength of thoughts, the stench of blood: Amazonian hematology and gender”. Tipití, v. 4, n. 1: 129-152. https://digitalcommons.trinity.edu/tipiti/vol4/iss1/7.
    https://digitalcommons.trinity.edu/tipit...
    .
  • 23
    Inclusive, terra e outros materiais coletados em cemitérios.
  • 24
    Segundo Wagner (1986WAGNER, Roy. 1986. Symbols that stand for themselves. Chicago, University of Chicago Press.: 31), “[...] uma pegada apresenta a si mesma [...] como ser e movimento comprimidos em um plano bidimensional e assim implica a incorporação completa desse ser e movimento [...] qualquer enriquecimento sensório dessa iconografia constitui uma inversão similar do processo de abstração”.
  • 25
    Salado é um lugar com alta concentração de sal, onde várias espécies de herbívoros buscam alimento. O Salado em questão fica próximo ao vulcão Patascoy (de patasca, brasa ou cinza fervente), Lugar das Cinzas Ferventes, possível referência à passagem da cobra em chamas. Outros locais em torno do Vale parecem remeter ao trajeto da serpente: Cerro Cascabel (chocalho) - onde se ouve na água o ruído da cobra - e Páramo de Quilinsayaco (água de carvão).
  • 26
    Sobre a importância das pedras no mundo andino, ver Duviols (1979)DUVIOLS, Pierre. 1979. “Un symbolisme de l’occupation, de l’aménagement et de l’exploitation de l’espace: le monolithe ‘huanca’ et sa fonction dans les Andes préhispaniques”. L’Homme, v. 19, n. 2: 7-31. https://doi.org/10.3406/hom.1979.367954.
    https://doi.org/https://doi.org/10.3406/...
    ; Dean (2010DEAN, Carolyn. 2010. A culture of stone: Inka perspectives on rock. Durham, Duke University Press. e 2015DEAN, Carolyn. 2015. “Men who would be rocks: the Inka wank’a”. In: BRAY, Tamara L. (ed.). The archaeology of wak’as: explorations of the sacred in the Pre-Columbian Andes . Boulder, University Press of Colorado , pp. 213-238.).
  • 27
    Gusumbi (quati, na Colômbia) é também “urso”, no Vale. Os nomes de outros animais também têm mais de uma tradução.
  • 28
    A autora utiliza a palavra em meio à sua defesa da “relação” como construto epistemológico e à sua crítica à comparação, que cede lugar à analogia. Ver Lebner, 2017LEBNER, Ashley. 2017. “Introduction. Strathern’s redescription of Anthropology”. In: LEBNER, Ashley (org.). Redescribing relations: Strathernian conversations on ethnography, knowledge and politics. Nova York, Berghahn Books, 2017, pp. 1-38..
  • 29
    Note-se, aqui, que não se trata de estabelecer “simetria”, no sentido latouriano (Lebner, 2017LEBNER, Ashley. 2017. “Introduction. Strathern’s redescription of Anthropology”. In: LEBNER, Ashley (org.). Redescribing relations: Strathernian conversations on ethnography, knowledge and politics. Nova York, Berghahn Books, 2017, pp. 1-38.; Viveiros de Castro; Goldman, 2017VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo; GOLDMAN, Marcio. 2017. “Slow motions [extended remix]: comments on a few texts by Marilyn Strathern”. In: LEBNER, Ashley (org.). Redescribing relations: Strathernian conversations on ethnography, knowledge and politics . New York, Berghahn Books, 2017, pp. 173-196.).
  • 30
    Sem descuidar dos riscos da palavra “narrativa”, que sugere que desenhos sejam apenas representações.
  • 31
    O que foi bem notado em um parecer recebido pelo artigo, ao qual agradeço.
  • 32
    Ver Strathern, 2004STRATHERN, Marilyn. 2004. Partial connections: updated edition. Lanham, AltaMira Press.; Annemarie Mol, 2002MOL, Annemarie. 2002. The body multiple: ontology in medical practice. Durham, Londres, Duke University Press.; Donna Haraway, 2006HARAWAY, Donna. 2006. “A cyborg manifesto. Science, technology, and socialist-feminism in the late twentieth century”. In: WEISS, Joel et al. The international handbook of virtual learning environments. Dordrecht, Springer, pp. 117-158..
  • 33
    “Era uma foto de um índio local!”, exclama Taussig (2011TAUSSIG, Michael. 2011. I swear I saw this. Drawing in fieldwork notebooks, namely my own. Chicago, The University of Chicago Press.: 87), em razão do racismo escancarado de Rosário contra indígenas.
  • 34
    “De fato, eu não posso dizer se a ‘fotografia’ que ela pôs em minha mão não foi originalmente um desenho” (Taussig, 2011TAUSSIG, Michael. 2011. I swear I saw this. Drawing in fieldwork notebooks, namely my own. Chicago, The University of Chicago Press.: 87).
  • FINANCIAMENTO:

    Fapesp (processo 2020/13.113-1)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    19 Abr 2021
  • Aceito
    03 Fev 2022
Universidade de São Paulo - USP Departamento de Antropologia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo. Prédio de Filosofia e Ciências Sociais - Sala 1062. Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, Cidade Universitária. , Cep: 05508-900, São Paulo - SP / Brasil, Tel:+ 55 (11) 3091-3718 - São Paulo - SP - Brazil
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