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Práticas de Normalização da Violência Política na Volkswagen do Brasil na Ditadura Civil-Militar Brasileira (1964-1985)

RESUMO

Objetivo:

investigar quais eram, como se configuravam e como eram operacionalizadas práticas de normalização da violência política cometida pela Volkswagen do Brasil contra seus trabalhadores durante a ditadura militar brasileira.

Marco teórico:

o contexto histórico da colaboração de empresas com governos ditatoriais permite identificar a face de invisibilidade da violência organizacional decorrente de práticas rotineiras de gestão que normalizam a violência política.

Método:

pesquisa histórica com fontes documentais dos acervos: Arquivo Nacional, Arquivo Público do estado de São Paulo, Ministério Público do estado de São Paulo, Tribuna Metalúrgica, Revista Família VW e imprensa. Os documentos foram analisados em diálogo com a historiografia e com categorias analíticas provenientes do campo.

Resultados:

a pesquisa identificou cinco práticas de normalização da violência política: formalização, divisão do trabalho, rotinização, autoridade e obediência, política de identidade e não identidade.

Conclusões:

assumindo como violência política ações para desarticular movimentos reivindicatórios dos operários por melhores condições de trabalho e a organização dos operários em torno de questões de política nacional, os resultados sugerem que a empresa - em colaboração com órgãos de repressão - realizou práticas de normalização da violência política.

Palavras-chave:
violência organizacional; violência política; normalização da violência; ditadura brasileira; Volkswagen do Brasil

ABSTRACT

Objective:

to investigate what the practices of normalizing political violence perpetrated by Volkswagen do Brasil against its workers during the Brazilian military dictatorship were, how they were configured, and how they were operationalized.

Theoretical framework:

the historical context of corporate collaboration with dictatorial governments allows us to identify the invisible face of organizational violence that results from routine practices that normalize political violence.

Methods:

historical research with documental sources from the National Archives, the APESP, the Public Representation opened against the company by MPESP, the newspaper Tribuna Metalúrgica, the magazine Família VW, and the press. The documents were analyzed in dialogue with the historiography and with analytical categories from the field.

Results:

the research identified five practices of normalizing political violence: formalization, division of labor, routinization, authority and obedience, and identity and non-identity politics.

Conclusions:

tunderstanding political violence as actions to dismantle workers’ protest movements for better working conditions and the organization of workers around issues of national politics, the results suggest that the company, in collaboration with repressive forces, carried out practices to normalize political violence.

Keywords:
organizational violence; political violence; normalization of violence; Brazilian dictatorship; Volkswagen do Brasil

INTRODUÇÃO

“No dia 23 de setembro de 2020, foi anunciado pela Volkswagen do Brasil um acordo com o Ministério Público Federal (MPF) no qual a montadora admitia que colaborou com o aparato repressivo na repressão aos seus trabalhadores durante a ditadura brasileira. A empresa se comprometeu, através de um termo de ajustamento de conduta, a despender R$ 36 milhões para ressarcir ex-funcionários que sofreram com violações aos direitos humanos durante o regime e para financiar projetos de memória, pesquisa e fundos dedicados a questões relacionadas a violências cometidas durante o período da ditadura… Trata-se do primeiro caso de empresa acionada na justiça no Brasil por crimes associados à repressão durante o regime civil-militar. Apesar de haver indícios de que a Volkswagen não foi a única, e que outros grupos econômicos colaboraram com a repressão, o caso ganhou projeção e avançou porque estava respaldado em depoimentos de ex-trabalhadores que sofreram violências e, principalmente, porque estava devidamente lastreado em extensa documentação que confirmava o conluio da companhia com os órgãos repressivos."

Este artigo tem como objetivo investigar quais eram, como se configuravam e como eram operacionalizadas as práticas de normalização da violência política cometida pela Volkswagen do Brasil (VWB) contra os seus trabalhadores durante a ditadura militar brasileira (1964-1988). De acordo com Oliveira e Nunes (2008Oliveira, R. P., & Nunes, M. O. (2008). Violência relacionada ao trabalho: Uma proposta conceitual. Saúde e Sociedade, 17(4), 22-34. https://doi.org/10.1590/S0104-12902008000400004
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, p. 30), a violência nas relações de trabalho pode ser caracterizada como o “dano físico ou psicológico causado por um indivíduo ou grupo contra um indivíduo ou grupo na qual estão estabelecidas relações de trabalho”. Além disso, explicam os autores, também pode ser considerada violência nas relações de trabalho toda negligência, privação ou infração dos princípios fundamentais do trabalho, além da omissão ou naturalização da morte e do adoecimento em decorrência do trabalho (Oliveira & Nunes, 2008). Em recente artigo, Costas e Gray (2019Costas, J., & Grey, C. (2019). Violence and organization studies. Organization Studies, 40(10), 1573-1586. https://doi.org/10.1177/0170840618782282
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) afirmam que a violência organizacional pode ser visível e invisível, ausente e presente, onipresente e rara. Neste trabalho, assume-se que esta interpretação - que identifica invisibilidade, ausência e raridade - somente adquire sentido como decorrência de práticas que normalizam a violência no interior das organizações, permitindo que esta seja cometida sem a devida crítica ou mesmo compreendida enquanto atividade aceitável. Ou seja, ainda que muitas vezes seja omitida, negada ou dissimulada, pode-se afirmar que a violência está presente nas organizações e em suas práticas e processos burocráticos cotidianos (Bishop et al., 2005Bishop, V., Korczynski, M., & Cohen, L. (2005). The invisibility of violence: Constructing violence out of the job centre workplace in the UK. Work, Employment and Society, 19, 583-602. https://doi.org/10.1177/0950017005055671
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; Clegg et al. 2006Clegg, S. R., Courpasson, D., & Phillips, N. (2006). Power and organizations. Pine Forge Press.; Clegg, 2009; Kenny, 2016Kenny, K. (2016). Organizations and violence: The child as abject-boundary in Ireland’s industrial schools. Organization Studies, 37, 939-961).

Apesar de a violência ser algo quase inerente às organizações, somente a partir do início do século XXI cresce o interesse por compreender analiticamente este fenômeno em estudos organizacionais (Bishop et al., 2005Bishop, V., Korczynski, M., & Cohen, L. (2005). The invisibility of violence: Constructing violence out of the job centre workplace in the UK. Work, Employment and Society, 19, 583-602. https://doi.org/10.1177/0950017005055671
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). Desde então, é possível notar não só um aumento nas publicações sobre o tema, mas também uma definição mais generalista do que seria compreendido por violência. Assim, é possível encontrar artigos em que a violência organizacional está presente sob diversas facetas, como: atuando em genocídios (Stokes & Gabriel, 2010Stokes, P., & Gabriel, Y. (2010). Engaging with genocide: The challenge for organization and management studies. Organization, 17(4), 461-480. https://doi.org/10.1177/1350508409353198
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), em práticas de organizações totais e contexto opressivo (Clegg et al. 2006Clegg, S. R., Courpasson, D., & Phillips, N. (2006). Power and organizations. Pine Forge Press.; Clegg et al., 2012), promovendo violência simbólica (Harrington et al., 2015Harrington, S., Warren, S., & Rayner, C. (2015). Human resource management practitioners’ responses to workplace bullying: Cycles of symbolic violence. Organization, 22(3), 368-389. https://doi.org/10.1177/1350508413516175
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), sustentando práticas de tortura (Chwastiak, 2015Chwastiak, M. (2015). Torture as normal work: The Bush Administration, the Central Intelligence Agency and ‘enhanced interrogation techniques’. Organization, 22(4), 493-511. http://dx.doi.org/10.1177/1350508415572506
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), buscando legitimação e manutenção da violência (Kenny, 2016Kenny, K. (2016). Organizations and violence: The child as abject-boundary in Ireland’s industrial schools. Organization Studies, 37, 939-961), suicídios (Chan, 2013Chan, J. (2013). A suicide survivor: The life of a Chinese worker. New Technology, Work and Employment, 28(2), 84-99. http://dx.doi.org/10.1111/ntwe.12007
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), assédio (Harris et al., 2019Harris, K. L., McFarlane, M., & Wieskamp, V. (2019). The promise and peril of agency as motion: A feminist new materialist approach to sexual violence and sexual harassment. Organization, 27(5), 660-679.), ou em crimes corporativos (Alcadipani & Medeiros, 2020Alcadipani, R., & Medeiros, C. R. O. (2020). When corporations cause harm: A critical view of corporate social irresponsibility and corporate crimes. Journal of Business Ethics, 167, 85-297. https://doi.org/10.1007/s10551-019-04157-0
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; Oliveira & Silveira, 2021Oliveira, C. R., & Silveira, R. A. (2021). Um ensaio sobre crimes corporativos na perspectiva pós-colonial: Desafiando a literatura tradicional. Revista de Administração Contemporânea, 25(4), 1-17. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2021190144.por
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). O estudo da violência em sentido mais amplo foi contemplado, ainda, em um número especial da revista Organization, sob o título de Licence to kill? On the organization of destruction in the 21st century, que abordava as formas organizativas das guerras e destruição (Bloomfield et al., 2017Bloomfield, B. P., Burrell, G., & Vurdubakis, T. (2017). Licence to kill? On the organization of destruction in the 21st century. Organization, 24, 441-455. https://doi.org/10.1177/1350508417700404
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).

Deste modo, ainda que surja sob outras denominações, é inegável o avanço da pesquisa organizacional sobre violência nos últimos anos desde que Stewart Clegg em 2006Clegg, S. R., Courpasson, D., & Phillips, N. (2006). Power and organizations. Pine Forge Press. reivindica a escassez de estudos sobre o tema. Por isso, é seguro afirmar que a violência - uma realidade no cotidiano organizacional - vem sendo objeto de estudo dos pesquisadores da área em suas mais diversas formas de manifestação.

Por outro lado, entretanto, considerando que o Holocausto e outros genocídios demandam organização e gerenciamento (Bauman, 2002Bauman, Z. (2002). Modernity and the Holocaust. Cornell University Press.; Clegg, 2009Clegg, S. (2009). Bureaucracy, the holocaust and techniques of power at work. Management Revue, 20(4), 326-347. https://www.jstor.org/stable/41783626
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; Stokes & Gabriel, 2010Stokes, P., & Gabriel, Y. (2010). Engaging with genocide: The challenge for organization and management studies. Organization, 17(4), 461-480. https://doi.org/10.1177/1350508409353198
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), é possível notar uma ausência de pesquisas que enfatizem a produção da violência utilizando como lente as teorias e práticas de gestão das organizações (Clegg, 2009). Apesar de contar com alguns estudos anteriores (Bishop et al., 2005Bishop, V., Korczynski, M., & Cohen, L. (2005). The invisibility of violence: Constructing violence out of the job centre workplace in the UK. Work, Employment and Society, 19, 583-602. https://doi.org/10.1177/0950017005055671
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; Clegg et al., 2006), apenas nos últimos anos foi possível notar um maior interesse da literatura organizacional neste recorte (Chwastiak, 2015Chwastiak, M. (2015). Torture as normal work: The Bush Administration, the Central Intelligence Agency and ‘enhanced interrogation techniques’. Organization, 22(4), 493-511. http://dx.doi.org/10.1177/1350508415572506
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; Kenny, 2016Kenny, K. (2016). Organizations and violence: The child as abject-boundary in Ireland’s industrial schools. Organization Studies, 37, 939-961; Varman & Al-Amoudi, 2016Varman, R., & Al-Amoudi, I. (2016). Accumulation through derealization: How corporate violence remains unchecked. Human Relations, 69(10), 1909-1935. http://dx.doi.org/10.1177/0018726716628970
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; Costas & Grey, 2019Costas, J., & Grey, C. (2019). Violence and organization studies. Organization Studies, 40(10), 1573-1586. https://doi.org/10.1177/0170840618782282
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).

Enquanto Costas e Gray (2019Costas, J., & Grey, C. (2019). Violence and organization studies. Organization Studies, 40(10), 1573-1586. https://doi.org/10.1177/0170840618782282
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) entendem que a violência é ao mesmo tempo visível e invisível, ausente e presente, onipresente e rara, Bishop et al. (2005Bishop, V., Korczynski, M., & Cohen, L. (2005). The invisibility of violence: Constructing violence out of the job centre workplace in the UK. Work, Employment and Society, 19, 583-602. https://doi.org/10.1177/0950017005055671
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) investigaram como a violência foi normalizada pelo não reconhecimento por parte da gerência. Chwastiak (2015Chwastiak, M. (2015). Torture as normal work: The Bush Administration, the Central Intelligence Agency and ‘enhanced interrogation techniques’. Organization, 22(4), 493-511. http://dx.doi.org/10.1177/1350508415572506
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), por seu turno, nos mostra como alguns procedimentos podem normalizar a violência para, assim, ser percebida como um ato operacional rotineiro, e Varman e Al-Amoudi (2016Varman, R., & Al-Amoudi, I. (2016). Accumulation through derealization: How corporate violence remains unchecked. Human Relations, 69(10), 1909-1935. http://dx.doi.org/10.1177/0018726716628970
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) explicam como a desrealização das pessoas foi capaz de criar condições para a prática da violência mesmo em ambientes regulados. De modo similar, a violência contra as crianças em escolas na Irlanda foi normalizada tendo em vista que foram constituídas enquanto ‘seres abjetos’ que não requeriam direitos e proteção (Kenny, 2016Kenny, K. (2016). Organizations and violence: The child as abject-boundary in Ireland’s industrial schools. Organization Studies, 37, 939-961). Estas discussões contemporâneas, de alguma forma, dialogam com outros textos que procuram explicar como diversos atos que se relacionam com a violência podem ser normalizados a depender da organização ou do processo adotado em sua gestão (Ashforth & Anand, 2003Ashforth, B. E., & Anand, V. (2003). The normalization of corruption in organizations. Research in Organizational Behavior, 25, 1-52. https://doi.org/10.1016/S0191-3085(03)25001-2
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; Ashforth et al, 2007; Martí & Fernández, 2013Martí, I & Fernández, P. (2013). The institutional work of oppression and resistance: Learning from the Holocaust. Organization Studies, 34(8),1195-1223.).

Sob nossa perspectiva, estas pesquisas convergem em três pontos fundamentais. O primeiro deles destaca a relevância e atualidade de pesquisas que visam a compreender a prática da violência no interior das organizações. Em segundo lugar, os artigos consideram que a violência organizacional, em alguns casos, pode ser praticada de maneira invisível ou normalizada e, assim, exercida sem que seja percebida como um ato indesejado, vil ou abjeto. Isso pode fazer com que a prática da violência seja, por vezes, até aceita como atividade cotidiana das organizações (Chwastiak, 2015Chwastiak, M. (2015). Torture as normal work: The Bush Administration, the Central Intelligence Agency and ‘enhanced interrogation techniques’. Organization, 22(4), 493-511. http://dx.doi.org/10.1177/1350508415572506
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; Costas & Grey, 2019Costas, J., & Grey, C. (2019). Violence and organization studies. Organization Studies, 40(10), 1573-1586. https://doi.org/10.1177/0170840618782282
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). O terceiro ponto que essas pesquisas sugerem é a possível existência de mecanismos organizacionais que, intencionalmente ou não, tornam a prática da violência admissível. A utilização dessas técnicas indica que as organizações podem adotar formas de administração da violência fazendo com que esta seja percebida como mais um processo organizacional, de modo a ser internalizada como rotina e, assim, facilitando sua aceitação e recorrência (Ashforth & Anand, 2003Ashforth, B. E., & Anand, V. (2003). The normalization of corruption in organizations. Research in Organizational Behavior, 25, 1-52. https://doi.org/10.1016/S0191-3085(03)25001-2
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; Bishop et al., 2005Bishop, V., Korczynski, M., & Cohen, L. (2005). The invisibility of violence: Constructing violence out of the job centre workplace in the UK. Work, Employment and Society, 19, 583-602. https://doi.org/10.1177/0950017005055671
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; Clegg et al. 2006Clegg, S. R., Courpasson, D., & Phillips, N. (2006). Power and organizations. Pine Forge Press.; Costas & Grey, 2019; Martí & Fernández, 2013Martí, I & Fernández, P. (2013). The institutional work of oppression and resistance: Learning from the Holocaust. Organization Studies, 34(8),1195-1223.; Chwastiak, 2015; Varman & Al-Amoudi, 2016Varman, R., & Al-Amoudi, I. (2016). Accumulation through derealization: How corporate violence remains unchecked. Human Relations, 69(10), 1909-1935. http://dx.doi.org/10.1177/0018726716628970
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). Apesar de discutirem fenômenos diferentes, estes trabalhos alinham-se no sentido de sugerir que, ao ser administrada, a violência pode receber contornos ordinários e ser encarada como uma prática incorporada aos procedimentos organizacionais e, por isso mesmo, invisível a um olhar menos crítico incapaz de distinguir a violência da prática cotidiana.

A normalização da violência não pode ser considerada uma novidade, já que estimula pesquisas há décadas, especialmente após a Segunda Guerra Mundial e a descoberta das violências praticadas nos campos de concentração, tais como “o suporte técnico dado ao terceiro reich pela IBM para organizar, contabilizar e gerenciar a deportação, o trabalho forçado e o extermínio de milhões de vítimas do nazismo… [e] o fornecimento do inseticida Zyklon B, utilizado nas câmaras de gás de Auschwitz na Alemanha nazista, pela empresa IG Farben (que depois foi fechada e reaberta com o nome de Bayer pelo mesmo fundador, Friedrich Bayer)…” (Costa & Silva, 2018Costa, A. & Silva, M. A. C. (2018). Empresas, violação dos direitos humanos e ditadura civil-militar brasileira: A perspectiva da Comissão Nacional da Verdade. Revista O&S, 25(84), 15-29. https://doi.org/10.1590/1984-9240841
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, p. 16).

Diversos autores (Arendt, 2014Arendt, H. (2014). Eichmann in Jerusalem: A report on the banality of evil. Penguin Books; Bauman, 2002Bauman, Z. (2002). Modernity and the Holocaust. Cornell University Press.; Kelman, 1973Kelman, H. C. (1973). Violence without moral restraint: Reflections on the dehumanization of victims and victimizers. Journal of Social Issues, 29(4), 25-61. https://doi.org/10.1111/j.1540-4560.1973.tb00102.x
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) se debruçaram para tentar entender como as atrocidades cometidas pelo nazismo foram possíveis e apontaram na direção de processos que tornam a violência admissível. De forma complementar, o contexto histórico dos governos de exceção na América Latina e a ativa atuação colaborativa entre ditadura e empresas também produziram um terreno fértil para a promoção de recorrentes violências e violações dos direitos humanos dos trabalhadores, como nos mostra, por exemplo, a coletânea de pesquisas de Victoria Basualdo, Hartmut Berghoff e Marcelo Bucheli intitulada Big Business and Dictatorship in Latin America: A Transnational History of Profits and Repression, publicada em 2021 (Basualdo et al., 2021a).

Assim, valendo-se não apenas dessa literatura seminal, mas também dos já mencionados trabalhos que procuram discutir formas de normalização da violência, este artigo tem como objetivo investigar quais eram, como se configuravam e como eram operacionalizadas as práticas de normalização da violência política cometida pela Volkswagen do Brasil (VWB) contra os seus trabalhadores durante a ditadura militar brasileira (1964-1988). Para isto, recorremos a documentos da época que nos permitiram compreender como eram as práticas de violência desta empresa contra os seus trabalhadores.

Este artigo contribui para o avanço do conhecimento ao responder tanto às demandas de Clegg (2009Clegg, S. (2009). Bureaucracy, the holocaust and techniques of power at work. Management Revue, 20(4), 326-347. https://www.jstor.org/stable/41783626
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) sobre a necessidade de ampliação das pesquisas em estudos organizacionais sobre casos de violência quanto ao debate proposto por Costas e Gray (2019Costas, J., & Grey, C. (2019). Violence and organization studies. Organization Studies, 40(10), 1573-1586. https://doi.org/10.1177/0170840618782282
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) sobre a invisibilidade da violência ao analisar práticas capazes de normalizar a violência política contra os trabalhadores da VWB durante o regime civil-militar brasileiro e o processo de normalização de atividades indesejadas. Como pretendemos discutir aqui, acreditamos que a violência se torne invisível (para utilizar o termo dos autores) justamente como resultado do processo de normalização.

Com este intuito, após esta introdução apresentamos a literatura sobre as práticas de normalização da violência. Após explicar, brevemente, a natureza dos dados da pesquisa, analisamos os documentos visando a expor como esses procedimentos foram capazes de normalizar a violência praticada pela VWB, não sem antes contextualizar o momento sócio-histórico em que esses eventos se desenrolaram.

NORMALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA NAS ORGANIZAÇÕES

A violência é um fenômeno difuso, com diversas acepções distintas que podem variar em relação à sua legitimidade, natureza, autoria, intencionalidade (Domenach, 1981Domenach, J. M. (1981). La violencia. In, La violencia y sus causas (pp. 33-45). UNESCO.; Galtung, 1969Galtung, J. (1969). Violence, peace, and peace research. Journal of Peace Research, 6(3), 167-191. https://www.jstor.org/stable/422690
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; Kilby, 2013Kilby, J. (2013). Introduction to Special Issue: Theorizing violence. European Journal of Social Theory, 16, 261-272. https://doi.org/10.1177/0170840615622069
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; Michaud, 2006Michaud, Y. (2006). A violência. Ática.). Nesta pesquisa, compreendemos a violência sob uma perspectiva sociológica que emerge das relações sociais cujo entendimento possui base nas dimensões socioeconômicas, políticas, culturais e históricas específicas de cada época e contexto (Chesnais, 1981Chesnais, J. C. (1981). Histoire de la violence en Occident de 1800 à nos jours. Laffont.; Domenach, 1981; Kilby, 2013). Desta maneira, rejeitamos, para fins desta pesquisa, linhas teóricas que percebem a violência como algo natural, biológico e instintivo do ser humano (Özcelik, 2017Özcelik, A. D. O. (2017). Aggression theories revisited: Lorenz’s neoinstinctivism, wilson’s socio-biology and skinner’s behavioral theories. Journal of Asian Scientific Research, 7(2), 38. https://doi.org/10.18488/journal.2.2017.72.38.45
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), pois concordamos que a violência deve ser estudada de acordo com a sociedade que a produziu (Burke, 1995Burke, P. (1995) Violência social e civilização. Braudel Papers.). Neste sentido, a violência pode ser praticada por diversos agentes (autoinfligida, interpessoal ou coletiva), ser de diversas naturezas (física, psicológica, sexual ou por negligência) ou de tipos distintos (estrutural, política, simbólica ou econômica), mas sempre constituída por meio das relações sociais

Assim, sob esta perspectiva, alguns autores (Arendt, 2014Arendt, H. (2014). Eichmann in Jerusalem: A report on the banality of evil. Penguin Books; Bauman, 2002Bauman, Z. (2002). Modernity and the Holocaust. Cornell University Press.; Kelman, 1973Kelman, H. C. (1973). Violence without moral restraint: Reflections on the dehumanization of victims and victimizers. Journal of Social Issues, 29(4), 25-61. https://doi.org/10.1111/j.1540-4560.1973.tb00102.x
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), na tentativa de compreender as condições que tornaram o Holocausto possível, examinaram as práticas do exército alemão e sua eficiência no extermínio dos prisioneiros. A instrumentalização das relações sociais, baseadas na racionalidade, empresta a técnica para que essas ações criminosas fossem cometidas. Bauman (2002) atribui a essa técnica, racionalmente gerenciada, a capacidade de morte em grande escala praticada pelos nazistas. Segundo o autor, apenas a raiva e a fúria não seriam suficientes como instrumento de extermínio em massa. A racionalização podia ser notada também na divisão hierárquica e funcional do exército nazista, capaz de afastar o executor da vítima. A separação entre os dois foi útil para o exército, pois impossibilitava o primeiro de perceber as consequências de seus atos. Desta forma, suas ações não eram identificadas com as mortes. Eichman, oficial nazista cujo julgamento foi acompanhado por Arendt (2014), alegava nunca ter matado nenhum judeu, já que sua responsabilidade recaía sobre a logística de condução destes até os campos de concentração, assim como o fornecedor de aço para uma fábrica de bombas pode não se sentir responsável pelas mortes causadas pelo produto de seu trabalho (Bauman, 2002). Em outros termos, ao repartir o trabalho, reduz-se a necessidade de pensamento e tomada de decisão pelo executor, e dificulta-se o envolvimento do executor com o significado final de sua atividade. A lógica da racionalidade, como nos ensinam Stokes e Gabriel (2010Stokes, P., & Gabriel, Y. (2010). Engaging with genocide: The challenge for organization and management studies. Organization, 17(4), 461-480. https://doi.org/10.1177/1350508409353198
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) separa os fins dos meios tornando o ato assassino mais distante e, por isso, possível, já que o executor é, oportunamente, incapaz de perceber os efeitos de suas ações.

A estrutura hierárquica, bem como a divisão de atividades, exerce papel fundamental para a prática de violência. A sua inserção nas camadas organizacionais consegue transformar indivíduos em meras engrenagens e retirar-lhes a humanidade em decorrência dos limites de autonomia que lhes são impostos. A subordinação do indivíduo à estrutura organizacional elimina sua liberdade de ação individual, fazendo com que sua responsabilidade seja transferida para a estrutura (Arendt, 2014Arendt, H. (2014). Eichmann in Jerusalem: A report on the banality of evil. Penguin Books). A difusão da responsabilidade é frequente em qualquer sistema burocrático e ocorre em virtude da divisão do trabalho, onde cada pessoa é responsável apenas por sua própria tarefa, dificultando a identificação do responsável pelo conjunto das atividades desempenhadas (May, 1997May, L. (1997) Socialization and institucional evil. In R. J. Bernstein, L. May, J. Kohn (Eds). Hannah Arendt: Twenty years later (pp. 83-105). MIT Press.). Neste caso, a responsabilidade não é percebida em mais ninguém, sendo transferida para o sistema burocrático, e, desta forma, é expurgada do domínio humano. A impessoalidade demandada nas estruturas racionalmente estabelecidas nas organizações contribui para o anonimato do executor da atividade, já que, desprovido de ideais políticos, protege-se, pois “para que possa executar o seu trabalho, o burocrata tem de se sentir a salvo de controles - tanto de louvor como de reprovação …” (Arendt, 2015, p. 305). Ao ser percebido enquanto um cargo, uma função, um anônimo dentro da organização, o sujeito pode perder a dimensão pessoal e escapa do contato face a face, ou seja, do confronto com o outro e, especialmente, com as consequências de seus atos. Assim, a racionalidade contribuiu para a banalização da iniciativa nazista na medida em que lhe emprestou toda a técnica de gerenciamento baseada em critérios instrumentais e racionais que, exceto pelo objetivo final, em nada diferem das outras atividades organizadas, traçadas, monitoradas e supervisionadas por departamentos ordinários (Bauman, 2002Bauman, Z. (2002). Modernity and the Holocaust. Cornell University Press.).

A racionalidade é também responsável pela rotinização das atividades enquanto prática de normalização da violência (Clegg et al. 2006Clegg, S. R., Courpasson, D., & Phillips, N. (2006). Power and organizations. Pine Forge Press.; Chwastiak, 2015Chwastiak, M. (2015). Torture as normal work: The Bush Administration, the Central Intelligence Agency and ‘enhanced interrogation techniques’. Organization, 22(4), 493-511. http://dx.doi.org/10.1177/1350508415572506
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; Kelman, 1973Kelman, H. C. (1973). Violence without moral restraint: Reflections on the dehumanization of victims and victimizers. Journal of Social Issues, 29(4), 25-61. https://doi.org/10.1111/j.1540-4560.1973.tb00102.x
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). Ao analisar as instituições totais, Clegg, Courpasson e Phillips (2006, p. 176) denunciam técnicas capazes de “tornar mais fáceis de pensar e fazer os atos diários de poder extremo”, indicando que para o sucesso dessas instituições é necessário que haja maior interesse e preocupação com os meios e não com seu resultado, que deve ser aceito de forma passiva. Assim, além do afastamento entre executor e vítima, a hiperdivisão do trabalho exige a execução de atividades por meio de ação contínua e automática, restringindo o espaço para pensamento, reflexão e crítica, pois ao transformar as atividades em operações rotineiras, mecânicas e altamente programadas, diminuem as condições de tempo e psíquicas para que sejam feitas elucubrações sobre a moralidade daquela tarefa (Clegg et al., 2006; Kelman, 1973). A rotinização pode atuar tanto no nível individual, demandando relatórios, contratação de pessoal, contabilidade, quanto no nível organizacional, repartindo as atividades entre diferentes setores, departamentos, cada um responsável por uma parte da atividade (Kelman, 1973).

A rotinização é eficiente na normalização da violência na medida em que mantém o membro da organização afastado física e mentalmente dos resultados de seu trabalho. Em seu estudo sobre adoção de técnicas para normalizar a tortura durante a ‘Guerra ao Terror’ promovida pelo governo Bush, Chwastiak (2015Chwastiak, M. (2015). Torture as normal work: The Bush Administration, the Central Intelligence Agency and ‘enhanced interrogation techniques’. Organization, 22(4), 493-511. http://dx.doi.org/10.1177/1350508415572506
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) aponta a descrição minuciosa de procedimentos a serem adotados que descreviam todos os passos necessários no tratamento do preso. Isso, segundo a autora, cria um processo de rotinização da tortura, capaz de normalizá-la. A sequência de etapas logicamente pensadas e descritas permitiria a execução por qualquer pessoa que as seguisse, além de formalizar os procedimentos de tratamento dos presos. Para a execução da tortura, chamada de ‘técnicas avançadas de interrogatório’, era preciso a criação e circulação de documentos, devidamente aprovados por instâncias superiores de acordo com sua validade (Chwastiak, 2015). Essa documentação, aliada à rotinização, instrumentalizou o processo a ponto de permitir a reprodução de procedimentos de maneira uniforme, considerando que só era necessário seguir instruções e aplicar os métodos predeterminados. Isso possibilita a replicação da violência em diferentes ambientes e por diferentes pessoas, constituindo um processo fabril de violência e, se necessário, adotando regras e indicadores para mensuração do desempenho (Clegg et al. 2006Clegg, S. R., Courpasson, D., & Phillips, N. (2006). Power and organizations. Pine Forge Press.; Chwastiak, 2015). Este processo fabril de violência pode demandar também a transformação de pessoas em formas impessoais como códigos, números ou fichas.

Esta prática fomenta a desumanização à qual as vítimas são submetidas e que favorece a prática da violência contra elas. Embora existam trabalhos que apontem limitações da desumanização como produtora da violência (Lang, 2020Lang, J. (2020). The limited importance of dehumanization in collective violence. Current opinion in psychology. Current Opinion in Psychology, 35, 17-20. https://doi.org/10.1016/j.copsyc.2020.02.002
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), a literatura, especialmente da psicologia, é consistente ao apontar a retirada de características humanas como elemento catalisador da violência (Clegg et al., 2006Clegg, S. R., Courpasson, D., & Phillips, N. (2006). Power and organizations. Pine Forge Press.; Haslam, 2019Haslam, N. (2019). The many roles of dehumanization in genocide. In, L. S. Newman (Ed.), Confronting humanity at its worst: Social psychological perspectives on genocide. Oxford University Press.; Kelman, 1973Kelman, H. C. (1973). Violence without moral restraint: Reflections on the dehumanization of victims and victimizers. Journal of Social Issues, 29(4), 25-61. https://doi.org/10.1111/j.1540-4560.1973.tb00102.x
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; Methot-Jones et al., 2019Methot-Jones, T., Book, A., & Gauthier, N. Y. (2019). Less than human: Psychopathy, dehumanization, and sexist and violent attitudes towards women. Personality and Individual Differences, 149, 250-260. https://doi.org/10.1016/j.paid.2019.06.002
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; Rai et al., 2017Rai, T. S., Valdesolo, P., & Graham, J. (2017). Dehumanization increases instrumental violence, but not moral violence. Proceedings of the National Academy of Sciences, 114(32), 8511-8516. https://doi.org/10.1073/pnas.1705238114
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; Steizinger, 2018Steizinger, J. (2018). The significance of dehumanization: Nazi ideology and its psychological consequences. Politics, Religion & Ideology, 19(2), 139-157. https://doi.org/10.1080/21567689.2018.1425144
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). Neste sentido, Kelman (1973) afirma que para produção de assassinatos em massa é necessário atribuir um aspecto não humano à vítima. Ao destituir as vítimas de qualquer vestígio capaz de identificá-la com o gênero humano, as restrições morais para executar atos violentos contra elas são facilmente superadas. Ao não os identificar enquanto indivíduos, capazes de terem suas vidas, objetivos e escolhas próprias, os assassinatos consentidos tornam-se mais facilmente praticados. Assim, Clegg, Courpasson e Phillips (2006) explicam que promover uma política de ‘identidade’ e ‘não identidade’ facilita a imposição da violência contra aqueles marcados como ‘sem identidade’.’

Haslam e Loughnan (2016Haslam, N., & Loughnan, S. (2016). How dehumanization promotes harm. In, A. G. Miller (Ed), The social psychology of good and evil (v. 2, pp. 140-158). Guilford Publications.), na mesma linha de raciocínio, nos ensinam que a desumanização não se restringe a um grupo específico e pode se estender para pessoas de diferentes etnias, gêneros, comportamentos sociais, cumprimento das leis. Na Alemanha sob o regime nazista, a separação era feita entre as etnias constituindo a identidade ariana e a ‘não identidade’ judia. Deste modo, a violência é mais facilmente aceita contra aqueles dotados de ‘não identidade’ e, por isso, a construção desta política funciona como uma prática que normaliza a violência. Esta prática pode se tornar mais manifesta quando os indivíduos submetidos a ela são destituídos de sua individualidade, com o uso de uniformes, marcas, apelidos pejorativos, separações físicas que ajudam na estigmatização das ‘não identidades’. Martí e Fernandez (2013Martí, I & Fernández, P. (2013). The institutional work of oppression and resistance: Learning from the Holocaust. Organization Studies, 34(8),1195-1223., p. 1202) explicam que, durante a Segunda Guerra Mundial, parte do processo que possibilitou a morte de inúmeras pessoas anteriormente dotadas de um nome e uma história foi transformá-las em “cifras transparentes e ‘materiais’ dentro de um processo de produção bastante normal, embora execrável, administrativo e de produção (de morte). O extraordinário e inaceitável tornou-se normal e rotineiro”. Cabe ressaltar que a prática de normalização da violência não reside na desumanização, mas na construção de uma política organizacional que seja capaz de segregar e marcar aquelas sujeitas à violência. Deste modo, Clegg, Courpasson e Phillips (2006Clegg, S. R., Courpasson, D., & Phillips, N. (2006). Power and organizations. Pine Forge Press.) nos lembram de que a mácula imposta a determinado grupo nada tem de natural, mas é construída por um aparato organizacional para que se pareça naturalizada.

Os autores também explicam que o poder nas organizações totais é mais facilmente utilizado quando a obediência dos membros é plenamente obtida. Neste sentido, Kelman (1973Kelman, H. C. (1973). Violence without moral restraint: Reflections on the dehumanization of victims and victimizers. Journal of Social Issues, 29(4), 25-61. https://doi.org/10.1111/j.1540-4560.1973.tb00102.x
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) explica que os assassinatos em massa dependem da autoridade e obediência, uma vez que quando os atos violentos são ordenados, encorajados, aprovados - ainda que tacitamente - ou, ao menos, permitidos por autoridades legitimamente constituídas, isso aumenta a disposição das pessoas para se envolverem ou tolerá-los. A influência da obediência no processo de violência não pode ser considerada uma novidade, já que essa relação é estudada há décadas (Burger, 2009Burger, J. M. (2009). Replicating milgram: Would people still obey today. American Psychologist, 64(1), 1-11. https://doi.org/10.1037/a0010932
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; Cunha et al., 2010Cunha, M. P., Rego, A., & Clegg, S. R. (2010). Obedience and evil: From Milgram and Kampuchea to normal organizations. Journal of Business Ethics, 97(2), 291-309. https://doi.org/10.1007/s10551-010-0510-5
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; Milgram, 1963Milgram, S. (1963). Behavioral study of obedience. Journal of Abnormal and Social Psychology, 67, 371-378. https://psycnet.apa.org/doi/10.1037/h0040525
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; 1965; 1974). Para a compreensão da obediência, os estudos de Milgram têm se mostrado como referências até os dias de hoje (Burger, 2009; Cunha et al., 2010). Milgram (1963; 1965; 1974) mostrou como as pessoas poderiam ser obedientes, de maneira irreflexiva, sem fazer qualquer questionamento quando recebiam ordem de uma autoridade. Em decorrência de seus achados, diversos estudos subsequentes atribuem à obediência a realização de atos, mesmo que estes possam causar danos e sofrimento a alguém. Isto ocorre, em grande medida, porque as pessoas são socializadas a receber ordens de diversas autoridades ao longo de toda a vida, como pais, professores, policiais, chefes (Burger, 2009). O estudo de Milgram (1963; 1965; 1974) vai ao encontro dos questionamentos de Arendt (2014Arendt, H. (2014). Eichmann in Jerusalem: A report on the banality of evil. Penguin Books) diante do julgamento de Eichman que, em sua defesa, alegou que só obedecia a ordens e, por isso, não tinha responsabilidade pelas mortes. Ao longo do experimento de Milgram, os participantes perguntavam a respeito da responsabilidade pelo sofrimento do aprendiz, mas o pesquisador que representava a figura de autoridade respondia afirmando ser o responsável por qualquer dano ao aprendiz (Burger, 2009). Percebe-se como a relação autoridade/obediência também pode guardar relação com a difusão da responsabilidade pela organização e, assim, proteger o indivíduo que comete o ato. Nesta linha, Kelman (1973, p. 39) explica que diante da autoridade, “o indivíduo não se vê pessoalmente responsável pelas consequências de sua ação. … ele não se sente pessoalmente responsável por isso. Ele não era um agente pessoal, mas sim uma extensão da autoridade”. Deste modo, a autorização oriunda de uma autoridade elimina a necessidade de fazer julgamentos e escolhas, pois em contextos onde a autoridade é rigorosa, os princípios morais podem ser submetidos à autoridade, mesmo que isso seja contra os valores de quem pratica a ação.

A violência política

As reflexões sobre o conceito de violência política (e suas várias configurações) não são recentes e seus vários pesquisadores destacam as suas complexidades e interconexões com outras formas de violência (Crettiez, 2011Crettiez, X. (2011). As formas de violência. Editora Loyola.; Della Porta, 2006Della Porta, D. (2006). Social moviments, political violence and the State: A comparative analysis of Italy ans Germany. Cambridge University Press.; Michaud, 2006Michaud, Y. (2006). A violência. Ática.; Miguel, 2014Miguel, L. F. (2014). Violência e Política. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 30(88), 29-44. https://doi.org/10.17666/308829-44/2015
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).

Para Odália (1991Odália, N. (1991). O que é violência. Brasiliense., p. 48), por exemplo, a violência política pode assumir as formas de “um assassinato político, a invasão de um país por outro, o desaparecimento de dissidentes, legislação eleitoral que frauda a opinião pública, leis que não permitem às classes sociais, especialmente o operariado, organizar seus sindicatos”. Dumouchel (2012Dumouchel, P. (2012) Political violence and democracy. RitsIILCS_23. https://www.ritsumei.ac.jp/acd/re/k-rsc/lcs/kiyou/pdf_23-4/RitsIILCS_23.4pp.117-124DUMOUCHEL.pdf
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), por sua vez, sugere a utilização da legitimidade como critério para distinção entre violência política e criminalidade. Com base neste critério, um ato de violência só poderia ser considerado violência política se fosse legitimado por determinada comunidade. Esse critério provoca uma cisão entre a natureza política dos atos de violência e as crenças, intenções ou motivações dos autores. Por isso, a violência política não depende das intenções dos autores da violência, mas sim da identificação que os observadores possuem com o ato. Se, de alguma forma, estes observadores compreendem ou identificam-se com o ato violento, aceitando-o como justificativa para alguma posição ou reivindicação, estão concedendo-lhe legitimidade (Dumouchel, 2012).

No entanto, como afirmar que um ato de violência obteve ou não legitimidade, ainda que parcialmente, por parte da comunidade? Como proceder quando um ato receber legitimidade por alguns grupos sociais, mas não por outros, quando esta legitimidade poder ser orientada, justamente, pelo posicionamento político? Della Porta (2006Della Porta, D. (2006). Social moviments, political violence and the State: A comparative analysis of Italy ans Germany. Cambridge University Press.) argumenta que assumir a legitimidade como forma de operacionalizar o conceito de violência política impõe o desafio de medir ou determinar o grau de legitimidade. Por conta disto, a autora reflete sobre esta forma de violência a partir do uso de um repertório de ação, usualmente coletiva, contra algum adversário com o intuito de impor ou reivindicar objetivos políticos. Desta forma, pode-se pensar a violência política como um subterfúgio de reação à dominação. A violência emerge como uma forma de alcançar as decisões políticas cujo acesso é bloqueado por estratégias que vão desde recursos financeiros até o uso da força, passando por formas reguladas de manifestação e reivindicação, das quais os sindicatos são um exemplo modelar. De maneira complementar, Crettiez (2011Crettiez, X. (2011). As formas de violência. Editora Loyola.) explica que um dos mecanismos de adesão à violência responde pela marginalização política, ou seja, os desalojados (ou deslocados) dos arranjos políticos fazem uso deste recurso como forma de alcançar as decisões políticas. Por isso, considera que esta violência é produzida por três atores sociais: os movimentos sociais e sindicatos, as organizações de luta armada e as rebeliões urbanas. Segundo o autor, esta visão da violência política desloca a compreensão da violência enquanto uma atitude marginal e degenerada, causadora da desestabilização social, para destacar as “imperfeições do sistema [que] induzem a uma reflexão não mais sobre os abusos dos contestadores, mas sobre os abusos do regime, que não é contestado em si mesmo” (Crettiez, 2011, p. 32).

Desta forma, a violência política, nesta pesquisa, é considerada tanto a ação de buscar promover uma mudança nas estruturas sociais quanto a repressão e/ou terror sofridos em decorrência desta ação. Em alinhamento a esta argumentação, a pesquisa busca investigar mais especificamente a normalização da violência política, assumindo como definição de violência política “… qualquer ação que tenha como intuito promover mudanças na estrutura social e, também, toda a repressão ou terror sofridos como consequência dessa tentativa” (Silva, 2022Silva, M. A. C., Costa, A., & Santos, C. A. S (2022). A responsabilidade política corporativa por atos de violência no passado: A colaboração da Volkswagen do Brasil com a ditadura civil-militar brasileira. ReAd - Revista Eletrônica de Administração, 28(1), 154-179. https://doi.org/10.1590/1413-2311.340.114505
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, p. 193). Ou seja, é toda violência praticada com propósitos políticos.

MÉTODO DE PESQUISA

Para a realização desta pesquisa, empreendemos um trabalho de orientação histórica de forma integrada com estudos organizacionais (Decker et al., 2021Decker, S., Hassard, J., & Rowlinson, M. (2021). Rethinking history and memory in organization studies: The case for historiographical reflexivity. Human Relations, 74(8), 1123-1155. https://doi.org/10.1177/0018726720927443
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; Maclean et al., 2016Maclean, M., Harvey, C., & Clegg, S. R. (2016). Conceptualizing historical organization studies. Academy of Management Review, 41(4), 609-632. https://www.jstor.org/stable/24906243
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), onde assumimos que o passado não pode ser recuperado plenamente, apenas parcialmente por meio de vestígios, e delimitado pelas indagações feitas pelos pesquisadores (Prost, 2019Prost, A. (2019). Doze lições sobre a história. Editora Autêntica.). Assim, o pesquisador assume papel fundamental ao oferecer suas interpretações às fontes históricas pesquisadas. Ou seja, os fatos históricos chegam por meio da ótica de quem os expõe (Munslow, 2006Munslow, A. (2006). Deconstructing history. Taylor & Francis.), e as fontes históricas são a principal maneira de acessar o passado e validar a interpretação histórica. Deve-se ressaltar, também, que a pesquisa histórica prioriza as fontes documentais (escritas ou orais) produzidas no próprio contexto histórico do evento pesquisado (Costa & Silva, 2019Costa, A, & Silva, M. A. C. (2019). A pesquisa histórica em Administração: Uma proposta para práticas de pesquisa. Administração: Ensino e Pesquisa, 20(1), 1-20. https://doi.org/10.13058/raep.2019.v20n1.1104
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; Yates, 2014Yates, J. (2014). Understanding historical methods in organization studies. In M. Bucheli, & R. D. Wadhwani (Eds.), Organizations in time: History, theory, methods. Oxford.).

Deste modo, o corpus da pesquisa - Tabela 1 a seguir - foi composto por um conjunto de documentos analisados de forma articulada e provenientes: (1) dos acervos do Arquivo Nacional (AN) e do Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP); (2) da representação pública aberta contra a empresa Volkswagen do Brasil pelo Ministério Público do estado de São Paulo e anexos do processo; (3) do jornal do sindicato do ABC - a Tribuna Metalúrgica ; (4) da revista Família VW , publicada pela empresa nas décadas de 1950, 1960 e 1970; e (5) de fontes de jornais da grande mídia da época.

Tabela 1
Fontes e quantidade de documentos pesquisados.

A intenção foi reunir o máximo possível de evidências provenientes de variadas fontes para que, analisadas e comparadas em conjunto, contribuíssem com o objetivo do artigo. Como os vestígios do passado só se tornam fontes históricas a partir do olhar do pesquisador (Pinsky & Luca, 2013Pinsky, C.B. & Luca, T.R. (2013) Apresentação. In C. B. Pinsky, & T. R. Luca (Org.). O historiador e suas fontes. Contexto.), os documentos aqui coletados foram submetidos a operação histórica (Costa & Silva, 2019Costa, A, & Silva, M. A. C. (2019). A pesquisa histórica em Administração: Uma proposta para práticas de pesquisa. Administração: Ensino e Pesquisa, 20(1), 1-20. https://doi.org/10.13058/raep.2019.v20n1.1104
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), visando à interpretação da fonte de acordo com o seu contexto histórico e o objetivo de pesquisa. Neste sentido, foi preciso proceder a uma crítica interna e externa das fontes: verificar a autenticidade dos documentos, o seu respectivo conteúdo, a confiabilidade do seu conteúdo e o seu contexto de produção e consumo (Aróstegui, 2006Aróstegui, J. (2006). A pesquisa histórica: Teoria e método. Edusc.; Tosh, 2011Tosh, J. (2011) A busca da história: Objetivos, métodos e as tendências no estudo da história moderna. Editora Vozes.). Assim, os documentos foram lidos e interpretados sob a orientação do tema de pesquisa, visando a analisar e promover uma articulação para a construção de uma cadeia argumentativa em torno do problema de pesquisa (Costa & Silva, 2019).

Os documentos coletados foram analisados à luz de um quadro conceitual analítico construído, a princípio, a partir da literatura. Posteriormente, o quadro foi complementado também com categorias analíticas proveniente do campo. A análise foi feita em dois momentos. Os procedimentos de codificação e categorização ocorreram em dois momentos. Primeiro foram identificadas e analisadas as violências praticadas pela VW. Depois foram identificadas e analisadas as formas de normalização das violências praticadas por esta empresa.

ANÁLISE: A NORMALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA POLÍTICA NA VW DO BRASIL

Como um breve contexto histórico do período, devem-se destacar três pontos importantes. Primeiro, que a ditadura civil-militar instalada no Brasil com o golpe de Estado de 1964 teve como um de seus direcionadores propiciar a implantação de um projeto de modernização conservadora, oferecendo novas bases para a acumulação de capital. Ou seja, tinha o objetivo de “preservar a ordem capitalista interna diante de supostas ameaças comunistas e ajustar o sistema estatal à dinâmica do capitalismo mundial” (Lemos, 2020Lemos, R. L. C. N. (2020). A aliança empresarial-militar no Brasil: an comunismo e segurança nacional (1949-1964). In P. H. P. Campos, R.V. M. Brandão, & R. L. C. N. Lemos (Orgs.), Empresariado e ditadura no Brasil. Consequência Editora., p. 3). Como desdobramento, para que isso fosse realizado, era necessário o estabelecimento de uma nova forma de relação com a classe trabalhadora que há mais de uma década se fortalecia na reivindicação de seus direitos por meio de manifestações e greves. No caso mais específico da VW do Brasil - primeira montadora fora da Alemanha e que inicia as suas operações em 23 de março de 1953 com significativo suporte financeiro do governo brasileiro -, esta, por exemplo, já “demonstrava preocupação com a queda do crescimento econômico brasileiro em 1963, o que, segundo ela, ocorreu em virtude do “clima de intranquilidade e instabilidade político-social que se traduziu numa série interminável de greves e outros movimentos reivindicatórios” (Silva, 2020Silva, M. A. C. (2020). A expansão da Volkswagen do Brasil baseada em políticas econômicas e alinhamento ideológico. In P. H. P. Campos, R.V. M. Brandão, & R. L. C. N. Lemos (Orgs.), Empresariado e ditadura no Brasil. Consequência Editora., p. 470).

Um segundo ponto é que a associação entre governo militar e empresariado adquiria, neste contexto, significativa relevância. Por um lado, os militares poderiam oferecer as forças repressivas essenciais e, por outro, o empresariado detinha o capital para viabilizar financeiramente as estruturas e a manutenção do regime (Costa & Silva, 2018Costa, A. & Silva, M. A. C. (2018). Empresas, violação dos direitos humanos e ditadura civil-militar brasileira: A perspectiva da Comissão Nacional da Verdade. Revista O&S, 25(84), 15-29. https://doi.org/10.1590/1984-9240841
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). Para além do apoio material e ideológico, as empresas também forneciam carros, alimentos e, principalmente, compartilhavam informações com a polícia política, que na época era representada pelo Departamento Estadual de Ordem Política e Social (DEOPS) e pela Operação Bandeirantes (OBAN) que depois deu origem ao Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI). Ainda no caso específico da VWB, conforme Silva (2022) e Silva, Campos, e Costa (2022), a empresa compartilhava com a polícia política diversos documentos com informações pessoais dos trabalhadores considerados subversivos e relatos sobre a atuação em greves e reuniões do sindicato. A empresa também contribuiu com a polícia política para a dissolução de uma célula do PCB que se formava no interior da fábrica e que culminou com a prisão de seis operários da fábrica. Um deles, preso pela polícia dentro da fábrica, começou a ser torturado ainda em seu local de trabalho, enquanto outro foi preso sem mandato, aparentemente, também na fábrica. Em virtude destes casos, em 2015 foi aberta uma representação pública contra a VWB. Após este processo, três inquéritos civis e a subsequente assinatura de um termo de ajustamento de conduta, a VWB comprometeu-se juridicamente com uma série de procedimentos reparatórios (Silva, Costa, et al., 2022).

Por fim, como terceiro ponto, a tranquilidade e estabilidade poderiam ser alcançadas e foram “obtidas, durante o regime militar brasileiro, por meio de legislações específicas que prejudicavam o trabalhador, intervenção em sindicatos e repressão contra movimentos reivindicatórios…” (Silva, 2020Silva, M. A. C. (2020). A expansão da Volkswagen do Brasil baseada em políticas econômicas e alinhamento ideológico. In P. H. P. Campos, R.V. M. Brandão, & R. L. C. N. Lemos (Orgs.), Empresariado e ditadura no Brasil. Consequência Editora., p. 470). Assim, além de medidas econômicas de arrocho junto à classe trabalhadora, o Estado se lançou contra os trabalhadores, intervindo em sindicatos e reprimindo manifestações e greves (Comissão Nacional da Verdade, 2014).

É neste sentido que foram consideradas como violência política, na pesquisa, as ações que tinham por objetivo desarticular (a) movimentos reivindicatórios dos operários por melhores condições de trabalho e (b) a organização dos operários em torno das questões de política nacional. Por meio da análise dos documentos, identificamos cinco práticas de normalização da violência política adotadas pela VWB durante a ditadura civil-militar brasileira, categorizadas da seguinte forma: formalização, divisão do trabalho, rotinização, autoridade e obediência, política de identidade e não identidade. Vamos agora tratar separadamente de cada uma dessas práticas fazendo referências aos documentos analisados.

Formalização

No caso da VWB, o principal responsável pela prática da violência política contra os trabalhadores era o departamento de segurança industrial (DSI). Este departamento tinha como função oficial propiciar a segurança dos funcionários e do patrimônio da empresa (Volkswagen do Brasil, 2015), contudo, durante o período da ditadura suas atividades incluíam a vigilância, coação, controle e repressão aos trabalhadores, muitas vezes associada com a polícia política. Entretanto, o DSI não era um departamento clandestino dentro da empresa, mas sim um departamento formalmente instituído por meio, inclusive, do organograma da empresa (Volkswagen, Agosto 1964.; Volkswagen do Brasil, 2015). A partir de 1970, as funções do DSI são alteradas de modo a enfatizar as questões relacionadas com a segurança, contando apenas com as áreas de Técnicas de Segurança e Segurança Industrial (Volkswagen do Brasil, 2015). Esta mudança foi refletida no organograma da corporação visando a maior especialidade do departamento. Os integrantes do DSI - em sua maioria militares e ex-militares - eram selecionados sob processos formais de contratação, seguindo as especificações exigidas pelo cargo. Cabe lembrar que no final dos anos 1960 e início de 1970 a VWB estava envolvida em seu plano de aumento da produção, que demandaria maior força de trabalho.

Deste modo, o DSI desfruta de aparência de normalidade, já que coexiste com outros departamentos da empresa que não praticavam violência. Ademais, para constituição do organograma era preciso dar atribuições específicas para cada função, afastadas das práticas de violência. Neste sentido, a existência formal do departamento dificulta sua percepção por parte dos trabalhadores que não eram vitimados por seus atos, assim como pelo restante da população, enquanto agente de ações violentas ou ilegais. Além disso, esse departamento utilizava em suas funções conjuntas de vigilância, monitoramento e cooperação com a polícia política documentos formais e oficiais da VWB (APESP, 1969; APESP, 1976; APESP, 1980). Todo o trâmite era regularmente registrado em documentos que, em alguns casos, detinham o símbolo da logomarca da VWB (APESP, 1969; APESP, 1980).

Divisão do Trabalho

A divisão do trabalho aqui analisada não se trata da divisão das atividades no processo de fabricação de veículos, mas sim na produção da violência. A produção da violência era compartimentada de maneira que seus executores se afastassem das possíveis consequências dos seus atos. Um dos principais documentos utilizados como instrumento de violência política era chamado de ‘boletim de ocorrência’, onde eram registradas, pelo DSI, as ações e denúncias contra os trabalhadores sindicalizados ou considerados subversivos (APESP, 1980). Na parte de baixo do documento foi possível identificar ao menos cinco instâncias distintas, responsáveis pelo trâmite de preenchimento e aprovação do boletim. O documento é preenchido pelo emitente, responsável por descrever os eventos ocorridos, comumente por meio do relato de uma testemunha. Depois, o boletim deveria receber a assinatura do feitor da guarda, passando então ao supervisor, chefe de seção até chegar ao gerente (APESP, 1980). Após finalizar o preenchimento e coletar as assinaturas, o DSI encaminhava o documento para a divisão de Relações Trabalhistas, responsável pela decisão a ser tomada em cada caso (Volkswagen do Brasil, 2015; APESP, 1976). Desta maneira, é possível perceber como o trabalho de produção da violência - aqui representada pela elaboração dos boletins - era dividido ao ponto de afastar aqueles que o elaboravam do resultado de suas ações. O emitente, responsável por coletar e escrever os eventos, não guardava qualquer relação com aqueles que decidiriam o que iria acontecer com o trabalhador denunciado em tal boletim. Aqueles que elaboravam os documentos tinham participação limitada apenas à elaboração, já que o documento seguia sua cadeia de aprovações dentro do processo burocrático da empresa.

Como dito, isso auxilia o executor a se eximir de culpa pela violência ocorrida em decorrência dos seus atos. Essa isenção de responsabilidade pode ser notada na fala do chefe do departamento de segurança industrial ao afirmar que “quem julgava essa turma toda, não era a segurança era relações trabalhistas” (APESP, 1976). Ao atribuir o julgamento à divisão de relações trabalhistas, este chefe procura eximir o departamento de segurança industrial da responsabilidade pelas consequências que os atos teriam. Além disso, não apenas os boletins, como outros documentos emitidos pela VWB que atestam a vigilância e controle dos trabalhadores eram distribuídos com cópias a diversos níveis da empresa como o diretor de relações industriais, o diretor jurídico, o gerente de administração de pessoal, o gerente de serviço geral e até a presidência (APESP, 1974; APESP, 1979). A responsabilidade pela violência política praticada por meio destes documentos era compartilhada não apenas com os integrantes do departamento de segurança industrial, mas com diversos gestores de diferentes níveis hierárquicos dentro da VWB.

Como dito, a estrutura organizacional associada à divisão do trabalho permite que os executores dissipem a responsabilidade de seus atos por meio da burocracia. O documento oficial ‘boletim de ocorrência’ percorria não apenas trabalhadores diferentes como também diferentes níveis hierárquicos, podendo garantir certa proteção aos tomadores de decisão. Ainda que houvesse algum grau de autonomia, as decisões sobre os destinos do trabalhador denunciado não caberiam ao emitente do boletim, nem ao gerente ou sequer ao departamento de segurança industrial, como evidenciado pela fala de seu chefe destacada acima. Por isso, é razoável assumir que a burocracia organizacional acaba por ser um mecanismo de proteção, tendo em vista que, apesar de coletar o depoimento, redigir e assinar o boletim que poderia resultar na demissão, prisão, tortura e até morte do trabalhador, o emitente compartilha a responsabilidade com toda a cadeia processual.

Rotinização

A rotinização identificada nos documentos da VWB faz referência à criação e padronização dos documentos e procedimentos relacionados com a prática da violência. Como dito quando tratamos da divisão do trabalho, após a coleta das informações, havia procedimentos minuciosamente descritos de qual deveria ser o trâmite dos documentos e encaminhamento dado ao trabalhador. Essas predeterminações rotinizavam a violência praticada pela VWB. Isto pode ser percebido também na padronização dos documentos utilizados. Mais uma vez, os boletins de ocorrência elaborados pela empresa são elucidativos neste aspecto. Os documentos produzidos durante as greves de 1980 são padronizados e pré-preenchidos (APESP, 1980). Na parte superior do documento há espaços para preencher o número do boletim, data, departamento, em qual fábrica e hora ocorreu o evento, além da hora do depoimento. Em seguida, a maior parte do documento é destinada à descrição dos fatos por meio do campo ‘discriminação’ e no rodapé há um formulário para incluir as testemunhas, distribuidor, emitente, feitor da guarda, supervisor, chefe da seção e gerente. Esta padronização servia para rotinizar o preenchimento do boletim, agilizando o processo de produção da violência. Isso pode ser notado por meio da análise dos boletins, já que, apesar da alternância das pessoas que produziam os documentos, eles apresentavam o mesmo padrão, ou seja, sua forma predefinida auxiliava na rotina de vigilância e monitoramento dos trabalhadores.

Essa padronização permitiu que a VWB instrumentalizasse o processo de criação dos documentos, garantindo sua reprodução de maneira contínua e uniforme sem depender de quem executasse a atividade. Deste modo, a violência era normalizada, pois para sua execução só era preciso seguir um conjunto de procedimentos comuns, predeterminados (Chwastiak, 2015Chwastiak, M. (2015). Torture as normal work: The Bush Administration, the Central Intelligence Agency and ‘enhanced interrogation techniques’. Organization, 22(4), 493-511. http://dx.doi.org/10.1177/1350508415572506
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). Associada à divisão do trabalho, a rotinização também permitiu que a VWB criasse um processo fabril de produção de violência contra os trabalhadores. Assumindo um trabalho compartimentado com instruções claras e documentos predeterminados, a VWB conseguiu produzir muitos documentos de monitoramento dos trabalhadores que foi compartilhado com a polícia política. Em relação às greves de 1980, em apenas 11 dias foram produzidos mais de 177 boletins com grande concentração no período de 5 a 8 de maio daquele ano, quando são feitos 135 boletins nos quatro dias, uma média de 34 por dia (APESP, 1980). O dia 6 de maio, por exemplo, é o mais intenso, com 71 ocorrências e casos de até 23 boletins feitos em uma hora. Esses números nos permitem afirmar que a linha de montagem aplicada à fabricação de veículos foi estendida para a produção de boletins de ocorrência e, por consequência, para a produção de violência política.

Autoridade e Obediência

A questão da autoridade e obediência, em nossa análise, deu-se de duas formas. A primeira delas é a autoridade dentro do DSI para a produção de violência por parte deste departamento e a segunda é a autoridade que este departamento detinha perante o restante da empresa. Em relação ao primeiro ponto, diversas empresas na época contavam com militares na chefia de seus respectivos departamentos de segurança (Arquivo Nacional, 1980). Além disso, o DSI da VWB fora fundado por um militar em 1959 e, além da chefia, detinha grande quantidade de militares não apenas nos postos de comando, mas espalhados em diversas funções (Volkswagen, Julho 1963; Volkswagen, Agosto 1964; Volkswagen, Julho 1975; Volkswagen do Brasil, 2015). As relações sociais no contexto militar brasileiro são orientadas por preceitos de hierarquia e disciplina com objetivo de conquistar a plena obediência (Rosa & Brito, 2010Rosa, A. R., & Brito, M. J. (2010). Corpo e alma nas organizações: Um estudo sobr edominação e construção social dos corpos na Organização militar. RAC - Revista de Administração Contemporânea, 14(2), 2010. https://doi.org/10.1590/S1415-65552010000200002
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), e, deste modo, não é difícil supor que em um departamento repleto de militares, este era regido por esses valores. De maneira similar, as ordens recebidas pelos membros do DSI eram seguidas sem contestação ou crítica. Isso normalizava a produção de violência deste departamento. Em um ambiente de autoridade rígida, atos de violência são mais facilmente praticados já que são aprovados por uma autoridade e eliminam a necessidade de reflexão e decisão. Conforme explicado quando tratamos da obediência enquanto produtora da violência, a responsabilidade por um ato de violência pode ser atribuída à autoridade e, desta maneira, sua execução se torna de mais fácil execução.

De maneira similar, o DSI representava autoridade perante o restante da empresa. Essa autoridade era legitimada pela formalidade com que o departamento foi instituído e reconhecida pelos demais trabalhadores. A disciplina era um valor fortemente cultivado na VWB desde suas boas-vindas (Salles, 2002Salles, T. B. (2002). Trabalho e reestruturação produtiva: O caso da Volkswagen em São Bernardo do Campo. Editora Annablume) e, na visão do diretor de Relações Industriais, era a falta dela a responsável pelos embates entre trabalhadores e o DSI (Biblioteca Nacional, 1979a). De acordo com a VWB, “dar e receber uma ordem não deve constituir imposição de vontade [mas] como uma necessidade de serviço para que todos cumpram suas obrigações” (Volkswagen, Fevereiro 1963). Não por acaso, dentre as funções do DSI estava a manutenção da ordem e da disciplina (Volkswagen, Novembro 1963). O DSI, portanto, representava autoridade diante dos trabalhadores e suas ordens deveriam ser cumpridas sem questionamentos. Dentre essas ordens, puderam ser identificadas a condução de trabalhadores para interrogatórios e averiguações, a retirada de material do sindicato do interior das fábricas, vigilância sobre os trabalhadores e o compartilhamento de informações com a polícia política (APESP, 1969; Biblioteca Nacional, 1979b; Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, 1978; Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, 1979; Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, 1981). Desta maneira, a violência praticada pelo DSI poderia ser normalizada, já que era cometida por uma autoridade formalmente instituída e legitimada para “fazer respeitar os regulamentos internos” (Volkswagen, Agosto 1964), iem um ambiente de reconhecimento da disciplina e obediência enquanto virtudes.

Criação de Política de Identidade e não Identidade

Esta prática de normalização da violência demanda a criação de uma política de identidade que visa a separar os sujeitos em dois grupos diferentes: desejados e indesejados. Na VWB isso acontecia por meio da separação dos trabalhadores sindicalistas ou considerados subversivos dos demais trabalhadores, identificando-os como uma não identidade. Inicialmente, todo o tratamento concedido aos grevistas e sindicalistas era feito pelo DSI, setor responsável também por cuidar de furtos e outras atividades ilegais. Desse modo, já é possível perceber que os trabalhadores sindicalizados e grevistas recebiam um estigma ao serem igualados a outros trabalhadores acusados de ilegalidades. Em outros termos, a VWB tratava igualmente aqueles que se envolviam na atividade sindical e os que cometiam delitos na fábrica. Por óbvio, isso concedia uma mácula aos trabalhadores sindicalizados.

Por sua vez, os boletins de ocorrência eram utilizados no controle dos grevistas, mas foram concebidos inicialmente para fazer o registro de “funcionários envolvidos em transgressões disciplinares e atos lesivos contra o patrimônio da empresa” (Volkswagen do Brasil, 2015). Ou seja, de acordo com a VWB, as greves poderiam ser consideradas como transgressões disciplinares ou atos lesivos contra o patrimônio da empresa. De fato, o texto dos boletins faz referência aos danos procurando retratar o grevista como o autor e responsável pelo estrago (APESP, 1980). Em um curioso exemplo, o emissor do boletim afirma que a carteira funcional do trabalhador que prestava depoimento ficou em poder dos grevistas mesmo sem qualquer menção aos grevistas por parte do depoente (APESP, 1980). A autoria do roubo e agressão foi atribuída aos grevistas sem que isso fosse explicitamente afirmado e sustentado por fatos narrados pelo depoente. Em reunião do Centro Comunitário de Segurança (CECOSE), onde se reuniam chefes de segurança de várias empresas com o intuito de trocar informações, os relatos fazem referência a uma série de furtos e à ação de militantes do PCdoB e do PT (Arquivo Nacional, 1984). Em outra reunião, o representante da VWB relata a venda de livros e informes do PCdoB enquanto o representante de outra firma explica que um ex-trabalhador havia sido preso enquanto praticava um assalto

Desta maneira, o trabalhador grevista, sindicalizado ou militante de algum partido de esquerda era caracterizado como um ‘inimigo interno’ da VWB, dos seus objetivos e que precisava ser combatido. Isso contrastava com a imagem do trabalhador construída pela VWB. Este era sempre retratado como responsável, comprometido com o trabalho, com a empresa e, assim, poderia desfrutar das benesses que o trabalho e a empresa poderiam oferecer. A revista de circulação interna da empresa procurava trazer bucólicas histórias de trabalhadores que, imbuídos de determinação, conseguiram escrever sua história em conjunto com o crescimento da empresa (Volkswagen, março 1963). O perfil enaltecido pela empresa exaltava o comprometimento com o trabalho, a disciplina e obediência do ‘bom trabalhador’ e destacava os benefícios concedidos pela empresa, como assistência médica, dentária, clube de lazer, dentre outros que poderiam ser compartilhados com a família Volkswagen (Volkswagen, Março 1963; Volkswagen, Janeiro 1976). Esta divisão se torna mais explícita durante as greves de 1978 quando o diretor de relações industriais da VWB, Admon Ganem, envia um telegrama para a chefia de polícia solicitando que fossem adotadas “as medidas que se fizerem necessárias” para contenção das ações grevistas reivindicando a proteção dos “empregados que desejam prosseguir em seu trabalho” (APESP, 1978). Assim, apesar de não receberem marcas explícitas que os identificasse, dentro da VWB era possível identificar dois tipos de trabalhadores: os indesejados e sem identificação com a empresa, representados pelos sindicalizados, grevistas ou militantes de partidos de esquerda; e os desejados, que tinham uma identidade organizacional construída em torno do que seria considerado pela empresa o bom trabalhador. Essa prática facilitava a violência praticada contra os trabalhadores sem identificação, pois uma vez que eram igualados a criminosos, as ações punitivas contra eles eram mais aceitas ou toleradas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com o exposto na seção anterior, procuramos argumentar que cinco práticas adotadas pela VW do Brasil foram capazes de normalizar a violência política contra os trabalhadores durante o regime civil-militar brasileiro: formalização, divisão do trabalho, rotinização, autoridade e obediência, política de identidade e não identidade. Ou seja, normalizavam a violência política no interior da empresa fazendo com que sua execução se tornasse mais aceitável ou, ao menos, tolerável.

A violência política tinha como manifestação o bloqueio das ações políticas dos trabalhadores. Desta maneira, a empresa impedia a organização dos trabalhadores sindicalizados, retirando os cartazes, recolhendo jornais, vigiando as reuniões do sindicato e reportando isso para a polícia política. Todas essas ações eram feitas por meio de um departamento instituído de maneira formal na empresa. Essa formalidade empresta legitimidade aos atos cometidos. Desta forma, enquanto departamento formalmente estabelecido, o DSI produzia a violência política em um ritmo industrial, adotando procedimentos gerenciais como a divisão do trabalho e a rotinização. Assim como o Holocausto não seria possível sem o gerenciamento necessário (Bauman, 2002Bauman, Z. (2002). Modernity and the Holocaust. Cornell University Press.; Stokes & Gabriel, 2010Stokes, P., & Gabriel, Y. (2010). Engaging with genocide: The challenge for organization and management studies. Organization, 17(4), 461-480. https://doi.org/10.1177/1350508409353198
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), a violência produzida pela VWB por meio do registro e compartilhamento das ações dos trabalhadores só foi possível, considerando o seu volume, em virtude dos procedimentos organizacionais que a VWB adotou na produção dos boletins que poderiam ter como desdobramentos punições como vigilância, demissão, prisão, tortura e morte. Isto era possível graças ao ambiente de rígida autoridade existente no DSI. A obediência a esta autoridade legitimava as ações dos subordinados cuja reflexão, crítica e pensamento não eram demandados na execução de atividades que pudessem prejudicar outros trabalhadores. Essa prática era facilitada pela política de não identidade atribuída ao trabalhador sindicalizado, grevista ou militante.

Essa análise nos permite algumas conclusões. A primeira delas é afirmar que a VWB realizou atos de violência política contra seus trabalhadores limitando e impedindo seu espaço de ação política reivindicatória por direitos e melhores condições de trabalho. Considerando o exposto, é plausível sugerir que a violência praticada foi, em alguma medida, normalizada, para que fosse executada de maneira mais aceitável e tolerada. Essa normalização ocorreu por meio da adoção das cinco práticas discutidas anteriormente: formalização, divisão do trabalho, rotinização, ambiente de autoridade e obediência e criação de uma política de construção identitária. Também pode-se concluir que essas práticas conjugadas permitiram que a violência política da VWB fosse normalizada enquanto um procedimento ordinário da empresa. Trabalhadores poderiam aceitar mais facilmente os atos de um departamento formalmente instituído e ter mais dificuldade de imaginar que estes atos violassem os direitos dos trabalhadores, da mesma forma que guardas envolvidos na produção de documentos que serviam para cometer essas violações poderiam não se perceber enquanto executores de violência, na medida em que estariam apenas preenchendo ou assinando formulários cotidianos, também assinados e de conhecimento de diversos níveis hierárquicos, incluindo o presidente. É necessária uma grande medida de crítica ou reflexão para contestar as ordens das autoridades legitimamente instituídas e que incluem o dirigente máximo da empresa, especialmente quando esta violência é praticada contra grupos considerados indesejados, que não estão contribuindo para o crescimento e desenvolvimento da empresa.

Portanto, acreditamos que haja práticas de normalização da violência que são utilizadas para tornar a violência tolerável e, assim, recorrente, nas empresas.

Entendemos, por fim, que as práticas de normalização da violência podem ser pensadas como atividades adotadas de maneira voluntária e que podem normalizar, intencionalmente ou não, a violência praticada por uma organização. Mas ainda existem significativas lacunas a serem preenchidas no que diz respeito, por exemplo, à relação de colaboração econômica e política das empresas com governos autoritários e/ou ditatoriais, principalmente em países onde ações judiciais são movidas contra grupos econômicos que colaboraram com aparatos repressivos em governos de exceção, como é o caso da América Latina (Basualdo et al., 2021bBasualdo, V., Berghoff, H. & Bucheli, M. (2021b) Crime and (No) punishment: Business corporations and dictatorships. In, Big Business and Dictatorship in Latin America: A transnational history of profits and Repression. Palgrave Macmillan.). Refletir de forma articulada (e/ou em rede) sobre casos situados em contextos similares - como no caso do Brasil e Chile (Simon, 2021Simon, R. (2021). O Brasil contra a democracia: A ditadura, o golpe no Chile e a Guerra Fria na América do Sul. Companhia das Letras.), Argentina, Colômbia, Uruguai, Peru e América Central - pode contribuir para pensarmos a violência como uma dimensão estruturante das relações de trabalho no capitalismo. Neste sentido, vislumbramos possibilidades de pesquisas futuras no sentido de explorar as práticas de normalização da violência pensando não apenas na violência política, mas como as empresas atuam para normalizar também - e muitas vezes de forma concomitante - a violência física, psicológica ou econômica por elas praticada. Enfim, pensar essas práticas em conjunto e ao longo de uma trajetória comum encaminha a constituição de uma possibilidade mais estruturante de compreensão da prática da violência pelas organizações.

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  • Financiamento

    Os autores informaram que não houve suporte financeiro para a realização deste trabalho.
  • Método de Revisão por Pares

    Este conteúdo foi avaliado utilizando o processo de revisão por pares duplo-cego (double-blind peer-review). A divulgação das informações dos pareceristas constantes na primeira página e do Relatório de Revisão por Pares (Peer Review Report) é feita somente após a conclusão do processo avaliativo, e com o consentimento voluntário dos respectivos pareceristas e autores.
  • Verificação de Plágio

    A RAC mantém a prática de submeter todos os documentos aprovados para publicação à verificação de plágio, mediante o emprego de ferramentas específicas, e.g.: iThenticate.
  • Disponibilidade dos Dados

    Os autores afirmam que todos os dados utilizados na pesquisa foram disponibilizados publicamente, e podem ser acessados por meio da plataforma Harvard Dataverse:
    Silva, Marcelo de Carvalho; Costa, Alessandra Sá Mello, 2024, "Replication Data for: Practices of Normalization of Political Violence at Volkswagen do Brasil during the Brazilian Civil-Military Dictatorship (1964-1985)", Harvard Dataverse, V1eral universities" published by RAC-Revista de Administração Contemporânea, Harvard Dataverse, V1.
    A RAC incentiva o compartilhamento de dados mas, por observância a ditames éticos, não demanda a divulgação de qualquer meio de identificação de sujeitos de pesquisa, preservando a privacidade dos sujeitos de pesquisa. A prática de open data é viabilizar a reproducibilidade de resultados, e assegurar a irrestrita transparência dos resultados da pesquisa publicada, sem que seja demandada a identidade de sujeitos de pesquisa.
  • Classificação JEL:

    M10
  • Relatório de Revisão por Pares:

    A disponibilização do Relatório de Revisão por Pares não foi autorizada pelos revisores.

  • # de revisores convidados até a decisão:

NOTAS

  • 1
    O experimento realizado por Stanley Milgram consistia em convocar um participante que recebia ordens de realizar perguntas a um aprendiz. O pesquisador (figura de autoridade) ordenava que o participante aplicasse um choque elétrico a cada resposta errada do aprendiz. A cada resposta errada, a voltagem do choque aumentava 15 volts, atingindo um máximo de 450 volts. Na realidade, os choques não eram aplicados, mas apenas o pesquisador e o aprendiz sabiam disto. O aprendiz se comportava como se recebesse os choques, o que não impedia os participantes de continuarem aplicando os choques. O experimento seria interrompido caso o participante se recusasse a aplicar os choques ou quando o nível máximo de voltagem fosse atingido. O resultado do estudo foi que 65% dos participantes administraram choques na potência máxima apenas porque foram instruídos a fazê-los (Milgram, 1963).
  • 2
    Tribuna Metalúrgica era a publicação oficial do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas de São Bernardo do Campo e Diadema. Criado em julho de 1971, tinha como objetivo ser o porta-voz dos trabalhadores. Atendendo a este propósito, o foco do jornal era noticiar as questões sobre defasagem salarial, aumento do custo de vida dos trabalhadores, denúncia sobre violência e desrespeitos às leis trabalhistas por parte das fábricas, matérias que procuravam instruir o trabalhador sobre os seus direitos ou apresentar as dificuldades encontradas pela classe trabalhadora para que suas reivindicações fossem atendidas. Era por meio da Tribuna Metalúrgica, tque o sindicato procurava informar os trabalhadores sobre as propostas de negociação salarial junto às fábricas, bem como sobre a possibilidade de greve. Deste modo, o jornal estimulava sua circulação entre os trabalhadores incentivando que fosse passado para colegas na fábrica. Em diversas seções o jornal procurava adotar uma linguagem simples de modo a dialogar com maior proximidade do operariado. O acesso ao jornal era conseguido no sindicato ou em distribuições feitas na porta das fábricas.
  • 3
    Família VW era a revista produzida pela Volkswagen do Brasil e distribuída internamente, tendo sido produzida a partir de novembro de 1962. Nesta pesquisa, a revista, Família VW apresentou-se majoritariamente como um meio para compreender o funcionamento interno da empresa. A relevância da revista pode ser compreendida por meio do seu alcance. Em uma pesquisa publicada em fevereiro de 1964 foi observado que aproximadamente 77% dos trabalhadores que responderam à pesquisa liam a revista integralmente e quase a totalidade dos respondentes afirmou que levava a revista para casa e a mostrava também para colegas de outras montadoras e que tanto os familiares quanto os outros trabalhadores gostavam de ler a revista. Com base nesta pesquisa, os editores estimavam que um total de 40 mil pessoas liam a revista mensalmente.

Editado por

Editor-chefe:

Marcelo de Souza Bispo (Universidade Federal da Paraíba, PPGA, Brasil) https://orcid.org/0000-0002-5817-8907

Disponibilidade de dados

Os autores afirmam que todos os dados utilizados na pesquisa foram disponibilizados publicamente, e podem ser acessados por meio da plataforma Harvard Dataverse:

Silva, Marcelo de Carvalho; Costa, Alessandra Sá Mello, 2024, "Replication Data for: Practices of Normalization of Political Violence at Volkswagen do Brasil during the Brazilian Civil-Military Dictatorship (1964-1985)", Harvard Dataverse, V1eral universities" published by RAC-Revista de Administração Contemporânea, Harvard Dataverse, V1.

https://doi.org/10.7910/DVN/EQBMNP

A RAC incentiva o compartilhamento de dados mas, por observância a ditames éticos, não demanda a divulgação de qualquer meio de identificação de sujeitos de pesquisa, preservando a privacidade dos sujeitos de pesquisa. A prática de open data é viabilizar a reproducibilidade de resultados, e assegurar a irrestrita transparência dos resultados da pesquisa publicada, sem que seja demandada a identidade de sujeitos de pesquisa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    18 Ago 2023
  • Revisado
    05 Dez 2023
  • Aceito
    02 Maio 2024
  • Publicado
    14 Maio 2024
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