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RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Robert N. V. C. Nicol

An introduction to modem economics

Por Joan Robinson e John Eatwell. London, McGraw-Hill, 1973.

Joan Robinson, talvez a mais renomada economista britânica da atualidade, apresenta-nos, em coautoria com John Eatwell, um livro que teria por objetivo servir como livro-texto em cursos introdutórios de economia.

Compõe-se a obra de 17 capítulos divididos em 3 partes. Na primeira, os autores fazem um apanhado geral das linhas mestras do pensamento econômico do século XVIII até nossos dias. Na segunda parte, apresentam uma exposição dos principais tópicos que compõem o que se convencionou chamar de microeconomia e macroeconomia, incluindo uma breve referência: ao sistema monetário, às finanças públicas, ao comércio internacional, assim como ao planejamento em economias socialistas. Na terceira e última parte, os autores analisam os problemas atuais dos países desenvolvidos: capitalistas e socialistas e dos países do Terceiro Mundo.

Livros introdutórios de economia existem às centenas. Dentre os mais conhecidos temos o de Samuelson, adotado em quase todos os cursos introdutórios nas universidades do mundo não-comunista, e cuja tiragem já deve ter ultrapassado um milhão de exemplares.

O que diferencia a obra de Robinson e Eatwell desses livros-texto, é sua abordagem crítica. Diferentemente de um livro como o de Samuelson que se apoia na teoria neoclássica ortodoxa para a parte de microeconomia e na teoria pós-keynesiana (de caráter cada vez mais neoclássico) para a parte de macroeconomia, os dois autores britânicos tentam apresentar uma nova abordagem para o estudo da economia.

Tal abordagem tem como ponto de partida as críticas que vêm sendo desenvolvidas aos pressupostos da visão neoclássica da economia pelos economistas de Cambridge, Inglaterra. Tais críticas são de caráter metodológico bem como de conteúdo. Estão ligadas aos pressupostos da economia como sendo uma espécie de mecanismo que tende ao equilíbrio a longo prazo com um concomitante processo de harmonização de interesses conflitantes, ao conceito de capital, à teoria da distribuição (versão neoclássica), à teoria de formação de preços numa economia capitalista, ao próprio uso de curvas de oferta e de procura na explicação de fenômenos econômicos, bem como às simplificações irrealistas da maior parte dos modelos econômicos.

É difícil avaliar uma obra como esta. Certamente representa um grande avanço com relação a livros-texto como o de Samuelson; entretanto, deixa algo a desejar. A primeira parte, isto é, aquela referente à síntese histórica do pensamento econômico que os autores realizam, é bastante confusa em certos pontos, pressupondo da parte do leitor um conhecimento da história da teoria econômica que geralmente ele não possui (afinal, é um livro introdutório). Quanto à segunda parte, onde Robinson e Eatwell desenvolvem os aspectos analíticos, também os resultados apresentados não são totalmente satisfatórios. Algumas das demonstrações são confusas como as que encontramos acompanhando os diagramas do primeiro capítulo desta parte (Land and labour). Os -autores também geram uma confusão desnecessária no tratamento do problema das inovações. Alguns dos pressupostos não são claramente especificados, o que pode levar o leitor a se perder, como no capítulo sobre bens e preços. Outros pressupostos ainda, adotados para desenvolver a teoria, não são convenientemente justificados, como o que os autores adotam para elaborar uma teoria de acumulação ótima numa sociedade socialista, baseado numa versão da teoria valor-traba-Iho. Talvez a abordagem que os autores propõem neste caso, em termos de valor-t.rabalho, seja a mais adequada, mas as justificativas apresentadas não são as mais convincentes. Fica-se com a impressão de que a obra foi feita às pressas e que nem tudo que os autores gostariam de ter explicado tiveram tempo para fazê-lo. E, finalmente, como seria de se esperar, em se tratando de uma obra proveniente de um país adiantado, a maior parte dos temas abordados é pertinente a economias industriais avançadas, mas pouco apropriada a economias subdesenvolvidas.

Ao lado de todas essas deficiências, o livro apresenta grandes méritos. Em primeiro lugar, mostra as limitações da teoria neoclássica e apresenta uma visão alternativa baseada numa tentativa de incorporar variáveis institucionais aos problemas econômicos. Típico dessa abordagem é o tra tamento, aliás excelente, que os autores dão ao problema do nível salarial e da distribuição da renda. Os autores conseguem, ainda, incorporar em sua obra, de forma acessível, as idéias básicas de Kalecki e Sraffa, entre outros, economistas que tanta influência vêm exercendo ultimamente no desenvolvimento da teoj ria econômica. E, finalmente, para grande alívio dos leitores, os autores não se perdem em elegantes formulações teóricas sem nenhum compromisso com a realidade, que parecem ser o passatempo predileto dos autores da escola neoclássica moderna.

Os três últimos capítulos em que abordam os problemas que afligem as sociedades contemporâneas são de uma lucidez ímpar.

Em síntese, como livro introdutório à economia, apresenta alguns problemas em termos de, se utilizado, exigir por parte dos professores e alunos um grande esforço para suprir suas lacunas ou falhas. Mas, acredito que tal esforço mais do que se justifica, visto que, a adoção da obra em nossos cursos de economia, pelo menos ajudará a contrabalançar autores como Samuelson, que tanto têm contribuído para tornar a economia a matéria irrelevante que é em nossos dias.

Francisco Iglesias

O ouro brasileiro e o comércio anglo-português.

Por Virgílio Noya Pinto. São Paulo, 1972. 398 p. mimeogr.

Entre as teses que se apresentam em concursos universitários, raras são as que merecem edição em livro, por cumprirem mais que a simples obtenção de título para que o candidato se promova na vida acadêmica. Entre elas está a que Virgílio Noya Pinto escreveu para a Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, no Departamento de História: O ouro brasileiro e o comércio anglo-português (contribuição aos estudos da economia atlântica no século XVIII). Trata-se de obra que se impõe pelo tema, elaboração superior, metodologia severa, pesquisa ampla e original. O autor se preparou convenientemente: feito o curso em São Paulo, especializou-se em Paris durante algum tempo, absorvendo o melhor da orientação de mestres que se filiam a uma das linhas historiográficas mais notáveis, de modo que adquiriu método de trabalho, não se detendo na fruição de modelos ou técnicas, mas partindo para a pesquisa. Investigou longamente em Paris e em arquivos portugueses, além de percorrer alguns dos importantes arquivos brasileiros, como o Nacional do Rio, o Municipal de São Paulo, o Municipal de Salvador, além de bibliotecas francesas, portuguesas e brasileiras.

Queremos destacar principalmente a pesquisa em Paris, nos Archives Nationales e no Quai D'Orsay. Daí a riqueza básica da tese: os relatórios, memórias e cartas de embaixadores e cônsules em Portugal, que transmitem informações minuciosas sobre o que se passa no país em que eles trabalham, traçando o quotidiano da política em época de disputas de alianças e, sobretudo, com as novas econômicas, como facilidades e embaraços, fortuna e penúria, crises, importação e exportação, julgamentos sobre a economia e as finanças. Como escreve, "as cartas dos representantes franceses transformam-se em verdadeiro diário da vida portuguesa no século XVIII" (p. 4). Interessa sobretudo o que contam das entradas de ouro em Portugal, do que vem para o rei ou para os negociantes, ou do que é contrabandeado por navios britânicos que nunca deixam de estar no Tejo quando chegam frotas do Brasil. Tem-se, desse modo, conhecimento que não se encontra em outra parte e que é de inex-cedível valor: os diplomatas fornecem números e dão a linha da política econômica. No caso especial - o ouro brasileiro - dão notícias que nunca haviam sido exploradas, de modo que enriquecem o que se sabe do que foi a economia com origem na mineração do Brasil. Bastava essa base documental para impor o livro.

Ao longo das cinco partes do texto, com 343 páginas, há 520 referências, das quais 161 são de documentos originais que se encontram em Paris - cartas, memórias, relatórios; 109 nos Archives Nationales e 52 no Quai D'or-say, o que dá pouco menos de 30% do total; se considerarmos que entre os livros usados há 40 citações de franceses, chega-se a 201, pela forte influência que o autor recebeu do curso e estada em Paris. O que é extraído dos arquivos brasileiros é pouco e dos portugueses menos ainda.

Não fica no uso dessa base que não se conhecia direito - raramente as vemos citadas - o mérito do autor, mas também no método, que é eminentemente da escola francesa. É uma historiografia objetiva, que se aproxima do ideal quantificador, embora não o transforme em simples arrolamento de cifras - variante moderna da antiga história narrativa na qual, em vez de nomes, datas e fatos, há números, sem maior valor explicativo, como se vê em muita obra pretensamente original. O autor paulista, fiel aos professores que teve, pratica com segurança os seus ensinamentos: é com certa admiração ingênua e provinciana que o vemos citar texto inédito de Braudel (p 376). Só o domínio de técnica de trabalho e acesso a instituições menos exploradas não fariam o êxito do livro, que depende muito da erudição do autor e de seu poder reflexivo, que conduz à correta elaboração de quanto dispôs. Daí a superioridade do que faz na magra historiografia brasileira.

Assinale-se que o tema vem sendo mal estudado: o caso do ouro, se já despertou atenções e provocou vários escritos, o certo é que não se prima pela pesquisa nem pela interpretação. Os autores em geral se repetem: vão a Calógeras, a Antonio Olinto dos Santos Pires, a Eschwege, a José João Teixeira; quando há novidade, é na linha interpretativa, como se dá com Celso Furtado. Ora, o problema requer ainda muito levantamento para ser bem posto. Basta que se lembre o pouco de rigor que há nas cifras, na pobreza da quantificação. O comum é a história tributária do período, as projeções sociais e políticas, o surto artístico. Já existe uma certa história oficial de Minas, que tem muitas brechas para qualquer crítica de mínima exigência. Daí o entusiasmo que provoca a presente tese, que apresenta algo de novo na documentação. O autor não pretende ser revisionista: se denuncia equívocos, quando trata especificamente de Minas repete o que se sabe sobre a sociedade, sua precoce urbanização, sua diversidade mais considerável que a do Nordeste. São pontos pacíficos: sobre Minas não há muito e é na linha conhecida (p. 65-88 ou 333-6).

O fato é que o objetivo do autor não foi estudar Minas, mas o ouro e o comércio anglo-português. O que pretende mostrar é que a prosperidade portuguesa e a britânica coincidem com a do ouro de Minas, Goiás, Mato Grosso e Bahia - um dos pontos dignos de nota no texto é o de que, quando fala em ouro, não se refere apenas a Minas, mas também ao de outras Capitanias, ou a outros portos, que não o Rio de Janeiro, como ainda Salvador e Belém, que dão saída à produção da Bahia, Goiás e Mato Grosso, em perspectiva pouco freqüente (p. 88-114 e 334). Já a decadência portuguesa coincide com a da mineração. À página 3 propõe duas questões: a primeira é se "seria o ouro brasileiro um dos elementos permissivos do desencadeamento da mudança de estrutura"? (com o pensamento na economia européia); a segunda: "conhecemos as avaliações da produção do ouro brasileiro. (. . .) Valeria a pena reanalisar a questão, revendo documentos e acrescentando novos -informes"?

Comecemos pela segunda, que a primeira nos parece decorrente dela. O autor estuda a produção do ouro nas várias áreas do país (p. 115-20), concluindo com o quadro da produção no século XVIII (p. 122 e seguintes). A nosso ver, a resposta é pouco satisfatória, uma vez que devia haver o paralelo do que encontra com as indicações antes feitas (Soetbeer, Eschwege e Calógeras, citados à p. 3, com a falta do nome de José João Teixeira o primeiro a fazer o cálculo, em 1780). Como está, não permite comparação, a não ser que o leitor busque os números apresentados por aqueles: seria fácil um quadro para o confronto, o que não é feito. Demais, era preciso justificar a diferença, uma vez que seu cálculo é bem mais modesto que o de Eschwege e Calógeras. Impunha-se mostrar a razão do número que encontra, como os critérios ou equívocos de outros que trataram da matéria. A pergunta que se propõe, que lhe deu tanto trabalho, requer mais elaboração na resposta, para ser satisfatório o que diz e compensador 'o esforço.

Já a outra pergunta tem resposta ampla (a contar da p. 124 até o fim). O comércio do Brasil com Portugal de 1697 a 1766 é minuciosamente levantado - está mesmo aí uma das contribuições do autor à história econômica (p. 140-259). Depois, é o comércio anglo-português (p. 260323). Mostra como "o ouro brasileiro e o comércio anglo-português têm demonstrado que são setores em relação direta até a década de 1760 e início da seguinte" (p. 320). Destaca que o ouro entra no mercado em fase ascendente da economia, usando os ciclos econômicos estudados por Gaston Imbert, desaparecendo quando a economia européia começa a amadurecer a indústria, que vai dar corpo ao sistema capitalista, nas últimas décadas do século XVIII.

É curioso acompanhar as coincidências que mostra. O autor brasileiro chega a termos de certa audácia. Imbert reconhece como movimento secular capitalista "o que se desenvolveu de 1720/40 a 1895/6" (p. 337); temos dúvida quanto ao que chama de "movimento secular pianista" - a começar pela denominação - "que se prolonga até nossos dias". É interessante o fato de a tese mostrar que "Irrv bert desconheceu totalmente a produção brasileira de ouro" (p. 338), uma vez que escreveu que "a partir de 1740 não mais se verifica aumento daquele metal precioso". E Virgílio Noya Pinto conclui: "justamente por isso acreditamos que nossas pesquisas projetam o ouro brasileiro na economia mundial e integram-no na análise de Gaston Imbert" (p. 338). Avança mesmo: "estas constatações levam-nos a concluir que o ouro brasileiro está para o movimento secular capitalista como os metais preciosos do México e do Peru estão para o movimento secular mercantilista, e o ouro do Alasca, do Transvaal e da Austrália para-o movimento secular pianista" (p. 339). O historiador é muito ousado na passagem: se é pacífico que os metais da América deram impulso à economia do século XVI (fato denunciado já em 1568 por Jean Bodin e que teve aprofundamento nos historiadores que trataram da "revolução dos preços" da época), já não o é tanto na influência do ouro brasileiro no "movimento secular capitalista" e acreditamos que não seja nada representativo para o chamado "movimenta sen cular pianista".

Pode-se dizer que "o ouro brasileiro foi um elemento significativo para a economia do século XVIII" (p. 342), o mais é hipertrofia de um fator: se é compreensível a quem o estuda, pelo realce que percebe, já a ênfase não é convincente. Confessamos dúvida ante conclusão peremptória, mais ainda sobre a seguinte: "a perfeita conexão entre a idade do ouro do Brasil e as transformações na economia inglesa possibilitou o impulso do capitalismo industrial na Inglaterra" (p. 343). Curiosamente, o ouro teve efeitos na estrutura da economia inglesa, enquanto "para o Brasil seus efeitos foram muito mais conjunturais que estruturais" (p. 342) - o que nos parece questionável quanto às duas partes: se foi estrut.ural naquela e conjuntural em nossa economia (pelo menos quanto a. Minas foi estrutural).

O autor, se chega a estabelecer relação entre o ouro brasileiro e a economia do século, ainda que enfático, como vimos, não chega a citar a passagem de Sombart em O burguês, que Roberto Simonsen divulgou na História econômica do Brasil, segundo a qual o ouro brasileiro teria configurado o homem econômico moderno. Afirmativa que fez muito mal, pela repetição sem o devido entendimento, que estabelece que esse ouro fez a prosperidade britânica por causa do Tratado de Methuen (documento que tem boa análise na tese, p. 46-52), o pai da revolução industrial e do capitalismo. É equívoco que a prosperidade britânica no sécul o XVIII tenha raízes mais profundas, na reforma agrícola com as "leis dos cercos" (desde o século XVI), com o senso experimental que leva à "revolução agrícola" ou à "revolução industrial", nas leis de navegação, no sentido de oportunismo que é permitido pela ordem política que o país conhece, enquanto o resto da Europa vive de intrigas e disputas, em guerras estéreis e que a melhor parte vai sempre para o britânico, que chega no fim para decidir e ganhar. O historiador paulista evita essas colocações, mas seu texto pode induzir o leitor a embarcar em linha interpretativa passível de reparo.

Haveria muito o que apontar no livro, dè acertos e mesmo de alguns trechos menos convincentes. Sem falar da necessidade de uma boa revisão, que corrija as faltas explicáveis em tese, pois todos sabem com que premência são escritas. Há alguns pequenos equívocos: para apontar apenas dois, lembramos das datas imprecisas das rebeliões de Pitangui e Villa Rica (p. 74); ou a nota 345 (p. 365), que fala do "Triunfo Eucarístico, no qual Simão Ferreira Machado descreve o luxo e a suntuosidade da festa realizada a 24 de maio de 1733, em comemoração à Ascensão do Senhor, em Vila Rica". Não foi por esse motivo, mas pela transladação do Santíssimo da Igreja do Rosário para a do Pilar, como se lê no próprio título da obra publicada em Lisboa em 1734.

Nosso objetivo é chamar a atenção para o trabalho de Virgílio Noya Pinto, que não pode permanecer mimeografado, de acesso a poucos privilegiados. Com revisão, pode tornar-se livro importante, que deve ser editado condignamente, para proveito dos estudiosos do ouro brasileiro do século XVIII em Minas - Brasil, Portugal e Ocidente europeu. Além do muito que dá como informação, é provocativo e leva ao debate, como se viu. Escrevemos a nota exatamente para movimentar o autor ou alguma editora, pois sabemos de sua modéstia, que pode levá-lo a subtrair ao público obra que é de interesse: uma das poucas em que o país aparece no quadro da economia da época, participa da gênese de novo sistema econômico. Que seja apresentada, pois, em livro.

Eduardo Matarazzo Suplicy

Economics and the public purpose

Por John Kenneth Galbraith. Houghton Mifflin, 1973.

A simbiose burocrática e a emancipação do Estado

Um fenômeno cada vez mais importante vem ocorrendo nas economias capitalistas mistas, não só em países desenvolvidos como os EUA, a Alemanha Ocidental e a Inglaterra, mas também em países em rápido processo de desenvolvimento como o Brasil: é a tendência das organizações públicas e privadas em encontrar e perseguir um propósito comum. John Kenneth Galbraith, em seu último livro, Economics and the public purpose, chamou esse fenômeno de "a simbiose burocrática".

Através da simbiose burocrática e tecnoestrutura das grandes empresas, procura influenciar intensamente os objetivos a serem seguidos pelos governos, prover os técnicos e nomear os políticos que farão decisões importantes para o desenvolvimento das atividades empresariais. Existe uma crescente interação entre os tecnoburocratas administradores, engenheiros, cientistas, advogados, mercadólogos, homens com conhecimento especializado da burocracia governamental e de como manipular essa burocracia, que se movimentam das grandes empresas privadas multinacionais, nacionais e mistas para o governo e vice-versa.

A visão de Ga!braith a respeito da moderna economia é muito importante, porque os economistas ainda dedicam a maior parte dos seus esforços ao estudo de modelos que estão longe de refletir a realidade das sociedades. Galbraith divide a economia de um país como os EUA em dois grandes sistemas: o sistema de mercado e o sistema de planejamento. O primeiro compreende um número muito grande, aproximadamente 12 milhões, de empresas pequenas e médias, inclusive três milhões de agricultores, cujo total de vendas é menor do que o total das quatro maiores empresas industriais; pouco menos de três milhões de postos de gasolina, oficinas, lavanderias, restaurantes e outros estabelecimentos de serviços; dois milhões de pequenos estabelecimentos de varejo; aproximadamente 900 mil firmas de construção; algumas centenas de milhares de indústrias pequenas; e um número não especificado de empresas servindo os interesses multsvariados de diversões e vícios de uma sociedade avançada. Nesse sistema de mercado são transacionados por volta de 50 % dos bens e serviços não vendidos pelo Estado nos EUA.

Os outros 50% os quais compreendem o sistema de planejamento, são produzidos e vendidos por aproximadamente 1 000 grandes empresas dos setores industrial, comercial, financeiro, de transportes e de energia. A concentração maior verifica-se na indústria onde as duas maiores corporações, a General Motors e a Exxon, somam juntas uma receita maior do que a da Califórnia e de Nova York. Em 1971, as 111 maiores indústrias com ativos de US$ 1 bilhão ou mais possuíam mais da metade de todos os ativos empregados e recebiam mais da metade da receita de vendas total do setor industrial. A tendência é semelhante nos setores de comércio, transportes, comunicação e energia.

O sistema de mercado, com alguns setores competitivos e outros monopolizados, funcion a aproximadamente de acordo com a análise desenvolvida pelos livros de texto de economia neoclássica, onde predominam de forma mais ou menos livre as forças de oferta e procura. Há porém dois fatores que diferenciam

o sistema da análise teórica neoclássica: a intervenção do Est.ado é muito maior do que a sugerida pela teoria e, por outro lado, o sistema de mercado precisa funcionar ao lado do sistema de planejamento. Dessa forma, o seu desenvolvimento é fortemente influenciado por esses fatos.

O sistema de planejamento, por sua vez, procura controlar e acomodar o ambiente político, econômico e social às suas necessidades. Tudo o que protege e serve às finalidades do sistema de planejamento torna-se diretriz política saudável. O sistema transcende o estado nacional para criar uma comunidade internacional de planejamento. Assim como o planejamento doméstico procura controlar as incertezas da economia de mercado nacional, o sistema internacional procura lidar com os riscos associados ao comércio e aos investimentos internacionais. Para diminuir essas incertezas nacionais e internacionais, o sistema tem um enorme interesse no controle de preços.

O Estado, nessa sociedade moderna, tem exercido um papel fundamental, respondendo às necessidades daquelas indústrias mais poderosas. Para os carros da indústria automobilística, o Governo constrói estradas. Para a indústria de armamentos, faz uma série de encomendas, para outras indústrias dá apoio para pesquisas, etc. Para os setores mais fracos e menos organizados da sociedade, o apoio do Estado é muito menor, contribuindo assim para o desenvolvimento de disparidades.

Se de um lado o Governo é parte central dos problemas de desenvolvimento desigual, da desigualdade na distribuição dè rendas, da má distribuição de recursos públicos, da destruição ecológica e do ambiente, também constitui centro da solução. O que é preciso haver, segundo Galbraith, é a emancipação do Estado.. É preciso criar os instrumentos para fazer com que os interesses públicos não sejam confundidos com os interesses do sistema de planejamento ou da comunidade das grandes empresas. Galbraith acha que esse deva ser o tema de maior importância nas eleições americanas.

Uma análise paralela do caso americano feita por Galbraith pode ser desenvolvida para o caso brasileiro, que certamente já faz parte do âmbito transnacional mencionado pelo professor de Harvard. Presenciamos a crescente interreiação. dos tecnoburoc ratas brasileiros que passam dos altos escalões das empresas privadas para os organismos públicos e vice-versa. Esses tecnoburocratas tendem a se aliar aos proprietários dos meios de produção para formarem a comunidade dos que mais se beneficiam com o desenvolvimento, como bem analisa o Prof, Luiz Carlos Bresser Pereira em Tecnoburocracia e contestação. A questão que Galbraith provavelmente perguntaria, se analisasse o Brasil atual, seria:

- Até que ponto os objetivos definidos pela simbiose burocrática no Brasil coincidem com os objetivos de se alcançar o maior bem-estar de todos indivíduos na sociedade?

Roberto Venosa

The administrative revolution: notes on the passing of organization man

Por George Berkley. N. J., Englewood Cliffs, Prentice-Hall, 1971.

Berkley procura, neste trabalho, tentar responder à seguinte pergunta: Foi suplantado, na área ideológica, o conflito que perdurou durante muito tempo entre empregadores e empregados? No caso afirmativo, gerou-se um novo tipo de conflito, dentro da nova área problemática, ou seja, a administração da sociedade industrial? E ainda nesse caso, podem ser resolvidos tais conflitos? Ou seja, o tema básico é: o "desaparecimento" do conflito entre capital e trabalho e a emergência de uma nova área problemática: a organização versus o indivíduo.

Obviamente Berkley jamais se pergunta quem a- organização representa. Durante toda sua obra, a organização está para os empregados, assim como, para Hegel, o Estado está para a sociedade.

O livro foi dividido em sete capítulos:

1. O surgimento e queda da burocracia.

2. O desmoronamento da pirâmide.

3. A nova convergência.

4. O fim do homem organizacional.

5. Liberdade planejada.

6. A era do cliente.

7. Proteção sem paredes.

1. O surgimento e queda da burocracia

Nesse capítulo, Berkley apresenta uma ligeira evolução histórica da administração e burocratização, sugerindo uma tendência para um governo impessoal, sistemático e formal. Discute os conceitos weberianos de dominação carismática, tradicional e legal-racional, bem como apresenta os anos 30 e 40 como a era de ouro da burocracia nos EUA. A seguir, muda para o movimento antiorganizacional dos anos 50, iniciando pela apresentação da obra de Kenneth Boulding, The organizational revolution (1953), e depois estuda e discute a obra de Whyte The organization man (1956), culminando por aquilo que Berkley chama de o "Manifesto de Mac Gregor" (1960). Esta, na opinião de Berkley, é a filosofia destinada a orientar a fase pós-burocrática. Mac Gregor (The human side of enterprise. 1960) diferencia entre teoria X - tradicional, autoritária - e teoria Y - as novas e não-ortodoxas técnicas de gerência. Estas incluem acentuada descentralização de poder e delegação de responsabilidade, ampliação do escopo do trabalho, participação dos empregados e administração consultiva, e auto-avaliação de desempenho por parte dos empregados. Os controles propostos pela teoria X serão substituídos por gerência por objetivos, afixados em comum acordo entre superiores e subordinados. Os empregados serão responsáveis por atingirem resultados sem rígida supervisão.

2. O desmoronamento da pirâmide

Após ler o primeiro capítulo, os que não abandonarem o livro vão encontrar neste segundo capítulo uma discussão da inadequação do modelo burocrático piramidal, baseando-se no conflito entre desenvolvimento organizacional, profissionalização, especialização e inovação, versus estrutura tradicional. A partir daí, Berkley propõe que a estrutura burocrática não pode funcionar mais, dentro da sociedade, e apresenta o modelo não-burocrático que, segundo ele, está emergindo. Seguindo uma velha tradição intelectual, Berkley tira o seu modelo do nada e "constata" seu nascimento, quando talvez uma pergunta mais nobre seria "por que a burocracia, não está funcionando e por que novas estruturas estão emergindo?"

O modelo, em embrião, não é colocado de maneira clara, mas assim mesmo pode-se perceber que seu perfil é circular e não estruturado rigidamente. Dentro dele existem malhas que se reconfiguram continuamente. Existe uma malha central mais ou menos estacionária, a qual também se modifica freqüentemente e dentro da qual não se percebe a permanência de uma mesma unidade, ao longo do tempo. Cada malha lateral está vagamente Ih gada às demais malhas e à malha central, sendo que esta se configura nebulosamente com a gerência e seus serviços de apoio. A comunicação entre as várias unidades é livre, periódica e persistente. A função da gerência é a de coordenação e apoio ao invés do exercício de autoridade.

3. A nova convergência

Neste ponto já está claro qual o comprometimento ideológico de Berkley. Neste terceiro capítulo, Berkley, o "Orwell adocicado", aventura-se a fazer conjeturas sobre o fading out do conflito entre capital e trabalho devido à convergência de interesses entre gerência e empregados. Apresenta e discute a convergência em termos econômicos e administrativos. Do lado econômico, elè aponta para a recuperação européia (?) após a II Guerra Mundial e para o Japão e seu crescimento econômico. Argumenta que os EUA parecem mover-se em direção a uma maior equalização de renda, tendo em vista: os aumentos maiores nos salários dos trabalhadores que no dos administradores, aumento do número de especialistas que por sua vez ganham salários cada vez maiores, aumento do emprego no setor público onde as disparidades de salários são menores do que nas empresas privadas e, finalmente, modificações na estrutura do imposto de renda nos EUA. Do lado administrativo, ele apresenta sua teoria da convergência baseando-se em três pontos:

- as pessoas basicamente desejam trabalhar;

- os incentivos econômicos já não são preponderantes;

- as pessoas procuram trabalhos significativos.

Berkley considera a convergência mais desenvolvida entre os trabalhadores intelectuais. Para ele, convergência significa sindicalização e participação por parte do empregado.

4. O fim do homem organizacional

Nesse capítulo Berkley discute os fatores que para ele são importantes na vida organizacional contemporânea e que deverão provocar uma mudança nas condições coercitivas, conformistas e competitivas enfrentadas pelo organízation man de Whyte. Estes fatores são, a saber:

- a emergência do Estado assistencial;

- a sindicalização crescente;

- a crescente influência do Estado na economia;

- a necessidade de inovação para o crescimento e sobrevivência organizacionais;

- o aumento da profissionalização;

- o aumento do número de profissionais especializados.

Berkley fornece o perfil do "novo líder", um "professor" e não um diretor, aquele que provê orientação e estímulo para o desenvolvimento das capacidades do subordinado.

5. Liberdade planejada

O assunto em pauta nesse capítulo é: planejamento e suas implicações. Para Berkley, a moderna organização enfrenta o desafio de constantes reformulações face ao aumento da incerteza ambiental. Planejamento é o mecanismo através do qual se consegue um certo ordenamento e também através do qual a organização se aparelha para enfrentar a turbulência do meio externo. Para Berkley isto implica:

- quebra da hierarquia da organização: transferência de decisão para níveis mais baixos;

- estabelecimento de metas através de processos democráticos;

- aumento da racionalidade da escolha dentre as alternativas existentes;

- incentivo à cooperação e participação na execução dos planos;

- melhoria das condições de liberdade individual, pois os membros da organização participam das decisões quanto ao futuro organizacional.

A seguir Berkley demonstra seu entusiasmo pelo PPBS (planned program budgsting system) como um mecanismo de planejamento que se apoia em critérios de eficácia ao invés de simples critérios de eficiência.

6. A era do cliente

Inicia-se com a observação de que as organizações tradicionais encontram-se organizadas ou por produto ou por processo; Berkley nota o surgimento de organizações orientadas para o cliente, sendo que esta orientação se manifesta de formas as mais diversas possíveis. A absorção, pelas organizações, dos conselhos de clientes, comitês consultivos, grupos de consumidores, etc. torna cada vez maior a penetração e influência do cliente na empresa.

7. Proteção sem paredes

Trata do conflito organização versus indivíduo. Berkley discute a solidariedade e identificação organizacionais, as quais, segundo ele depõem contra a crescente "revolução administrativa". Ele "percebe" uma dificuldade de a organização isolar-se das diversas correntes sociais. O monopólio organizacional está sendo quebrado pela inclusão de pessoas de diferentes grupos sociais (raças, nacionalidade, sexo, religião, etc). As organizações têm um interesse crescente por objetivos sociais e bem-estar geral. A conclusão de Berkley é a de que o atrito organização/indivíduo pode ser resolvido com base na capacidade da organização moderna de preencher as funções primárias da comunidade, quais sejam:

- engajamento de esforços múltiplos com a conseqüente recompensa intelectual além das demais (física, financeira, emocional);

- absorção de atividades não diretamente ligadas a lucro e crescimento;

- aumento da participação política.

Em suma, a obra de Berkley não constitui nenhuma novidade no campo, nem mesmo se configura como o produto de um esforço intelectual sério. Poderia, quando muito, ser qualificada como um ensaio inconseqüente, pela divulgação de certas "oportunidades" e "tendências" em empresas americanas. Em nenhum ponto de sua obra Berkley contribui para o aumento do conhecimento existente; se esta era sua intenção, a obra deixa muito a desejar.

Roberto Venosa

Organization and bureaucracy: an analysis of modern theories

Por Nicos Mouzelis. Chicago, 111. Aldine Publishing Comp., 1967.

Como o próprio Mouzelis afirma, essa obra é uma tentativa de estabelecer uma possível convergência para o estudo das teorias das organizações.

O autor propõe que olhemos o desenvolvimento global das tradições burocráticas e gerencial e identifiquemos, esquematicamente duas linhas com pontos iniciais diametralmente opostos: sociedade e indivíduo; essas linhas, embora não-coincidentes, tendem a uma convergência em algum ponto médio dentro do "intervalo organizacional".

As linhas ou abordagens distintas estão englobadas sob os nomes de burocrática e gerencial, e uma das tentativas de síntese é a teoria organizacional ou teoria das decisões.

Sob abordagem burocrática, Mouzelis apresenta-nos basicamente três autores: Marx, Wej ber, Michels.

Como se pode perceber desde logo, a abordagem macro - nome que o autor convenciona para a linha burocrática - preocupa-se com o impacto da organização e, em particular, de um tipo específico de organização - a burocrática - nas sociedades contemporâneas.

Apesar de não trazer nenhum conhecimento adicional ao que foi produzido por Marx, Weber e os "teóricos do elitismo", Mouzelis consegue o que poderia entender-se como o primeiro tratamento sistemático dessas diferentes correntes dentro de uma área de conhecimento bem delimitada, qual seja, aquela que se convencionou chamar teoria das organizações.

Desta maneira, a preponderância da preocupação com liberdade, autoridade e racionalidade fez com que os escritores clássicos contribuíssem para o estudo das organizações através da ênfase no impacto da burocratização na estrutura de poder da sociedade e, para esse tipo de estudo, adotam uma abordagem sociopolítica e um método histórico.

A abordagem gerencial encontra-se dividida em duas escolas básicas: o taylorismo e o universalismo.

O modelo taylorista, como lembra Mouzelis, é o modelo da máquina; a concentração básica dessa escola está nos aspectos instrumentais do comportamento humano; de fato, o indivíduo deveria ser visto como um instrumento de produção e, portanto, ser encarado como qualquer outra ferramenta, desde que se adotassem, para o estudo do seu comportamento, os princípios de administração científica.

O modelo universalista traduz, dentro da abordagem gerencial, a preocupação com os aspectos formais da organização, ou seja, a estrutura organizacional e as normas prescritas de autoridade, responsabilidade e relacionamento entre "papéis".

No que concerne aos aspectos processualistas, esse modelo também não saiu de uma visão formal. Não se preocupou com o comportamento humano e razões desse comportamento, porém deu maior ênfase às metas formais e funções organizacionais e daí procura inferir tipos de comportamentos necessários.

A partir daí, Mouzelis sugere que as principais tentativas do estabelecimento de uma ponte são duas, a saber:

- a escola de relações humanas (embora ainda dentro da abordagem gerencial);

- a teoria da decisão.

Dentro da escola de relações humanas, Mouzelis encontra três subescolas ou tendências básicas:

- Élton Mayo e a escola ortodoxa;

- Warner e a escola de Chicago;

- a escola interacionista.

Pela sugestão de tendências variadas dentro do que se convencionou por escola de relações humanas, o autor procura traduzir sua proposta de que a escola ou movimento como um todo não se esgotou; muito pelo contrário, deveria ser melhor explorado, porquanto possui um potencial não aproveitado. Em suma, poder-se-ia dizer que os técnicos da abordagem de relações humanas - devido a seus valores e metodologia aplicada - não procuraram dar resposta definitiva aos problemas que examinaram, o que não diminui a importância de suas contribuições ao estudo da firma e das organizações em geral; deve-se mesmo observar que o movimento como um todo revolucionou, de certa maneira, a teoria clássica de administração, pois provocou a ruptura da tendência formalista e trouxe para o contexto de estudo toda a área problemática do comportamento humano.

Finalmente, Mouzelis apresenta a teoria das organizações conforme proposta por Herbert Simon, como uma tentativa de síntese entre o macro e o micro no âmbito organizacional e com vistas à tomada de decisão.

A respeito de Simon e de sua teoria da decisão, Mouzelis tem a dizer:

O bias psicológico dos estudos simonianos é uma das razões principais do insucesso na tentativa de reunião das diversas tendências dentro de um todo coerente. Simon, supostamente, propôs-se a produzir uma obra que deixasse como herança intelectual um quadro de referência teórico básico, para a Jntegração dos insights e postulados do taylorismo, as teorias clássicas, de relações humanas e teoria s-macro da burocracia. Essa tentativa simo-niana desenvolveu-se através da reformulação de algumas hipóteses básicas de teorias precedentes de maneira a poder testá-las e eventualmente operacionalizá-las, e posteriormente, adequá-las a um sistema de referência de tomada de decisões. Toda a obra de Simon é uma coleção de proposições testadas ou testáveis, as quais tratam fundamenta'mente de comportamento organizacional. Tais preposições e seus testes constituem os fundamentos de uma ciência organizacional positivista, solidamente estabelecida através de evidência empírica. O propósito integrador, no entanto, dificilmente pede ser sustentado, pelo menos com relação às abordagens anteriores, principalmente as teorias da burocracia, pois estas foram estabelecidas dentro de uma visão sociológica mais ampla. Pode-se até mesmo afirmar que a reformulação das hipóteses, transformando-as em proposições operacionais, e a redução delas de modo a adequá-las a uma estrutura de tomada de decisão, com certeza, não contribui para o aprofundamento do conhecimento e para a avaliação global dos pressupostos implícitos nas ma-croteorias (burocráticas).

Esquematicamente a obra de Mouzelis pode ser representada como no quadro abaixo.

Mouzelis conclui por ressaltar a contribuição de Parsons e por chamar a atenção para a escassez ce estudos organizacionais que se concentrem em poder e conflito.

No conjunto, apesar das imperfeições e do quadro um tanto quanto visionário e utópico de possíveis convergências, a obra reflete a primeira tentativa de se pensar comparativamente ou, como queiram, refletir sobre o que já foi produzido no campo dos estudos organizacionais. Pelo esforço em sair do ortodoxo, pela nobreza de concluir peio inacabado, pela humildade de não querer produzir mais teoria do que o momento histórico permite e pelo relativo desgarramento do pressuposto organicista, a obra merece uma atenção mais cuidadosa, pois representa acima de tudo uma reflexão necessária a todos aqueles que se interessam pelas organizações como palco da ação dos diversos grupos sociais - em algum momento de sua vida, ou talvez mesmo, a todo momento.

Edgard Carone

O continente brasileiro

Por Jean Demangeot. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1974. 191 p., il.

Cabe a Vidal De La Blache (1845-1918) o mérito de ter criado a escola geográfica francesa. São seus discípulos Emmanuel de Martonne. Jean Brunnes, Albert Demangeon e muitos outros. Os seus contemporâneos - e os atuais - marcaram a geografia como a ciência da "descrição e explicação das paisagens humanizadas", ou "da distribuição e da coordenação dos fatos da ocupação humana".

É essa inter-relaçâo entre homem e natureza que acentua o interesse das obras dos geógrafos franceses sobre o Brasil, pois, além do clima, solo, etc, são tratados os problemas da história, ocupação territorial, economia, etc. Sob essa ótica é que os autores gauleses tèm escrito sobre nós desde os fins do século XIX: um dos primeiros é Ehsée Reclus, que redige uma Geografia universal, em vários volumes, dos quais um sobre as Guianas e o Brasil (publicado na década de 1880). A partir do começo ao século surgem outros nomes de vulto: Pierre Denis, o Tiais. importante, publicou em 1907 O Brasil no século XX; outra obra de sua autoria é o tomo 15, 1.ª parte, da Geographie universelle, que ele elaborou sob a direção de P. Vidal Dc La Biache e L. Gallois, intitulada Amérique du Sud (1927), que engloba estudo sobre os "caracteres gerais da América do Sul" e a análise geral das Guianas e do Brasil. A partir de 1930 temos Pierre Deffontai-nes, que deu curso na Universidade do Distrito Federal e publicou uma Geografia humana do Brasil (Casa do Estudante do Brasil, 1947); Pierre Monbeig (Pionniers et planteurs au Brésil; e O Brasil), que lecionou muitos anos na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo; Roger Dion, que professorou na USP e escreveu artigos em várias revistas especializadas.

A obra de Jean Demangeot continua a tradição clássica do pensamento geográfico francês, fato constatado pela análise do índice de seu livro: os capítulos intitulam-se, respectivamente: Os meios bioclimáticos do Brasil, O relevo brasileiro, As fases da organização do espaço, As regiões de Brasil atlântico, As regiões de Brasil interior. Os problemas econômicos da nação brasileira e Desequilíbrio social.

Os dois primeiros capítulos tratam de temas mais específicos - clima e revelo; o terceiro mostra os principais fatos da nossa história política e estuda detidamente os diversos ciclos econômicos - pau-brasil, cana-de-açúcar, ouro e diamante, café, a arrancada industrial. Os capítulos 4 e 5 são análises de cada uma das regiões geográficas brasileiras, com anotações sobre a topografia, população, economia, etc. Todas elas são expostas de maneira clara e concisa, infelizmente porém com precariedade de dados, embora sempre de maneira pertinente.

O estudo comparativo entre litoral e interior (cap. 4 e 5) mostra-nos aspectos fundamentais da nossa expansão: a idéia de Frei Vicente Salvador, de que os portugueses só arranhavam o litoral, como caranguejos, é realidade passada e presente. Os dados referentes a 1965-1970 continuam a reafirmar a dualidade existente - como no passado (p. 114):

Assim, a conclusão do autor é a de que "ao Brasil útil, que é o Brasil atlântico, opõe-se, portanto, outro Brasil, mais vasto, às vezes apenas penetrado, uma espécie de colônia guardada como reserva para o futuro, e amiúde tratado como tal. O geógrafo norte-americano Preston James chega a escrever que esse Brasil está fora do verdadeiro território nacional" (p. 114; o grifo é do autor).

O estudo das diversas zonas que compreendem cada uma dessas regiões mostra facilmente a razão da diferença: o Brasil atlântico é formado do Nordeste, o velho Sudeste (núcleo de mineração de Minas erais, a zona da agricultura tradicional, a cidade do Rio e seus arredores), e novo-Sudeste (zona de agricultura desenvolvida e São Paulo e seus arredores) e a região meridional. A soma descritiva de suas riquezas, agrícolas e industriais, matérias-primas, etc, comprovam facilmente sua supremacia sobre todo o resto do País - que abrange a Amazônia e o Centro-Oeste. Enquanto os primeiros se desenvol- vem em etapas diferentes, do século XVI ao atual, as outras regiões do Brasil interior mal se povoam e, naturalmente, vão sofrer uma atividade predatória - exploração de madeira e metais - cujos resultados locais serão praticamente nulos.

Além das preciosas informações contidas no livro, encontramos grande número de estatísticas e de gráficos: mapas com distribuição de estradas, densidade populacional, atividade rural, superfície média das propriedades rurais, zonas de influência das grandes cidades, etc. Por sua vez, os dados sobre produção industrial e agrícola, população, produto interno bruto, energia, etc. ajudam bastante o levantamento da realidade brasileira, do passado e do presente.

Originariamente o livro .saiu na França, numa coleção destinada ao ensino médio, o que leva a economizar a bibliografia e as fontes primárias. Apesar dos senões, a publicação é de grande utilidade para o público em geral, não só universitário, mas a todos que se interessam pela nossa realidade.

Laércio F. Betiol

Les refuges fiscaux

Por Milton Grundy (org.) Paris, Editions Jupiter, 1972.

Os tempos em que as pessoas mantinham contas numeradas em bancos suíços por razões de segurança política, financeira ou pessoal, provocando esporádicas sanções jurídicas dos Estados de origem dos fundos, ou então sanções morais dos que consideram antipatriótica essa atitude, têm evoluído num sentido um pouco diferente. Já não são mais somente os indivíduos que agem dessa maneira, as próprias empresas têm seguido o exemplo e, omo sói acontecer, aperfeiçoando o método, com requintes de técnica - jurídica, financeira, contábil, etc. - dignos deste revolucionário século XX. O capitalismo financeiro procura amoldar-se aos novos tempos.

O crescente dirigismo estatal das economias de mercado e, mais particularmente, a ascensão do Estado fiscal que em realidade planeja a gestão dos fundos públicos, mas que justamente por planejar sente crescer a necessidade de receitas maiores e em conseqüência de tributar mais e de desenvolver e aperfeiçoar a "máquina arrecadadora", tem provocado a reação do outro extremo da corrente: o contribuinte. A princípio, adotando uma atitude algo conformista, ele vai realizar o seu planejamento jurídico-tributário, o qual, sem desrespeitar a lei, vai buscar nela própria as concessões ou as falhas, a fim de realizar a "economia de tributos". Mas a elaboração legislativa, no que diz respeito à matéria tributária, diferentemente do que acontece com outras áreas do direito, caracteriza-se pela rapidez com que responde aos estímulos provocados pela crescente necessidade de receita conseqüente da ampliação do âmbito da atividade estatal ou pela correção das falhas provocadoras do não-recolhlmento da receita esperada. E, como contrapartida desse cerco ao contribuinte, além do nascimento do "peso morto" de que fala Otto Eckstein,1 1 Eckstein, Otto. Economia financeira - Introdução à política fiscal. 2. ed Rio, Zahar, 1971 p. 116 e segs. nasceram também os "paraísos fiscais", de que trata Vernay,2 2 - Vernay, A. Les paradis fiscaux. Paris, Ed. du Seuil, 1968. ou, conforme os denomina Milton Grundy, os "refúgios fiscais".

Diferentemente da obra de Vernay, que tem um caráter mais acadêmico, a obra de Milton Grundy, que ora comentamos, tem um caráter essencialmente prático, resultado talvez de seu tipo de atividade, advogado militante que é. E se a examinarmos com vagar, vemos que seu trabalho consistiu em elaborar um questionário contendo todas as perguntas que julgou necessário fazer para informar-se a respeito das efetivas vantagens oferecidas pelos territórios selecionados. Deve-se creditar-lhe também a escolha das entidades que forneceram as informações, a ordenação destas de forma a esclarecer o máximo a respeito das vantagens efetivamente oferecidas e a seleção final dos territórios que, respeitado o seu conceito de "refúgios fiscais", deveriam constar do livro.

O seu conceito de refúgio fiscal aparece logo nas primeiras linhas do prefácio. Diz o autor:

"Para selecionar os países que deveriam ser considerados, levei em conta um certo número de fatores - facilidade de comunicações, estabilidade política, liberdade de circulação de divisas, existência de serviços profissionais e financeiros. Observei igualmente a natureza e o nível da imposição (tributação) direta, e pedi aos colaboradores que nas respectivas contribuições mencionassem todos os seus aspectos importantes. Adotei ainda um outro critério de seleção: as vantagens fiscais oferecidas por um país devem ser de caráter geral, e não devem aplicar-se a uma série de casos muito restritos e muito limitados. Eis porque achei que devia excluir certos países qlie, a meu ver, não respondem a tal ou qual dessas exigências - ou que, mesmo conservando aos olhos do público certa aura de paraíso fiscal, não mais oferecem facilidades substanciais às transações internacionais."

Dentro desse critério, os países, ou territórios, selecionados por Milton Grundy e que constam do livro são: na Europ a: Jersey - a maior das ilhas anglo-normandas, situadas no Canal da Mancha, a Ilha de Man - situada no mar da Irlanda, Gibraltar, o Luxemburgo, o Liechtenstein, a Suíça; na América: as Antilhas Holandesas, as Bermudas, as Ilhas Cayman - situadas no Mar das Caraíbas - as Ilhas Virgens Britânicas, o Panamá, as Bahamas; na Ásia, Hong-Kong; na África, a Libéria e,.na Oceania, as Novas Hébridas. E, após o exame dessa lista, exceto talvez os casos específicos do Luxemburgo, do Liechtenstein e da Suíça, não é difícil concluir com o autor quando diz que Vernay "observa que os principais refúgios fiscais - tanto quanto ressalta do índice do presente livro - encontram-se, na maior parte, sob o bandeira britânica ou sob a forte influência dos Estados Unidos; ele propõe essa teoria, que nos obriga a refletir, segundo a qual, eles fazem parte do dispositivo através do qual a Wall Street e a City impõem ao mundo a hegemonia anglo-saxônica".

O conhecimento da existência dos refúgios fiscais, a sua identificação e o estudo da sua sistemática de trabalho, para nos restringirmos aos profissionais da administração, interessa tant o àqueles voltados para a administração pública - a fim de que possam estar conscientes dos efeitos do excesso de fiscalismo - como aos administradores de empresas, por razões óbvias.3 3 Algumas informações sobre as sedes das empresas estrangeiras que tèm invés timentos no Brasil poderão ser encontra das em: Haas. Werner; Bernet, Jean e Bossart, Roland A Os investimentos es trangeiros no Brasil. Rio. Ed dos Autores 1958; e Bernet, Jean. O Brasil e o capital internacional / Brazil and international capital (Guia/Guide INTERINVEST) Rio. Interinvest Editora e Distribuidora Ltda. 1971.

Laércio F. Betiol

Argentina e Brasil no sistema das relações internacionais

Por Celso Lafer e Felix Pena. São Paulo, Duas Cidades, 1973. 126 p. Prefácio de Hélio Jaguaribe.

A vocação latino-americanista de Celso Lafer e Félix Peña, a qual os tem impulsionado a estudar profundamente e a escrever abundantemente sobre os mais variados aspectos da integração econômica da América Latina,1 1 Veja-se, dentre outros, os seguíntes esludos: Lafer, Celso. Un análisis de la compatibilidad de los artículos 27 y 28 del Pacto Andino con el ordenamiento jurídico de la ALALC. Derecho de la Integración, n. 6 p. 98-112, abr. 1970; El con. vénio internacional del café. Derecho de la Integración, n. 12, mar. 1973; El Gatt, la cláusula de la nación más favorecida y América Latina. In; Francisco Orrego Vicuña (Ed) . América Latina y la cláusula de la nación más favorecida. Dotación Carnegie para la Paz Internacional; Santiago del Chile, 1972. p. 123-50. Peña Félix, y Cárdenas, Emilio J. Los acuerdos subregionales y el tratado de Montevideo. Derecho de la Integración, n. 2 p. 10-19, abr. 1968; La cláusula de la nación más favorecida en el sistema jurídico de la ALALC. Derecho de la Integración, n. 9, oct. 1971; Empresas binacionales y multinacionales latinoamericanas: ¡deas en torno a algunos de sus aspectos jurídicos. Derecho de la Integración, n. 13, p. 11-32 jul. 1973; Proyecciones institucionales del Grupo Andino. Revista de la Integración, n. 2, p. 132-58, mayo 1968. produziu mais recentemente o resultado que já seria de se esperar, qual seja: o exame das relações internacionais de cada um dos seus países de origem, isto é, Brasil e Argentina. É bem verdade que os estudos foram feitos em separado e em épocas diferentes, mas não é menos verdade que, para juntá-los numa única obra, os autores acrescentaram uma nova contribuição à análise das relações internacionais e ao entendimento das várias fases por que têm passado as políticas exteriores da Argentina e do Brasil, fazendo por merecer as palavras de Hélio Jaguaribe, que fazemos nossas também: quando referindo-se a eles como jovens cientistas políticos, acrescenta: "que neste conjunto de estudos confirmam e excedem o alto nível de qualidade em que vêm operando".

As políticas exteriores da Argentina e do Brasil já têm sido objeto de estudos, no correr do tempo, quer de historiadores, quer de políticos, quer de jornalistas, quer de cientistas políticos, em muitos dos quais os autores buscaram subsídios para sua obra. Tanto quanto saibamos, contudo, estava faltando um estudo que tentasse integrar as conclusões dessas obras num trabalho com objetivos mais precisos em termos da atual configuração das relações internacionais. É, a nosso ver, este o grande mérito que se pode atribuir aos autores. No correr de todo o livro sobressaem dois tipos bem nítidos de preocupação: por um lado, o anseio de autonomia - ou de "participação", como Pena a caracteriza (p. 61 ) - que decorre do atual estágio de desenvolvimento econômico dos dois países; e, por outro lado, a cooperação regional, que é o meio mais viável de se aplainarem as arestas das relações intralatino-americanas e se obter o necessário poder para, ainda nas palavras de Pena, "assegurar a viabilidade dos países que a compõem, como unidades autônomas do sistema internacional". É indiscutível a atualidade da obra e são inegáveis os seus méritos, pois acreditamos que, a despeito do muito que se tem escrito sobre a América Latina e a cooperação regional, em muito poucas obras se pode encontrar uma análise conjunta das relações internacionais, que no caso presente abrange dois dos principais países da América Latina, análise esta que possibilita ao leitor, sem muito esforço, estabelecer o paralelismo das relações internacionais de ambos os países quanto aos centros de poder político, militar ou econômico internacionais.

Há, no entanto, um ponto que de certa maneira deixa frustrado o mesmo leitor, ou seja, a resposta à seguinte pergunta: como têm decorrido e a quantas andam as relações entre os dois países? Parece-nos que, na medida da análise das relações bilaterais entre os dois países, quer sob o ponto de vista histórico, quer na atualidade, o leitor poderá esclarecer-se melhor sobre se as premissas, apontadas com grande propriedade pelos autores, efetivamente poderão levar à conclusão a que eles chegam. Parece-nos ainda que será a partir da análise do interesse nacional de cada um dos países da América Latina - O qual se manifesta mais nitidamente nas suas relações bilaterais - que se poderá tentar detectar com maior nitidez a viabilidade e os efeitos da cooperação regional, dentro do chamado "sistema latino-americano", que, conforme esclarecem cs autores, é mais uma imposição dos estímulos externos do que efetivamente o produto de um processo em que os países latino-americanos funcionem como sujeitos ativos.

Laércio F. Betiol

Usages de la vente commerciale internationale

Por Frédéric Eisemann (org.). Coleçâo "Exporter", Paris, Éditions Jupiter, 1972. 312 p.

A liberdade de contratar, juntamente com a propriedade privada dos meios de produção, constituem os dois conceitos jurídicos basilares da economia de mercado, tornando-se mesmo difícil imaginar a existência de um sem o reconhecimento do outro. Tradicionalmente incluídos como parte do direito das obrigações, os contratos representam a maior parte dessa área do direito privado e, apesar do intenso movimento no sentido da intervenção do Estado em assuntos privados, a liberdade de contratar tem sido dos mais resistentes baluartes. Por isso ainda permanece a regra do respeito à vontade dos contratantes e aos costumes ou usos comerciais, servindo a lei como instrumento para dirimir controvérsias nascidas em razão, ou da não-estipulação expressa em contrato, ou da sua redação dúbia, ou da inexistência de usos que regulem a espécie.1 1 É interessante observar que nosso Código Comercial, elaborado numa época em que o liberalismo econômico estava em voga, faz inúmeras referências aos uses e costumes comerciais, como fonte do direito comercial (v. arts. 154, 169, 176, 186, 201 e 207 n. 2), bem como à solução de conflitos entre comerciantes por arbitradores (v. arts. 80, 82, 95. 194, 215, 217, 772, 776 e 777)

Os usos e costumes conservam ainda hoje um importante papel nas relações comerciais, particularmente nos contratos de compra e venda. E se, no âmbito interno de um país podemos assegurar que não podem prevalecer os usos contra a lei, não é tão simples a solução nas negociações internacionais de caráter privado, visto que; na inexistência de legislação supranacional que regule os conflitos de interesses privados, restam as regras do chamado direito internacional privado, que são estabelecidas para regular os atos e fatos jurídicos que têm lugar dentro do território em que um determinado país exerce a sua soberania e que somente podem ser aplicadas sem deixar dúvidas quando os contratantes nomeiam expressamente o foro do contrato. Mesmo assim, freqüentemente a legislação interna, no que concerne aos contratos comerciais, remete a solução dos conflitos para a aplicação dos usos e costumes comerciais. As mais das vezes portanto, serão os usos e costumes comerciais que servirão para dirimir os conflitos de interesses nas negociações privadas internacionais.

É já dos primórdios do direito comercial, quer a sua tradição internacional, quer a aplicação dos usos e costumes. A despeito desse fato, nem sempre os usos e costumes comerciais são uniformes na regulação dos conflitos entre vendedor, comprador e outros personagens que intervêm na s negociações internacionais, particularmente os transportadores, os seguradores e os banqueiros, Embora possamos encontrar nas diversas línguas traduções literais dos tipos de cláusulas que constam freqüentemente dos contratos de compra e venda, nem sempre a conceituação jurídica é uniforme para os diversos países.2 2 Nossos doutrinadores têm, com maior ou menor ênfase, procurado caracterizar as chamadas cláusulas usuais do contrate de compra e venda, particularmente a internacional. Dentre eles podemos citar: Carvalho de Mendonça, J. X. Tratado de direito comercial brasileiro. 5 ed., Rio-São Paulo, Livraria Freitas Bastos, 1955. v. 5, p. 50-5; Pentes de Miranda. Tratado de direito privado. 2 ed.. Rio, Editor Borsoí, 1962. t. 39, p. 305-8; Martins, Fran. Contratos a obrigações comerciais. 2 ed., Rio-São Paulo, Forense, 1969. p. 199-203; Álvares, Walter T., Direito comercial. 2 ed., São Paulo, Sugestões Literárias, 1971. v. 2. p. 540, 541 e 550; Barreto, Lauro Muniz. Questões de direito bancário. S. Paulo, Max Limonad, 1970. v. 2, p. 695-703. O esforço no sentido da uniformização quer das regras, quer dos costumes que se devem aplicar no comércio internacional já vem de longa data. Somente para citar dois exemplos dos mais flagrantes, lembramos por um lado os esforços no sentido da uniformização do direito internacional privado desenvolvidos no início do século e que resultaram na elaboração do Código Bustamante, o qual não chegou a ser colocado em prática; e, por outro lado, a elaboração de uma lei uniforme sobre títulos de crédito, cujos esforços iniciaram-se em princípios deste século, resultou na assinatura, por um grande número de países das Convenções de Genebra de 1930, e que somente 40 anos após, em 1970, foi, sem sombra de dúvida, reconhecida como em vigor no Brasil, por decisão de nosso Supremo Tribunal Federal.

Quanto à compra e à venda internacionais, que resultam em operações de Importação e exportação, não tem sido menor o esforço no sentido de unificar as regras aplicáveis. E em razão do fato de que a intervenção dos poderes públicos tem sido pequena ou quase nenhuma, pelas razões já expostas, tem cabido à própria iniciativa privada o esforço no sentido da uniformização dos usos e costumes comerciais. A Câmara de Comércio Internacional (CCI), fundada em 1919 e reunindo como membros: produtores e consumidores, industriais e comerciantes, banqueiros e seguradores, transportadores e usuários de transportes, juristas e economistas de mais de 80 países, vem desde a sua fundação desenvolvendo esforços no sentido de buscar solução para os conflitos de interesses advindos das transações internacionais.

O livro que ora comentamos, elaborado por Frédéric Eisemann, doutor em direito e diretor da Câmara de Comércio Internacional, centra-se num dos esforços desenvolvidos por essa instituição, qual seja, a elaboração de regras internacionais para a interpretação de termos comerciais (os Incoterms - International Commerce Terms). Quais são esses termos, qual a sua história e quais as regras para a sua interpretação, o autor incumbe-se de apresentar, não somente através dos bem cuidados comentários que faz nas três primeiras partes em que está dividida a obra, mas também na última parte, em que reproduz a tradução francesa dos Documentos adotados pela Câmara de Comércio Internacional, quais sejam: o Documento I, Regras internacionais para a interpretação dos termos comerciais (International rules for the interpretai ion of trade terms) os "Incoterms 1953", constante da Brochura n.º 166 da CCI; o Documento II, que conserva o mesmo nome do primeiro, mas que é conseqüência da adição das regras de interpretação a mais dois termos usados no comércio internacional, conforme constante da Brochura de 1967, da CCI; e finalmente o Documento III, que trata do Regulamento de Conciliação e de Arbitragem em vigor a partir de 1.º de janeiro de 1955.

Eisemann inicia seu trabalho com o que denomina: Reflexões sobre a natureza e o papel dos "Incoterms". Aí, utilizando a definição de Loussouarn et Bredin (Droit du commerce international. Paris, 1969. p. 676) e esclarecendo que já não se trata mais de nove termos, mas sim de 11, sendo os últimos dois acrescentados ulteriormente àqueles primeiros e constantes do Documento II, que transcreve e comenta em sua obra, cita: "Os Incoterms 1953 definem nove termos comerciais correspondentes às vendas comerciais mais frequentes. Para cada um desses termos, os incoterms enumeram, sob forma de catálogo bipartido, as obrigações do vendedor, mais as do comprador". Prossegue dividindo a primeira parte do seu trabalho em duas seções que tratam respectivamente do Objeto, história, natureza e futuro dos "Incoterms" 1953, e dos Grandes problemas da venda regulados pelos "Incoterms".

É nessa segunda seção que o autor traça as linhas-mestras para o seu comentário a respeito da regulamentação de 1953, linhas essas que prosseguirão nas duas outras partes de sua obra, como centros de preocupação na análise das conseqüências, sob a órbita jurídica, da utilização das cláusulas em exame. Tais linhasmestras são: a) a entrega (tradição) das mercadorias; b) a transferência dos riscos; c) a repartição dos custos; d) as formalidades documentárias relativas à passagem das fronteiras; e) o pagamento; f) o direito aplicável às questões não-reguladas pelos "incoterms".

Seguindo a ordem cronológica da regulamentação das regras de interpretação dos termos comerciais internacionais, o autor trata na segunda parte de sua obra do estudo dos nove "Incoterms" constantes do regulamento de 1953, e, na terceira, dos dois outros regulados pela CCI, em 1967. Ambas essas partes são entremeadas de considerações quanto à aplicação do Regulamento de Conciliação e Arbitragem que entrou em vigor a partir de 1.º de janeiro de 1955. E, metodicamente, sem perder de vista as linhasmestras que traçara anteriormente, irá analisando, pela ordem as cláusulas: a) "na fábrica" (ex works, ex factory, ex mill, ex plantation, ex warehouse, etc.); b) "livre vagão" (for-fot), ponto de partida convencionado; c) "FAS." (free alongside ship), ponto de embarque convencionado; d) "FOB." (free on board), porto de embarque convencionado; e) C&F (cost and freight); f) CIF (cost insurance, freight), porto de destino convencionado; g) FCP (freight or carriage paid to. . . ), porto de destino convencionado; h) "ex ship" porto de destino convencionado; i) "ex quay" porto convencionado, sendo necessário estipular se se considera com os direitos alfandegários pagos (duty paid) ou sem os direitos alfandegários pagos (duty unpaid); j) colocado na fronteira .. . (delivered at frontier...), lugar de entrega convencionado na fronteira; I) colocado ... (delivered. . . ) lugar de destino convencionado no país de importação, direitos pagos. Cada uma dessas cláusulas, ademais, merece um tratamento uniforme quanto a suas características e aspectos práticos; obrigações do vendedor e obrigações do comprador.

A partir do exame de toda a obra, nota-se por parte do autor uma preocupação de caráter essencialmente prático, preocupação que o leva a frisar com insistência diversos aspectos relacionados com os "Incoterms", como é o caso de serem eles um conjunto de regras de caráter facultativo, mas que, se utilizados em contratos internac ionais sujeitos à arb itragem pela Câmara de Comércio Internacional , estarão presos aos conceitos por ela expedidos, e que, a despeito de usarem as cláusulas com os nomes usuais, as partes contratantes poderão sempre deixar explícito no instrumento do contrato as condições específicas pelas quais se comprometem.

Maria Irene Stocco Betiol

Conformismo

Por Charles Adolphus Kiesler e Sara B. Kiesler. Série "Tópicos de Psicología Social". Trad. de Dante Moreira Leite, São Paulo, Editora Blücher Ltda., 1973 118 p.

A abordagem dos autores é no sentido de esmiuçar não só o termo central usado no livro, sendo inclusive seu título, mas também o de esclarecer o leitor, através de colocações teóricas e do relato de pesquisas, sobre todos os termos empregados nâ própria definição de conformismo.

Definem conformismo como "uma mudança no comportamento ou na crença, que se faz na direção de um grupo, como resultado de pressão real ou imaginária deste último" (p. 2).

Subdividem o tema de estudos em duas etapas: 1. a obediência, medida através da mudança no comportamento, porém sem convicção das próprias ações por parte do individuo que se comporta; 2. a aceitação íntima, como um fator gerador de uma mu-cança no comportamento, mais duradoura, pois o indivíduo aceita as normas e crenças do grupo como válidas.

Neste ponto os autores questionam se quanto a necessidade de "mudança" no comportamento do indivíduo para "conformar-se". Concluem pela sua necessidade, quer ela seja "medida diretamente, quer por inferência, para se ter certeza da influência do grupo sobre o indivíduo" (p. 11).

Mais adiante abordam o tema "conformismo como um traço de personalidade" e deixam os leitores um tanto frustrados na expectativa de uma resposta ou um estudo que não aparecem. Afirmam que tal assunto não compete a um estudo de psicologia social. Fazem, todavia, alusão a dois problemas básicos referentes ao tema, quais sejam: o perigo de se classificar dicotomicamente 05 indivíduos em "conformista*" e "não-conformistas", como traços de personalidade, e o de aproximar o "conformista" de uma personalidade "submissa". Acabam por afirmar que conformar-se a um grupo todos nós em algum tempo de nossas vidas o fazemos; o que realmente importa não é saber se nos conformamos ou não, mas "por que".

Em uma seqüência bastante clara ingressam no item "pesquisa sobre conformismo", que não nos permite uma repetição do experimento relatado, pois não é esse o objetivo, mas nos dão uma boa orientação sobre planejamento experimental.

Após a análise dos termos da definição e atendendo à proposição inicial de subdivisão, para efeitos didáticos, em obediência e aceitação íntima, passam a analisar o item "obediência". Afirmam que, para alguns pesquisadores, em termos práticos, "o estudo da obediência é mais importante do que o da aceitação íntima" (p. 43) e utilizam-se de alguns exemplos a título de ilustração. Completam dizendo que "para as pessoas que trabalham nessa área, a mudança de atitude ou aceitação íntima têm importância realmente secundária... Estão interessadas em mudanças de comportamento, o só depois se preocuparão com mudança de atitude (se é que o farão)" (p. 43).

Pessoalmente, somos mais favoráveis a abordagem da aceitação íntima como forma mais adequa da da mudança de comportamento, apesar de reconhecermos, como os autores bem ressaltam, as dificuldades em pesquisar tal aceitação.

Destacamos especialmente aqui, a importância das cinco bases de poder social de French e Raven (1959) (p. 73). Esses dois autores, bem como Kelman e Festinger, estão concordes em um ponto de extrema importância para o comportamento de grupos ou pessoas, ou seja: prêmio e castigo levam a um comportamento de simples obediência, sem aceiiação íntima. Se lembrarmos que o comportamento obediente através de coação cessa na ausência dos prêmios ou castigos, ou na ausência das pessoas que premiam ou que punem, vemos quão inócua é essa técnica, para uma real mudança de comportamento.

French e Raven acreditam que a "identificação com os outros", a "capacidade de percepção de algum conhecimento ou habilidade do outro" e a "percepção do direito do outro sobre si" influem na aceitação íntima (p. 74) e conseqüentemente geram uma mudança de comportamento mais duradoura porque convicta; levam a um conformismo as pressões do grupo porque realmente aceitam as normas desse grupo como válidas.

Como conclusão, gostaríamos de enfatizar que o livro comentado atinge de forma excepcional os objetivos propostos pelos autores - o de ser indicado para principiantes em psicologia social - sem, todavia, tornar-se superficial para os mais adiantados.

Está didaticamente organizado, não deixando lacunas ou termos não definidos.

Relatam com profusão experimentos sobre o tema e os comentam, chamando atenção para os possíveis pontos fracos ou dificuldades encontrados pelos pesquisadores. Colocam lado a lado teorias divergentes e tentam uma conclusão conciliadora.

Resumem a cada fim de capítulo o assunto discutido e abrem o novo capítulo focalizando o que será abordado, não deixando de encadear o antecedente e o conseqüente.

E, finalmente, foi traduzido por uma autoridade em psicologia social, o Prof. Dante Moreira Leite, que por si só recomenda a obra citada.

Kurt E. Weil

Costing: a management approach

Por A. H. Taylor. London, Pan Books Ltd., 1974. 192 p. + XL. Brochura.

Eis um livro que faz falta em português. Existem em nossa língua volumes que satisfazem plenas mente ao magistério, mormente para especialistas ou pessoas que queiram dedicar-se à importante incumbência de achar o custo das coisas. É possível citar as excelentes traduções de Lawrence-Ruswinckel (Ibrasa) ou os três volumes de Matz, Curry e Frank (Atlas), Florentino (FGV) e os livros de José Geraldo de Lima e Frederico Herrmann Jr., além de muitos outros, escritos em português. Mas todos os volumes que conheço, até a obra de Anthony e Hekimian (traduzida também para o português, que se destina mais ao controle pelo custo das operações industriais), são tomos de sabedoria que informam e trabalham com pessoas cujo conhecimento na área deve resultar de ação, ou em ação, em lugar de ser um conhecimento suplementar que permita uma administração melhor. Acredito que o presente livro preenche a proverbial lacuna, menos pela escolha do conteúdo e mais pelo conhecimento do autor. Ha mesma série, o autor elaborou o livro Financial planning and control,1 1 Taylor, A. & Palmer, R.E. Financial planning and control. Pan Books Lfd., 1969. e acredito que os aspectos tais como "nível de atividade" e "determinação de preços" devem ser lidos com proveito paralelamente ao volume resenhado.

Os capítulos tratados pelo autor de Costing são os seguintes:

1. O significado e os objetivos de custeio.

2. Elementos de custeio.

3. Custos fixos.

4. O conceito de custo.

5. Custo-padrão.

6. O uso e o abuso do custeio marginal.

7. Esquemas de incentivo.

8. Algumas observações sobre o custeio de reposição.

Bibliografia.

índice alfabético.

O autor demonstra claramente que a administração não deve acreditar que figuras de custo são quantidades imutáveis e absolutas. Isso porque o custo começou na produção, mas hoje grande quantidade de despesas que aumentam incessantemente os custos são só remotamente ligadas à atividade produtiva. Um cruzeiro economizado no escritório vale tanto quanto um cruzeiro economizado na fábrica. O controle de despesas administrativas e de vendas é uma área que hoje é menos fortemente controlada que a área produtiva, mas que pode dar lucros crescentes pela sua racionalização.

Assim, vem à mente o exemplo de uma multinacional que, simplesmente, antes da chegada do controlador internacional, combinava o que era e o que não era mostrado, mas caso o controlador visse algo que não devia, isso seria explicado de uma maneira inócua, pela possibilidade de sempre existir uma saída para problemas de custo, pelo rateio ou pela base de comparação, como afirmou o contador local.

Fica claro que mesmo informações de custo preparadas para o empresário e não para fins fiscais estão cheias de procedimentos convencionais ou de suposições simplificadoras, especialmente nos rateios. Os objetivos muitas vezes justificam o sistema adotado, o que aliás é uma verdade também para a contabilidade fiscal. Para fins de custeio, na Alemanha, e não para fins fiscais, o governo permite a continuação da depreciação de maquinas já integralmente depreciadas, pois se trata de uma espécie de custeio por reposição. Aliás, esse tipo de custeio, que seria útil em certas condições inflacionárias no Brasil, é tratado nas páginas 174 e seguintes (infelizmente não muitas) do livro. O autor desta resenha teve ocasião, em recente artigo na revista Exame, de demonstrar como a inflação no período entre a compra da matéria-prima e pagamento da mão-de-obra e a entrada do dinheiro pela venda (3 a 4 meses) sem considerar despesas financeiras eventuais, pode fazer desaparecer não só o lucro mas dar prejuízo. Assim, considerando um custo de dinheiro de 2% ao mês, 4 meses significam um encarecimento de 8% e mesmo numa inflação controlada em 1,5% de encarecimento por mês, 4 meses significam 6% a mais. Então, o seguinte quadro mostra que ou o custeio deve ser de reposição ou a empresa "perde substância" - na expressão dos especialistas alemães em inflação, pois foram eles os primeiros "modernos" a experimentar a inflação galopante.

Considerando que, do lucro de 5%, nada menos que 30% ficam para o imposto de renda, abstraindo os demais impostos de venda, a empresa, em lugar de levar uma falta de 0,7 no seu poder de reposição, terá 0,30 X 5 + 0,7 = 2,2% de descoberto na reposição.

Ora, antigamente, isto é, antes do Conselho Interministerial de Preços, o industrial ou comerciante contribuía para a inflação galopante, aumentando o preço de venda de tal maneira que não só ficava com seus 5% de lucro, mas também cobria o imposto de renda eventualmente incidente em escala maior. O que ele queria era obter 105,7 livres. Para isso tinha de aumentar o custo 95 de 15,3 para um preço de venda de 110,3. Com isso apresentava paro imposto de renda um "lucro" de 15,3, o que, após o pagamento de 30% de imposto de renda, deixava 10,7, sendo 5,7 de reposição e 5 de lucro. Ora, nesse processo, com uma inflação de 6% em 4 meses, o industrial aumentou o preço de venda de 10,3%, o que provoca, em prazo curto, o galope de inflação. Nada disso é possível hoje devido ao CIP; mas muitas vezes a qualidade sofre em compensação.

O autor, quando fala em replacement costing, não menciona tais perigos nem as vantagens. O autor explica bem as conseqüências fiscais, pois os custos da matéria-prima e da mão-de-obra (esta, só eventualmente), sendo valorizados acima do custo "real", diminuem o lucro e, portanto, a fatia que cabe ao fisco. O autor acredita que o "lucro extra" assim obtido deve ser creditado numa conta especial de reserva para reposição a preço mais elevado O autor procura, pelo custeio de reposição, evitar que a empresa empregue um lucro que na realidade, não existiu, em dividendos, etc. Esse perigo no Brasil só atingia os muito incautos ou os mal-avisedos O autor acha que o sistema de custeio por reposição é um bom exemplo de como a contabilidade pode ser adotada para mostrar as informações que a gerência deseja ter ou precisa ter presente. O capítulo termina com a forma preferida pelo autor para apresentar a reposição:

Definitivamente, porém, o autor não trata só de custeio de reposição. Continuando a analisar o livro de trás para diante, o capítulo sobre incentivos salariais é o primeiro que torna bem claro que o incentivo pode dar anomalias na estrutura de preços e no planejamento da produção, a não ser que se use o cusfo-padrão. O efeito do incentivo sobre o custeio fica otimamente explicado no capítulo, especialmente o reflexo na variança dos custos fixos. Finalmente, o autor descreve a pesquisa do objetivo do incentivo salarial.

O maior capítulo do livro - 30 páginas - é dedicado ao uso e abuso do custeio marginal, havendo certa imprecisão relativa ao custo direto que é tratado como espécie de custo marginal. Esse capítulo inclui o gráfico de ponto de equilíbrio e este em "escadinha", em lugar da perfeição da reta usual - e erroneamente apresentado. A subdivisão do-capítulo descreve melhor o que é tratado:

Importância para tomada de decisões - prazo curto e longo.

Custo marginal e planejamento - exemplo de planejamento.

Custo marginal e mistura de produto.

Custo marginal e nível de paridade no ponto de equilíbrio. Custo marginal e fixação de preço, estudo de caso.

Outras aplicações: comprar ou fazer; investimentos de capital; métodos alternativos de produção.

Os capítulos 1, 2 e 3 são dedicados quase que somente a definições básicas dos termos con tábeis, especialmente àqueles algumas vezes sujeitos a dúvidas, como custos fixos e semifixos (variable overhead).

No capítulo 4 são definidos os sistemas de custeio - por reposição, marginal, e padrão - e conceitos como: custo oportunidade, custos imputados (atribuídos), custos abandonados ou passados (sunk costs), custos conjuntos e custo de sucata.

Há no livro uma boa crítica do conceito econômico de custo marginal, "pois na prática uma unidade a mais ou a menos não tem significado; a teoria de decisão procura a lucratividade absoluta e relativa antes e depois da aplicação do custo marginal". "E quando se fala em economia de custo marginal para uma unidade a mais, confunde-se com o conceito de custo incremental." Taylor prefere definir custo marginal como "despesas adicionais que uma empresa tem como resultado de um aumento da produção".

O conceito de custos abandonados ou passados para Taylor é o de custos do passado dos quais se espera um resultado no futuro. Sunk cost é para ele rateado pelo futuro. Como um sistema de contabilidade administrativa é um conceito válido, mas o outro conceito de sunk cost, para uma unidade pouco produtiva ser abandonada, não consta no livro, com a extensão devida. O fato de que eles nada representam na teoria da decisão é mencionado, em conjunto com o fato de que, para a empresa, tais custos são importantes, mesmo se para a decisão não o são.

Resumindo: um ótimo livro, com conceitos claros, importantes e modernos, o que aliás é lógico, sendo o livro de 1974. Para o autor da resenha, um livro indispensável para administradores da produção e de empresas em geral. Uma tradução seria interessante. Não se encontra referência ao sistema RKW alemão, ou ao célebre Betriebsabrechnungsbogen, mas o livro é inglês, em inglês, e se destina a uma audiência que exclui só a germânica, pois para toda audiência brasileira, além da anglo-saxã, o RKW é desnecessário como informação, a não ser para especialistas.

Além de tudo, o livro é de fácil leitura e não há necessidade de conhecimento prévio de contabilidade mais complexa, bastam algumas definições fundamentais.

Kurt Ernst Weil

Operations research and quantitative economics, an elementary introduction

Por Henri Theil, John C. G. Boot e Teun Kloek. McGraw-Hill, 1965 . Tokyo Kogakusha. Traduzido do holandês. 258 p. + XIV p. de prólogo e índice. índice alfabético. Bibliografia comentada no fim de cada capítulo.

Do ponto de vista de um gerente possuidor de alguns conhecimentos de matemática e predisposição para cálculos matemáticos, adquiridos em anos de estudo de economia, engenharia, administração, matemática, física, etc., livros e textos que tratam de pesquisa operacional são, hoje em dia, abundantes e, na maioria das vezes, ótimos em termos de didática e de conteúdo. Entre esses podem ser citados, por exemplo, os seguintes que encontrei, passando rapidamente a vista pela minha biblioteca (além de Baumol, 3 ed., de nível pós-graduado): Clarkson, G.P.E. ed. Managerial economics. Penguin, 1968, 430 p. Wicks, C.T. & Yewdall, G. A. Operational research. London, Pan Piper, 1971. 217 p.

Bursk & Chapman, eds. New decision making tools for managers. Harvard Business Review, Harvard-Mentor, 1963. 404 p. Singh, Jagjit. Operations research. Dover Publications, 1968. Pelican, 1971. 253 p.

Ackoff, Russel & Sasieni, Maurice. Pesquisa operacional. Editora Universitária de São Paulo, 1971. Trad, da edição inglesa Wiley, 1968.

Outrossim, com certeza, metade dos livros modernos de administração da produção e teoria de decisão nada mais são que bons livros de pesquisa operacional. Assim, não surpreende encontrar no livro holandês a definição no prólogo: "Pesquisa operacional está ligada aos aspectos matemáticos da administração de empresa." "Management science - diz o autor (ou os autores), - é uma área relacionada de perto, mas de alguma maneira mais ampla." De fato, a management science inclui exatamente aqueles aspectos de decisão, produção e economia que fogem ainda ao tratamento matemático probabilisticamente exato, incluindo elementos heurísticos, etc. Fora disso, o autor da resenha não encontra profundidade ou utilidade maior numa eventual distinção semântica.

O livro holandês traz uma novidade: procura ser uma ponte entre a pesquisa operacional da economia, como a usam Otto Lange (econometria) e Alan S. Manne (Economic analysis for business decisions). Além disso, possui outras novidades no tratamento e no conteúdo, que certamente o tornam interessante e útil. Finalmente, tem um plano de leitura que recomenda começar com o epílogo e mostra a seqüência dos capítulos que devem ser lidos como pré-requisitos, deixando uns e exigindo outros antes de se estudar determinado capítulo posterior.

Os capítulos são os seguintes:

1 . Programação linear.

2. O caminho ótimo e o caminho crítico.

3. Input-output: análise (insumo, produção).

4. Macromodelos econométricos.

5. Previsão econômica.

6. Incerteza e probabilidade.

7. O conceito de estratégia.

8. Teoria dos jogos.

9. Filas.

10. Simulação e jogos empresariais.

11 . Decisões de produção e de estoques.

12. As especificações estatísticas de relações econômicas - a filosofia de estimativas estatísticas. Análie de regressão.

13. O dólar do consumidor.

Epílogo.

Assim, fica claro pelo índice que o livro pode ser dividido em três partes: economia nacional básica e seu reflexo nas empresas: capítulos 3, 4 e 5; programação linear, caminho crítico: capítulos 1 e 2; planejamento e controle: conteúdo dos capítulos 6 a 13 e que, baseados em probabilidade e incerteza, incluem o reflexo da previsão econômica nas decisões de compra, da produção, da venda e dos estoques necessários.

A colocação do PERT e do CPM como uma seqüência no estudo do método de transporte da programação linear é moderna, lógica e indubitavelmente útil para o estudante.

O uso dos métodos de Leontief (cap. 3) para o cálculo das necessidades para expansão da indústria, o Brasil dispõe, conforme o ramo, de tabelas de insumos e produção ainda elementares. O Ministério da Fazenda e a Secretaria de Planejamento já possuem tabelas e a estrutura para conseguir no futuro a produção de outras. Com isso, pela primeira vez, será possível fazer cálculos de previsão de Insumos que são costumeiros nos Estados Unidos. Tais cálculos é que levaram o Ministro Pratini de Morais a antecipar a expansão do setor siderúrgico nacional, pois as necessidades de insumos demonstraram-se inicialmente satisfatórias, porém, mais tarde, com o desenvolvimento dos últimos anos e a exportação, passaram a ser insuficientes do ponto de vista da produção nacional.

Os capítulos 4 e 5, relativos a macromodelos e previsão econômica são extraordinariamente úteis para empresários que, normalmente, usam como indicadores os métodos mitológicos transmitidos secularmente por oráculos empresariais, por exemplo: em agosto, os negócios caem porque acontecem coisas desagradáveis: suicídio de Getúlio Vargas, doença do Marechal Costa e Silva, renúncia de Jânio, etc. ou, em fevereiro, o Carnaval provoca baixa de negócios porque o "pessoal" viaja (verdade). A velha técnica de esperar, de dezembro até depois do Carnaval, tem sua base nas férias escolares, na ausência dos homens dos centros de decisão, etc.

O capítulo sobre o conceito de estratégia é muito resumido. O exemplo do Presidente Kennedy (desenvolvimento) e o do termostato da residência são meio infelizes no contexto. A conclusão é do Dr. Acácio à holandesa, como os próprios autores: ".. . estratégia é um conceito importante. Sua limitação está em que projetar uma estratégia completa é geralmente uma coisa muito complicada, a não ser que o problema seja simples".

O capítulo sobre a teoria de jogos é simples, interessante e introduz conceitos como minimax, soma zero, etc. Ao contrário do capítulo anterior, satisfaz as necessidades do administrador no sentido de adquirir uma base sólida, a partir da qual poderá elaborar um raciocínio inteligente e formular perguntas a terceiros. O mesmo se pode dizer sobre o capítulo que trata da teoria das filas; considero-o excelente como introdução ao estudo do assunto, especialmente por conter instruções proveitosas quanto à prática da teoria das filas. O capítulo sobre jogos de administração também é excelente; é a primeira vez que o autor desta resenha encontra esse tema tratado em livro nãoespecializado (como o do Prof. Kauffmann de Grenoble).

O capítulo sobre decisões de produção e estoques está baseado no livro do autor - Theil - e- de certa maneira na obra de Modigliano e colaboradores. Para a pequena extensão é apresentado o essencial sobre o inter-relacionamento de mão-de-obra e estoques. No entanto, para decisões práticas, o material é menos que suficiente. Os dois útimos capítulos tratam inicialmente do método e suas conseqüências na análise por regressão e, depois, da maneira como a elasticidade de preço e .de renda determina o consumo.

Trata-se de um livro que se pode recomendar para ser lido colateralmente com outros, pois não há nenhum que trate com igual desenvoltura todos os problemas que podem ser resolvidos pela pesquisa operacional. Em se tratando de livros de 200 a 500 páginas, geralmente trazem desenvolvimento unilateral de certas áreas e não englobam todos os assuntos de pesquisa operacional. Querer usar um único livro-texto é, em poucas palavras, uma estratégia inferior, porém mais barata.

Kurt E. Weil

Introdução quantitativa às decisões administrativas

Por Leonard W. Hein. São Paulo, Editora Atlas, 1972. 435 p., ilustrado. Trad, de The quantitative approach to managerial decisions, N.J., Prentice-Hall, 1967, por Avelino Corrêa

O livro de Hein salienta no título a-palavra mágica "decisões administrativas", mas na realidade, trata-se de um bom livro de pesquisa operacional e estatística aplicada. Na opinião desse resenhista, o problema das decisões, por si, foi abordado mais amplamente em volumes como:

Raiffa, Howard. Decision analysis. Addison Wesley.

Edwards, ed. Decision making. Penguin Modern Psychology.

A obra de Hein chega a ser semelhante, em conteúdo, mas não igual à de Bursk & Chapman: New decision making tools for managers. Harvard Business Review, Mentor Books.

Confrontando-se o índice desta, obra com o do livro de Ackoff-Sasieni (Pesquisa operacional. Edit. Universidade de São Paulo), nota-se que os capítulos referentes ao problema de distribuição e programação linear em geral são de pesquisa operacional.

O mesmo pode ser dito com relação aos capítulos que tratam de método Monte Carlo, teoria das filas (sob o nome de "Linhas de expectativa") PERT, CPM. O capítulo "Curva de conhecimento" (curva de aprendizado - learning curve) é para o resenhista inédito e muito bem-vindo num livro de teoria de decisão. Os capítulos "Probabilidade e distribuição de probabilidades", "Distribuição de Poisson, gama, normal", "Diagramas de controle de qualidade", "Amostragem" (amostragem do trabalho), "Avaliação e cálculo de custo", "Linha de equilíbrio", trazem um sem-número de inovações para o estudo sistemático e aplicações, mas fundamentalmente são de "controles na empresa e teoria de probabilidade".

Toda essa comparação de capítulos nada mais demonstra que a imensa dificuldade em definir onde os métodos quantitativos devem ser estudados: em pesquisa operacional? em teoria de decisões? em administração da produção? em estatística e probabilística? em economia gerencial?

O resenhista tem livros de todas estas áreas tratando de mais de quatro capítulos da obra de Hein. Em uma palavra a definição dos campos de pesquisa operacional (OR dos americanos) e do management science (MS) mostra claramente a natureza interdisciplinar quanto às áreas de ensino da "decisão". A única conclusão viável é que o ensino deve ser bem estruturado, sendo irrelevante quem ensina o que, como já ficou claro na resenha do livro de Theil, Boot e Kloek, Operatiors research and quantitative economics, ou no conteúdo do livro de Baumol Economic theory and operations analysis.

O livro de Hein é, antes de tudo, muito interessante, ao tratar do assunto através de problemas. Muitos dos casos são da West-Cost Aircraft Corporation, demonstrando pesquisa prática, por parte do autor, em problemas industriais. O método de ensino de tentativa e erro é empregado principalmente no capítulo 9, página 169, em que o autor procura forçar uma distribuição binomial sobre uma curva de probabilidade de ocorrência de "visitas" ao Departamento de Reclamações de uma "Loja Departamental". Talvez o resenhista ficasse irritado por saber, de antemão, que tal ocorrência tem a forma de uma distribuição (curva) de Poisson, mas não conseguiu enxergar maior valia numa errônea tentativa até que, na página 170, é introduzido o teste do "qui" quadrado, que refuta a hipótese binomial da página 169. O procedimento da tentativa errada, do teste, e da tentativa certa (página 178 e seguintes), seguida de outro teste, é o mais acertado, porque o autor trabalha sempre por casos para induzir raciocínio.

Mas justamente nessa hipótese seria interessante que o livro tivesse recebido do autor ou tradutor um índice remissivo completo. Infelizmente nada tem além do índice de páginas, inicial, no livro. Assim esse índice inicial deve servir para a pesquisa de determinado assunto, e quem desconhece a página 170 pode se firmar como certo na página 169.

Outros problemas de compreensão que o livro apresenta podem ter sido produzidos por falhas na tradução ou na leitura de provas, como por exemplo, na distinção de decisão sob risco e incerteza.

Na página 29: "uma decisão em face do risco pode ser considerada uma decisão em face das probabilidades conhecidas".

Ainda na página 29: "A incerteza existe quando as probabilidades com a ocorrência ou nãoocorrência de eventos são conhecidas".

Por exemplo, página 34: "Administração por exclusão" em lugar de "exceção" (exception principle).

Por exemplo, página 124 e seguintes: "curva de conhecimento" em lugar de "curva de aprendizado".

Por exemplo, página 125: "Verificaram que o processo do conhecimento continua indefinidamente, não importando a extensão da série em produção. Mais importante, talvez, é que sua análise revelou que o índice de conhecimento era mensurável para representar os efeitos do conhecimento no índice de produção". "Dado qualquer ponto específico nas séries de produção, digamos 100 aviões completos, o tempo médio acumulado corresponde a 80% do tempo médio acumulado por unidade no ponto correspondente à metade da produção em série". (Grifos do autor.)

As dificuldades em encontrar definições, algumas vezes inexistentes, de conceitos e a aparente confusão de linguagem devem ser o resultado da tradução, mesmo não tendo o resenhista o original americano à mão.

Há uns 10 anos o resenhista leu numa revista de engenharia norte-americana um julgamento da justiça indiretamente contra uma empresa aeronáutica norteamericana. Um engenheiro abandonou o emprego na Califórnia e voltou a Nova York, pedindo auxílio-desemprego ao Estado. O Estado negou sob o fundamento de abandono, mas o engenheiro se propôs a demonstrar "condições indignas" na empresa através do uso da amostragem de trabalho continuamente feita por menores para verificar se o brain-trust da empresa estava trabalhando. E "trabalho" era definido como "lápis no papel", "calculando ou desenhando". O tempo de pensar era dado como "ocioso" e o tempo de biblioteca como "ausente". O engenheiro ganhou o processo. Tudo isso vem à mente do resenhista ao ler o capítulo 15, página 312, "Avaliação e cálculo de custo - PACE", sendo que isso é mais um caso de West Coast Aircraft Corporation. (PACE = performance and costs evaluation.) A medida subdivide-se em dois ramos principais.

a) Quatro fatores que assentam o índice:

1 . Pessoal para a tarefa.

2. Ócio pessoal.

3. Pessoal fora da área de trabalho.

4. índice de esforço do grupo.

b) O programa PACE propriamente dito, uma análise gráfica onde se mostra o índice da medida PACE e os cinco itens correlacionados:

1 . Requisitos pessoais.

1 . Realização do orçamento.

3. Listagem.

4. Controle de qualidade.

5. Partes deficientes (seria "peças", mal traduzida de parts?).

Diz o autor que nomes individuais não aparecem nos formulários do PACE, e, em seu lugar, 0 objetivo torna-se controlar os dois fatores humanos, ou seja, o fator esforço e tempo ocioso do funcionário, assentado em amostragem do trabalho. A administração controlará então os fatores "fora de controle" quando não satisfazem o ideal da atuação satisfatória.

De qualquer maneira o capítulo de PACE é uma novidade para o Brasil e de certo modo apresentar-se-ão os salvadores de empresa, recém-saídos da A.p.O (administração por objetivos) para implantar o PACE. A empresa de aviação que introduziu o PACE, a Northtrop, teve sucessores na GE e na Boeing, tanto quanto informou o caso da Justiça citado.

Os capítulos 16 e 17, respectivamente, e PERT e CPM demonstram excelente integração de custo e plano no tempo real e na rede. O autor não usa o método descrito em Theil et alii, onde o PERT deriva diretamente da programação linear.

Outra novidade e bem integrada é a mistura de conhecimentos da curva de "conhecimento" (aprendizado) e o gráfico e "linha de equilíbrio". A linha de equilíbrio é uma linha que leva em conta o equilíbrio nos processos de produção de componentes.

Para essa finalidade a linha de equilíbrio consta de quatro fatores:

1 . Uma listagem cumulativa de entregas - linha de objetivo.

2. Plano de operações.

3. Diagrama de processo - estado real de cada um dos fatores.

4. Linha de equilíbrio para os fatores fora de equilíbrio provocando a ação corretiva.

Resumo

Trata-se de um bom livro, que conté m excelentes capítulos, cheios de novidades sobre curva de aprendizado (chamada conhecimento), um sistema PACE de controle de eficácia dos empregados, e a linha de equilíbrio.

Os demais capítulos não apresentam grandes novidades ao leitor já experimentado, mas são solidamente fundamentados, bem escritos, e os exemplos e casos são apropriados e convincentes.

Nesse caso recomendam-se os capítulos de controle e do método Monte Carlo e de linhas de expectativa (teoria de filas) com exemplos de simulação de linhas de produção.

As ilustrações do livro são claras; o método seguido na exposição é o da indução a partir de exemplos práticos. As bibliografias são boas, mas param em 1962.

Do lado negativo do livro temos a tradução canhestra, claudicante, que impossibilita reconhecer erros do autor ou do tradutor, na definição de conceitos, A falta de um índice alfabético remissivo é sentida. Falta também ao menos uma tentativa de bibliografia de obras traduzidas em português.

Assim o livro pode ser recomendado sem hesitação para cursos de graduação e pós-graduação de engenharia e de administração, com especial referência à pesquisa operacional, controle de qualidade, administração geral da produção e do pessoal e, porque não dizer, num eventual curso de decisão para pessoal com bases técnico-matemáticas.

Sido Otto Koprowski

Teoria geral da administração: uma introdução

Por Fernando C. Prestes Motta. São Paulo, Pioneira, 1974.

O Prof. Fernando C. Prestes Motta escreveu um livro que preenche lacuna há muito sentida por aqueles que lidam com a teoria da administração. Em apenas 176 páginas expõe o que de essencial existe no debate teórico, síntese que decorre do perfeito domínio que o autor demonstra ter das múltiplas facetas que envolvem o tema. Didático, por apresentar as teorias evoluindo no curso da história recente e pelo método comparativo utilizado, o livro permite compreender o valor e o significado de cada teoria, o que i é de suma importância se desejarmos que o administrador não seja apenas uma peça cega na engrenagem, mas um homem capaz de visualizar sua ação consciente e criticamente, apto para propor soluções alternativas com criatividade. Ainda nesse sentido, explicitadas as condições existentes no momento em que se formulam as teorias, entende-se que elas não se. tornam definitivas porque são reflexo e parte de um processo social mais amplo que evolui e se reformula continuamente; consciente dessa realidade, o autor nos alerta para as contradições, insuficiências e conteúdo ideológico das diversas correntes do pensamento administrativo. Essa visão crítica que o livro contém e transmite, se não fornece fórmulas mágicas para a solução imediata dos problemas práticos, dá ao administrador condições para uma análise mais profunda e inter-relacionada dos fenômenos com que lida, rompendo, com isso, o bloqueio representado por esquemas "científicos" predeterminados.

Dividido em quatro partes, o livro traz na primeira as teorias desenvolvidas pelo Movimento de Administração Científica, ond e despontam Taylor e Fayol, e pela Escola de Relações Humanas, oriunda das pesquisas de Élton Mayo. Desse ponto, onde as teorias foram vistas como prescritivas e onde a maioria dos manuais termina, o autor prossegue com a apresentação na segunda parte das correntes cujo enfoque é principalmente explicativo; o behaviorismo que, em linhas gerais, dá continuidade ao movimento de Relações Humanas, embora a um nível bem superior de pesquisa e análise; o estruturalismo que, na negação de pontos básicos da escola de Relações Humanas, propõe a síntese entre essa e a visão formal da Administração Científica; finalmente, como terceira teoria explicativa, é apresentada a abordagem sistêmica que, em busca da integração de muitas ciências, representa a teoria de maior voga no momento. Relacionados a cada corrente são indicados, entre outros itens, as origens, figuras principais, idéias centrais e algumas críticas; compara a perspectiva que cada uma tem das relações administrador-empregado, dos sistemas de incentivo, da concepção da natureza humana e dos resultados visados. Acompanhados por quadros e gráficos, esses cinco capítulos encerram o que de importante existe no debate teórico contemporâneo.

A terceira parte trata das teorias e técnicas contidas nos trabalhos de Desenvolvimento Organizacional, vistas como enfoque prescritivo-explicativo, subáre a da teoria das organizações. Provavelmente é, para os interessados na aplicação das teorias, o melhor dos capítulos que compõem o livro, à medida que deslinda os supostos teóricos que fundamentam esse s trabalhos. Partindo da hipótese de superação das teses radicalmente opostas das "escolas", dados os altos níveis de formalização que as teorias recentes desenvolveram, torna-se um imperativo a operacionaUzação dos conceitos dessas teorias; isto não significa que não existam controvérsias no atual estágio da teoria, já que isto significaria a morte do esforço científico. Importante para a compreensão do tema é a distinção que o autor elabora entre os conceitos de mudança e desenvolvimento organizacional, vendo aquela como "um conjunto de alterações no ambiente de trabalho" e este como a. "mudança organizacional planejada"; o planejamento, enquanto intervenção deliberada do homem no sistema, pode-se dar através de alterações comportamentais e estruturais, ambas únalisadas no texto e vistas como interdependentes, disto derivando a perspicaz crítica à ênfase dada pelos atuais autores de DO à mudança comportamental, o que, supondo desajustes individuais ou grupais, desvia-se dos problemas de inadequação estrutural.

Ao terminar a leitura do último capítulo, referente ao alcance e limites da TGA, o leitor sente-se sobressaltado por dúvidas e interrogações. Entendo que o autor, ao dissertar sobre o dilema burocracia-democracia e sobre a visão da organização como ecosistema, revela-se como cientista social, à medida que busca uma verdade maior, e como ser humano, um pouco angustiado pela consciência que tem dos perigos que assaltam a humanidade do nosso tempo. E a mensagem nos atinge e alerta, mais uma vez, para os riscos dos dogmatismos cientif icistas.

Duas observações: embora o autor não pretenda cobrir todo o campo da teoria, seus fundamentos foram colocados. Sentimos, porém, a ausência de uma exposição sistemática da teoria da burocracia de Weber e de sua utilização pela corrente funcional-estrutural norte-americana, objeto talvez das preocupações do autor em seus últimos artigos; sua exposição didática e sua análise e crítica, o Prof. Prestes Motta, como muito poucos, pode realizar, já que se trata de teoria insistentemente referida por políticos e administradores. A segunda observação relaciona-se com a densidade da exposição desenvolvida em alguns momentos, como o da origem do estruturalismo, que pode tornar difícil a apreensão imediata dos significados por leitores pouco iniciados no tema; reconhecemos, contudo, que isso decorre não só da síntese necessária para abranger a amplitude dos temas tratados, como do estilo do autor, decorrente da profundidade com que analisa a matéria.

Valendo-se de extensa bibliografia que interpreta com perfeição, nem por isso, ou por isso mesmo, o Prof. Motta deixa de dar, a cada momento, sua contribuição pessoal ao desenvolvimento do pensamento; caracteriza-se, pois, como um intelectual que muito poderá contribuir para a evolução do conhecimento científico da sociedade, em especial no que se refere à administração. Isto é importante para nós, brasileiros, sempre dependentes neste e noutros campos de material originário de outros países e que, alienadamente, acabamos por tentar adequar às nossas condições específicas.

Pela oportunidade do lançamento, por ser o primeiro livro de autor nacional sobre o tema e, principalmente, pelo seu alto nível de elaboração, Teoria geral da administração: uma introdução, é um livro imprescindível para os que se Interessam por administração e pelas ciências sociais em geral.

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    Eckstein, Otto. Economia financeira - Introdução à política fiscal. 2. ed Rio, Zahar, 1971 p. 116 e segs.
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    - Vernay, A. Les paradis fiscaux. Paris, Ed. du Seuil, 1968.
  • 3
    Algumas informações sobre as sedes das empresas estrangeiras que tèm invés timentos no Brasil poderão ser encontra das em: Haas. Werner; Bernet, Jean e Bossart, Roland A
    Os investimentos es trangeiros no Brasil. Rio. Ed dos Autores 1958; e Bernet, Jean.
    O Brasil e o capital internacional / Brazil and international capital (Guia/Guide INTERINVEST) Rio. Interinvest Editora e Distribuidora Ltda. 1971.
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    Veja-se, dentre outros, os seguíntes esludos: Lafer, Celso. Un análisis de la compatibilidad de los artículos 27 y 28 del Pacto Andino con el ordenamiento jurídico de la ALALC. Derecho de la Integración, n. 6 p. 98-112, abr. 1970; El con. vénio internacional del café. Derecho de la Integración, n. 12, mar. 1973; El Gatt, la cláusula de la nación más favorecida y América Latina. In; Francisco Orrego Vicuña (Ed) . América Latina y la cláusula de la nación más favorecida. Dotación Carnegie para la Paz Internacional; Santiago del Chile, 1972. p. 123-50. Peña Félix, y Cárdenas, Emilio J. Los acuerdos subregionales y el tratado de Montevideo. Derecho de la Integración, n. 2 p. 10-19, abr. 1968; La cláusula de la nación más favorecida en el sistema jurídico de la ALALC. Derecho de la Integración, n. 9, oct. 1971; Empresas binacionales y multinacionales latinoamericanas: ¡deas en torno a algunos de sus aspectos jurídicos. Derecho de la Integración, n. 13, p. 11-32 jul. 1973; Proyecciones institucionales del Grupo Andino. Revista de la Integración, n. 2, p. 132-58, mayo 1968.
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    É interessante observar que nosso Código Comercial, elaborado numa época em que o liberalismo econômico estava em voga, faz inúmeras referências aos uses e costumes comerciais, como fonte do direito comercial (v. arts. 154, 169, 176, 186, 201 e 207 n. 2), bem como à solução de conflitos entre comerciantes por arbitradores (v. arts. 80, 82, 95. 194, 215, 217, 772, 776 e 777)
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    Nossos doutrinadores têm, com maior ou menor ênfase, procurado caracterizar as chamadas cláusulas usuais do contrate de compra e venda, particularmente a internacional. Dentre eles podemos citar: Carvalho de Mendonça, J. X.
    Tratado de direito comercial brasileiro. 5 ed., Rio-São Paulo, Livraria Freitas Bastos, 1955. v. 5, p. 50-5; Pentes de Miranda.
    Tratado de direito privado. 2 ed.. Rio, Editor Borsoí, 1962. t. 39, p. 305-8; Martins, Fran.
    Contratos a obrigações comerciais. 2 ed., Rio-São Paulo, Forense, 1969. p. 199-203; Álvares, Walter T.,
    Direito comercial. 2 ed., São Paulo, Sugestões Literárias, 1971. v. 2. p. 540, 541 e 550; Barreto, Lauro Muniz.
    Questões de direito bancário. S. Paulo, Max Limonad, 1970. v. 2, p. 695-703.
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    Taylor, A. & Palmer, R.E.
    Financial planning and control. Pan Books Lfd., 1969.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Out 1974
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