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Autogestão: da idéia às práticas

ARTIGO

Autogestão: da idéia às práticas* * Agradeço ao Prof. Fernando Cláudio Prestes Motta, do Departamento de Administração Geral da EAESP/FGV, não só a idéia e o título, mas também o despertar da dimensão política.

Heloisa Maria Mendes de Almeida

Aluna do Curso de Mestrado da EAESP/FGV na área de TCO

1. INTRODUÇÃO

A palavra autogestão, relativamente recente - apareceu na língua francesa no início dos anos 60 - é a tradução literal da palavra servo-croata samoupravlje (samo sendo equivalente eslavo do prefixo grego auto e upravlje significando aproximadamente gestão) e nasceu para designar a experiência, político-econômico-social da Iugoslávia de Tito, em ruptura ao stalinismo.1 1 Ver Bourdet, Yvon & Guillerm, Aalian. Autogestão: uma mudança radical. Rio de Janeiro, Zahar, 1976. p. 9 segs.

Se não confessadamente, sabemos que o sistema vigente atualmente na Iugoslávia está embasado de alguma maneira em certos aspectos do corpo teórico proposto por Pierre-Joseph Proudhon, teoria esta que acabou sendo também nomeada autogestionária.

A proposta de Proudhon surge, no século passado, em meio a um movimento libertário - que advogava a favor da nova classe dominada surgida com o advento da sociedade capitalista - juntamente com outras sugestões semelhantes. Dentre os autores de tais propostas - denominados visionários - encontramos: Robert Owen, Charles Fourrier e Louis Blanc, considerados historicamente mais significativos.

O propósito deste trabalho é extrair algumas conclusões a respeito de eventuais diferenças existentes entre teoria e práticas sociais autogestionárias.

Enquanto corpo teórico, escolhemos os estudos de Proudhon, em função do sentido globalizante da sistematização de seus escritos. Para os casos práticos, selecionamos as realidades autogestionárias vividas pela Espanha no período 1936-39 e pela Iugoslávia a partir da II Guerra Mundial.

Nascido de uma prática, o termo autogestão muda rapidamente de função, indo denominar teorias. Caberia, então, a questão-base de nosso trabalho: "em que medida podem ser consideradas as experiências espanhola e iugoslava autogestionárias?", não fosse a limitação desse objetivo.

Embora com um nível de profundidade relativamente superficial, nosso trabalho tem a intenção não exclusivamente de detectar o grau de adaptabilidade de práticas à teoria, mas sim de revelar, por um lado, como se desenvolvem tais práticas, "apesar da teoria" e, por outro, como se mantém a propriedade da teoria, "apesar das práticas".

Na realidade, ambas as questões fazem parte de um mesmo posicionamento. Não se trata aqui de validar com exclusividade a teoria ou a prática, e sim, ao menos conceitualmente (uma vez que a teoria proudhoniana, se não em suas interpretações - pelo menos em sua apresentação - pode ser considerada acabada) permitir a compreensão da forma pela qual teoria e prática se completam ou se excluem.

Para o atingimento de tal propósito organizamos o trabalho em quatro itens. O primeiro será dedicado à apresentação da sociedade autogestionária concebida por Proudhon. Destituído de formação formal específica, os escritos do autor nos falam de seu ecletismo; não haveria possibilidade de bem compreender sua proposta autogestionária sem lhe perscrutar os princípios filosóficos, econômicos e políticos.

O segundo e o terceiro itens pretendem expor a forma pela qual se deu a implantação e a realização (através do estudo da estrutura e seus inter-relacionamentos internos) do sistema autogestionário na Iugoslávia (1948 até hoje) e Espanha (1936-39).

O quarto e último item será dedicado à reflexão, onde apresentaremos as diferenças por nós percebidas entre teoria e prática.

Cabe-nos ainda acrescentar que acreditamos ser este trabalho útil àqueles que desejam ter em mãos uma sistematização resumida daquele sistema social que acreditamos ser a autogestão. Desejamos ressaltar que a pesquisa realizada para a execução deste trabalho é exclusivamente bibliográfica. Como qualquer trabalho de síntese não baseado em dados primários, acreditamo-lo de utilidade quase que exclusivamente para aqueles que estão tomando um primeiro contato com o assunto.

2. TEORIA: PROUDHON

2.1 Pressupostos filosóficos

O corpo teórico apresentado por Proudhon está calcado numa série de princípios filosóficos que acreditamos convenientes expor aqui, como já explicitamos anteriormente.

"A liberdade é um direito absoluto, porque é para o homem, como a impenetrabilidade da matéria, uma condição sine qua non de existência. A igualdade é um direito absoluto, porque sem igualdade não há sociedade (a natureza está de acordo com a justiça e, por ela mesma nos empurra para a igualdade)."2 2 Proudhon, P. J . De la justice poursuivie dans la Révolution et dans l'Église. Estudo IX, "Progrés et décadence. Paris, Éditions Marcel Rivière, 1932. p. 517 segs. In: Motta, Fernando C. P. Burocracia e autogestão: a proposta de Proudhon. São Paulo, Brasiliense, 1981. "A segurança pessoal é um direito absoluto, porque, de acordo com o julgamento de todo homem, sua liberdade e sua existência são tão preciosas quanto as de qualquer outro. Esses três direitos são absolutos, isto é, não são suscetíveis de aumento nem de diminuição, porque na sociedade cada associado recebe tanto como dá, liberdade por liberdade, igualdade por igualdade, segurança por segurança, corpo por corpo, alma por alma, vida e morte."3 3 Proudhon, P.J. Quest-ce que la propriété? Paris, Editions Marcel Rivière, 1926. p. 164. Apud. Motta, Fernando C. P. op. cit.

Fundamentado nestes princípios. Proudhon irá definir as principais críticas ao organismo econômico e político do capitalismo. No plano econômico, irá rechaçar a propriedade privada: a igualdade só existiria se o produzido na propriedade fosse restituído a quem o produziu; a liberdade só seria verdadeira se todos os contratos econômicos fossem efetuados pelas artes interessantes. No plano político, irá criticar a burocracia: a liberdade só seria atingida com o fim da alienação causada pela burocracia, a igualdade com a inversão do fluxo hierárquico (da base para o topo ao invés do topo para a base).

No plano político, Proudhon contrapõe o princípio de liberdade ao princípio de autoridade: não há como ver a autoridade de um homem sobre outro, a não ser como exploração. Em princípio, a sociedade é ingovernável.4 4 Motta, Fernando C. P. op. cit. p. 98.

Um segundo princípio em que se baseia a obra proudhoniana diz respeito à dependência do político ao econômico nas sociedades. "Em qualquer época, a constituição política foi o reflexo do organismo econômico (enquanto relações sociais ao nível da produção e da troca) e o destino dos Estados foi sempre pautado em razão das qualidades e das falhas desse organismo."5 5 Ver Proudhon, P-J. Manuel du spéculateur dans la bourse. Paris, Lacroix, s. d. p. 25. In: Ansart, Pierre. Sociologie de Proudhon. Paris, Presses Universitaires de France, 1967, p. 106. Apud. Motta, Fernando C. P. op. cit. Fernando Motta explica da seguinte maneira tal relacionamento: "Há um conflito econômico latente que se expressa, por vezes, em agitações do corpo social. A raiz desse conflito está na desigualdade. Em face da instabilidade social não solucionável nos quadros de um sistema baseado na desigualdade, organiza-se a força pública, estabelece-se a autoridade, diante da qual toda a sociedade deve-se submeter."6 6 Motta, Fernando C. P. op. cit. p. 102.

Cabe aqui lembrar que Proudhon tinha consciência de que as "soluções" apresentadas em 1848 (na França) permaneciam exclusivamente no plano político, de sorte a permitirem nada mais do que uma reprodução das desigualdades sociais e das velhas hierarquias.

Percebe-se na obra de Proudhon um terceiro pressuposto que norteia seus estudos e conclusões. Diz respeito à dialética iminente a todo fato social. Em relação a essa linha de pensamento, Proudhon expressa-se mais claramente no campo econômico. "Cada princípio econômico gera, inicialmente, conseqüências sociais que são opostas."7 7 Id. ibid. p. 71. Assim, podemos perceber que:

• "a divisão do trabalho, fora da qual não há progresso, não há riqueza, não há igualdade, subordina o operário, torna a inteligência inútil, a riqueza nociva e a igualdade impossível";8 8 Proudhon, P.J. Système de contradictions économiques: philosophie de la misère. Paris, Éditions Marcel Rivière, 1923. t.1, p. 138 segs., Apud Motta, Fernando C. P. op. cit.

• "o monopólio facilita a estabilidade da produção, mas dá aos industriais um poder demasiado e subordina, cada vez mais, os trabalhadores";9 9 Motta, Fernando C. P.op. cit. p. 72.

e que portanto, "na sociedade atual o progresso da miséria é paralelo e adequado ao pregresso da riqueza".10 10 Proudhon, P.J. Système de contradictions... op. cit. t.1, p. 89, Apud Motta, Fernando C. P. op. cit.

2.2 Pressupostos e análise econômica

O conteúdo e desenvolvimento do raciocínio econômico de Proudhon pressupõem o conhecimento de sua visão de propriedade, lucro e divisão do trabalho. Veremos que para ele estes três conceitos estão intimamente ligados.

A teorização de Proudhon surge de sua preocupação com a propriedade. Segundo ele, a propriedade é um roubo, à medida que o valor que é nela produzido não é restituído a quem o produziu.11 11 Proudhon reconhece, no entanto, a importância que a propriedade privada teve para o desenvolvimento da produção, visto que propiciou a acumulação de excedente a ela necessária. Desta forma, a noção de roubo necessita ser vista dialeticamente; não se pode excluir as funções históricas, econômicas e sociais da propriedade. Ver Motta, Fernando C. P. op. cit.

O lucro (trabalho não-remunerado), segundo o pensador, corresponde ao efeito sinérgico do trabalho produzido coletivamente. Isto posto, podemos perceber a importância dada por Proudhon ao trabalho coletivo (não realizado individualmente) e, obviamente, à divisão do trabalho, já que ele pressupõe, obrigatoriamente, a realização de um trabalho conjunto. Diz ele: "No trabalho parcelar, encontra-se o princípio do pauperismo, pois o fracionamento do trabalho é o pretexto para baixos salários."12 12 Motta, Fernando C. P. op. cit. p. 82. Diz ainda: "O trabalho individual, arbitrário, não tem valor senão para o indivíduo. O que se deve considerar é o trabalho normalmente necessário, o trabalho exigido pela sociedade. Desde logo, é preciso distinguir o trabalho privado do trabalho social"13 13 Ver Proudhon, P.J. Avertissement aux propriétaires. Paris, Éditions Marcel Rivière, 1938. p. 195. Apud Motta, Fernando C.P. op. cit.

A introdução da questão "divisão do trabalho" leva a análise econômica de Proudhon a transformar-se numa análise sócio-econômica, a partir do momento que substitui a problemática econômica por uma sócio-econômica. Vejamos como.

Acreditava Proudhon que a economia deve ser entendida como ciência da produção humana (e não como ciência da produção material, como sugeria a economia clássica). Destarte, o objeto da economia política passa a ser o "eu" humano manifesto no trabalho, Tendo o trabalho como unidade fundamental e dada a impossibilidade de sua análise a nível individual - o trabalho de um ser humano - dada a divisão do trabalho, a economia passa a ter um caráter social, à medida que estuda o grupo produtor. Essa sociologia, por sua vez, irá estudar as relações existentes nesse grupo; estas relações serão aquelas - uma vez que o grupo é definido em termos de trabalho conjunto - da organização do trabalho. Percebe-se que "Proudhon concebe a organização das funções como primeiro estágio da organização da sociedade econômica".14 14 Bancal, Jean. Proudhon: pluralisme et autogestion. Paris, Aubier-Montaigne, 1970. p. 79. Apud Motta, Fernando C.P. op. cit.

Podemos observar que Proudhon adentra por uma linha de raciocínio que poderíamos chamar estruturalista e, ainda: "Entre organização da sociedade econômica e a organização das funções dos trabalhadores individuais há um relacionamento tão estreito quanto aquele que existe entre um organismo e os órgãos que o compõem."15 15 Motta, Fernando C. P. op. cit. p. 75. "A ordem é, para Proudhon, uma ordem autônoma e imanente, na qual participam todas as pessoas individuais enquanto elementos indispensáveis desta atividade. (...) O indivíduo e o grupo não podem ser separados um do outro e engendram-se reciprocamente."16 16 Gurvitch, Georges. Idée de droit social. In: Bancal, Jean, op. cit. v. 1, p. 68. Apud Motta, Fernando C. P. op. cit. O homem, fora de seu conjunto, não poderia ser considerado o mesmo; e o seu conjunto (a sociedade), sem ele, não existe. Na evolução deste raciocínio, Proudhon conclui que a constituição de relaçãos organizadas entre os homens dão-lhes a possibilidade de uma liberdade eficiente. Assim sendo, o homem pode ser considerado tão mais livre quanto mais relacionamentos mantiver.

A sociedade, portanto, para ser entendida deve ser analisada por intermédio das funções dos trabalhadores no andamento das sociedades. Esta análise, segundo Proudhon, deve ser feita através de um estudo histórico de tais funções. "Estudando-se a História, do ponto de vista do trabalho (produto valor, formação de capitais, crédito, trocas, moeda, especialização, síntese do trabalho, coordenação de funções, solidariedade, responsabilidade do trabalhador), podemos descobrir a forma pela qual o trabalho age sobre a economia das sociedades, como liberta o proletariado; e depois de ter observado a influência do trabalho sobre a sociedade, sobre as relações de produção e a circulação de riquezas, seguir as manifestações orgânicas do movimento revolucionário."17 17 Motta, Fernando C. P. op. cit. p. 79. ,18 18 Cabe aqui ressaltar que Proudhon pretende encontrar no trabalho o valor de troca. Os salários, os capitais e os lucros apresentam-se como tendo origem comum no trabalho: o trabalho é a única medida universal, a medida exata dos valores; é o único padrão que pode servir para comparar os valores das mercadorias, em todas as épocas, em todos os lugares. Ver Proudhon, P.J. De la Création de l'ordre dans l'humanité. Paris, Garnier, 1849. p. 296 e 302; e ______. Avertissement aux... op. cit. p. 189 segs. Apud Motta, Fernando C. P. op. cit. Esta linha metodológica é denominada, "trabalhismo histórico".19 19 Escrito muito antes de qualquer contato com Marx, o trabalhismo histórico não é uma versão do materialismo histórico, mas pode perfeitamente tê-lo inspirado. Ver Motta, Fernando C.P. op. cit. p. 81.

Do estudo realizado por Proudhon, baseado nestas premissas e segundo sua metodologia própria, ele chega a algumas conclusões, que expomos a seguir de forma sintética.

Na prática da sociedade é descoberta a experiência social, e no seu final, pela reflexão ativa da sociedade, é descoberta a razão social.20 20 Motta, Fernando C. P. op. cit. p. 134. O teórico entende que a História, embora não explique, revela um processo dialético criativo, cuja transposição sistemática deve permitir a concordância entre a prática e a razão social.21 21 Ver Proudhon. Système de contradiction... op. cit. p. 73. Apud Motta, Fernando C. P. op. cit.

Este processo dialético é o que movimenta a sociedade em seu desenvolvimento. A economia caminhava (segundo previsões do pensador, por volta de 1860) para a fase por nós denominada capitalismo organizado, que, impulsionado por contradições internas, chegaria ao socialismo autogestionário, passando, transitoriamente, pelo capitalismo de Estado. "A absorção momentânea da sociedade econômica pelo Estado parece-lhe inevitável, uma vez que as próprias contradições do capitalismo levariam a uma organização mais forte."22 22 Motta, Fernando, C. P. op. cit. p. 86.

Proudhon demonstra que o governo pode ser uma etapa a ser ultrapassada, de forma a se chegar a uma organização autônoma da sociedade através da seguinte linha de pensamento dialético: "Em todas as épocas, o reforço do Estado manifesta-se paralelamente ao reforço das contradições sociais. A partir disso, é natural que o poder crescente que assumem os governantes aumente sua distância dos governados. A absorção crescente da sociedade econômica pela sociedade política, isto é, a intervenção e a absorção crescente da economia pelo Estado, seria a pré-condição da negação dialética, de onde surgiria a sociedade autogestionária."23 23 Id. ibid. p. 86.

De seus estudos, deduz ainda Proudhon três princípios de ação: "Em primeiro lugar, por seu trabalho pessoal, o trabalho individual deve adquirir, além de seu salário, um direito de participação e de administração. Em segundo, pelo trabalho coletivo, os grupos de trabalhar dores, permitindo o surgimento de um excedente produtivo (fonte de acumulação de trabalho e origem do capital), devem ter o direito sobre este excedente. Finalmente, à conjunção destes dois direitos sócio-econômicos leva, por um lado, a um direito pessoal e privado do trabalhador sobre os frutos de seu trabalho individual, isto é, a uma posse; e, por outro, a um direito social e coletivo do grupo de trabalhadores sobre os frutos de seu trabalho comum, isto é, a uma propriedade coletiva. Observar-se, portanto, que Proudhon pensa, ao mesmo tempo, em direito pessoal do trabalhador e em direito social do grupo. Tal concepção apenas manifesta o que vimos anteriormente com a integração recíproca dos elementos pessoais e coletivos que constituem a sociedade econômica."24 24 Id. ibid. p. 90.

2.3 Pressupostos e análise política

Como já foi dito, Proudhon considera qualquer teorização que parta do político - seja para a análise da sociedade, seja para a preparação da revolução - erroneamente colocada. Segundo ele, "qualquer sociedade, qualquer que seja sua organização, mostra que a vida social não procede do político, mas sim, pelo contrário, o político procede do social".25 25 Id. ibid. p. 100. Percebe-se, portanto, em Proudhon, não uma preocupação política, mas sim uma preocupação social que critica o Estado, dada a sua função de manutenção da desigualdade e da não-liberdade dos indivíduos, através da autoridade.

Proudhon realiza sua crítica política - basicamente ao Estado - definindo aquilo que poderíamos denominar "natureza da sociedade", e, em seguida, caracterizando a "natureza do Estado".

Quanto à "natureza da sociedade" Proudhon diz: "O ser coletivo é um ser vivo, dotado de inteligência, atividade e força próprias, da mesma forma que as leis econômicas da divisão do trabalho e das trocas baseiam-se na espontaneidade da razão social. Ele (o ser coletivo), possuindo leis e propriedades próprias e respondendo a necessidades de ordem e educação, elabora forças políticas, dando-se instrumentos de disciplina que assegurem sua coesão. Numa sociedade dividida pela desigualdade, a função de autoridade não se limita à coesão: inclui uma ordem imposta que garanta a manutenção das desigualdades, donde se conclui que a tendência à apropriação e centralização são conseqüência da oposição de classes e do conflito de interesses (...)"26 26 Id. ibid. p. 106 segs.

Quanto à "natureza do Estado", diz Proudhon: "A alienação e a apropriação da força coletiva constituem o caráter essencial do Estado e, exatamente por não possuir uma existência própria, mas sim emprestada da sociedade, para se manter, ele precisa incessantemente apropriar-se da força social, desviando-se de seus agentes verdadeiros, E ainda: o Estado, qualquer que seja a forma que assuma, enquanto não se tomar um órgão submetido a uma sociedade de iguais, será para o povo uma condenação."27 27 Id. ibid. p. 97.

Proudhon critica ainda o Estado enquanto elemento unitário. "O Estado unitário é o contrário da pluralidade; ele é unitário e procura manter e reforçar sua própria unidade, ao passo que a vida coletiva é caracterizada pela pluralidade, por grupos e subgrupos em formação ou em desaparecimento. Assim, enquanto grupos e localidades se mantêm com suas diferenças, são submetidos a uma hierarquia única que responde a um poder único. O espontâneo e o mecânico estão em antagonismo no relacionamento entre a vida social e o Estado. Enquanto o Estado pauta suas atividades pela repetição, a sociedade o faz pela criação."28 28 Id. ibid. p. 109.

Decorre daí a não-aceitação por Proudhon das teorias comunitárias em voga em sua época enquanto substitutiva da sociedade capitalista. Para ele, tais teorias não resolviam os problemas da democracia burguesa, pois, a seu ver, a comunidade, pretendendo suprimir a desigualdade social pela uniformidade comunitária, exigiria a submissão das vontades e restauraria a tirania política.29 29 Id. ibid. p. 104. Como veremos adiante, à tradição de unificação nacional, como instrumento de destruição de privilégios. Proudhon defende o federalismo como instrumento de igualdade e liberdade.30 30 Id. ibid. p. 99.

Proudhon reforça este posicionamento através do prisma econômico. Ele entendia que o poder dos proprietários, sendo muito grande, permitia-lhes colocar a seu serviço o Estado, para melhor atender seus interesses. Entendia que a aliança entre os capitalistas e o Estado se fazia em um sentido de apropriação política da sociedade como um todo. Mas lembra: o poder do Estado não vem dele mesmo. A esperança de que uma decisão governamental possa levar à reforma social é, portanto, enganosa. O poder do Estado está baseado na totalidade da sociedade, à medida que ele se torna o depositário da força coletiva.

Podemos perceber que a crítica de Proudhon ao Estado é uma crítica radical, que faz aparecer uma antinomia insuperável entre a espontaneidade da vida social, a liberdade e a centralização política.31 31 Id. ibid. p. 112. Sua insistência (para se chegar à autogestão) está na devolução, à sociedade, do poder que esta atribuiu ao Estado, ou seja, na desalienação da sociedade através da reapropriação de seu poder alienado.32 32 Id. ibid. p. 113. Donde se conclui que o pensador só encontra a possibilidade de uma sociedade autogerir-se com a supressão do Estado.33 33 Id. ibid. p. 114.

Proudhon conclui, em relação ao político como um todo: "O político é, em relação ao social, o que o capital é em relação ao trabalho, ou seja, uma alienação da força coletiva.34 34 Id. ibid. p. 100.

Torna-se então aparente o caráter anárquico da crítica política de Proudhon: "Como o homem procura a justiça na igualdade, a sociedade procura a ordem na anarquia. Anarquia, ausência de senhor, de soberano, tal é a forma de governo da qual nós nos aproximamos todos os dias, e que o hábito inveterado de tomar o homem por regra e sua vontade por lei nos faz ver como desordem a expressão do caos."35 35 Desjardins, Arthur. P.J. Proudhon: sa vie, ses oeuvres, sa doctrine. Pierre et Cie. Libraires Éditeurs, 1896. t. 2, p. 181. Apud Motta, Fernando C. P. op. cit. Enquanto anarquista, Proudhon concebe o Estado como obra da própria sociedade que se aliena; ele (o Estado) não instaura a ordem, mas ao contrário, através de seus controles opressivos, impõem obstáculos à espontaneidade social, introduzindo a perturbação na atividade Social.36 36 Ver Motta, Fernando C. P. op. cit. p. 113.

2.4 A revolução

Proudhon descreve as características que considera essenciais numa revolução para que ela leve uma sociedade a um regime de socialismo autogestionário.

A primeira delas, já enfatizada por nós, diz respeito à importância do campo econômico enquanto fulcro da revolução: a instauração da revolução deve-se voltar para o ataque às contradições econômicas como forma de se atingir a ordem e a justiça.37 37 Id. ibid. p. 119.

Outra característica fundamenta-se no valor que Proudhon atribui ao trabalho. Ele, que considera o trabalho como fator essencial da produção, vê que o trabalho manual na sociedade capitalista é rebaixado e mesmo considerado como uma vergonha, uma coisa vil. Entretanto, percebe que é o verdadeiro criador da riqueza, à medida que dá valor aos objetos. Considera, portanto, tarefa da revolução restituir ao trabalho sua dignidade e ressaltar seus méritos.38 38 Id. ibid. p. 121.

Percebemos que Proudhon conceitua o trabalho como unidade de valor, já que considera que "é o trabalho, e só o trabalho, que produz todos os elementos da riqueza e que os determina até suas últimas moléculas, segundo uma lei de proporcionalidade variável, mas certa".39 39 Proudhon, P.J. Système de Contradictions... op. cit. t 1. p. 108. Apud Motta, Fernando C P. op. cit. E no relacionamento das duas questões trabalho e valor do trabalho - conclui que o trabalhador deve receber o equivalente àquilo que dá através de seu trabalho, rejeitando a hipótese de igualdade de salários. Tal questão remete-o a outra necessária característica da revolução: a educação.

Partindo do princípio de que a igualdade é a lei de toda a natureza, o pensador supõe que o homem, em essência, é igual ao homem, e que, se na prática existem aqueles que ficam para trás, é porque eles não quiseram ou não souberam tirar partido de seus meios.40 40 Proudhon, P.J. De la justice poursuivie... op. cit. Estudo III, Les Biens, p. 70. Apud Motta, Fernando C. P. op. cit. Acredita que uma educação adequada irá reduzir a um mínimo irredutível as diferenças individuais e, conseqüentemente, as condições potenciais e individuais de trabalho.

Consciente das dificuldades pedagógicas, Proudhon insiste na importância da educação para a instituição do sistema autogestionário, Critica a instrução popular sob o regime capitalista, à medida que percebe - talvez numa antecipação bourdiana - que "milhares de jovens sem fortuna, mesmo que houvessem seguido cursos, não encontrariam ocupação; que, no estado atual da sociedade, a instrução da juventude, salvo uma elite de privilegiados, é um sonho da juventude".41 41 Motta, Fernando C. P. op. cit. p. 125.

Conclui, com respeito a esta questão que a educação adequada apresenta-se, portanto, como um meio para chegar a uma igualdade tendencialmente perfeita, baseada em um sistema simples de troca recíproca, onde o trabalho é o único padrão de valor.42 42 Id. ibid. p. 126.

Outro ponto abordado por Proudhon, no que tange à revolução, diz respeito ao direcionamento a ser dado ao excedente proveniente da economia individual. Se antes da revolução a propriedade era considerada um roubo, visto ser instrumento de dominação e submissão, a propriedade adquirida (pelo camponês e pelo artesão), através de economias baseadas no trabalho individual na sociedade autogestionária, representava garantia da liberdade e dignidade humanas. O inquestionado culto à família leva Proudhon a acrescentar, no rol de "direitos à liberdade é dignidade", o direito da herança, sem deixar claro como, apesar desta instituição, a igualdade se manteria.

Uma última questão é levantada por Proudhon na tentativa de garantir o êxito da revolução. Reconhece ele que a simples união dos trabalhadores não constitui uma garantia suficiente de sua vontade revolucionária, já que eles poderiam se deixar dominar pelos mitos conservadores e, ainda mais, que poderiam cair sob o domínio de um poder forte que se apresentasse a eles demagogicamente. Percebe que a união dos trabalhadores deve se converter, imediatamente, em prática econômica. Os operários devem, portanto, antes de mais nada, separar-se dos partidos da burguesia, concentrar sua atenção nos problemas da produção, criando as organizações econômicas que irão perfigurar a sociedade socialista.43 43 Id. ibid. p. 132.

2.5 A autogestão

Para entendermos a proposta autogestionária proudhoniana, devemos ainda esclarecer alguns pressupostos. Eles dizem respeito não mais a campos específicos, tais como filosofia ou economia; são conceitos que poderíamos denominar globalizantes, uma vez que interpenetram diversas áreas, tais como a do direito, da sociologia, da epistemologia, entre outros.

Vejamos, pois, o significado e a importância daquilo que o pensador denomina ciência social. De forma resumida, poderíamos considerar a seguinte linha de raciocínio para visualizarmos tal conceito. "A sociedade nasce do trabalho, de sua divisão e de sua composição. Conhecer a sociedade significa, através da ciência social, conhecer as leis de divisão e composição do trabalho. A ciência social é o resultado da prática social experimentada pela sociedade, em confronto com a razão social descoberta através de uma reflexão ativa da sociedade."44 44 Id. ibid. p. 134 segs.

De forma mais detalhada, poderíamos explicar o parágrafo anterior da seguinte maneira. A sociedade nasce do trabalho. O trabalho é a força que determina a sociedade e o desenvolvimento social, porque a sua primeira lei funcional é a divisão, que exige necessariamente a comunidade de ação. Portanto, as conseqüências das leis da divisão do trabalho permitem descobrir as características sociológicas que governam a organização de funções e, a partir desse ponto, as leis sociológicas que governam a sociedade. Desta forma, podemos considerar que a função é um microcosmo social que compõe duas leis: a especificação, que é o corolário da divisão do trabalho, e a composição, que é o corolário da unidade de ação, e, portanto, este microcosmo (a função) já apresenta as leis sociológicas que regem o mundo social.45 45 Id. ibid. p. 134 segs.

Proudhon conceitua também a gênese da ciência social: na prática da sociedade é descoberta a experiência social, e, no seu final, pela reflexão ativa da sociedade, é descoberta a razão social; sendo a ciência social o acordo entre a prática e a razão sociais. Ciência social é, portanto, a descrição feita pela sociedade de suas próprias leis da razão social, à medida que a experiência social as descobre, sob o efeito do trabalho social, que continuamente as revela.46 46 Id. ibid. p. 134.

Cabe, neste momento, reproduzir um alerta feito por Proudhon no que diz respeito à produção da ciência social. Ele distingue dois erros relativos ao estabelecimento da ciência social que levam às convulsões históricas: o aristocratismo científico - acreditar que alguma parcela da sociedade detém o monopólio da ciência e da razão sociais - e a demagogia ideológica - que prega que o povo, ator da prática social, é capaz, por procedimentos elementares e anticientíficos, de exprimir adequadamente a lei que lhe é inerente, e, portanto, evidentemente, nos quais não se deve incorrer.47 47 Id. ibid. p. 134 segs.

Uma outra, e talvez a mais marcante noção da teoria proudhoniana, diz respeito às leis do funcionamento da sociedade. O princípio que rege estas leis é o princípio da pluralidade em confronto com o princípio da unidade, uma vez que este último ignora os antagonismos internos que levam ao desenvolvimento.

Segundo Proudhon, a sociedade se manifesta basicamente por meio de três atributos, que recebem diversas denominações, tais como consciência da sociedade, inteligência, julgamento. Este último pode ser considerado como um choque de opiniões - suas lutas e trocas que depura a subjetividade imanente às razões individuais.48 48 Id. ibid. p. 142 seg.

Na nova realidade - resultado de uma pluralidade tanto de homens livres como de seres coletivos - todos os seres têm sua realidade autônoma, sua força e razão coletiva, e inter-relacionam-se através de mecanismos de oposição e composição.

O mundo humano, enquanto mundo social, é, portanto, regido, no entender de Proudhon, por duas leis antinômicas fundamentais: o antagonismo competitivo (competição) e o equilíbrio mútuo (cooperação). Segundo ele, "o mundo da sociedade, da mesma forma que a natureza, é estabelecido sobre as forças (...) expansivas, invasoras e, por conseguinte, opostas e antagônicas (....). Tal é a grande lei da criação".49 49 Proudhon, P.J. La Guerre et la paix. Paris, Éditions Marcel Rivière, 1927. p. 477. Apud Motta, Fernando C. P. op. cit. A competição produtiva dos grupos autônomos antagônicos e solidários, irredutíveis e associados, engendra o desenvolvimento social.

O papel do trabalho neste "jogo criativo" é fundamental: "O trabalho oferece ao antagonismo o seu verdadeiro campo de operação; é pelo trabalho e também por sua conjunção com a lei do equilíbrio mútuo que o antagonismo se torna competição produtiva e não luta armada."50 50 Motta, Fernando C.P. op. cit. p. 146.

O trabalho, visto como ação inteligente do homem sobre a matéria com o objetivo de satisfação pessoal, é liberador; e, à medida "que ele se torna trabalho educativo, fundamenta a libertação, que significa sociedade autogestionária."51 51 Id. ibid. p. 146 segs.

Vejamos agora como Proudhon esboçou a sociedade autogestionária em seus aspectos econômicos e políticos.

A base da democracia econômica proudhoniana é o contrato. Na nova sociedade, cada indivíduo, cada grupo social, cada companhia operária tem sua própria soberania, se autogoverna e relaciona-se livremente com os outros indivíduos e agrupamentos, através do contrato; é o denominado mutualismo econômico.52 52 Id. ibid. p. 129 segs.

São quatro as estruturas que se elaboram a partir da teoria de Proudhon: a mutualização federativa da agricultura, a socialização federativa da indústria, a federação agrícola industrial e o sindicato da produção e do consumo. A base da democracia econômica é a autogestão dos produtores e consumidores.53 53 Id. ibid. p. 155.

Quanto à indústria, é clara a necessidade de formar entre os agentes uma associação: toda indústria, entendida como extrativa ou manufatureira, que por sua natureza exige o emprego combinado de um grande número de empregados de especialidades diferentes, é destinada a tornar-se o local de uma sociedade ou companhia de trabalhadores.54 54 Proudhon, P-J. Idée générale de la révolutions au XIXe siècle. Paris Éditions Marcel Rivière, 1923. p.73. Apud Motta, Fernando C. P. op. cit. A empresa a executar, a obra a realizar é a propriedade comum e indivisa de todos aqueles que dela participaram.55 55 Ib. ibid. p. 279. Apud Motta, Fernando C. P.op. cit. Assim, cada trabalhador participará dos lucros e perdas do estabelecimento e terá voz deliberativa na sua administração.56 56 Motta, Fernando C. P. op. cit. p. 156.

Para a agricultura, Proudhon sugere a propriedade individual. Ele entende que a relação do camponês com a terra exige uma fórmula diferente. Acredita que assim a rentabilidade econômica é maior. A possibilidade de transformação, na agricultura, é a formação de um grupo agrícola, de uma comuna agrícola. Ele deve, aos poucos, tornar-se proprietário de sua terra e associar-se aos demais camponeses proprietários. O que. Proudhon pretende e a redistribuição das propriedades agrícolas, de modo a equilibrar a rentabilidade das diversas terras, para se chegar a uma verdadeira organização agrícola. Todas as comunas rurais devem-se federar em escala nacional e constituir uma federação agrícola nacional.57 57 Id. ibid. p. 157.

Assim estruturadas, a agricultura e a indústria vão conjuntamente constituir a federação agrícola-industrial.58 58 Id. ibid. p. 157. O objetivo principal pelo qual operários e camponeses deverão trabalhar juntos na federação agrícola industrial é justamente a organização cooperativa dos serviços, principalmente do comércio, do crédito e dos seguros. Nesta organização cooperativa, também participará o sindicato de consumo, que representará, ao lado dos produtores, a união dos consumidores, e com eles constituirão o sindicato geral da produção e do consumo.59 59 Id. ibid. p. 157.

No que diz respeito aos serviços, ao contrário da agricultura e da indústria, há lugar para uma atribuição e nunca para uma apropriação, Nesse caso, deve-se instituir uma propriedade cooperativa, da qual participarão consumidores e produtores. Dessa forma, a sociedade tem por associados aquelas mesmas pessoas que devem tornar-se clientes. Seu objetivo, organizado a nível nacional, é de policiar o mercado, e seus meios são:60 60 Id. ibid. p. 158. "os serviços de entrepostos, docas etc., (destinados) a assegurar, a todo tempo, a repartição dos produtos, da melhor forma, segundo o interesse dos produtores e consumidores, e um serviço de estatística, de publicidade, de anúncios para a fixação dos preços e da determinação do valor".61 61 Proudhon, P.J. De lacapacité politique des classes ouvrières. Paris Éditions Marcel Rivière, 1924. p. 212. Apud Motta, Fernando C.P. op. cit.

As séries de propriedades de empresas autônomas serão agrupadas em federações particulares que, por sua vez, serão reunidas em uma federação industrial. No que diz respeito à agricultura, sob forma de uma sociedade central de agricultura, formar-se-á uma confederação de comunas rurais. A federação agrícola administra as instituições de crédito, os estoques e as compras e, conjuntamente com a federação industrial e o sindicato, do consumo, ocupa-se da comercialização dos produtos agrícolas. Inúmeras relações vão-se estabelecer entre a indústria e a agricultura, relações estas que se estabelecerão, inicialmente, ao nível de federações particulares, em seguida entre a federação industrial e a agrícola, que, conjuntamente, constituirão a federação agrícola-industrial.62 62 Motta, Fernando C. P. op. cit. 158.

Proudhon é, no entanto, muito realista na percepção dos entraves à solução mutualista na economia.63 63 Id. ibid. p. 61. Percebe as seguintes forças de oposição: os poderes monopolísticos do capitalismo internacional, o imperialismo estatal de um comunismo autoritário, um nacionalismo negativo, que para ele representam nada mais do que a realização de estágios transitórios, de estágios anunciadores do aparecimento de uma sociedade mutualista.64 64 Id. ibid. p. 161. Todavia, Proudhon acredita, com suas possibilidades de fracasso e vitória, em revoluções permanentes, levadas a cabo por esforços livres e vontades conscientes de pessoas e coletividades.65 65 Id. ibid. 161.

Sob pena de decomposição, a organização mutualista dos órgãos econômicos leva à organização federalista dos corpos políticos; reciprocamente, o federalismo político implica federalismo econômico. Chegar-se-à, assim, na ordem política, a uma república federativa baseada na descentralização, na autogestão e na federação dos grupos geográficos e funcionais.66 66 Id. ibid. p. 161 segs. Vejamos, pois, como Proudhon vê a organização da democracia política.

"Pode-se esquematizar em quatro princípios de organização a construção da república federativa preconizada por Proudhon. Em primeiro lugar, a autonomia e a auto-administração política dos grupos naturais, quer sejam eles territoriais ou funcionais; em segundo, a interdependência e a federação desses grupos em conjuntos cada vez mais amplos; em terceiro, a criação, por delegações sucessivas, de um governo federativo destinado a harmonizar os interesses particulares e a promover os interesses comuns; em quarto, a constituição, de um Estado federal, de uma sociedade política federalista, resultante da articulação desses elementos."67 67 Bancal, Jean. Proudhon: pluralisme et... op. cit. p. 100. Apud Motta, Fernando C. P. op. cit.

Proudhon distingue entre os grupos naturais aqueles que são funcionais. A aparentemente incongruente idéia de Estado neste contexto parecer-nos-á natural, se considerarmos que:

• distinguem-se entre os grupos naturais aqueles que são funcionais e aqueles que são territoriais;

• distinguem-se dois tipos de grupos naturais funcionais: aquele que se refere às funções produtivas (empresas e federações de empresas) e aquele que se refere às funções públicas (serviços públicos e federações de serviços públicos);

• tanto os agrupamentos funcionais produtivos como os funcionais públicos estão aptos a se auto-administrar, escolhendo, para cada categoria de produção e de funcionários, delegados destinados a administrar os assuntos federais comuns, caracterizando assim um cruzamento entre os grupos funcionais e os grupos naturais geográficos.68 68 Ver Motta, Fernando C. P. op. cit. p. 165.

Tudo isso leva à composição de um Estado contratual. O Estado compõe-se da federação dos trabalhadores agrícolas e industriais, das associações industriais, de serviços públicos organizados em grupos funcionais, e de artesãos e comerciantes. A organização deste Estado consistirá na distribuição da nação em províncias independentes e em funções públicas autônomas. Finalmente, o Estado proudhoniano será constituído de acordo com os órgãos de base territoriais ou funcionais. Os órgãos de base, territoriais serão constituídos pelos municípios, distritos ou regiões. Tais órgãos serão dotados de conselhos e de um governo e administração autônomos em face da autoridade federal. Os órgãos de base funcional serão constituídos pelos conselhos operários, pelos grupos de agricultores, pelas associações industriais e agrícolas, pelos sindicatos. Os órgãos federais ou órgãos centralizados serão constituídos por federações ou por delegações sucessivas, a partir dos órgãos de base. Constitui-se, assim, um sistema de autogestão generalizada, que parte das células econômicas de base mutualizadas e federalizadas e dos grupos políticos naturais, tanto funcionais quanto territoriais. A sociedade econômica libera-se das alienações que lhe são impostas pelo capitalismo e pelo Estado autoritário. A proposta de Proudhon parte, assim, da sociedade e dela chega ao Estado, de forma a manter a sua união e coerência. Esse Estado, porém, submete-se à sociedade econômica, que o administra. É um Estado diluído na sociedade, da qual não se pode apartar.69 69 Id. ibid. p. 165.

Uma característica da obra de Proudhon é a profundidade do nível de especificidade com que trata cada um dos tópicos de suas constatações e propostas. Este fator nos leva a relativizar, dadas as experiências levadas a cabo posteriormente à sua existência e talvez ao nosso ceticismo com relação a certos aspectos da organização da sociedade em que vivemos, algumas das propostas deste pensador.

No entanto, como já explicitamos, escolhemos o corpo teórico por ele formulado em função do sentido globalizante de sua sistematização. Não se tratará aqui de criticar ou louvar seu trabalho e sim de, estudando dois casos práticos de implementação da autogestão, verificar em que medida teoria e prática se completam ou se excluem.

3. IUGOSLÁVIA

3.1 História

Uma rápida passada de olhos sobre a história iugoslava ajudar-nos-á, sem dúvida, a melhor entendermos o sistema autogestionário que caracteriza, atualmente, esta nação. Constituída a partir da unificação de uma série de repúblicas independentes no final da II Guerra Mundial, teve como um dos principais impulsos para a sua formação a luta pela libertação nacional ocorrida durante a guerra.

O país, tendo como berço a devastação da guerra, contava, no início de sua vida, com uma pobre base tecnológica e econômica. Todas as repúblicas que o compunham tinham-se dedicado, até então, quase exclusivamente à agricultura e à pecuária.

Existente desde 1919, o Partido Comunista Iugoslavo (CPY) seguiu os modelos sugeridos pela URSS até o final dos anos 40, quando ocorre o rompimento entre os dois países.

A partir de então, o movimento econômico encaminha-se no sentido de uma descentralização do país, modelo expandido posterior e parcialmente para a estrutura política. Os antagonismos e incompatibilidades que caracterizaram os objetivos político-econômicos da nação explicam as constantes mudanças políticas ocorridas nestes últimos 30 anos. Dentre tais antagonismos, podemos citar:

• a tentativa de fazer o país passar de um estágio econômico pré-industrial para um industrial, simultaneamente ao favorecimento de valores de uma sociedade pós-industrial;

• política simultânea de industrialização e descentralização;

• tentativa de unir nações hostis e grupos minoritários com uma constante mudança no sistema político.70 70 Ver Hunnius, Gerry; Garson, G. D. & Case, John. Workers' control .New York. Vintage Books/Randon House, 1973, p. 270.

Podemos imaginar que a realização de objetivos aparentemente de natureza incompatível só seria possível em meio a constantes alterações no corpo sócio-político-econômico.

O antagonismo existente em tais objetivos fica, no entanto, "suavizado", se considerarmos que por aproximadamente cinco séculos a história iugoslava tem como unidade econômica fundamental a zadruga: pequenas comunidades (em média contava com no mínimo 10 e no máximo 80 membros) constituídas por uma ou várias famílias consangüíneas ou com relações de parentesco, possuindo em comum os meios de produção, consumindo e regulando em conjunto a propriedade e a vida da comunidade,71 71 Venosa, Roberto. A Institucionalização de tipologias organizacionais: um estudo de caso; a autogestão na Iugoslávia. Friburgo, RJ, 1981. p. 9 segs. mimeogr. fato que "imprime ao espírito comunitário cooperativo iugoslavo uma certa naturalidade".

Como constata Venosa, "as formas de solidariedade e os tipos de associações que se traduziam na comunidade familiar por comportamentos coletivistas e pela ajuda mútua podem ainda hoje ser identificados, tanto na vida familiar quanto na organização da comunidade laboral. Mesmo sendo difícil estabelecer uma causalidade entre as práticas tradicionais e os modelos organizacionais modernos, podemos ressaltar que tanto as primeiras quanto os últimos se articulam em torno de matrizes de significado, nas quais os valores associados ao coletivismo estão presentes, embora o contexto sócio-econômico seja distinto".72 72 Id. ibid.

O que desejamos ressaltar, neste momento, é o fato de que o antagonismo entre os objetivos de descentralização e industrialização passa a ser visto como o antagonismo entre uma situação de continuidade de uma descentralização secularmente experimentada e a introdução de uma rápida industrialização, e que, precisamente por esta razão, mostra-se muito menos conturbado e "muito mais viável" do que se imaginaria a priori.

Com o desligamento entre URSS e Iugoslávia, em 1948, o Partido recebe o nome de Liga dos Comunistas dá Iugoslávia (LCY) e decide, em 1950, pela introdução do sistema autogestionário. A comuna é então elevada à situação de "comunidade básica sócio-política", fato acompanhado por uma série de modificações significativas que caracterizam mais claramente a tentativa de descentralização. Uma série de responsabilidade até então em poder da federação ou da república passa, paulatinamente, às mãos das comunas.

A descentralização e a industrialização crescentes desembocam na atual estrutura econômico-política iugoslava. Passamos, neste momento, a descrevê-la.

3.2 Estrutura econômico-política

Segundo Hunnius,73 73 Hunnius, Gerry et alii. op. cit. p. 274. são três os princípios que fundamentam o organismo econômico na Iugoslávia:

• autogerência das empresas pelos trabalhadores;

• planejamento social, que consiste de uma complexa interligação entre os planos empresariais, planos das comunas e planos indicados pelos órgãos da federação e da república;

• mecanismo de mercado.74 74 Da reunião destes elementos nasce a crítica de L. Tradic: "On a essayé de changer quelque chose après la rupture avec l'URSS. En Union Sovietique, il existe une planification vureaucratic: je la nomme planification ministerièlle. On a réagi contre cette forme-lá en assimilant à toute planification. Donc, au lieu de chercher une nouvelle façon de planifierm on a inventé le système du 'libre marché socialiste autogestionaire', c'est a dire, qu' on a reintroduit dans la politique économique une loi de marché caractéristique du système capitaliste, mais d'une façons très archaique. On a instauré une économie de 'laissez-faire, laissez-passer' que était le prope de l'économie bourgeoise du XIX e siècle, sans, aucun controle. Les interprises sont en concourrence sur les marchés intérieur et international et il y a des entraves très fortes á la solidarité de la classe ouvrière étant donné les differences des tratements entre unités, d'où l'importance des égoismes de groupe." Autogestions, nº 6, Toulouse, Editions Privat, été 1981.

Aprofundar-nos-emos nos dois primeiros tópicos, uma vez que representam maior grau de diferenciação em relação ao sistema capitalista em que vivemos. Acreditamos, no entanto, interessante lembrar que a transferência das funções e recursos do estado e das instituições sócio-políticas para as associações autônomas tem seu ápice em 1965, levando à coexistência - pressupostamente harmônica - do uso do mercado para alocar recursos no nível micro concomitantemente ao uso de planejamento social ao nível macroeconômico.75 75 Wachtel, Howard. Worker's management and wage differentials in Yugoslavia. Ph.D. dissertation, University of Michigan, 1968. p. 1 mimeogr. Apud Hunnius. Gerry et alli. op. cit.

3.2.1 O planejamento social

O planejamento centralizado compulsório, nos moldes do admitido pela URSS, foi adotado pela Iugoslávia até a introdução do sistema autogestionário em 1950. O sistema passou, então, por um período de adaptação, evoluindo de sua introdução até 1970 na direção de um planejamento indicativo. Na década de 70, o processo de planejamento foi aperfeiçoado, no sentido de se enfatizar e ampliar as dimensões da autogestão por meio do hoje denominado Sistema de Planejamento Social.76 76 Ver Pesakovick, Milentge. Twenty years of self management in Yugoslavia. Belgrado, Medunarodna Politika, 1970. Apud. Hunnius, Gerry et alii. op. cit.

Reproduzimos aqui o texto de Paulo Roberto Motta em seu trabalho Autogestão: a experiência empresarial iugoslava, que aborda o tema do planejamento social iugoslavo com a profundidade e a propriedade a nós convenientes.

Segundo Edvard Kardejl,77 77 ver Kardelj, Edvard. The system of plannign in a society of self Management. Belgrado, STP, 1976. Apud. Hunnius. Gerry et alii. op. cit. "as características estruturais do sistema de planejamento social e autogestão são as seguintes:

• Planejamento descentralizado: o planejamento não constitui um fim em si próprio, mas um instrumento de relações democráticas e autogerência; somente mediante um sistema de relações de dependência mútua e responsabilidade entre trabalhadores, pode-se gerenciar e controlar os meios de produção, no sentido de se atingir as necessidades econômicas e sociais do país. O planejamento deve possuir alguns aspectos de centralização, mas sem um alto grau de descentralização, pois corre o risco de se tomar um instrumento nas mãos de um aparato estatal ou de uma tecnocracia, e transformar-se, em pouco tempo, num monopólio de centros alienados de poder econômico e social.

• Planejamento opcional e indicativo: o planejamento normativo e compulsório para toda a sociedade é rejeitado segundo a premissa de que a imposição de obrigações, de cima para baixo, significaria a monopolização do capital social e destruiria rapidamente o sistema de autogestão. Se o planejamento fosse produzido de forma burocrática ou tecnocrática, monopolizado por um centro estatal, mesmo que elaborado pelos mais eminentes especialistas, não deixaria de ser um construto subjetivista e falível. Retiraria não só a iniciativa e a criatividade dos trabalhadores de encontrar novas soluções e corrigir seus próprios erros, mas também poderia causar prejuízos econômicos, pois os erros se multiplicariam e perpetuariam, não sendo facilmente detectáveis e reparados, pela inexistência de mecanismos simples de correção.

Por outro lado, tornar-se-ia inviável a autogerência, retornando os trabalhadores a simples assalariados do Estado. A esse respeito, o sistema de planejamento social, atualmente em vigor, define dois requisitos: a) o planejamento deve expressar toda a gama de relações políticas, sociais e econômicas, baseada na autogerência; b) as obrigações do planejamento devem ser estabelecidas pelos trabalhadores, por meio de acordos de autogestão e pactos sociais, e as decisões compulsórias do Estado devem ser tomadas somente quando necessárias para garantir a autogestão, em conformidade com as regras estabelecidas pelas demais assembléias constitucionais. Assim, o planejamento não deve ser uma lei estatal ou documento mandatário do Estado, mas simplesmente o resultado de um conjunto de acordos de autogerência e de pactos sociais.

• O planejamento como um prognóstico: o planejamento baseia-se na tese de que a intervenção estatal deve reduzir-se ao propósito de consolidar o desenvolvimento do sistema de autogerência da sociedade. O sistema de planejamento não se deve subordinar ao auto-interesse de órgãos governamentais ou ser dominado pelo aparato estatal. A intervenção do Estado deve variar em intensidade, de acordo com as condições de desenvolvimento regional, sempre no sentido de guiar para a adoção da autogestão. De forma alguma deve restringir o direito inalienável dos trabalhadores de gerenciar a renda, os meios e os resultados do trabalho. O planejamento, portanto, deve-se constituir não em uma ação do Estado, mas, primordialmente, num prognóstico derivado de análises de tendências espontâneas e estabelecidas por autogerência e pactos sociais, e por políticas econômicas desenvolvidas a nível descentralizado das unidades federadas. O planejamento deve apenas harmonizar e guiar essas tendências espontâneas.

• O planejamento como uma função de relações mútuas: o sistema de planejamento deve ser estabelecido no sentido de eliminar a concepção, por vezes ressaltada, de que sua eficácia depende da coerção do Estado, agindo na defesa de interesses sociais, ou da tecnocracia, em função dos conhecimentos especializados de que dispõe. A eficiência do planejamento, no entanto, depende primordialmente da institucionalização de um sistema de relações mútuas, obrigações e responsabilidades recíprocas estabelecidas em todos os níveis de organização social, ou seja, nas organizações de trabalho, sociais, comunitárias, políticas etc... bem como em todos os níveis políticos - federal, provincial (da república) e local. O planejamento, assim, deve refletir toda a interação e harmonização de acordos de autogerência e pactos sociais realizados em todos os níveis políticos e sociais.

• Planejamento como consolidação de autogerência: o planejamento, na maioria das vezes, tende a ser visto somente como um instrumento de política econômica de desenvolvimento. Ressalta-se que a dimensão econômica do planejamento e sua concretização é entendida como o alcance dos objetivos e metas econômicas. Esse enfoque do planejamento é considerado capaz de estimular a subordinação dos interesses políticos dos trabalhadores aos interesses econômicos do Estado, e facilitar a restauração do monopólio estatal sobre o capital social. O planejamento não pode retirar dos trabalhadores o direito de decidir sobre a utilização dos meios de produção e resultados do trabalho, mas sim ajudar a consolidar esse direito. O trabalhador é um fator criativo e independente no sistema de planejamento.

Para se entender o sistema empresarial iugoslavo é necessário ter-se em mente que seu sistema de planejamento social é baseado em quatro princípios:

• Propriedade social dos meios de produção: a propriedade não é estatal ou privada, pertencendo a empresa aos indivíduos que nela trabalham. A propriedade privada na Iugoslávia é admitida apenas na agricultura, totalmente privada, e em trabalhos autônomos, em algumas profissões liberais, como artistas e artesãos. Na prática, no entanto, existem pequenas empresas de até cinco empregados que operam como empresas privadas.

• Autogerência: aplicada não só à empresa ou organização produtiva, mas a toda forma de associação ou organização, seja cultural, educativa, comunitária, política e de serviços públicos. Na organização produtiva lucrativa a autogerência é aplicada no sentido de autonomia total de decisão para as pessoas que nela trabalham. Em outras organizações, a autogestão é feita em conjunto com representantes de usuários do serviço ou outros interessados diretos na ação da organização.

• Combinação de mecanismos de planejamento e de mercado: a vida econômica é formalmente regulada no sentido de tirar vantagens dos mecanismos dos sistemas econômicos de mercado competitivo e dos sistemas de economia planificada.

• Solidariedade econômica: a atividade deve ser exercida segundo um sistema de direitos, obrigações e responsabilidades mútuas entre os que trabalham, de forma tal a assegurar não só uma eqüidade qualitativa e quantitativa na distribuição dos resultados do trabalho, mas também de solidariedade econômica a outras repúblicas e regiões da federação, que possuem menor renda."

3.2.2 Estrutura e função da autogerência dos trabalhadores

A legislação iugoslava define organização econômica como uma organização de trabalho que:

• é criada de acordo com a lei;

• realiza um dado tipo de atividade econômica (produção de mercadorias, comércio, serviços ou finanças);

• realiza sua atividade de forma autônoma, em conformidade com o seu próprio estatuto;

• administra parte da propriedade social diretamente ou através de seus órgãos autogestionários eleitos.

Os trabalhadores empregados em uma empresa organizam o trabalho e a administração de acordo com os seguintes objetivos:

• otimização do uso dos meios sociais de produção e constante aumento da produtividade;

• aumento do interesse do trabalhador por seu trabalho e da efetiva participação do trabalhador na administração.78 78 Worker's Management in Yugoslavia (1959-1979). Belgrado, Medunarodna Politika, 1970, p. 36. Ver também artigo X, § 2 da Constituição da SFRY, 1963.

Quanto à estrutura funcional da organização, podemos dizer que, em contraste com a estrutura verticalizada (hierárquica) das organizações, o modelo iugoslavo é horizontalmente (democraticamente) estruturado, com as seguintes características:

• O poder decisório não é unificado, e distingue poder administrativo e poder legislativo;

• O poder de veto está nas mãos da assembléia geral dos trabalhadores (ou seus representantes), ao invés de estar nas mãos do diretor ou presidente da empresa;

• mandatos, demissões e admissões de todo o pessoal da empresa é decidido pela assembléia geral (ou seus representantes). Administradores são eleitos e depostos, dependendo da forma como a assembléia geral julgar sua competência.79 79 Adizes, Ichak. Industrial democracy: Yugoslav style - the effect of descentralization on organizational behavior. New York, The Free Press, 1971. p. 4 segs. Apud Hunnius Gerry et alii. op. cit.

Exploraremos mais atentamente o primeiro item - participação do poder decisório - à medida que percebemos que ele se comporta como a chave para o entendimento da estrutura organizacional de uma empresa autogerida iugoslava.

A divisão entre poder legislativo e administrativo implica a existência de duas hierarquias no interior de cada empresa: a legislativa, da qual participam unidades de trabalho, conselhos de trabalhadores, conselho administrativo e o diretor; e a administrativa, da qual participam trabalhadores, supervisores e administradores.

Autoridade suprema no interior da empresa é o coletivo dos trabalhadores (denominado por nós de assembléia geral), que é formado por todos os membros da empresa. Exceto em pequenas empresas, os trabalhadores elegem o conselho de trabalhadores, que se reúne mensalmente e é encarregado de tomar decisões a respeito das funções mais importantes da empresa (especificação de produtos, planos financeiros e da produção, alocação do lucro líquido, orçamento etc.). O conselho de trabalhadores elege a junta administrativa (cujos membros, na prática, são em sua maioria provenientes do conselho), que realiza funções executivas. No mínimo, três quartos dos membros da junta administrativa devem ser provenientes das funções de produção. A junta reúne-se mais freqüentemente do que o conselho e trabalha em cooperação com o diretor, que é um membro ex-officio. O conselho é eleito por um período de dois anos, sendo que são eleitos metade de seus membros a cada ano. Pressupõe-se que a composição do conselho seja proporcional à composição percentual entre os trabalhadores participantes e não-participantes diretamente na produção. As reuniões do conselho são geralmente abertas, e qualquer membro da assembléia pode delas participar. As decisões são tomadas com base em maioria de votos e os membros do conselho, individualmente ou enquanto grupo, podem ser depostos pelos eleitores. Ninguém pode ser eleito duas vezes sucessivamente para o conselho, e mais do que duas vezes sucessivas para a junta.80 80 Sabe-se que os quadros administrativos são sempre ocupados pelos mesmos elementos que se revesam nos cargos específicos, caracterizando a formação de uma tecnocracia na Iugoslávia. A junta é eleita por um período de um ano e deve prestar conta de seu trabalho ao conselho, que pode, por sua vez, depor membros individualmente ou toda a junta, a qualquer momento. O trabalho na junta ou no conselho é considerado honorário; seus membros não são remunerados por tal função. O diretor é o gerente administrativo da empresa. Ele é responsável pelo dia-a-dia das operações e representa a empresa em todas as negociações externas. Teoricamente (o que dificilmente ocorre na prática), ele pode ser deposto pelo conselho, que também determina o período de seu cargo.81 81 Hunnius, Gerry et alii. op. cit. p. 279.

Com uma filosofia semelhante aos "centros de custo" presentes em algumas empresas capitalistas, o sistema empresarial iugoslavo tem introduzido na estrutura organizacional das empresas a denominada "unidade de trabalho". As relações entre estas unidades são realizadas à base de contratos, e eventuais questões são resolvidas e arbitradas pelo conselho dos trabalhadores. Nas grandes, unidades de trabalho é eleito um conselho que, por sua vez, indica um gerente após proclamar uma competição aberta para este posto. A autoridade do gerente é geralmente limitada à implantação de decisões tomadas pelas instancias autogerenciadas. Ele não pode punir um trabalhador ou registrar queixas. O veredicto final num caso de disciplina será dado pelo comitê de disciplina da unidade de trabalho. A responsabilidade básica do gerente, além da implementação de decisões já tomadas, consiste em treinamento e coordenação (com outras unidades econômicas, bem como com o conselho central dos trabalhadores).

Definidas as funções e o funcionamento dos principais órgãos autogestionários internos às empresas, vamos rapidamente descrever as funções legislativas e administrativas que compõem a empresa.

Funções e órgãos legislativos: Referenda - fusões, realocação da planta, desentendimentos entre unidades de trabalho e o conselho central dos trabalhadores estão entre as decisões tomadas através de referendum, que é uma das chaves da democracia direta nas empresas. Zbors - elege e convoca o corpo decisório e estabelece emendas no estatuto da empresa. São consultados em todas as decisões-chave: política, modernização e salários. Unidades (econômicas) de trabalho - unidades de trabalho e seu conselho, conselho central de trabalhadores e junta administrativa já foram discutidos anteriormente.

Funções e órgãos administrativos: o corpo administrativo de uma empresa é formado pelo diretor da empresa, diretor de plantas e departamentos, e os gerentes das unidades de trabalho. Diretor - o papel do diretor modificou-se significativamente desde o seu estabelecimento. No período anterior a 1950, o diretor funcionava como um agente do Estado. Ao mesmo tempo que tinha um poder completo na empresa, suas responsabilidades eram limitadas, pois todas as decisões a respeito da empresa eram tomadas em Belgrado. A introdução da autogestão torna seu papel mais ambíguo, à medida que lhe exige conciliar as demandas de "sua" empresa e da comunidade em que se situa a empresa. (As pressões advindas da ambigüidade de seu papel têm diminuído o número de pessoas aptas a ocupar tal cargo.) Em 1969, foi permitido às empresas definirem o papel de seus corpos executivos, o que levou grande parte delas a fortalecer o poder dos corpos administrativos, inclusive o de diretor. Colegiado - é composto pela cúpula administrativa - (incluindo os gerentes e presidido pelo diretor) e sua função é auxiliar o diretor na realização das políticas da empresa. É um órgão sem poder decisório, com funções de estafe. Colegiado Amplo - inclui os gerentes, expertos e a cúpula administrativa. Discute assuntos a ele propostos pelo Colegiado. Politikal Aktive - da mesma forma que a dos dois anteriores, a constituição deste corpo não é realizada por meio de voto. É composta pela cúpula administrativa e por representantes de todas as instituições governamentais. Grupos Informais - incluem diversos grupos estabelecidos pelos sindicatos locais do ramo, pela Brigada Jovem e pelos Masters (composto por trabalhadores especializados que executam a manutenção das máquinas), que, segundo Adizes,82 82 Adizes, Ichak. op. cit. p. 47. Apud Hunnius, Gerry et alii. op. cit. formam um grupo muito coeso e influente83 83 Ver Hunnius, Gerry et alii. op. cit. p. 281 segs.

Uma prática empresarial característica do sistema implantado na Iugoslávia refere-se à distribuição dos lucros, ou seja, a remuneração daqueles participantes no processo produtivo no interior de uma empresa.

Na prática, o trabalhador participa dos ganhos de sua unidade de trabalho e de sua empresa. O salário básico é determinado por uma avaliação de desempenho, uma vez que o princípio básico da remuneração é: "pagamentos de acordo com o trabalho executado". Entretanto, o problema crucial - estabelecer o valor do trabalho - não pode ser ainda resolvido na Iugoslávia: os ganhos referentes a uma mesma tarefa diferem de forma substancial Segundo Tinbergen, autor iugoslavo, tais diferenças são freqüentemente maiores do que 50%, e em alguns casos maior do que 100%. Estas disparidades devem-se basicamente ao fato de ser a distribuição regida não por leis governamentais, mas pelo estatuto de cada unidade empresarial.84 84 Id. ibid. p. 293.

Se, por um lado, as empresas são livres para determinarem os salários vigentes internamente, temos, por outro, a constatação de que o governo determina o limite mínimo, nos moldes do salário mínimo. Não há limite máximo legal, porém existem recomendações oficiais sobre a eqüidade na distribuição de renda. Na verdade, o crescimento ilimitado de salários é controlado indiretamente por tês fatores:

• ação das organizações político-sociais que, por ensinamento e interferência ideológica nos conselhos de trabalhadores em cada empresa, conclama continuamente à eqüidade e à redução de dispersão entre os níveis salariais mínimos e máximos;

• a necessidade da empresa de acumular não só fundos para expansão e desenvolvimento como, principalmente, fundos de reserva, o que; no sistema de salário variável como o iugoslavo, torna-se tarefa primordial para garantir a regularidade da renda, em épocas de recessão, cortes ou declínios temporários;

• a existência de um mercado de trabalho, ativo e acentuadamente livre, que concorre para fixação de níveis salariais, por profissão e demais qualificações, criando, assim, uma grande estrutura de referência em que discrepâncias salariais são facilmente verificadas:85 85 Motta, Paulo Roberto. Autogestão: a experiência empresarial iugoslava. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, 14(1):19, Rio de Janeiro, jan./mar. 1980.

Quanto à participação dos órgãos autogestionários na receita da empresa, pode-se dizer, de forma geral, que a proporção de receita disponível às entidades autogeridas cresceu de 20% em 1960 para 60% em 1968, tendo desde então decaído lentamente. Por outro lado, do total da receita de uma empresa, 70% são destinados aos seus trabalhadores e 30% são destinados à comunidade onde situa-se a organização.86 86 Ver Hunnius, Gerry et alii. op. cit. p. 294.

Vejamos, agora, a forma pela qual a empresa autogerida insere-se na estrutura mais ampla: a estrutura do sistema empresarial.

O sistema empresarial iugoslavo tem como base a unidade produtiva denominada Organização Básica do Trabalho Associado (OBTA) que, numa analogia aproximada, constitui a terminologia para a empresa. Cabe a cada OBTA:

• gerenciar todos os meios de produção de que dispõe;

• tomar todas as decisões relacionadas ao planejamento organizacional para a aquisição da receita empresarial;

• fixar os critérios de distribuição de renda interna.

Em contrapartida, como já vimos, tem responsabilidade frente à sociedade, pois é da sua receita que advém as contribuições para a manutenção das outras organizações sociais e políticas do país, como as comunidades de interesse (escolas, hospitais etc.), as organizações políticas e os órgãos estatais.

As OBTA's do mesmo ramo podem organizar-se associativamente, formando a denominada Organização do Trabalho (OT) que, por sua vez, podem organizar-se associativamente a OT's de ramos correlatos, formando as Organizações Compósitas (OC). As Organizações de Trabalho e as Organizações Compósitas são formas associativas e cooperativas que se reúnem livremente para união de interesse e cooperação mútua. Existe, ainda, no sistema iugoslavo, uma associação mais ampla, denominada Ramo Econômico, constituído por associações nacionais de grupos empresariais (normalmente OC's) que exercem a mesma atividade econômica no país.87 87 Ver Motta, Paulo Roberto, op. cit. p. 11 segs.

Apresentamos, a seguir, modelos próprios para a representação do esquema organizacional de uma Organização Básica de Trabalho Associado, de uma Organização de Trabalho e de uma Organização Compósita (figura 1).


Acreditamos também importante, para a complementação da apresentação relativa ao funcionamento da organização empresarial iugoslava, a exposição de alguns quadros extraídos do trabalho de Venosa88 88 Venosa, Roberto. L'Autogestion en Yougoslave. Thèse de doctorat de 3. eme cycle. 1979. mimeogr. para uma visualização do comportamento da influência e do poder dentro de tais instituições (ver quadro 1, 2, 3 e 4). Do mesmo trabalho extraímos a conclusão de Obradovic89 89 Obradovic, Josip. Distribution and participation on the process of decision making on problems related to the economic activity of the enterprise. First Int'l conference on self-management and participation. Dubrocnik, 1972. v. 2, p. 136 segs. a este respeito:





"Os resultados, no geral, confirmam a hipótese de que no processo decisório dos Conselhos de Trabalhadores a participação mais intensiva é feita pelos indivíduos de nível de educação elevada, expertos e administradores, ao passo que os outros grupos sócio-profissionais têm participação menos expressiva."

E ainda conclui Venosa:90 90 Venosa, Roberto. L 'Autogestion... op. cit. p. 102.

"Podemos constatar que o poder nas organizações autogeridas iugoslavas é distribuído de maneira autocrática."

Quanto ao interesse pelos operários na participação, nos diz Zupanov91 91 Zupanov, Josip. Participation and influence. In: Horvat, Branko et alii. Self governing socialism. New York, Int'l Arts and Sciences Press, 1975. v. 2, p. 76 segs. que os trabalhadores não estão dispostos a assumir responsabilidades além dos limites de seu próprio trabalho. Ao que acrescentamos: os trabalhadores acreditam que o seu poder de influência encontra-se aquém do desejado.

Venosa, em seu trabalho,92 92 Venosa, Roberto. L 'Autogestion... op. cit. p. 103 segs. nos indica ainda uma grande participação dos membros da Liga dos Comunistas em algumas das decisões tomadas nas organizações. Obradovic93 93 Obradovic, Josip. Distribution and participation... op. cit, v. 2. p. 136 segs.; Venosa, Roberto. L'Autogestion... op. cit. relata, ainda, que as decisões relativas à cooperação entre empresas são tomadas com a participação ativa de especialistas e de membros de Liga, utilizando motivos e objetivos políticos. Tal constatação nos leva a indagar a respeito do sistema político vigente na Iugoslávia.

3.2.3 Sistema político

Como já vimos, o sistema político iugoslavo seguiu os moldes adotados na URSS no pós-guerra. Com o rompimento, a estrutura político-administrativa, seguindo a estrutura econômica, passa a descentralizar-se. A elevação da Comuna à comunidade sócio-política básica94 94 O termo comunidade sócio-política refere-se a comunas, províncias, repúblicas e federação. As organizações sócio-políticas incluem a Liga, a Aliança Socialista, os sindicatos etc. foi acompanhada por uma série de inovações significativas:

• foram garantidas eleições de representantes para a Assembléia Federal;

• as agências administrativas locais passaram a ter responsabilidade somente em relação às suas assembléias locais e não mais em relação às agências governamentais das repúblicas e da federação;

• foi aumentada a possibilidade de maior influência nos níveis da comuna, república e federação, por parte das empresas.

A seguir apresentamos a estrutura política sem funcionamento na Iugoslávia, que, segundo Hunnius,95 95 Ver Hunnius, Gerry et alii. op. cit. p. 274. continua a passar por significativas alterações.

A Assembléia Federal tem, atualmente, cinco câmaras, três das quais representam interesses das organizações autogerenciadas de trabalhadores na área de economia, educação e cultura, e saúde e bem-estar (são denominadas Câmaras de Comunidades de Trabalho). Temos, ainda, a Câmara Sócio-política e a Câmara das Nacionalidades. Todo ato parlamentar deve ser aprovado por duas câmaras: a das Nacionalidades, em conjunto com uma das outras quatro. Os representantes das Câmaras de Comunidades de Trabalho são eleitos entre membros tanto das empresas autogerenciadas, como das assembléias comunais (quando antes, participavam somente elementos das assembléias comunais). Os representantes da Câmara Sócio-política são eleitos diretamente pelos cidadãos nas comunas, e os representantes da Câmara das Nacionalidades são eleitos em assembléias das repúblicas e províncias, paritariamente, assegurando participação igual para as várias "nacionalidades" e minorias.

O processo de rotação de representantes eleitos visa eliminar o político profissional (não há possibilidade de reeleição para um mesmo cargo). No entanto, o que acontece é que se trocam os cargos, mas as mesmas pessoas têm permanecido na estrutura política central.

Cabe ainda acrescentar que as assembléias não são consideradas somente corpos legislativos, mas, também, enquanto instituições territoriais autogestionárias, têm a função de coordenar e integrar os mecanismos de empresas, instituições e organizações autogerenciadas de seu território.

A propósito de liderar e controlar, característico da Liga dos Comunistas até a introdução da autogestão na Iugoslávia, tem dificultado uma atuação de mera "conselheira". "O problema de transformar-se de um órgão de poder e controle em uma vanguarda ideológica e política tem sido uma das maiores dificuldades da LCY".96 96 Id. ibid. p. 273.

Constata-se, inclusive, ao menos a nível local, que se espera dos elementos da Liga uma ativa participação nas instituições autogestionárias. Na realidade, a influênda dos membros da Liga nas empresas varia de caso para caso; a tendência, no entanto, vista como problemática pelos pensadores da autogestão iugoslava, é de uma participação cada vez maior (dos membros da Liga) nos conselhos das empresas.97 97 Mijalko Todorovic - secretário do comitê executivo da Liga - assim resume o principal problema da Liga: The League's principal weakness today springs primarily from its still overgreat amalgamation with power, the slow process of democratization of relations within it, its insuitable structure, and the ideological heterogeneity among its ranks." Todorovic, Mijalko. A Revolutionary vanguard - the abiding need of our self-managing community. In: Socialist Thought and Practice, (31):17 July-Sep. 1968. Apud Hunnius, Gerry et alii. op. cit.

Segundo Hunnius,98 98 Ver Hunnius, Gerry et alii op. cit. p. 274. tanto a Liga dos Comunistas quanto as demais organizações sócio-políticas estão passando por uma difícil fase de transição. A extrema complexidade de sua posição pode ser ilustrada com o fato de elas, algumas vezes, recorrerem ao uso do poder em função dos choques de suas demandas contraditórias à medida que têm a difícil função de coordenar, selecionar e adequar numerosas e distintas iniciativas, pressões e propostas de diferentes instituições autogestionárias.

Uma vez adentrados no campo político (e sócio-político), acreditamos ser útil expor sucintamente de forma um pouco mais detalhada a forma pela qual se dá o relacionamento empresa-comunidade, onde enfocamos a comunidade como órgão elementar político-territorial.

As realizações internas das empresas são publicadas, e tanto as organizações sócio-políticas da comuna como a assembléia comunal devem tomar providências quanto a atividades ilegais ou anti-sociais que ocorram nas empresas circunscritas a sua região. Esta constatação é reforçada se lembrarmos que o cantador-chefe de uma empresa é relativamente independente dos órgãos da autogerência, e sua indicação e demissão devem ser aprovados pela comuna. Um número de órgãos supervisores específicos na comunidade tem o direito de verificar a legalidade das operações das empresas e a fidelidade de seus relatórios para as autoridades comunais, republicanas e federais.99 99 Id. ibid. p. 285

A redução gradual do controle administrativo, através do sistema sócio-econômico iugoslavo, em favor das organizações sócio-políticas traduz-se na expectativa de que estas organizações, particularmente os sindicatos (juntamente com a Liga dos Comunistas), ajam como forças integrativas na relação dos órgãos autogerenciados nas empresas e instituições. A comuna local realiza função semelhante nas empresas de sua jurisdição.100 100 Id. ibid. p. 286.

Cabe, ainda, notar que, a nível local, existe uma substancial sobreposição de pessoal que está inserido tanto nas" organizações políticas como nos órgãos autogerenciados da empresa. Nos ramos comunais das organizações sócio-políticas estão inseridos trabalhadores de "destaque" de diversas empresas. Teoricamente, as funções integradoras destas organizações estão baseadas no princípio da cooperação, levando o controle social a transformar-se em "controle social mutualista".101 101 Id. ibid. p. 287.

Tendo exposto aquilo que acreditamos suficiente para a consecução de nossos objetivos com relação à autogestão iugoslava, deparamo-nos com uma curiosidade: o que (se) ganhou o iugoslavo com a introdução da autogestão? Buscamos a resposta nos indicadores econômicos que nos revelam as características do crescimento econômico iugoslavo:

• política de investimento maciço no setor secundário;

• aumento conseqüente da dívida externa;

• aumento sensível da ocupação da mão-de-obra pelo setor industrial;

• aumento marcante do volume de salários.102 102 Venosa, Roberto. L'Autogestion... op. cit. p. 30.

Os quadros 5 e 6 nos respondem mais diretamente a esta questão: eles dizem respeito aos indicadores do nível de vida e da relação preço-salário, sendo que podemos resumir sua análise à constatação de que o êxodo rural aumentou substancialmente o custo de vida, mas que, por outro lado, apesar de existir a hegemonia de uma classe social, o nível de vida melhorou consideravelmente.103 103 Id. ibid. p. 32 e 39.



Com base no que foi exposto, acreditamos poder sintetizar o que nos parece ser a autogestão iugoslava.

A autogestão iugoslava, tendo sido imposta "de cima para baixo", ressalta a importância das formas institucionais de participação sobre as formas espontâneas de participação.

No campo organizacional conclui-se que a organização hierárquica tem sobrevivido até mesmo dentro de uma nova capa institucional que é apresentada nas instituições. Na realidade, o grupo executivo, forte, tem poder maior do que o conselho de trabalhadores. Zupanov104 104 Zupanov, Josip. op. cit. p. 76 segs. atribui este malogro a duas causas:

• a posição-chave no processo de comunicação e coordenação de atividades não foi afetada pela mudança na estrutura formal. Ou seja, mantém-se a concentração da informação, fator fundamental para a manutenção e preservação do poder nas mãos de poucos;

• a administração adquiriu, no curso da descentralização econômica, a posição estratégica nos negócios da organização, com as demandas e pressões ambientais externas provindas das forças tecnológicas e de mercado.

Ainda no campo organizacional, Zupanov constatou em pesquisas que os trabalhadores não estão dispostos a assumir responsabilidades além dos limites de seu próprio (e individual) trabalho.105 105 Id. ibid. p. 76 segs.

No campo político, temos a constatação da unicidade do "partido" existente: a Liga, caracterizando, através de suas funções, um regime autoritário centralizado.

Concluímos que o regime ora vigente na Iugoslávia, uma vez caracterizada a grande participação do Estado na vida do país, impedindo um sistema autogerido, pode ser denominado de co-gestão. Co-gestão esta feita por tenocratas e Estado, numa estrutura autogestionária que não possui os quesitos para-se classificar como tal (divulgação da informação, caráter espontâneo individual e coletivo, autogestão do organismo político).

4. ESPANHA

4.1 História

Por mais de uma década após a I Guerra Mundial, a Espanha atravessou um período de extrema instabilidade política, quando se intercalavam épocas de quase ausência de governo com épocas de ditadura militar. Embora os tempos da monarquia estivessem definitivamente terminados, o país não parecia apto para manutenção de uma república democrática burguesa.

A proclamação da república em 1931; o motim militar ocorrido no ano seguinte; a supressão, por parte do governo, de um movimento anarquista em 1933; e a repressão, pelo exército, de um forte movimento popular ocorrido na Áustria em 1934 levam os partidos de esquerda espanhóis a ganharem as eleições por maioria absoluta em 1936, dando início à guerra civil.

Por todo o país, os trabalhadores e os camponeses tomaram as fábricas e as terras abandonadas por seus proprietários em virtude da guerra, dando início a um sistema autogestionário, que vigorou até 1939, quando a ditadura fascista toma o poder.106 106 Horvat, Branko et alii. op. cit. v. 1, p. 33 segs.

"Após ter vencido o golpe de Estado, a revolução e a guerra para libertar, as áreas ocupadas deram-se igualmente. A 20 de julho de 1936, a Confederação Nacional dos Trabalhadores (CNT) solicita que os trabalhadores do setor de gêneros alimentícios voltem à produção. A 22 de julho, Solid Obrera - órgão da CNT - solicita que os caldeireiros ocupem os centros de produção para efetuar a blindagem de caminhões e outros, trabalhos necessários.

Na fábrica, no geral, reduziu-se a jornada de trabalho: 40 horas na área dos transportes (na indústria da guerra a produção não sofreu interrupção). Os salários eram iguais e observavam ligeira diferença: antes, um subdiretor de ferrovias ganhava o correspondente a 340 pesetas mensais, e um ferroviário, 143; depois de 19 de julho de 1936 o salário mínimo foi de 300 pesetas e o máximo de 500. O período de aposentadoria oscilava entre 35 anos de trabalho ou 70 anos de idade compulsoriamente.

Nas coletividades camponesas, pagava-se salários-família e aposentadorias. Fundaram-se bibliotecas a escolas, contrataram-se médicos e veterinários. Houve aumento da área arável de terra e houve impulso à avicultura.

A coletivização não se limitou às fábricas ou pequenas aldeias; teve alcance nacional, organizou congressos e federações. Houve um grande inimigo da coletivização: O Banco, que estava nas mãos da burguesia republicana. Os socialistas e o PPCC espanhóis não quiseram obrigar a burguesia a comprar com o ouro do Banco as armas. Estas foram adquiridas com o ouro do Estado e fornecidas pela URSS, que brindou somente seus partidários e a burguesia que desejava recuperar as fábricas e as terras. O ouro espanhol foi para a URSS, onde ainda está, e a coletivização ficou destruída. Isso levou às jornadas de maio de 37 em Barcelona, onde o PC e a burguesia atacaram a central telefônica em poder da CNT, havendo milhares de mortos e feridos. A divisão dos trabalhadores provocada pela URSS e sua atitude conciliatória com a burguesia espanhola levaram a coletivização à morte."107 107 Tragtemberg, Maurício. A coletivização direta como categoria administrativa: Espanha 1936-39. Fundação Getúlio Vargas, s. d. p. 7 segs. mimeogr.

4.2 Estrutura eeonômico-politica

As idéias de Abad de Santillán108 108 Santillán, Diego Abad. Organismo econômico da revolução: autogestão na Revolução Espanhola. São Paulo, Brasiliense, 1980. a respeito de métodos e objetivos desejados pela revolução facilitar-nos-á o entendimento da evolução e estrutura do movimento que ocorreu neste período.

Quanto aos objetivos, nos diz o autor:

• Não queremos que todos dancem a mesma música, que todos marquem passo em uníssono. Admitimos inclusive a possibilidade de existência de diversos organismos, alguns mais e outros menos revolucionários, uns mais e outros menos amigos da nova situação. O importante é que todos os espanhóis possuem um mínimo de necessidades a serem satisfeitas e, em holocausto a isto, devemos contribuir por dever e por direito ao processo de produção de bens para satisfazê-las.

Com respeito à metodologia política temos: "(...) Tampouco negaremos, aos que não compartilham de nossas concepções sociais, a liberdade de defender suas idéias é de praticá-las, desde que não sejam agressivas e que não queiram forçar-nos (e a quem deles discordar) a ser um dos seus. (...) Nós nos contentaremos com a disposição, sempre latente, de impedir qualquer manifestação agressiva de uma facção contra outra que não queira participar de seus ritos políticos ou religiosos, e de manter o aparato produtivo e distributivo em poder dos próprios produtores e distribuidores."

E, finalmente, assim define o resultado que a revolução trará aos seus conterrâneos:

"Poderíamos revisar uma por uma todas as categorias da população e ver como elas nada devem temer da inevitável mudança social. Não existirão cortesãos nem palacianos, tampouco haverá gente nadando em privilégios e mordomias, nem doentes de gota ou tédio afundados no esbanjamento e no vido. Não chega a 100 mil o número de lares espanhóis cuja situação piorará com a revolução: referimo-nos a estas 100 mil pessoas a quem consideramos efetivamente ricas e com base econômica a salvo de qualquer emergência; em troca, para os restantes 23 ou 24 milhões de espanhóis, a revolução será libertadora, e para cerca de 20 milhões será, também, portadora de um nível de vida superior ao que conheciam no capitalismo."

Por outro lado, Maurício Tragtemberg109 109 Tragtemberg, Maurício, op. cit. p. 2. assim explicita as metas desejáveis para a economia autogestionária: "Pensamos mostrar, com realizações parciais, nossa capacidade de produtores e ao mesmo tempo salvar a economia e eliminar a burguesia com seus intermediários parasitários, sua contabilidade melíflua e suas prebendas. É necessário adaptar a organização técnica às necessidades do momento pensando no futuro", ressaltando o papel fundamental que a escassez de algumas matérias-primas - algodão, petróleo, papel - teve nas realizações da revolução.

Vejamos agora a forma pela qual organizou-se a revolução autogestionária espanhola.

Com uma população de 24 milhões de habitantes, o setor industrial absorvia em julho de 1936 23% da população ativa, a agricultura ocupava 52% e o setor terciário (incluindo o doméstico) ocupava 25%.110 110 Id. ibid. p. 1.

A organização da mão-de-obra - fundamentada em Cornelissem quando afirma que "o núcleo de toda produção, a célula econômica é o estabelecimento e não o ofício" - antes organizada em sindicatos de ofício, passa a agrupar-se sem sindicatos por setor industrial.

No congresso celebrado em fevereiro de 1936, foi vitoriosa uma resolução que classificava em federações de indústria todas as atividades produtoras e serviços públicos da nação.

Para definir a estrutura que assumiram as instituições autogestionárias espanholas, tarefa que ora iniciamos, utilizamos fundamentalmente as idéias contidas no livro Organismo econômico da revolução - a autogestão espanhola, de Diego Abad de Santillán.

Vejamos, inicialmente, como se organiza internamente a produção advinda de cada estabelecimento que, em seguida, nos levará à organização interinstitucional.

O proprietário - "figura estéril na economia" é substituído por um conselho (de trabalhadores), que, por sua vez, é nomeado e representa o pessoal, sendo destituível a qualquer momento e modificável sempre que preciso, se assim se julgar conveniente. O conselho, enquanto representação do pessoal ligado ao mesmo local de trabalho, dá coesão e coordena o trabalho em sua esfera de atividade e ligada às atividades semelhantes de outros estabelecimentos ou grupos produtivos. É constituído por operários, empregados e técnicos. Na disposição e regulamentação do trabalho do conselho não intervém nenhuma força estranha aos próprios trabalhadores, existindo autonomia completa.

Os conselhos relacionam-se entre si por afinidades funcionais e formam seções de produtores de artigos afins, seções estas que constituem sindicatos de indústria ou ofício. Estas novas instituições formadas a partir dos conselhos não têm ingerência na estruturação interna dos locais de trabalho, salvo para resolver acerca da modernização do instrumental, da fusão ou coordenação de fábricas, da supressão de estabelecimentos improdutivos ou pouco rentáveis etc.

Os sindicatos industriais são os organismos representativos da produção local num ramo produtivo especial; não somente podem atender à produção necessária, como esmerar-se em condidonar a produção futuramente necessária, criando escolas de aprendizagem, institutos de pesquisa e aperfeiçoamento, laboratórios de ensaio etc., segundo sua força e a iniciativa de seus membros.

Os sindicatos coligam-se de acordo com as funções básicas da economia, que podem ser reduzidos ao número de 17. São os seguintes os 17 Conselhos de ramo, com os quais se pretende organizar toda a economia do país:

• Necessidades fundamentais: Conselho de ramo de Alimentação, Conselho de ramo de Habitação, Conselho de ramo do Vestuário;

• Matérias-primas: Conselho de ramo da Produção Agrícola, Conselho de ramo da Produção Pecuária, Conselho de ramo de Mineração e Beneficiamento, Conselho de ramo da Pesca;

• Conselhos relacionadores: Conselho de ramo de Transporte, Conselho de ramo das Comunicações, Conselho da Imprensa e do Livro, Conselho de Crédito e do Intercâmbio;

• Indústrias de elaboração: Conselho da Indústria Metalúrgica, Conselho de ramo da Indústria Química; e ainda: Conselho de ramo da Luz, Força Matriz e Água; Conselho de Saúde e Higiene; Conselho da cultura.

É preciso, no entanto, que haja uma vinculação entre todas as funções para formar um conjunto de processo de produção e distribuição. Os Conselhos de ramo de uma localidade unem-se, por delegações, ao Conselho Local da Economia, o centro para o qual convergem todos os liames da produção, do consumo e das relações de uma localidade com outras. Partindo dos conselhos locais de economia, serão formados os conselhos regionais de economia, que, por sua vez, dão base ao Conselho Federal de Economia. Cabe ressaltar que esta estrutura não deve eliminar a possibilidade de uma vinculação funcional entre os conselhos de ramo em todo o território revolucionário.

O Conselho Federal da Economia não é um poder político, e sim um regulador econômico, administrativo. Recebe suas diretrizes de baixo, deve ajustar-se em sua atuação às resoluções dos congressos regionais e nacionais; é um quadro de relações e nada mais. Deste conselho depende o comércio internacional, as transações com os outros países, que não serão matéria para pequenos núcleos ou para indivíduos, como no capitalismo, e sim matéria social, de todos. Até nisso suprime-se a especulação.

Da mesma forma que no sindicato, nos conselhos de ramo também se criam escolas de aprendizagem, de aperfeiçoamento e de pesquisa. O Conselho Local da Economia, por sua vez, tem a seu cargo institutos superiores de pesquisa, centros de estudo, de urbanização etc.

Os conselhos de ramos, além de estarem organicamente vinculados ao Conselho Local da Economia, formarão também conselhos nacionais de ramo equivalentes às federações nacionais de indústria, com a missão de regular, no âmbito nacional, a produção e tudo o que for relativo a seu funcionamento.

Do conselho de fábrica ao sindicato, deste ao conselho de ramo, e conselho de ramo local, destes ao regional, e destes ao federal de economia, a estatística será elaborada com todo o rigor, de modo que, se na fábrica pode-se saber no dia o estado da produção, do pessoal e da produtividade, tal casa também possa ocorrer no respectivo sindicato, no conselho do ramo, no conselho local ou no conselho federal. A estatística, essencial para a nossa sociedade, terá no conselho de crédito e intercâmbio o seu centro de convergência e de elaboração.

Haveria, ainda, a possibilidade de uma nova ligação dos produtores por ofício, para a instalação de escolas próprias a sua especialidade e para questões de eventual interesse gremial, da mesma forma como cabem ligações verticais, não só dos conselhos de ramo no âmbito regional e nacional, mas também de sindicatos (por exemplo: os sindicatos de ferroviários, carreteiros, aviadores, telegrafistas, empregados do correio etc. podem vincular-se entre si, além de fazê-lo por meio de seus respectivos conselhos de ramo).

Para facilitar a visualização do que foi dito, apresentamos um diagrama que acreditamos facilita tal tarefa, onde os conselhos locais de ramo congregam-se, formando, por um lado, os conselhos regionais e federal da economia e, por outro, as federações nacionais dos conselhos de ramo (figura 2).


Através de uma crítica aos demais sistemas de organização de produção e distribuição, o autor explicita quão desnecessário se mostrará a formação de um organismo político:

"Se o socialismo - todos os matizes do socialismo, desde o revolucionário libertário até o político tivesse convencionado desde o princípio uma propaganda tendente à substituição do regime político e econômico do capitalismo e tivesse exposto claramente os órgãos que haveriam de substituir os órgãos caducos do regime imperante, hoje estaríamos em outras condições. Ao invés disto, uma parcela importante deixou-se levar pela idéia do Estado, pelo pensamento nefasto de dar a este aparato todo o poder, de conquistar logo seu alto comando e de decretar a partir dele as novas tábuas de lei. A outra parcela, a parcela revolucionária, em luta feroz contra o adversário que tentou e ainda tenta aniquilá-la, poucas oportunidades teve para pensar na parte construtiva da nova sociedade. Toda a sua história é a história de um heroísmo e de uma abnegação sem limites. No entanto, quando tem a oportunidade de encarar o problema da transformação social, não o faz por meio do Estado, e sim pela organização dos produtores. Temos seguido esta norma e não temos necessitado, até aqui, de hipótese de um poder superior ao trabalho organizado para estabelecer a nova ordem das coisas. Se alguém puder dizer-nos o papel que caberia ao Estado numa organização econômica onde não exista a propriedade privada, onde o parasitismo e o privilégio não tenham razão de ser, muito lhe agradeceríamos."111 111 Santillán, Diego Abad. op. cit. p. 188.

Devemos considerar, neste momento, o fato de tal estrutura ter sido descrita por Santillán em meio ao desenvolvimento do sistema autogestionário - de curta existência - que vinha sendo realizado pela revolução. Cabe-nos, portanto, relativizar tais informações, que devem, por sua vez, ser rebatidas tanto ao plano da ideologia do autor quanto à possibilidade da influência "maléfica ou benéfica" - que o tempo poderia trazer à situação.

Tendo, portanto, apresentado a organização que caracteriza a autogestão espanhola - parte já pragmatizada e parte "ainda" não - acreditamos conveniente apresentar a descrição que faz Tragtemberg112 112 Tragtemberg, Maurício., op. cit. p. 8. segs. da coletivização de uma das regiões espanholas neste período: Hospitalet.

4.3 Hospitalet: uma vivência

"É uma zona de Barcelona com total de 50 mil habitantes, predominantemente industrial. O ramo têxtil era o mais importante, o metalúrgico estava em segundo lugar, contava com altos fornos de importância, muitas oficinas mecânicas. Existia a indústria da madeira, a química. O CNT tinha 8 mil adeptos entre a mão-de-obra, a UGT contava com mil. No mês de julho a luta durou seis dias, galvanizando todo o país. Terminado este período, a CNT proclamou o retorno ao trabalho, assumindo a responsabilidade pela vida econômica, abandonada pelos empresários e pelo próprio governo.

O trabalho era reiniciado, de um lado; de outro, parte da mão-de-obra está mobilizada atrás das barricadas nas ruas, vigiando os caminhos que conduziam a Barcelona, para preservá-la de qualquer ataque.

O processo de coletivização iniciou-se no campo. Os trabalhadores por dia iniciaram o processo. A produção de legumes estava ameaçada e Hospitalet corria o risco de fome; 15% de sua população estavam sem trabalho devido à crise, e os que trabalhavam o faziam três dias por semana. Os agricultores compreenderam a situação. Convocaram uma assembléia e resolveram imediatamente coletivizar a propriedade agrícola. Criou-se a Coletividade Camponesa.

A pequena propriedade cultivada pelo proprietário e a mão-de-obra contratada foram substituídas pela grande extensão, trabalhada conforme um plano giral. o trabalho aumentou em intensidade e quantidade. As terras que até então eram consideradas estéreis foram trabalhadas.

Nas indústrias, a coletivização começou pelo controle das fábricas. Os operários nomeavam, em cada empresa, comitês que tinham a missão de zelar pela produção e vigiar a administração patronal. As empresas que estavam endividadas foram coletivizadas imediatamente. O patrão foi assimilado ao grupo de produtores. Os comitês dirigiam a produção mediante uma linha central traçada pelo Decreto sobre a Coletivização. A CNT criou os conselhos de intensificação da produção, que obrigaram a classe empresarial a empregar a mão-de-obra desocupada. Para remediar os problemas de abastecimento, foram criadas pela CNT Comissões de Abastecimento para o povo. A coletivização das indústrias aprofundou-se com a crise. As indústrias madeireira, de construção, transportes, espetáculos foram coletivizadas. Impôs-se um salário único para todos os trabalhadores industriais. Fundou-se uma caixa comum, onde a mão-de-obra retirava fundos por partes iguais. Quando determinado ramo atingia alto nível de produção, isso era comunicado à Comissão Central Administrativa, que considerava a maneira pela qual as áreas deficitárias poderiam ser supridas mediante alocação de recursos para aquisição de matérias-primas e diversos fatores de produção. Paralelamente a isso, institui-se o salário-família. Para tal, realizou-se um Censo Especial fundado em minuciosa pesquisa estatística.

Paralelamente aos problemas econômicos, os culturais atraíram o interesse da mão-de-obra, os sindicatos operários já mantinham entre 50 a 100 escolas nacionalistas de caráter secularizado. Numa população escolar infantil de 8 mil crianças, apenas 4 mil chegavam à escola; conseguiu-se que 6 mil crianças tivessem acesso a escola, em edifícios mais apropriados do que havia até então. Às quintas-feiras, todos os cinemas do local ofereciam espetáculos à população escolar infantil. As mulheres nas fábricas podem contar com as creches: construiu-se maternidades para a população trabalhadora. O atendimento médico em clínicas e dispensários era controlado pela CNT e era inteiramente gratuito. Trabalhos públicos, ensino, assistência social eram resolvidos pela comuna em nível municipal. A CNT prestava contas de seu trabalho, organizando a população em vastas assembléias de bairros, que ocupavam os salões que existiam na época. Expunham o que haviam feito, recebendo a crítica da população. Não se fazia política de gabinete, nem tomavam-se decisões sem participação popular.

Acreditamos poder, neste momento, considerar concluída a tarefa de delinear os traços fundamentais da autogestão espanhola que nos parecem significativos para a realização de nossos objetivos.

Pudemos perceber que o sistema autogestionário levado a cabo neste país pode ser considerado espontâneo-à-medida-que-houve-condições-para-tal. A insatisfação conjuntural leva ao poder os partidos de esquerda e ao abandono de seu patrimônio os proprietários, permitindo a organização espontânea da população na tomada do controle dos processos produtivos e sua comercialização (deve-se ressaltar aqui a importância da CNT e da UGT - União Geral dos Trabalhadores - na organização das forças revolucionárias). É necessário acentuar que, inicialmente, em Barcelona ou Valência, os trabalhadores de cada empresa tomavam posse da fábrica, das máquinas, matérias-primas, e aproveitando a existência ainda da economia mercantil e do sistema monetário inerente ao capitalismo, amparados pelo governo, organizavam a produção por sua conta própria, vendendo em proveito próprio o produto do trabalho. Isso criava um neocapitalismo operário, uma situação situada entre a economia liberal burguesa e o socialismo. Com tudo isso, a coletivização se dera e a indústria produzia fora do esquema patronal, sem a hierarquia diretiva etc..."113 113 Id. ibid. p. 1. segs.

A julgar pelos escritos de Santillán, podemos perceber quão próximos estavam os organismos revolucionários do ideal construído por Proudhon. Diferentemente da autogestão Iugoslava, não foi imposta "de cima para baixo", e se pretendia tanto econômica quanto politicamente autogestionária, com base nas unidades de trabalho.

"Em suma, deu-se um processo de socialização ou 'coletivização' tão ou mais profundo do que na URSS entre 1918-21, que não significou transformar a propriedade privada em estatal - mas, sim, generalizou-se a coletivização. Uma socialização de base."114 114 Id. ibid. Apud Santillán, Diego, op. cit. p. 8.

5. CONCLUSÕES

Passamos agora à última parte de nosso trabalho. A leitura das práticas iugoslava e espanhola nos diz da falência do sistema autogestionário na Espanha e de uma situação "constrangedora" na Iugoslávia. Acreditamos que a comparação entre tais práticas e o proposto teoricamente por Proudhon nos ajude a chegar às causas de tal configuração de acontecimentos e nos leva a enriquecer nossos paradigmas teóricos.

Analisaremos algumas das questões consideradas por nós de maior importância - seja pela importância usualmente dada a elas, seja por convicção própria de forma relativamente superficial, para ao fim do trabalho concluirmos da sua importância para o processo que consideramos relevantes no desenvolver da sociedade.

A primeira questão que se nos coloca é: como chegar a um sistema autogestionário?

Se por um lado a Espanha o faz por meio dos mecanismos da economia (tomada de fábricas e das terras), com o que certamente estaria de acordo Proudhon, a Iugoslávia dá início ao seu processo autogestionário por meio de uma ação política (o partido instaura a autogestão). Este fator é constantemente apontado como causa da atual situação (não considerada estritamente gestionária) da Iugoslávia.

O segundo ponto que nos parece "digno" de ser analisado diz respeito à forma de organização das unidades econômicas. Constatamos que nas três vertentes (teórica, espanhola e iugoslava) as unidades econômicas são consideradas como as unidades fundamentais do sistema autogestionário. Do mesmo modo, são agrupadas de forma a resultarem em federações, respeitando a dimensão territorial, de sorte que, ao menos teoricamente, o trabalho seja considerado a atividade fundamental da sociedade, concomitantemente ao fato de as necessidades locais serem Consideradas como "merecedoras" de soluções locais.

Ainda no campo da organização federativa da economia e da política, percebemos na Espanha as mesmas unidades econômicas dando origem à federação territorial e à federação por "ofício", de forma semelhante ao proposto por Proudhon, excetuando-se o sindicato de consumidores, ao passo que na Iugoslávia consegue-se distinguir facilmente a federação econômica da federação territorial.

Por outro lado, a derivação das organizações econômicas para as políticas levou Proudhon à constituição de um Estado submetido à sociedade, levou a Espanha a uma ausência de Estado, e a Iugoslávia à pragmatização de um Estado que divide o poder decisório social com o aparelho administrativo das empresas.

Com relação a esta questão deveríamos também considerar que a breve existência da autogestão espanhola deixa-nos a dúvida: não tomariam, com o tempo, a CNT e a UGP as rédeas do poder?

Aproveitamos este momento para dar destaque à diferença dos períodos analisados no caso espanhol e no caso iugoslavo. Se, por um lado, utilizamo-nos de dados reais experimentados pela Iugoslávia nestas três décadas, valemo-nos de fatos reais e também de intenções (não instituídas na prática) no caso espanhol, o que nos leva certamente a "distorções metodológicas". Embora tenhamos considerado este fator desde o início do trabalho, não o julgamos impeditivo de realizar nossos objetivos.

Especificamente, no campo político constatamos uma ausência de preocupação com relação aos partidos políticos por parte de Proudhon, uma preocupação manifesta na Espanha, no sentido em que deveriam existir tantos partidos políticos quantos surgissem, e a existência de um único partido - a Liga dos Comunistas - na Iugoslávia. Vale a pena ressaltar aqui que o colapso do sistema autogestionário espanhol deveu-se à aliança entre facções políticas autogestionárias e a burguesia.

Voltemo-nos, agora, às questões de fundamentação - numa primeira instância - econômica: propriedade, excedente, distribuição de renda.

Com relação à propriedade agrícola, sabemo-la privada tanto na Espanha e Iugoslávia quanto na teoria proudhoniana. No entanto, embora não tenhamos dados a respeito do sistema iugoslavo, o sistema espanhol não faz concessão à herança, considerada por Proudhon como justa e cabível à medida que poderia ser considerada como fruto de trabalho do indivíduo. Quanto à propriedade dos meios de produção industrial, pode ser considerada nos três prismas como social, à medida que não se define, a não ser coletivamente, os "donos de empresas".

Os três sistemas mostram-se concordes ainda com relação à distribuição da renda nos centros produtivos: a cada um segundo a quantidade de trabalho realizado. Isto é facilmente percebido à medida que o trabalhador tem direito à parcela das receitas obtidas pelo centro produtivo a que pertence, segundo critérios que ele mesmo (ou o Conselho a que pertence) estipula. Isto não impede, no entanto, que os indivíduos - conforme ressaltou Proudhon - estejam diferentemente preparados para uma mesma atividade, o que levaria, naturalmente, a grandes disparidades de remuneração por um mesmo período de trabalho. Seguindo esta linha de preocupação, constatamos que o aspecto ensino formal tem sido uma preocupação do sistema iugoslavo, da mesma forma como o foi no sistema espanhol.

Resta-nos, ainda, a questão do poder de decisão; sobre a vida individual, empresarial, territorial. A inexistência de uma tecnocracia - percebida por Proudhon como fundamental - não se mostra uma tendência na Iugoslávia; ao contrário, segundo os estudos realizados (como já vimos no texto referente a este país), a ocupação tanto dos cargos administrativos nas empresas como dos cargos dos organismos políticos não obedecem a um sistema de rodízio entre todos os elementos da população: algumas poucas pessoas, embora eleitas, mantêm-se na situação privilegiada de tomar decisões em questões controversas e em questões de relacionamentos com órgãos externos à autogestão.

Se, por um lado, constatamos a permanência no poder de um grupo definido, sabemos que esta manutenção não é (totalmente) ilegítima. A votação, direta ou indireta, se faz presente em quase todas as instituições autogestionárias (não podemos esquecer que alguns cargos são nominativos). Acrescentando a esta percepção o fato de a maioria dos trabalhadores declararem-se mais (e quase exclusivamente) interessados em "decidir a respeito de questões próximas a ele, a curto prazo, acreditamos chegar a uma questão crucial do sistema autogestionário: se as pessoas, consideradas individualmente, não estão dispostas a resolver e decidir a respeito de problemas que não lhes dizem respeito proximamente, como se viabilizará um sistema autogestionário? É com esta preocupação que desenvolvemos os parágrafos seguintes.

Antes de chegarmos às nossas conclusões a respeito de uma análise dos três enfoques escolhidos para conhecer a autogestão, consideramos, ainda dentro da questão "poder", a autonomia dos centros produtivos. Tal autonomia, segundo o teórico, deveria ser total, contanto que não prejudicasse as necessidades da comunidade; no entanto, encontramos na Iugoslávia uma freqüente intervenção do partido político e dos órgãos sócio-políticos, e na Espanha, embora não de forma explícita, a interferência da CNT, o que nos leva a relativizar a autonomia dos centros produtivos em ambos os sistemas autogestionários.

Uma vez expostas - acreditamos objetivamente - algumas das características dos três sistemas autogestionários que nos propusemos estudar; passamos, neste momento, a encará-las com maior dose de ideologia, de forma a chegar às nossas próprias conclusões a respeito do assunto.

Da mesma forma que a pluralidade de opiniões (conflitantes) leva ao colapso da autogestão espanhola, o não desejo de participar em algumas questões globais, por parte dos trabalhadores iugoslavos, leva o seu sistema autogestionário a descaracterizar-se como tal. Percebemos em ambos os casos os frutos de uma educação não autogestionária: um individualismo latente, individualismo este que não se traduz em uma composição social do indivíduo, mas numa alienação quanto ao desenvolvimento da sociedade.

Tal fato nos remete a uma questão de caráter intimista: se nem mesmo nós próprios temos consciência - na vida particular de cada um - do que é ou deixa de ser "bom" para nós, o que se dirá das decisões tomadas por um grupo exterior a nós, em nosso nome. Este grupo pode, por vezes, "acertar", por vezes, "errar"; mas o fato é que, a não ser raramente, receberá o feedback para suas ações, suas atitudes, sua tomada de decisão. Acreditamos que só a experiência pessoal pode nos levar a um conhecimento do que realmente desejamos.

Desse ponto de vista - ideológico, já ressaltamos - acreditamos que qualquer forma de participação nas decisões referentes a nossa própria existência (e, conseqüentemente, da existência da sociedade) - seja democracia indireta, direta, co-gestão, autogestão - mostra-se válida no sentido de uma evolução mais justa e coerente da sociedade, à medida que se dirija, sem retrocessos, a uma forma cada vez mais dependente de nós mesmos para dar continuidade à sua evolução.

A interpretação que damos às experiências iugoslava e espanhola nos indica que elas seguem o raciocínio desta linha de pensamento, ou seja, mostram-se, embora rebatidas ao plano teórico de formas distintas, passos significativos à possibilidade de uma convivência harmoniosa de nós mesmos com a sociedade que nos cerca.

  • 1 Ver Bourdet, Yvon & Guillerm, Aalian. Autogestão: uma mudança radical. Rio de Janeiro, Zahar, 1976. p. 9 segs.
  • 2 Proudhon, P. J. De la justice poursuivie dans la Révolution et dans l'Église. Estudo IX, "Progrés et décadence. Paris, Éditions Marcel Rivière, 1932. p. 517 segs.
  • In: Motta, Fernando C. P. Burocracia e autogestão: a proposta de Proudhon. São Paulo, Brasiliense, 1981.
  • 70 Ver Hunnius, Gerry; Garson, G. D. & Case, John. Workers' control .New York. Vintage Books/Randon House, 1973, p. 270.
  • 71 Venosa, Roberto. A Institucionalização de tipologias organizacionais: um estudo de caso; a autogestão na Iugoslávia. Friburgo, RJ, 1981. p. 9 segs. mimeogr.
  • 74 Da reunião destes elementos nasce a crítica de L. Tradic: "On a essayé de changer quelque chose après la rupture avec l'URSS. En Union Sovietique, il existe une planification vureaucratic: je la nomme planification ministerièlle. On a réagi contre cette forme-lá en assimilant à toute planification. Donc, au lieu de chercher une nouvelle façon de planifierm on a inventé le système du 'libre marché socialiste autogestionaire', c'est a dire, qu' on a reintroduit dans la politique économique une loi de marché caractéristique du système capitaliste, mais d'une façons très archaique. On a instauré une économie de 'laissez-faire, laissez-passer' que était le prope de l'économie bourgeoise du XIXe siècle, sans, aucun controle. Les interprises sont en concourrence sur les marchés intérieur et international et il y a des entraves très fortes á la solidarité de la classe ouvrière étant donné les differences des tratements entre unités, d'où l'importance des égoismes de groupe." Autogestions, nş 6, Toulouse, Editions Privat, été 1981.
  • 78Worker's Management in Yugoslavia (1959-1979). Belgrado, Medunarodna Politika, 1970, p. 36.
  • 85 Motta, Paulo Roberto. Autogestão: a experiência empresarial iugoslava. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, 14(1):19, Rio de Janeiro, jan./mar. 1980.
  • 88 Venosa, Roberto. L'Autogestion en Yougoslave. Thèse de doctorat de 3.eme cycle. 1979. mimeogr.
  • 89 Obradovic, Josip. Distribution and participation on the process of decision making on problems related to the economic activity of the enterprise. First Int'l conference on self-management and participation. Dubrocnik, 1972. v. 2, p. 136 segs.
  • 107 Tragtemberg, Maurício. A coletivização direta como categoria administrativa: Espanha 1936-39. Fundação Getúlio Vargas, s. d. p. 7 segs. mimeogr.
  • 108 Santillán, Diego Abad. Organismo econômico da revolução: autogestão na Revolução Espanhola. São Paulo, Brasiliense, 1980.
  • *
    Agradeço ao Prof. Fernando Cláudio Prestes Motta, do Departamento de Administração Geral da EAESP/FGV, não só a idéia e o título, mas também o despertar da dimensão política.
  • 1
    Ver Bourdet, Yvon & Guillerm, Aalian.
    Autogestão: uma mudança radical. Rio de Janeiro, Zahar, 1976. p. 9 segs.
  • 2
    Proudhon, P. J
    . De la justice poursuivie dans la Révolution et dans l'Église. Estudo IX, "Progrés et décadence. Paris, Éditions Marcel Rivière, 1932. p. 517 segs. In: Motta, Fernando C. P.
    Burocracia e autogestão: a proposta de Proudhon. São Paulo, Brasiliense, 1981.
  • 3
    Proudhon, P.J.
    Quest-ce que la propriété? Paris, Editions Marcel Rivière, 1926. p. 164. Apud. Motta, Fernando C. P. op. cit.
  • 4
    Motta, Fernando C. P. op. cit. p. 98.
  • 5
    Ver Proudhon, P-J. Manuel du spéculateur dans la bourse. Paris, Lacroix, s. d. p. 25. In: Ansart, Pierre.
    Sociologie de Proudhon. Paris, Presses Universitaires de France, 1967, p. 106. Apud. Motta, Fernando C. P. op. cit.
  • 6
    Motta, Fernando C. P. op. cit. p. 102.
  • 7
    Id. ibid. p. 71.
  • 8
    Proudhon, P.J. Système de contradictions économiques: philosophie de la misère. Paris, Éditions Marcel Rivière, 1923. t.1, p. 138 segs., Apud Motta, Fernando C. P. op. cit.
  • 9
    Motta, Fernando C. P.op. cit. p. 72.
  • 10
    Proudhon, P.J.
    Système de contradictions... op. cit. t.1, p. 89, Apud Motta, Fernando C. P. op. cit.
  • 11
    Proudhon reconhece, no entanto, a importância que a propriedade privada teve para o desenvolvimento da produção, visto que propiciou a acumulação de excedente a ela necessária. Desta forma, a noção de roubo necessita ser vista dialeticamente; não se pode excluir as funções históricas, econômicas e sociais da propriedade. Ver Motta, Fernando C. P. op. cit.
  • 12
    Motta, Fernando C. P. op. cit. p. 82.
  • 13
    Ver Proudhon, P.J.
    Avertissement aux propriétaires. Paris, Éditions Marcel Rivière, 1938. p. 195. Apud Motta, Fernando C.P. op. cit.
  • 14
    Bancal, Jean.
    Proudhon: pluralisme et autogestion. Paris, Aubier-Montaigne, 1970. p. 79. Apud Motta, Fernando C.P. op. cit.
  • 15
    Motta, Fernando C. P. op. cit. p. 75.
  • 16
    Gurvitch, Georges. Idée de droit social. In: Bancal, Jean, op. cit. v. 1, p. 68. Apud Motta, Fernando C. P. op. cit.
  • 17
    Motta, Fernando C. P. op. cit. p. 79.
  • 18
    Cabe aqui ressaltar que Proudhon pretende encontrar no trabalho o valor de troca. Os salários, os capitais e os lucros apresentam-se como tendo origem comum no trabalho: o trabalho é a única medida universal, a medida exata dos valores; é o único padrão que pode servir para comparar os valores das mercadorias, em todas as épocas, em todos os lugares. Ver Proudhon, P.J.
    De la Création de l'ordre dans l'humanité. Paris, Garnier, 1849. p. 296 e 302; e ______.
    Avertissement aux... op. cit. p. 189 segs. Apud Motta, Fernando C. P. op. cit.
  • 19
    Escrito muito antes de qualquer contato com Marx, o trabalhismo histórico não é uma versão do materialismo histórico, mas pode perfeitamente tê-lo inspirado. Ver Motta, Fernando C.P. op. cit. p. 81.
  • 20
    Motta, Fernando C. P. op. cit. p. 134.
  • 21
    Ver Proudhon.
    Système de contradiction... op. cit. p. 73. Apud Motta, Fernando C. P. op. cit.
  • 22
    Motta, Fernando, C. P. op. cit. p. 86.
  • 23
    Id. ibid. p. 86.
  • 24
    Id. ibid. p. 90.
  • 25
    Id. ibid. p. 100.
  • 26
    Id. ibid. p. 106 segs.
  • 27
    Id. ibid. p. 97.
  • 28
    Id. ibid. p. 109.
  • 29
    Id. ibid. p. 104.
  • 30
    Id. ibid. p. 99.
  • 31
    Id. ibid. p. 112.
  • 32
    Id. ibid. p. 113.
  • 33
    Id. ibid. p. 114.
  • 34
    Id. ibid. p. 100.
  • 35
    Desjardins, Arthur.
    P.J. Proudhon: sa vie, ses oeuvres, sa doctrine. Pierre et Cie. Libraires Éditeurs, 1896. t. 2, p. 181. Apud Motta, Fernando C. P. op. cit.
  • 36
    Ver Motta, Fernando C. P. op. cit. p. 113.
  • 37
    Id. ibid. p. 119.
  • 38
    Id. ibid. p. 121.
  • 39
    Proudhon, P.J.
    Système de Contradictions... op. cit. t 1. p. 108. Apud Motta, Fernando C P. op. cit.
  • 40
    Proudhon, P.J.
    De la justice poursuivie... op. cit. Estudo III, Les Biens, p. 70. Apud Motta, Fernando C. P. op. cit.
  • 41
    Motta, Fernando C. P. op. cit. p. 125.
  • 42
    Id. ibid. p. 126.
  • 43
    Id. ibid. p. 132.
  • 44
    Id. ibid. p. 134 segs.
  • 45
    Id. ibid. p. 134 segs.
  • 46
    Id. ibid. p. 134.
  • 47
    Id. ibid. p. 134 segs.
  • 48
    Id. ibid. p. 142 seg.
  • 49
    Proudhon, P.J.
    La Guerre et la paix. Paris, Éditions Marcel Rivière, 1927. p. 477. Apud Motta, Fernando C. P. op. cit.
  • 50
    Motta, Fernando C.P. op. cit. p. 146.
  • 51
    Id. ibid. p. 146 segs.
  • 52
    Id. ibid. p. 129 segs.
  • 53
    Id. ibid. p. 155.
  • 54
    Proudhon, P-J.
    Idée générale de la révolutions au XIXe siècle. Paris Éditions Marcel Rivière, 1923. p.73. Apud Motta, Fernando C. P. op. cit.
  • 55
    Ib. ibid. p. 279. Apud Motta, Fernando C. P.op. cit.
  • 56
    Motta, Fernando C. P. op. cit. p. 156.
  • 57
    Id. ibid. p. 157.
  • 58
    Id. ibid. p. 157.
  • 59
    Id. ibid. p. 157.
  • 60
    Id. ibid. p. 158.
  • 61
    Proudhon, P.J.
    De lacapacité politique des classes ouvrières. Paris Éditions Marcel Rivière, 1924. p. 212. Apud Motta, Fernando C.P. op. cit.
  • 62
    Motta, Fernando C. P. op. cit. 158.
  • 63
    Id. ibid. p. 61.
  • 64
    Id. ibid. p. 161.
  • 65
    Id. ibid. 161.
  • 66
    Id. ibid. p. 161 segs.
  • 67
    Bancal, Jean.
    Proudhon: pluralisme et... op. cit. p. 100. Apud Motta, Fernando C. P. op. cit.
  • 68
    Ver Motta, Fernando C. P. op. cit. p. 165.
  • 69
    Id. ibid. p. 165.
  • 70
    Ver Hunnius, Gerry; Garson, G. D. & Case, John.
    Workers' control .New York. Vintage Books/Randon House, 1973, p. 270.
  • 71
    Venosa, Roberto.
    A Institucionalização de tipologias organizacionais: um estudo de caso; a autogestão na Iugoslávia. Friburgo, RJ, 1981. p. 9 segs. mimeogr.
  • 72
    Id. ibid.
  • 73
    Hunnius, Gerry et alii. op. cit. p. 274.
  • 74
    Da reunião destes elementos nasce a crítica de L. Tradic: "On a essayé de changer quelque chose après la rupture avec l'URSS. En Union Sovietique, il existe une planification vureaucratic: je la nomme planification ministerièlle. On a réagi contre cette forme-lá en assimilant à toute planification. Donc, au lieu de chercher une nouvelle façon de planifierm on a inventé le système du 'libre marché socialiste autogestionaire', c'est a dire, qu' on a reintroduit dans la politique économique une loi de marché caractéristique du système capitaliste, mais d'une façons très archaique. On a instauré une économie de 'laissez-faire, laissez-passer' que était le prope de l'économie bourgeoise du XIX
    e siècle, sans, aucun controle. Les interprises sont en concourrence sur les marchés intérieur et international et il y a des entraves très fortes á la solidarité de la classe ouvrière étant donné les differences des tratements entre unités, d'où l'importance des égoismes de groupe."
    Autogestions, nº 6, Toulouse, Editions Privat, été 1981.
  • 75
    Wachtel, Howard. Worker's management and wage differentials in Yugoslavia. Ph.D. dissertation, University of Michigan, 1968. p. 1 mimeogr. Apud Hunnius. Gerry et alli. op. cit.
  • 76
    Ver Pesakovick, Milentge.
    Twenty years of self management in Yugoslavia. Belgrado, Medunarodna Politika, 1970. Apud. Hunnius, Gerry et alii. op. cit.
  • 77
    ver Kardelj, Edvard.
    The system of plannign in a society of self Management. Belgrado, STP, 1976. Apud. Hunnius. Gerry et alii. op. cit.
  • 78
    Worker's Management in Yugoslavia (1959-1979). Belgrado, Medunarodna Politika, 1970, p. 36. Ver também artigo X, § 2 da Constituição da SFRY, 1963.
  • 79
    Adizes, Ichak.
    Industrial democracy: Yugoslav style - the effect of descentralization on organizational behavior. New York, The Free Press, 1971. p. 4 segs. Apud Hunnius Gerry et alii. op. cit.
  • 80
    Sabe-se que os quadros administrativos são sempre ocupados pelos mesmos elementos que se revesam nos cargos específicos, caracterizando a formação de uma tecnocracia na Iugoslávia.
  • 81
    Hunnius, Gerry et alii. op. cit. p. 279.
  • 82
    Adizes, Ichak. op. cit. p. 47. Apud Hunnius, Gerry et alii. op. cit.
  • 83
    Ver Hunnius, Gerry et alii. op. cit. p. 281 segs.
  • 84
    Id. ibid. p. 293.
  • 85
    Motta, Paulo Roberto. Autogestão: a experiência empresarial iugoslava.
    Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, 14(1):19, Rio de Janeiro, jan./mar. 1980.
  • 86
    Ver Hunnius, Gerry et alii. op. cit. p. 294.
  • 87
    Ver Motta, Paulo Roberto, op. cit. p. 11 segs.
  • 88
    Venosa, Roberto. L'Autogestion en Yougoslave. Thèse de doctorat de 3.
    eme cycle. 1979. mimeogr.
  • 89
    Obradovic, Josip.
    Distribution and participation on the process of decision making on problems related to the economic activity of the enterprise. First Int'l conference on self-management and participation. Dubrocnik, 1972. v. 2, p. 136 segs.
  • 90
    Venosa, Roberto.
    L 'Autogestion... op. cit. p. 102.
  • 91
    Zupanov, Josip. Participation and influence. In: Horvat, Branko et alii.
    Self governing socialism. New York, Int'l Arts and Sciences Press, 1975. v. 2, p. 76 segs.
  • 92
    Venosa, Roberto.
    L 'Autogestion... op. cit. p. 103 segs.
  • 93
    Obradovic, Josip.
    Distribution and participation... op. cit, v. 2. p. 136 segs.; Venosa, Roberto. L'Autogestion... op. cit.
  • 94
    O termo comunidade sócio-política refere-se a comunas, províncias, repúblicas e federação. As organizações sócio-políticas incluem a Liga, a Aliança Socialista, os sindicatos etc.
  • 95
    Ver Hunnius, Gerry et alii. op. cit. p. 274.
  • 96
    Id. ibid. p. 273.
  • 97
    Mijalko Todorovic - secretário do comitê executivo da Liga - assim resume o principal problema da Liga: The League's principal weakness today springs primarily from its still overgreat amalgamation with power, the slow process of democratization of relations within it, its insuitable structure, and the ideological heterogeneity among its ranks." Todorovic, Mijalko. A Revolutionary vanguard - the abiding need of our self-managing community. In:
    Socialist Thought and Practice, (31):17 July-Sep. 1968. Apud Hunnius, Gerry et alii. op. cit.
  • 98
    Ver Hunnius, Gerry et alii op. cit. p. 274.
  • 99
    Id. ibid. p. 285
  • 100
    Id. ibid. p. 286.
  • 101
    Id. ibid. p. 287.
  • 102
    Venosa, Roberto.
    L'Autogestion... op. cit. p. 30.
  • 103
    Id. ibid. p. 32 e 39.
  • 104
    Zupanov, Josip. op. cit. p. 76 segs.
  • 105
    Id. ibid. p. 76 segs.
  • 106
    Horvat, Branko et alii. op. cit. v. 1, p. 33 segs.
  • 107
    Tragtemberg, Maurício. A coletivização direta como categoria administrativa: Espanha 1936-39. Fundação Getúlio Vargas, s. d. p. 7 segs. mimeogr.
  • 108
    Santillán, Diego Abad.
    Organismo econômico da revolução: autogestão na Revolução Espanhola. São Paulo, Brasiliense, 1980.
  • 109
    Tragtemberg, Maurício, op. cit. p. 2.
  • 110
    Id. ibid. p. 1.
  • 111
    Santillán, Diego Abad. op. cit. p. 188.
  • 112
    Tragtemberg, Maurício., op. cit. p. 8. segs.
  • 113
    Id. ibid. p. 1. segs.
  • 114
    Id. ibid. Apud Santillán, Diego, op. cit. p. 8.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 1983
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