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Planalto

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Planalto

Evaldo Sintone

PLANALTO

Por Afonso Arinos de Melo Franco. Rio de Janeiro, José Olympio, 1968.

Após o lançamento de A alma do tempo (1951) e A escalada (1965), livros de interêsse político e literário, Afonso Arinos de Melo Franco apresenta-nos Planalto, que é o terceiro volume de suas memórias. Nela, o ex-homem público dá continuidade às suas recordações, narrando fatos e acontecimentos que vêm preencher uma lacuna na biografia de nossa história política contemporânea.

Sua obra desenvolve-se em dois planos distintos: um subjetivo, onde aparecem suas concepções estéticas sôbre literatura e arte; outro objetivo, retratando sua ação como ministro do governo de Jânio Quadros, de 31 de janeiro de 1961 a 25 de agosto de 1961.

Trataremos só da segunda parte, pois os fatos aí relatados - e que nos são tão próximos - ajudam-nos a ter uma melhor compreensão de nossa história política, principalmente no que diz respeito à chamada política externa independente.

Para o autor, política externa independente é parte da concepção que se deve ter de Estado. O conceito de Estado mudou. No princípio do século XX, as chamadas grandes potências exprimiam mais um conceito histórico-cultural do que industrial-militar. A era industrial atômica veio dar uma nova posição à hierarquia dos Estados. Hoje devemos pensar em superpotências atômicas (EUA versus URSS); as outras (Inglaterra, Alemanha Ocidental, Canadá, França e Japão), apesar de grandes potências, não deixam de ser Estados subordinados às regras do jogo, traçado pelos dois colossos da técnica, da economia e da capacidade destrutiva. Na sua opinião, só um país estaria em condições de evoluir de subordinado para o primeiro plano: a China. E o autor coloca o Brasil, no quadro atual, sem meios de ocupar um posto de grande potência, embora tenda para isso, se até o fim do século os seus governantes souberem conduzi-lo.

Segundo êle existem dois conceitos fundamentais na política externa independente: motivação e princípios. O mundo é composto de Estados Nacionais; assim sendo, a primeira motivação da política externa é a salvaguarda dos interêsses do Estado e da Nação, na medida em que êles possam ser atendidos - ou atingidos - pelas relações internacionais. Além disso, temos as questões ligadas ao esforço da humanização, visando à consolidação da justiça e da paz entre os povos. Já no plano nacional, a formulação à defesa dos interêsses de um Estado vai ser executada por via da disposição coercitiva (lei). A subordinação dos indivíduos e grupos internos à lei é da essência da política interna; a autonomia na negociação é da natureza da política externa.

A autonomia da política externa independente é a única forma pela qual as personalidades nacionais podem manifestar-se no panorama mundial, e contribuir, segundo a área de influência em que se encontrem, para que os Estados de primeira ordem possam chegar às soluções de interêsse comum. A ação autônoma das potências de segunda ordem, concretamente, visa sempre às soluções pacíficas, sendo certo que a paz é, afinal, o interêsse supremo de todos os Estados, inclusive dos maiores.

A essência de sua filosofia aparece explicada no caso cubano. Jânio fora convidado a visitar Cuba e deveria aceitar o convite, desde que a viagem fosse uma tentativa de reaproximar Cuba do sistema continental, isto é, Havana de Washington. Para o autor, a manobra não teve êxito devido aos erros sucessivos do governo norte-americano.

Na época, a nossa linha política com relação a Cuba era complexa: plena autonomia e, ao mesmo tempo, subordinação desta decisão aos compromissos internacionais, principalmente aos princípios de não-intervenção e de repulsa ao comunismo internacional; e não-aceitação, dentro do sistema interamericano, de um Estado integrado no sistema comunista, mas, com uma política de não-represália contra esse Estado. A posição teve apoio na Comissão de Relações Exteriores da Câmara, mas foi atacada por Carlos Lacerda, que no entender do autor, é o principal responsável pelo caminho da submissão tomada pela nossa política externa.

Enquanto que nossa política era aceita nos EUA pelo Departamento de Estado, aqui desencadeava-se a campanha direitista contra o governo, com ataques que partiam da imprensa e mesmo do Congresso e que, para o autor, foi um dos motivos da crise da renúncia do Presidente Jânio Quadros. Os ataques, mais a atuação de Carlos Lacerda; a reação de certos grupos econômicos que receavam uma linha tida por esquerdista; a pressão da imprensa beneficiada pela publicidade das agências norte-americanas; o comércio do Rio tão influído pelos portugueses e a ação de Salazar, etc. são algumas das forças que formam a corrente direitista que faz acusações a esta política. Afonso Arinos relata que chegou a receber a visita assustada de Roberto Marinho, de O Globo, e Jorge Matos e Mário Ludolf, dirigentes de uma dessas federações empresariais.

Além do caso cubano, outros episódios são descritos: as questões relativas a Portugal e suas colônias na África; as missões econômicas de João Dantas aos países socialistas, para tentar a ampliação do intercâmbio econômico; a de Roberto Campos aos países credores do ocidente europeu, a fim de conseguir um escalonamento favorável das nossas dívidas; afinal, a do Sr. João Goulart, então Vice-presidente, à China Comunista.

Com relação à renúncia de Jânio Quadros, o autor é de opinião que o seu governo, embora certo nos fins, não emprêgou os meios adequados e oportunos. Quis chegar em poucas semanas aos seus objetivos. O Presidente, com os seus métodos dramáticos e publicitários assustou os grupos conservadores nacionais, inclusive o Congresso, com aparências que não correspondiam a nenhuma realidade. Uniu correntes políticas derrotadas, que queriam voltar ao poder. Assim, a ausência de um dispositivo político capaz de dar corpo às suas idéias, aliada a grande pressão interna, levaram-no à renúncia.

Quanto à crise e à oposição à subida de João Goulart para a Presidência da República, o autor apoia a mudança do regime presidencialista para parlamentarista, pois o primeiro havia evoluído para uma espécie de plebiscito demagógico entre falsos líderes populares, que exploravam as paixões coletivas. No Brasil, o sistema presidencial encontra-se num verdadeiro impasse: sua coluna mestra é a liderança popular do Presidente; liderança popular corresponde à eleição; a eleição direta de um presidente no Brasil, por sua vez, provoca cada vez mais crises. Por outro lado, presidencialismo com eleição indireta, além de ser uma farsa, provocará no povo frustrações que passarão a reações só domináveis pela força. Isto na medida em que "o ato de votar em um candidato à presidência significava um desabafo imediato, a oportunidade de um revide contra as dificuldades da vida, ou, no máximo, um anelo informulado de melhoria particular e imediatista, desligada de qualquer visão mais geral ou distante". Para o autor, o agrupamento das massas atraídas sòmente pelo carisma demagógico ou pelo benefício urgente é o que a conscientização social da era de Getúlio Vargas legara à liberdade eleitoral.

A saída para o parlamentarismo, com efeito, visava especificamente a resolver o problema político brasileiro: nesse aspecto êle é negativo, pois a mudança institucional nio fo! executada com plena consciência do seu valor, mas foi considerado pelo Congresso mais como um expediente político. O seu lado positivo está na saída legal para a crise que ameaçava a liberdade.

Com o parlamentarismo, o autor é nomeado Embaixador do Brasil na ONU, onde vai continuar a imprimir o mesmo tom independente à nossa politica externa. Mostra que com essa linha de ação, o Brasil ganhava prestígio e confiança internacionalmente. No entanto, do ponto de vista interno, o País estava dividido pelas elites dirigentes, que fazem agitação e forçam a volta ao presidencialismo.

Relata com minúcias todos os acontecimentos que deram origem ao plebiscito e que possibilitaram a volta ao antigo regime e mostra seu pessimismo diante dos rumos tomados pela política interna.

Com a sua volta ao Senado, vai dar-nos um relato das missões estrangeiras de que participou e da sua atuação no Congresso, até a Revolução de 1964. À partir daí, mostra toda a sua atuação para a volta do Brasil a uma política externa independente e de não-alinhamento e uma volta ao regime democrático por meio de uma Constituição que não estivesse desvinculada da nossa realidade política, social e econômica.

O livro do Sr. Afonso Arinos de Melo Franco é importante leitura para quem queira conhecer mais detalhadamente os fatos de nossa história política contemporânea. Num estilo elegante, suas memórias nio escondem uma certa nostalgia por um passado patriarcal, quebrado por nôvos valores; ao mesmo tempo, deixa clara a sua posição de homem liberal à procura de uma democracia sem mistificações, baseada em novos valores morais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Maio 2015
  • Data do Fascículo
    Mar 1972
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