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Tecnologia nacional: problemas e perspectivas

ARTIGOS

Tecnologia nacional: problemas e perspectivas* * Palestra proferida no I Seminário de Tecnologia Nacional, Fundação Getulio Vargas, São Paulo, 29 de janeiro de 1974.

Adroaldo Moura da Silva

Professor do Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo

1. INTRODUÇÃO

Neste trabalho trataremos de alguns problemas referentes à formulação de uma política tecnológica para o Brasil. Mais especificamente teceremos considerações de caráter geral sobre as linhas mestras que acreditamos devam orientar a formulação de uma política econômica que vise o aumento da produtividade do sistema econômico através de maior utilização de novas técnicas de produção e gerência. Paralelamente tentaremos isolar, no caso brasileiro, as áreas prioritárias para as quais se deva dirigir maior volume de recursos no sentido de estimular a utilização e criação de tecnologia.

A necessidade de se conceber uma política tecnológica consistente deriva do fato amplamente documentado de que é somente através do progresso tecnológico que se poderá manter de forma duradoura contínuos ganhos de produtividade no tempo, e conseqüentemente de melhoria do nível de bem-estar da coletividade. Progresso tecnológico é aqui entendido como o processo contínuo de utilização e criação de métodos racionais que permitam ao homem extrair e consumir, de uma dada constelação de recursos, quantidades crescentes de bens e serviços.

Contudo, ao se buscar critérios que orientem a formulação de uma política tecnológica a exemplo do que hoje ocorre no Brasil, por vezes esta proposição elementar é ofuscada pela crença de que o elemento mais importante a ser contemplado pela política é, não a utilização da tecnologia em si, mas a sua criação e posse. Como reflexo desta posição, há quem argumente que o que importa é a criação de uma tecnologia nacional, parece até que independentemente de condições de custos. A justificativa para tal, largamente inspirada em argumentos do tipo dos apresentados por Servan-Schreiber em sua obra O desafio americano, é usualmente feita em função da suposta ameaça que a empresa multinacional coloca à preservação da identidade nacional.

Embora caricaturizadamente, esta é uma posição que tem encontrado bastante eco nos meios jornalísticos, empresariais e acadêmicos. Ainda que por razões outras, mesmo no Plano Básico de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Brasil (PBDCT) para o biênio 73/74 podem-se encontrar reflexos desta posição. Fosse a utilização da tecnologia, e não necessariamente a sua criação, o critério maior a nortear a formulação da política, acreditamos que não só a pesquisa agrícola, mas também, e mais fundamentalmente, as atividades voltadas à difusão de tecnologia agrícola teriam merecido maior destaque que o a elas dado no PBDCT. Aqui, basta lembrar que dos Cr$ 4,3 bilhões para o biênio, o plano prevê a aplicação de Cr$ 1,2 bilhões no desenvolvimento e utilização de novas técnicas na indústria de transformação, 900 milhões nos programas vinculados aos cursos de pós-graduação das universidades brasileiras e tão-somente 480 milhões em programas de tecnologia agrícola. De nosso ponto de vista, este tipo de prioridade quanto ao desenvolvimento tecnológico, para não falar do volume de recursos em termos absolutos colocado para cada atividade, não reflete os verdadeiros interesses do País, principalmente quando se tem em mente que o Brasil ainda é essencialmente agrícola.

É também comum medir-se o "prestígio tecnológico" mais pelo volume de recursos investido na criação de tecnologia do que pelos resultados obtidos com estes investimentos. Embora esta prática em larga medida reflita a extraordinária dificuldade de se medir os efeitos do progresso tecnológico, infelizmente ela tem levado alguns analistas a negligenciarem alguns aspectos do problema tecnológico. Assim é raro encontrarmos discussões sobre os entraves a serem superados a fim de que se logre obter uma tecnologia nacional, e mesmo sobre a identificação de setores que ofereçam condições propícias à sua criação. Aqui basta lembrar que a atividade geradora de tecnologia é extremamente exigente quanto a recursos financeiros e humanos e com resultados bastante incertos. De nada adianta investirmos grande volume de recursos na criação de nova tecnologia se não tivermos desenvolvido as condições necessárias à frutificação destas inversões. Por vezes, é mais sábio importar tecnologia, do que desperdiçar recursos na tentativa de criá-la domesticamente.

A posição aqui assumida é a de que somente com a abordagem do problema quanto à própria natureza do bem, por uns chamado de "conhecimento" ou simplesmente tecnologia, quanto às condições mais propícias à sua produção e comercialização, ou melhor dito, difusão, tudo colocado à luz do fato inegável de que somos um País carente de capital, principalmente capital humano, é que poderemos abrir o debate conseqüente sobre a formulação de uma política tecnológica para o Brasil. Desta forma, tentarei, nos itens que se seguem, identificar a natureza do bem econômico em questão, mostrar em que condições o setor privado da economia o produz com relativa eficiência, para finalmente tecer alguns comentários sobre as questões referentes à formulação de uma política tecnológica para o Brasil.

Devo acrescentar, talvez até desnecessariamente, que com isto não pretendo esgotar o problema, nem tampouco ser o detentor da verdade no que respeita ao entendimento das complexas questões levantadas pela formulação de uma política tecnológica. Meu intuito é o de tão-somente apresentar meus pontos de vista sobre o problema, na esperança de que, pelo debate, possamos vir a melhor servir aos interesses do País.

2. TECNOLOGIA: CARACTERÍSTICAS BÁSICAS

Neste item tentaremos isolar os elementos básicos referentes ao processo de produção e difusão de tecnologia.

Sem pretender eliminar algumas ambigüidades, podemos considerar tecnologia como um bem econômico que, a exemplo de um bem de capital qualquer, tem a dimensão de um estoque que gera um fluxo de bens e serviços por unidade de tempo. Devo acrescentar que tecnologia é um bem não-físico; uma dada técnica é tão simplesmente um conhecimento, uma idéia, um método racional que permite ao homem aumentar o rendimento físico de sua atividade e portanto, eventualmente consumir maior volume de bens e serviços. Contudo, a tecnologia é um bem econômico com características bem especiais.

Em primeiro lugar, devido à inexistência de qualquer padrão que nos possibilite expressá-la em termos unitários e, em larga medida, devido à heterogeneidade de sua própria substância, é praticamente impossível associarmos à tecnologia a noção, tão cara aos economistas, de preço unitário. Cada invenção, cada técnica é única e indivisível. Felizmente esta não é uma característica que apresente dificuldades sérias nas mãos de um analista econômico, nem tampouco das mais marcantes do bem em questão.

Na verdade, uma das mais importantes características do bem reside no seguinte e extraordinário fato: tecnologia, uma vez criada, é um bem livre, foge ao famoso postulado de escassez. Aqui, inexiste o problema do racionamento e portanto, parcialmente se esvazia a necessidade de associarmos ao bem a noção de preço, visto que, uma vez criada - repito - uma dada técnica pode estar sendo utilizada simultaneamente por diferentes empresas ou indivíduos sem que com isto se reduza sua oferta para os seus usuários quando considerados isoladamente. Como ilustração desta proposição, tome uma técnica agrícola qualquer, por exemplo, o conhecimento de que plantar em curva de nível elimina parcialmente os efeitos nocivos da erosão; este conhecimento em si, este bem é indivisível e pode simultaneamente estar sendo utilizado por diferentes agricultores, em lugares diferentes, sem que com isto se coloque o problema de sua escassez. É claro, o mesmo não ocorre com um trator ou com um par de sapatos.

Esta característica, comum à categoria de bens que os economistas convencionaram chamar de bens públicos tais como programas de TV, música, segurança nacional, etc,, tem importantes implicações quanto à eficiência no uso e na produção de tecnologia. De um lado, se o objetivo é maximizar o nível de bem-estar da coletividade, e dado que, uma vez criado, ele é um bem não-escasso, todo novo conhecimento, toda nova tecnologia deve ser distribuída gratuitamente, a preço zero. (Para ser rigoroso, devo dizer a um preço que cubra tão-somente o custo de distribuí-la.) Desta forma garante-se que todos os benefícios gerados por qualquer nova técnica ou novo conhecimento se transferirão aos usuários ou consumidores do bem que a técnica em questão ajuda a gerar. Mas, de outro lado, perguntar-se-á: como então nestes casos poderá o inventor recuperar o capital investido na sua criação, ou mais genericamente, qual é então o estímulo à produção de nova tecnologia? E aqui se pode novamente argumentar em favor de um preço positivo para o bem: claro está que numa economia de mercado não se deve esperar que o setor privado seja movido à produção por fins filantrópicos. Na verdade, a questão é encontrar um equilíbrio entre estes interesses conflitantes: de um lado, o social e, de outro, o individual. Na medida em que se permita ao inventor remunerar seu capital através da criação de uma escassez artificial do bem, (monopólio legal, por exemplo) estar-se-á comprimindo o nível de bem-estar da coletividade. Neste caso o critério clássico de eficiência, (na margem, custo = benefícios) é não satisfeito, a "mão invisível" não trabalha na direção desejada. A escolha é entre a socialização da atividade de pesquisa, que em tese satisfaria a condição de maximização do bem-estar da coletividade, e a solução de compromisso da economia de mercado. A esta questão voltaremos adiante.

E isto não é tudo; ainda em decorrência da característica apontada decorre o problema da propriedade bem ilustrado pelo seguinte: "Possession of property is exclusive; possession of knowledge is not exclusive, for the knowledge which one man has may also be the possession of another." (Powell, citado em Boulding, 1966.) É sabido o quão difícil é conceber um mecanismo institucional, legal que garanta ao inventor o exercício de fato do direito de propriedade sobre sua invenção. Ou seja, é muito difícil detetar a cópia, ou simplesmente, a apropriação indevida da nova invenção por terceiros, dada a característica do bem que ora discutimos. Nem mesmo o monopólio legal dado pelo sistema de patentes necessariamente garante ao inventor uma "justa" remuneração sobre o capital investido na criação de sua invenção. Esta questão também será objeto de discussão mais adiante.

A terceira e última característica do bem em questão a ser realçada diz respeito ao processo de produção inerente à criação de novo conhecimento; o resultado do processo produtivo de tecnologia é mais incerto do que o resultado no caso de outros bens, em pelo menos, três aspectos:

1. Quanto ao tempo necessário à produção do bem (no caso da tecnologia, poder-se-ia mesmo dizer que ele é imprevisível, o que não ocorre no caso dos demais bens).

2. Conseqüentemente, quanto ao volume de recursos necessários à sua criação.

3. Mais fundamentalmente, quanto ao uso econômico ou não do resultado da pesquisa; (não só o novo conhecimento já pode nascer obsoleto, mas também o esforço da pesquisa pode simplesmente não levar a nada).

Desta forma, em função das características apontadas, concluímos este item com as seguintes observações. Em primeiro lugar, numa economia de mercado, em virtude dos desestímulos inerentes ao processo produtivo de tecnologia, é de se esperar que o volume de investimento em pesquisa e portanto o de criação de novo conhecimento seja menor que o volume socialmente desejável. Mais explicitamente, isto decorre, de um lado, dos riscos inerentes ao próprio processo de produção, e de outro, da dificuldade que o responsável pela invenção tem em se apropriar dos benefícios por ela gerados. Do ponto de vista da formulação de uma política tecnológica, o problema portanto se resume em se conceber um mecanismo, legal ou não, que garanta ao inventor a apropriação dos benefícios monetários gerados pela sua invenção de tal forma a remunerar o capital investido na sua criação.

Contudo, e aqui vem a segunda observação, na medida em que tal seja possível, estar-se-ia criando uma escassez artificial que, do ponto de vista do bem-estar geral, é não-desejável. O problema então é manter um equilíbrio entre estas duas forças. Em geral, o Estado é chamado a intervir para garanti-lo. Tal fato coloca inevitavelmente a seguinte questão: como e em que setores de atividade deve o Estado intervir para garantir a produção de tecnologia em níveis adequados? E isto nos conduz à terceira parte de nossa discussão.

3. PRODUÇÃO DE TECNOLOGIA: INICIATIVA PÚBLICA VERSUS INICIATIVA PRIVADA

Em primeiro lugar, pode-se discutir se o Estado deve intervir diretamente, ou seja, produzindo, importando e distribuindo tecnologia gratuitamente ou se indiretamente através da criação e da garantia do direito de exploração de um monopólio, temporário ou não, que possibilite ao investidor em tecnologia remunerar seu capital. A exemplo de outras questões complexas, a esta não se pode dar uma resposta definitiva.

A esta altura, parece-nos inevitável que se pergunte: ora, se só em condições de monopólio na distribuição - escassez artificial - é que o setor privado tem estímulos a produzir tecnologia, por que não então transferir esta tarefa ao Estado? Neste caso, a sociedade como um todo poderia, em tese, usufruir plenamente os benefícios oriundos da inovação tecnológica. Infelizmente, contudo, entre a norma ideal e a praxis, coloca-se um largo abismo. Por exemplo, no caso do setor industrial, dada a dimensão da tarefa em virtude da grande heterogeneidade e especificidade do produto, é pouco provável que possa o Estado não só conduzir o processo produtivo de nova tecnologia de modo eficiente, mas, e mais fundamentalmente, possa ele conceber um sistema de informação que lhe possibilite fixar as prioridades para fins de investimento em pesquisa e desenvolvimento que sejam condizentes com a expressa vontade do público.

E aqui cabe uma ilustração. Em que pese ao extraordinário desenvolvimento tecnológico de pós-guerra da URSS, seu conhecido atraso no que respeita à produção de bens duráveis de consumo, parcialmente se deve à incapacidade do sistema em investir com sucesso em pesquisa e desenvolvimento de tal forma a possibilitar a exploração em escala econômica daquele conhecimento. E a questão não foi somente a de prioridade quanto à alocação de fundos, como o provam os investimentos ocidentais na Rússia, a exemplo do da Fiat.

Devo ainda assim repetir que a questão é complexa e que não comporta uma solução tão cristalina quanto a que o parágrafo anterior parece insinuar.

Nos casos em que o governo monopoliza, por intermédio de suas empresas, um produto qualquer, não há nenhuma razão a priori para se acreditar que ele seja menos eficiente do que o é o setor privado, no que se refere à agregação do progresso tecnológico à produção e comercialização de tal produto.

Na verdade, a experiência de países do chamado mundo ocidental tem mostrado que há uma divisão da tarefa entre as iniciativas privadas e públicas no que respeita à produção, distribuição e absorção de tecnologia.

Para discutirmos os condicionantes desta divisão devemos inicialmente fazer uma distinção entre pesquisa básica e aplicada. No caso da pesquisa básica, processo gerador de conhecimento científico não-passível de aplicação econômica imediata, nada se pode esperar do setor privado. A experiência mostra-nos que a acumulação do conhecimento científico básico, tem sido de responsabilidade quase exclusiva das universidades, dos institutos de pesquisa sem fins lucrativos ou de institutos do próprio governo. Nesta área, o conhecimento, uma vez criado, é um bem livre de fato e de direito; não se cogita da questão de se criar ou não escassez artificial. Do ponto de vista de um país, o único problema é decidir se o governo deve investir na criação de conhecimento básico propriamente dito ou se na criação de um corpo de cientistas - na universidade ou fora dela, ou em ambas - capaz de absorvê-lo no exterior e utilizá-lo como insumo básico na criação de conhecimento passível de uso econômico, de pesquisa aplicada. Em particular, parece não haver dúvidas de que, do ponto de vista de um país em vias de crescimento, a segunda alternativa é a mais adequada. A este ponto voltaremos ainda.

No caso da pesquisa aplicada, processo gerador de conhecimento passível de uso econômico, é onde realmente a questão da divisão de tarefas entre o governo e a iniciativa privada se coloca. Abrindo um parênteses, devo acrescentar que pesquisa aplicada é aqui identificada com o que os americanos chamam de "R" e "D" (pesquisa e desenvolvimento). Note também que esta sigla esconde diferenças básicas entre pesquisa e desenvolvimento. A primeira usualmente antecede a segunda e é menos exigente quanto a custo. Aqui não nos ocuparemos destas diferenças, contudo.

A divisão de trabalho entre a iniciativa privada e a pública no que se refere à "R" e "D" - parece-nos - é condicionada pelo maior ou menor grau de dificuldade de se definir e exercer o direito de propriedade sobre os benefícios diretamente gerados pela nova descoberta. Nos casos, a exemplo do que ocorre no setor agrícola, em que: a) há uma grande homogeneidade do produto e portanto grande alcance dos benefícios potenciais de um dado investimento em "R e D"; b) mais fundamentalmente, há um grande número de produtores num dado mercado, estrutura altamente competitiva, e portanto grande dificuldade de definir e exercer o direito de propriedade sobre os benefícios potenciais do investimento em "R e D" - é muito difícil, face às características apontadas no item anterior, criarem-se incentivos tais que induzam o setor privado a investir na atividade produtora de tecnologia, de novo conhecimento. Daí então, nestes casos, a necessidade da participação maciça do Estado não só na criação, mas fundamentalmente na difusão de nova tecnologia. Isto contudo não implica que se exclua totalmente o setor privado do desempenho destas tarefas. No caso da agricultura, por exemplo, há uma larga gama de produtos industriais utilizados como insumo que são importantes veículos de inovação tecnológica, na produção dos quais o setor privado é particularmente eficiente (entenda aqui setor privado como o produtor doméstico e o externo), a exemplo de tratores, fertilizantes, colhedeiras, etc. Contudo, nas condições especificamente categorizadas em c e b, no que se refere a bens imateriais, tais como: desenvolvimento de técnicas de preparo do solo, melhoria de variedades, técnicas de combate às pragas, etc, pouco ou nada se deve esperar do setor privado. Nestes casos, não há sequer muita escolha: ou o Estado investe nestas atividades ou o setor estagnará, dada a especificidade destes bens quanto ao tipo de solo, clima, etc, dificultando portanto a possibilidade de transplantes tecnológicos entre países ou mesmo regiões.

Nos casos, a exemplo do que ocorre no setor industrial em que: a) há uma grande heterogeneidade e especificidade do produto; b) há uma tendência à concentração da produção de alguns produtos nas mãos de um pequeno número de produtores (oligopólios); c) mais fundamentalmente, dado a e b, há um mercado de grandes proporções para o produto beneficiado pela inovação - tem sido relativamente mais fácil reduzir os desestímulos inerentes à produção de tecnologia numa economia de mercado. Por exemplo, com a criação do sistema de patentes, o inventor adquire um monopólio legal temporário sobre sua invenção que, em princípio, permite-lhe recuperar os recursos investidos na sua criação. Desnecessário até lembrar que a criação do sistema em si não elimina a possibilidade de utilização da invenção por aqueles que não pagam por este direito, pela sua utilização. O problema persiste. Na verdade, como no caso da Inglaterra (Silberston, 1967), o sistema de patentes só parcialmente, e mui parcialmente, tem alcançado seus objetivos. Há mesmo quem afirme que uma patente é tão-somente um direito de processar legalmente os infratores do direito de propriedade, o que, além do mais, quase sempre é muito custoso.

Na verdade, o método mais eficiente encontrado pelo setor privado para eliminar parcialmente os desestímulos inerentes ao processo de produção de tecnologia graças às características apontadas é o dado pelo "segredo industrial". Para a manutenção do "segredo industrial" é necessário, colocando a condição c mais explicitamente, que:

a) a empresa seja ao mesmo tempo produtora e exclusiva usuária de sua invenção (ou mantenha controle sobre os usuários);

b) tenha sob seu controle um amplo mercado consumidor de seu produto, ou seja, seu tamanho seja tal que lhe permita:

b.1) desenvolver várias atividades de "R" e "D" simultaneamente a fim de minimizar os riscos inerentes à produção de tecnologia;

b.2) explorar rapidamente e ao máximo a vantagem que lhe confere a nova tecnologia.

Pode-se manter desta forma uma rápida taxa de expansão tecnológica e portanto uma rápida taxa de obsolescência da tecnologia preexistente no sentido de minimizar a possibilidade de surgimento de imitadores. Aqui, tamanho e controle do mercado são os ingredientes básicos da receita. Não é uma empresa pequena que será capaz de gastar de 2 a 5 bilhões de dólares num projeto de pesquisa, a exemplo do que gastou a IBM para produzir os computadores da chamada terceira geração (veja Vernon, 1972). E mais, se não pela sua posição de oligopolista no mercado mundial, o que lhe confere um certo grau de controle sobre o preço do produto, dificilmente ela se arriscaria a investir tal volume de recursos em pesquisas. De um modo geral, o caso americano é bem ilustrativo a este respeito; a liderança americana no que concerne ao desenvolvimento tecnológico muito deve não só à riqueza e dimensão de seu mercado doméstico, mais também à sua estrutura industrial, fortemente oligopolizada. Há mesmo quem afirme que a extraordinária expansão das empresas multinacionais americanas seja uma simples extensão deste desenvolvimento. Argumenta-se que é através do controle destas empresas que não só se garante a exploração monopolista mais rápida do insumo tecnológico, mas também a preservação do chamado segredo industrial. Vernon (1972) reporta, por exemplo, com nenhuma estranheza que, se isolarmos as 187 mais importantes empresas multinacionais americanas, estaremos simultaneamente isolando quase que exaustivamente não só as mais inovadoras do ponto de vista tecnológico, mas também aquelas fortemente oligopolizadas.

A esta altura, parece-me inevitável que de novo se pergunte: se só em condições de monopolistas é que o setor privado tem estímulos a produzir tecnologia, o que dizer então da questão do nível de bem-estar da coletividade como um todo? Infelizmente sou obrigado a confessar minha impotência diante de tal questão. Contudo, como resposta, ofereço uma outra questão ao leitor: teríamos alcançado a presente taxa de desenvolvimento tecnológico tivesse o Estado sido o responsável pela produção e distribuição de tecnologia no lugar do setor privado da economia? E aqui nos arriscamos: possivelmente não!

Agora que discutimos algumas questões referentes às características inerentes ao bem tecnológico, passemos' à parte final de nosso trabalho.

4. POLÍTICA TECNOLÓGICA BRASILEIRA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

A luz das observações anteriores, neste item tentaremos esboçar, a título de sugestão, uma escala de prioridades que ao nosso ver deva nortear a política tecnológica brasileira.

Somente através do progresso tecnológico é que se poderão manter elevadas taxas de crescimento do produto no tempo e, desde que somos um país carente de recursos, principalmente de recursos humanos, é natural que pensemos em fixar prioridades quanto à alocação de recursos na atividade de pesquisas no sentido de se criar nova tecnologia, a fim de que o objetivo a ser alcançado - manutenção de altas taxas de crescimento do produto - possa ser realizado com o menor sacrifício possível de recursos, sem que com isto se coloquem ameaças à preservação da soberania nacional.

Em primeiro lugar, devemos fixar posição em relação à alocação de recursos entre pesquisa básica e aplicada. Sabendo-se que conhecimento científico básico é de fato e de direito um bem livre e dado nosso atual estágio de desenvolvimento, acreditamos que devemos dar proeminência à pesquisa aplicada na formulação de nossa política tecnológica. No uso do conhecimento básico, não só a importação é livre do ônus financeiro mas também devemos ter em mente nossa incapacidade técnica e financeira de duplicar, com a mesma possibilidade de sucesso, o esforço de pesquisa realizado em países desenvolvidos. Aqui, nossa preocupação deve-se concentrar na criação de um corpo científico capaz de absorver conhecimento básico desenvolvido no exterior, e utilizá-lo como insumo básico em nosso esforço doméstico de pesquisa aplicada. E parece-nos que o "habitat" natural para este desenvolvimento esteja nas universidades e nos institutos de pesquisa sem fins lucrativos. É claro, isto não significa que se abandone totalmente a pesquisa básica no País; não só ela terá seu crescimento vegetativo normal, mas, áreas há em que um esforço maior em termos de recursos será realizado no desenvolvimento da pesquisa básica, visto inexistir a alternativa da importação. Exemplo flagrante desta necessidade no Brasil é a carência de conhecimento que nos possibilite superar as dificuldades postas pela floresta tropical, dificuldades estas que vão desde nossa impotência para aproveitar o solo tropical úmido para fins agrícolas devido ao efeito da erosão, até mesmo à ignorância das reais dimensões físicas da floresta amazônica. Nesta área não se deve esperar que esforços de pesquisa sejam realizados por outros países; o problema é somente nosso e a nós compete resolvê-lo.

Nossa posição quanto à primazia dada à pesquisa aplicada pode talvez melhor se expressa através de um exemplo. É mais eficaz para o Brasil e talvez para o mundo que nosso esforço quanto à pesquisa básica se concentre mais no sentido de conduzir a um melhor entendimento dos efeitos da chuva e da umidade sobre o solo agrícola amazônico do que na tentativa de identificar causas e buscar soluções para o câncer, visto que neste último caso pouco podemos fazer comparado aos esforços realizados pelos países desenvolvidos, enquanto que no primeiro caso, a ninguém, exceto a nós mesmos, interessa a imediata criação de novo conhecimento que nos capacite a melhor entender aquela realidade.

Desta forma, exceto em áreas bem específicas, cuja identificação pode mesmo ser objeto de investigação, a pesquisa básica deve ocupar uma posição menos proeminente que a aplicada, na formulação de nossa política tecnológica. Na verdade, deve-se restringir todo esforço no âmbito da pesquisa básica às áreas nas quais não haja a alternativa de utilização de conhecimento vindo de outros países. No mais, todo esforço deve dirigir-se no sentido de promover a pesquisa aplicada.

Em relação a esta última, antes de prosseguirmos convém enquadrá-la em duas subcategorias. Na primeira categoria enquadramos o tipo de conhecimento que gera benefícios não-passíveis de apropriação por parte de quaisquer indivíduos ou empresas; na outra categoria, é claro, está o tipo que gera benefícios passíveis de apropriação. Como notado anteriormente, esta divisão depende, menos ou quase nada, da natureza do conhecimento em si ou da pesquisa que o gera, e mais, das condições de mercado do produto que eventualmente venha a se beneficiar do novo conhecimento. Nos casos em que a atividade de pesquisa é dirigida para produtos relativamente homogêneos advindos de grande número de produtores, o conhecimento pesquisado enquadra-se na primeira categoria, enquanto que se coloca na segunda o conhecimento gerado por pesquisa dirigida para produtos heterogêneos e de estrutura produtiva menos competitiva. É claro, esta divisão não é exaustiva; exclui-se por exemplo aquelas atividades que, embora controladas diretamente pelo setor privado e, por vezes, também altamente competitivas, vivem à mercê de grandes contratos com o setor público, a exemplo de algumas firmas de engenharia de projetos e empreiteiras de grandes obras públicas. O problema da pesquisa aplicada neste tipo de empresa será abordado rapidamente no final deste item.

4.1 Agricultura

A atividade de pesquisa aplicada no setor agrícola oferece o exemplo mais conspícuo do tipo de atividade geradora de conhecimento cujos benefícios não são passíveis de apropriação por parte de empresas ou indivíduos. Nestes casos, como indicado anteriormente, compete ao Estado a responsabilidade de criar e difundir novas técnicas agrícolas.

Para termos uma idéia da importância desta tarefa no caso do Brasil, basta lembrarmos ao leitor que apesar de sua reconhecidamente grande importância relativa na economia brasileira, seja quanto ao volume de emprego, seja quanto à geração do produto, as atividades agrícolas ainda apresentam baixíssimo nível de produtividade física quando comparadas com experiências similares no exterior. Por exemplo: rendimento físico por área das principais culturas brasileiras é, não raro, inferior à metade ou mesmo a um terço do equivalente aos Estados Unidos. E o que é pior, o nível de produtividade parece ter-se mantido relativamente estagnado nos últimos 20 anos; em estudo em fase final de elaboração, Pastore reporta que talvez com exceção do Estado de São Paulo, o acréscimo do produto agrícola nos últimos 20 anos pode ser explicado mais pela ampliação da área cultivada e pela substituição de culturas, do que por ganhos de produtividade, por área ou por homem, dentro de uma mesma cultura.

Inspirados nas evidências apresentadas por Schultz (1964) e outros, acreditamos que a pobreza relativa da agricultura brasileira dependa menos do grau ínfimo de mecanização da atividade agrícola e mais do nosso baixo grau de utilização de insumos imateriais, tais como:

a) técnicas modernas de tratamento e recuperação do solo;

b) técnicas de aperfeiçoamento e criação de novas variedades de sementes, adaptadas às nossas condições específicas de clima e solo;

c) qualidade dos recursos humanos empregados no campo.

Em função destas observações, acreditamos como até impostergável a necessidade de se carrear prioritariamente, através do Estado, elevado volume de recursos às atividades de pesquisa agrícola. Devido ao elevado grau de imobilidade das inovações tecnológicas no setor agrícola e da mão-de-obra rural, entre países - e mesmo entre regiões de um dado país - não nos resta outra alternativa senão a de nos envidarmos na tarefa de criar uma tecnologia cabocla. Entre outras coisas, o Estado deve promover prioritariamente:

a) estudos de recuperação e trato do solo (como ilustração, basta lembrar os efeitos alarmantes da erosão em terras agricultáveis do Rio Grande do Sul);

b) estudo para introduzir novos produtos, criar novas variedades de sementes adaptadas 108 às microrregiões brasileiras quanto a solo, clima, resistência à praga, etc...

(Aqui o exemplo do milho híbrido é bem ilustrativo; embora se possa importar - por sinal, graciosamente - a técnica de hibridização, é necessário que se realizem domesticamente investimentos para a criação de sementes adaptadas às condições específicas das microrregiões do Brasil);

c) estudos que visem a melhoria das técnicas de combate às pragas (exemplo, combate à ferrugem do café);

d) treinamento de cientistas agrícolas capazes de desenvolver pesquisas sobre problemas específicos da agricultura brasileira;

e) estudos para a melhoria qualitativa do plantel bovino, etc.

A bem da verdade, o problema maior, contudo, não reside na criação de nova tecnologia, e sim na difusão desta e mais fundamentalmente na divulgação da preexistente a ela. E aqui reside o problema de mais difícil solução na concepção de uma política tecnológica para a agricultura. Para a solução, é necessário que recursos sejam carreados, de um lado, à criação de um sistema eficiente de informação e, de outro, à efetivação de um mecanismo através do qual se eduque o homem do campo a fim de que possa ele absorver a informação e utilizá-la no processo produtivo.

A tarefa é enorme; basta pensarmos na extensão territorial do País, no número de culturas a ser atingido e no grau de alfabetização do camponês brasileiro, para não falar da inexistência de recursos humanos necessários à execução da tarefa, para que possamos avaliar a sua dimensão. Se a isto adicionarmos o fato de termos de partir de uma base extremamente pequena, a coisa se torna mais complexa ainda. Em função destas observações, parece-nos claro que em termos de estratégia global, o setor agrícola deva merecer prioridade um quanto à alocação dos recursos carreados para pesquisa e desenvolvimento. Infelizmente, o setor agrícola tem sido relegado a uma posição secundária em favor do fomento à industrialização em função de crença quase generalizada de que é somente através da industrialização que se poderá vencer a barreira do subdesenvolvimento. O que é esquecido, contudo, é que a precondição necessária para tal é que a sociedade também seja capaz de fabricar o ingrediente básico à sua própria substância, de produzir alimentos eficientemente e de eliminar a miséria a que está sujeito o homem do campo.

4.2 Setor industrial e serviços

É claro que ao darmos prioridade um ao desenvolvimento tecnológico agrícola, não nos colocamos no extremo oposto de negligenciar o desenvolvimento da atividade de pesquisa no setor industrial. Aqui no entanto, o problema tecnológico assume uma dimensão bem diferente. Como vimos, a grande heterogeneidade do produto industrial e a tendência natural à concentração de sua produção nas mãos de umas poucas empresas já torna possível um mecanismo pelo qual o inventor possa apropriar-se, pelo menos parcialmente, dos benefícios de seu invento de tal forma a remunerar seu capital. Também indicamos que nestas condições talvez seja mais eficiente e lógico a não-ingerência do Estado, a não ser como um elemento de apoio ao setor privado da economia. E mais, também indicamos que quanto maior a empresa e quanto maior o grau de controle que ela exerce sobre o mercado, provavelmente maior a velocidade com que o setor privado agrega ao seu produto o progresso tecnológico (para maior detalhes, veja item anterior).

Ao apreciarmos estes aspectos do problema no caso brasileiro, em primeiro lugar faremos observações sobre o setor industrial privado, ou seja, por enquanto excluiremos da discussão as empresas controladas pelo setor público. No caso brasileiro, devido à pequenez de seu mercado, de um lado, e da própria empresa em relação ao mercado, de outro, praticamente inexistem as condições (que foram apontadas no item anterior) nas quais o setor privado tem estímulo em investir na criação de tecnologia. Nos casos em que estas condições aparecem, ainda que parcialmente, a exemplo do que ocorre no setor automobilístico ou no setor siderúrgico, ou as empresas são controladas por não-nacionais, e, por vezes, fazem parte das chamadas multinacionais ou são controladas pelo governo.

Na verdade, o setor industrial privado e nacional está num mercado relativamente exíguo e ainda assim suas empresas são relativamente pequenas, seja quanto ao suprimento do mercado, seja quanto ao seu capital próprio. Nestas condições, é pouco provável que elas tenham estímulos a investir na criação de nova tecnologia. Nos casos das empresas ditas multinacionais, a questão é um pouco mais complexa; de seu ponto de vista, é claramente mais vantajoso importar tecnologia da matriz do que realizar pesquisas em pequena escala domesticamente, o que envolveria a perda das economias de escala inerentes ao processo produtivo de novo conhecimento. Poder-se-ia pensar em se criar estímulos a fim de que as multinacionais sejam tentadas a transferir seus quartéis-generais para o Brasil, a exemplo do que aconteceu em alguns casos na Europa. Isto contudo nos parece impraticável, a curto prazo, devido à carência de capital humano no Brasil.

De certa forma, isto nos parece indicar em particular que a questão da tecnologia nacional pelo setor industrial privado tem que ser postergada por alguns anos, até que as condições mínimas apontadas no item anterior comecem a surgir.

Até lá, a questão de se formular uma política tecnológica para o Brasil neste setor transformar-se-á, em primeiro lugar, numa questão de se conceber um mecanismo através do qual o País importe tecnologia de modo eficiente e, em segundo lugar, numa questão de se criar as condições propícias ao desenvolvimento tecnológico autônomo do setor privado. A este respeito, convém notar que não será através de expedientes simplistas a exemplo de incentivos fiscais a firmas individuais - o que pulveriza e assim minimiza a possibilidade de êxito do esforço de pesquisa - que se capacitará a empresa brasileira a promover este desenvolvimento.

A esta altura, deve-se pensar em congregar esforços a fim de se minimizar os riscos inerentes à produção de novo conhecimento. Neste sentido, parece-nos que os sindicatos patronais possam desempenhar um importante papel como aglutinadores de interesses visando a criação de experiências-piloto de pesquisa o que, na pior das hipóteses, exercerá um papel educativo no sentido de interessar cientistas, técnicos e empresários na resolução dos problemas específicos de cada subsetor industrial.

Nas áreas dominadas pelas empresas do governo, o quadro muda substancialmente. Nestes casos, embora a questão do controle de mercado não se coloque, o pequeno senão ao desenvolvimento eficiente da tecnologia nacional é dado pelo ainda incipiente tamanho do mercado onde as empresas em questão atuam. Felizmente contudo, como nestes casos o objetivo de lucro pode ser parcialmente sacrificado em nome do interesse nacional, acreditamos que as empresas do governo tenham importante papel a desempenhar na criação e difusão da tecnologia nacional. E a este desenvolvimento, deve-se dar prioridade dois na escala geral de preferências quanto à alocação de recursos em pesquisa aplicada. Convém notar que dadas as características dos setores dominados pelas empresas públicas no Brasil, estes investimentos não só têm um caráter defensivo do ponto de vista tecnológico propriamente dito, mas também são importantes ingredientes de uma política de segurança nacional. As áreas nas quais estas características são dominantes compreendem prospecção, exploração, refino e distribuição de petróleo e derivados, exploração e comercialização de recursos minerais, comunicações, produção e distribuição de produtos siderúrgicos e distribuição de energia elétrica.

A presunção de que os investimentos nesta área venham a ser bem sucedidos advém do fato de que em alguns destes setores as empresas do governo já deram provas de sua eficiência, a exemplo do que vem ocorrendo na área de geração de energia hidrelétrica.

Não posso deixar de salientar, contudo, que este tipo de política venha acentuar o já crescente domínio do setor público na vida econômica do País. Infelizmente ou não, esta é uma tendência que hoje me parece irreversível, contudo.

Passamos agora ao caso das empresas privadas que mantêm uma relação mais ou menos simbiótica com o governo, a exemplo das grandes empreiteiras no setor de construção civil e das grandes firmas de engenharia de projetos. Nestes casos, o risco de produção de tecnologia do ponto de vista da empresa é, em larga medida, eliminado pelo fato de que ao contratar um serviço, o governo o adquire não na base de preços fixados a priori, mas responsabilizando-se não somente pelo custo direto que tais serviços venham a exigir, mas também por um adicional sobre este, comumente chamado de over-head.

Assim, através do over-head ou não, o governo pode subsidiar diretamente a atividade de pesquisa destas empresas, propiciando desta forma fortes estímulos à criação de know-how nacional. E aqui está uma área que não deve escapar à atenção dos responsáveis pela formulação da política tecnológica nacional. A materialização de um projeto do tipo do da ponte Rio-Niterói ou do de Itaipu não só possibilita a absorção de tecnologia estrangeira em larga escala, mas também em si mesma se constitui um gigante laboratório gerador de tecnologia nacional. É claro, pode-se argumentar que em certas circunstâncias esta é uma maneira bem custosa de se promover a criação dessa tecnologia. De qualquer forma, aqui temos um importante instrumento que pode ser acionado com duplo objetivo: fomentar a criação de tecnologia nacional e fortalecer a empresa nacional.

Devo salientar que em nenhum dos setores anteriormente mencionados pode-se prescindir da cooperação vinda do exterior. A associação e mesmo competição com empresas estrangeiras é fundamental não somente do ponto de vista de se criar domesticamente uma mentalidade inovadora, mas também e fundamentalmente do ponto de vista de difusão e absorção de tecnologia alienígena.

A contribuição do know-how estrangeiro é particularmente importante na área da indústria de transformação (setor privado). Aqui, os principais canais de importação são:

a) investimento direto, com controle majoritário nas mãos de residentes no exterior; aqui especialmente importante é a participação das multinacionais. Dificilmente se poderia conceber veículo de transmissão mais eficiente, embora este tipo de investimento suscite sérias questões políticas quanto ao controle da economia por não-residentes;

b) joint venture, associação de capital estrangeiro ao nacional, na exploração de um dado produto. Este veículo embora menos eficiente que o anterior, elimina parcialmente os problemas políticos de controle;

c) contratos de assistência técnica e de licença para a exploração de know-how, entre nacionais e não-residentes. Este é claramente o canal menos eficiente. Não raro, os contratantes se unem e desaparece a empresa nacional ou entram em conflito. Na verdade, nestes casos o equilíbrio é bastante instável a exemplo do que ocorre em situações de monopólio bilateral;

d) apropriação ilícita (sem remuneração) de tecnologia alheia. Este expediente, segundo alguns, foi e tem sido utilizado pelo Japão e pela Itália, entre outros. Contudo, sua eficiência depende, de um lado, da preexistência de uma base industrial relativamente sofisticada para absorvê-la, e de outro, da presença de capital humano capaz de realizar essa apropriação.

No atual estágio de desenvolvimento da economia brasileira acreditamos que os dois primeiros canais sejam aqueles que devam merecer maior atenção por parte das autoridades. De qualquer forma, exceto pelo último, qualquer que seja o método empregado não podemos escapar ao custo financeiro e até político de tal importação. E aqui a preocupação reside na concepção de um mecanismo legal que coiba possíveis abusos. Neste particular, nossa legislação embora possua um espírito bastante razoável, não-xenófobo, carece de uma consolidação que elimine a multiplicidade de decretos, portarias, etc. que a vem transformando desde sua promulgação no início dos anos 60. Poder-se-ia também dizer que ela deveria refletir melhor a presente realidade brasileira. Como ilustração deste seu não-enquadramento à situação atual, basta lembrar que data de 1958 a portaria que fixa os limites para remessas para o exterior a título de pagamento de assistência técnica.

Para finalizar este artigo, queremos registrar o fato de que nosso setor industrial privado e nacional ainda por muito tempo dependerá da importação de tecnologia para seu crescimento, daí então a necessidade da reformulação de nossa legislação que regulamenta o capital estrangeiro no Brasil, com especial referência aos investimentos diretos e às associações do tipo de joint venture. Sem dúvida, esta é uma política não isenta de riscos. Contudo, o que caracteriza a disposição de uma coletividade que aceita o desafio do desenvolvimento é sua capacidade de assumir riscos e disposição para vencer desafios. Portanto, não temos razão para temer o capital estrangeiro.

No mais, devo lembrar-lhes que ainda somos um país subdesenvolvido e essencialmente agrícola e que, a curto e médio prazo, nosso desenvolvimento econômico estará condicionado ao desempenho das atividades agrícolas, as quais, por sua vez, dependerão fundamentalmente de nossa capacidade para vencer obstáculos à sua modernização. Para esse fim, deve-se dar proeminência à atividade de pesquisa no setor agrícola quando da formulação de nossa política tecnológica.

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  • Vernon, R. The economic and political consequences of multinational enterprise: an anthology. Boston, Harvard University Press, 1972. Veja especialmente cap. 3.
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    Palestra proferida no I Seminário de Tecnologia Nacional, Fundação Getulio Vargas, São Paulo, 29 de janeiro de 1974.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 1974
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