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O progresso do mercado brasileiro de capitais uma avaliação crítica

ARTIGOS

O progresso do mercado brasileiro de capitais uma avaliação crítica* * Os autores ficam penhorados a Octávio Gouvea de Bulhões, Mario Henrique Simonsen, Denio Nogueira, Alberto Sòzin Furuguem, Paulo Cícero de Lima Baptista e Ary Cordeiro Filho pelas críticas e sugestões apresentadas. Os erros que por acaso perdurem são de exclusiva responsabilidade dos autores. As opiniões expressas representam os pontos de vista dos mesmos e não, necessariamente, das instituições de que fazem parte.

Sebastião Marcos VitalI; Walter L. Ness JrII

IRedator-chefe de Conjuntura Econômica e professor da Escola de Pós-Graduação em Economia, EPGE, Instituto Brasileiro de Economia, Fundação Getúlio Vargas

IIAssistant-professor of Finance, New York University, Graduate School of Business Administration

1. Introdução

O Brasil experimentou, na primeira metade dos anos 60, uma das mais turbulentas fases de sua história econômica, política e social no presente século. O produto real per capita depois de elevada taxas de crescimento em 1961, mostrou tendência decrescente, acusando variações negativas em 1963 e 1965, e nula em 1964.

A nova ordem implantada em 1964 propiciou uma série de medidas saneadoras em todos os setores da atividade econômica, plantando as bases para o crescimento acelerado que se vem observando desde 1968, com taxas nunca inferiores a 9 % a.a.

As mudanças que propiciaram as condições necessárias ao progresso atual foram de várias ordens, mas merecem destaque as relacionadas com os mercados monetários e de capitais. A criação do Banco Central, a instituição da correção monetária e a lei de mercado de capitais (lei n.º 4.728 de 1965) são marcos básicos de uma nova fase.

Na atualidade, as atenções internacionais têm estado voltadas para a performance do sistema financeiro nacional e já há quem o classifique como tão desenvolvido quanto os de nações altamente industrializadas. O presente estudo compara o desempenho do mercado brasileiro de capitais com o de mercados de outras nações. A matéria, apesar de algumas limitações de ordem estatística, poderá mostrar a singularidade do desenvolvimento do mercado brasileiro de capitais e questionar sobre seu futuro papel.

Antes da abordagem da parte factual, algum tempo será dedicado a volteios (julgados produtivos) tendentes a dar aos leitores uma visão didática das funções dos mercados de capitais e sua significação para os países menos desenvolvidos.

2. A função dos mercados de capitais

Os mercados financeiros estão tão presentes no dia-a-dia dos sistemas capitalistas que se perdem de vista as condições necessárias para seu florescimento, parecendo que eles são instituições inerentes aos sistemas. Verdade, contudo, é que as coisas não são assim tão simples. Imaginemos um sistema onde as unidades econômicas - famílias, governo, empresas - tivessem orçamentos equilibrados, isto é, que cada uma dependesse exatamente do que produzisse. Numa economia como essa, não haveria incentivo à existência do mercado de capitais e à atuação das instituições financeiras; por mais alto que fosse o nível de renda, a poupança e investimento estariam presentes, mas se dariam dentro das próprias unidades econômicas. A poupança teria como contrapartida ativos tangíveis. A emissão de obrigações seria nula. Por outro lado, pode-se imaginar uma sociedade onde os mercados financeiros floresceriam rápida e aceleradamente. Para tanto, bastaria supor que algumas unidades acusassem déficits e outras superávits. Num exemplo extremo, poderíamos considerar uma sociedade onde todos os gastos correntes e de capital fossem feitos por "unidades de dispêndio" (spending units), que não recebessem nenhuma renda, e que toda renda fosse percebida por "unidades poupadoras" (saving units). Um grupo teria deficit equivalente às suas compras e outro superavit igual à sua renda.1 1 Gurley, John G. & Shaw, E. S. Financial intermediaries in the savings and investiment process. Journal of Finance, may 1965. Supondo que o sistema fosse fechado, ter-se-ia, no final do período, o primeiro grupo emitindo obrigações no montante de seus gastos e o segundo acumulando ativos financeiros equivalentes ao total de sua renda.

A transferência dos recursos dos "poupadores" aos "consumidores" poder-se-ia fazer através de dois canais: a) obrigações primárias ou diretas; b) obrigações indiretas.

No primeiro caso, as entidades emissoras dos títulos (unidades deficitárias) os negociariam diretamente com o mutuário, alargando o mercado de capitais, mas não incentivando a expansão dos intermediários financeiros.

Na segunda hipótese - obrigações indiretas - as unidades investidoras colocariam seus títulos junto aos intermediários financeiros e estes, por sua vez, lhes transfeririam fundos obtidos no passado (ou no presente) através de venda de suas próprias obrigações ao público (poupadores).

Assim, faz-se mister diferenciar o desenvolvimento dos mercados de capitais do aprimoramento das instituições financeiras. É óbvio que a emergência do primeiro tem sempre grande impacto sobre o segundo. Contudo, mesmo em mercados desenvolvidos é comum que muitas transações se processem sem a intervenção dos intermediários financeiros.

O exemplo didático anterior mostra que se calculássemos o quociente "obrigações emitidas/produto nacional" no primeiro caso, o resultado seria 100%, significando que as emissões de ativos financeiros igualariam o produto nacional. Assim, este quociente pode ser considerado um primeiro indicador do nível de desenvolvimento de qualquer mercado de capitais. Quando se incluem os intermediários financeiros no circuito, pode-se afirmar que, quanto mais alta a relação em foco, mais desenvolvido o mercado.

O levantamento do quociente citado para os países desenvolvidos e em desenvolvimento mostra padrões muito diferenciados para os primeiros, acusando relações bastante mais elevadas. As causas das divergências são, primariamente: a) nível de autofinanciamento das unidades produtivas; b) financiamento de investimento fora do mercado institucional (mercado paralelo); c) programas oficiais de financiamento; d) financiamentos estrangeiros; e) taxa de inversão.

O autofinanciamento, se por um lado reduz a dependência das unidades produtivas dos recursos de terceiros, por outro, coetens paribus, deprime o nível de atividade do mercado de capitais e reduz a intermediação financeira. A excessiva dependência de recursos de terceiros, por seu turno, introduz instabilidade nos planos de investimentos e pode aumentar o custo de capital para as empresas. O nível ótimo de autofinanciamento é ainda questão controversa.

A criação de mercados fora dos institucionais representa um "vazamento" que tende a deprimir o nível de operações dos mercados organizados e sua eficiência. E essa distorção é, na maioria das vezes, oriunda de regras rígidas e irrealistas do governo no que tange à taxa de juros. Tabelamentos tendentes a fixar qualquer preço abaixo do que vigoraria livremente no mercado levam, inexoravelmente, a "mercados paralelos".

O terceiro ponto, financiamento de várias atividades por programas governamentais, advém da não confiança no mecanismo de preços como melhor alocador de recursos e/ou das decisões mais políticas que econômicas. O efeito final, qualquer que seja o móvel, é reduzir a atividade nos mercados institucionais e distorcer os critérios de eficiência.

No caso do financiamento estrangeiro, as unidades produtivas tendem a emitir obrigações que são colocadas diretamente junto aos supridores de recursos sem a participação de intermediários. É claro que o esquema não tem de ser este, necessariamente, mas é comum que assim aconteça.

Finalmente, os países desenvolvidos têm mostrado maior taxa de inversão no correr dos tempos, ensejando maior emissão de obrigações. A suposição subjacente ao argumento consiste em que, num sistema capitalista, o acréscimo do estoque de capital, pelo setor privado, é acompanhado de emissões de capital, seja sobre a forma de subscrição em dinheiro, incorporação em conta corrente, ou criação de novas sociedades.

3. Desenvolvimento do mercado de capitais: Brasil x países selecionados

Para análise da situação do mercado brasileiro de capitais, compararemos as cifras nacionais com as de outros países: Estados Unidos, França, Itália, Holanda, Reino Unido, Suíça, Japão e Alemanha Ocidental, e em alguns casos, outros considerados "menos desenvolvidos". É preciso ressaltar que, embora todas as estatísticas provenham praticamente de três fontes - FMI, OECD e Hugh Patrick e U. Tun Wai (Stock and bond issue and capital market in less developed country), é provável que haja discrepâncias, vez que não temos informações suficientes para julgar sua homogeneidade. De qualquer modo, é de se esperar que as cifras dêem idéia razoável dos mercados em questão.

O mercado brasileiro de capitais tem mostrado nos anos recentes desempenho inteiramente diverso do observado no passado. Até 1964, o sistema financeiro nacional encontrava-se numa conjuntura típica de um país menos desenvolvido, aliada a inúmeras distorções causadas pelo binômio inflação-lei da usura. Nos anos seguintes à lei de mercado de capitais, a situação modificou-se substancialmente com o sistema, passando a desempenhar papel análogo ao dos mercados dos países desenvolvidos. Para corroborar tal afirmativa, elaborou-se a tabela 1, onde o quociente "emissões de obrigações/produto nacional bruto" cujo significado foi anteriormente discutido - é calculado para o Brasil e 11 outros países. No presente caso, estão consideradas como obrigações as ações e instrumentos de débito, sejam do setor privado ou governamental.

A inspeção da tabela 1 mostra que o Brasil ocupava, em relação ao quociente em questão, o sétimo lugar em 1961, passando ao segundo em 1970, ficando atrás apenas da Holanda, superando países como EUA, Reino Unido e Japão para citar apenas alguns. Em comparação com os países menos desenvolvidos, no período 1963/68, pode-se observar que apenas a Venezuela teve desenvolvimento similar ao do Brasil, sendo contudo superado a partir de 1967.

Quando se desdobram os dados da tabela 1 em ações e instrumentos de débito, a situação modifica-se bastante. A posição brasileira, no que concerne à relação débito/PNB, torna-se menos destacada mostrando, entretanto, acentuado progresso após 1964, atingindo em 1970 nível de destaque. Em 1961, em termos da variável em questão, o Brasil era superado por sete das oito nações desenvolvidas da amostra (só o Reino Unido estava em situação inferior). Em 1970, apenas quatro das oito acusaram relação superior à brasileira: Holanda, EUA, Itália e Japão.

Tabela 2

Na verdade, à medida que as taxas inflacionárias foram sendo reduzidas e a correção monetária posta a funcionar, a emissão de instrumentos de débito cresceu acentuadamente. As influências da nova ordem econômica fizeram-se sentir. Quanto aos países menos desenvolvidos, não foi possível obter dados relativos àqueles instrumentos.

Se do ponto de vista dos instrumentos de débito, nossa situação não é excepcional, sob o ângulo do lançamento de ações (como percentagem do PNB) somos líderes absolutos. Em todo o período 1961/70 as novas emissões mostraram evolução comparável a dos mercados mais adiantados.

De 1965 para cá, os lançamentos de ações como percentagem do PNB superaram largamente as de todos os outros mercados, dando segura indicação do desenvolvimento do sistema financeiro nacional. Para o período 1961/70 a média nacional ultrapassou, por longa margem, a de todos os demais concorrentes. Para 1971, embora não se disponham de cifras comparativas para os outros países, pode-se afirmar com base nas evidências que as unidades produtivas brasileiras foram as que mais emitiram ações: 7,7% do PNB.

Tabela 3

A performance recente, se de um lado indica o esforço tendente a reduzir a diferença do nosso nível de desenvolvimento com o das demais nações, do outro, põe à mostra alguns aspectos que merecem a devida consideração: a) a estrutura do capital das empresas nacionais é fortemente baseada em ações e financiamentos de curto prazo, não se aproveitando na medida desejável as vantagens do débito direto de médio e longo prazo sob a forma de debêntures, debêntures conversíveis etc; b) é necessário que se coíbam os abusos das instituições financeiras de modo a que o lançamento de novas ações não se faça de maneira desordenada e abrupta, criando clima especulativo e tendente a reduzir a rentabilidade geral do mercado por excesso de oferta.

Para o futuro próximo, a emissão de ações (ou débito) deverá continuar elevada, pois o nível de autofinanciamento das empresas nacionais é relativamente baixo em relação aos padrões internacionais. Além do mais o nível de autofinanciamento das empresas não é suficiente para atender ao crescimento acelerado dessas instituições, desenvolvimento esse induzido pelas altas taxas de crescimento do produto interno bruto.2 2 Conjuntura Econômica, resultados das sociedades anônimas. Vários números. Na verdade, a relação dividendos/lucros é, no Brasil, inferior ao das empresas americanas; mas nossas necessidades de recursos para maior taxa de crescimento econômico são também maiores.

A tabela 4 mostra que no período 1966/70 o Brasil foi amplamente superado em termos de autofinanciamento das empresas por países, tais como EUA e Reino Unido, suplantando de maneira sensível apenas a Nicarágua. O lado negativo dessa evolução já foi anteriormente discutido e o aspecto positivo é que de certo modo isso representa potencial para o futuro desenvolvimento do mercado.

4. O mercado secundário

Se os resultados têm sido excelentes do ponto de vista dos lançamentos - mercado primário - não é outra a conclusão quando se encara o mercado secundário.

A comparação do quociente transações em bolsa/PNB entre o Brasil, EUA e Reino Unido mostra que o movimento de nossas bolsas de valores (principalmente Rio e São Paulo) atingiu níveis comparáveis aos dos mercados bursáteis mais desenvolvidos do mundo, apesar de inferiores aos observados no Japão (cerca de 30%)

Para dar idéia mais clara da posição das transações brasileiras elaborou-se a tabela 7 onde constam dados para alguns países em desenvolvimento em duas datas selecionadas: 1963 e 1969. Como se pode notar, as bolsas de valores em países menos desenvolvidos representam papel muito modesto quando se compara o total das transações com o volume do PNB. No caso do Brasil, observou-se até 1969, padrão de comportamento similar ao dos países subdesenvolvidos. A partir de então, o quociente cresceu de maneira acentuada atingindo, em 1971 (12,5%), nível comparável ao observado em mercados desenvolvidos.

O desempenho recente torna-se ainda mais notável quando se lembra que em 1965 o citado quociente era de apenas 0,10, ou seja, foi muitiplicado por 125, em período de sete anos. É fora do comum se observar que entre 1970 e 1971 a relação transações/PNB multiplicou-se por cinco.

Esse abrupto crescimento do nível das transações, extremamente saudável do ponto de vista da liquidez, trouxe em seu bojo elementos indesejáveis e até mesmo perniciosos ao futuro desenvolvimento do mercado. Assim, a maioria dos investidores leigos passou a considerar os investimentos em Bolsa como uma roleta, onde apenas o azar predomina. As considerações técnicas foram deixadas de lado, observando-se entradas maciças de novos investidores no mercado, sem os conhecimentos mínimos adquiridos. Apartamentos, casas, automóveis e outros bens foram vendidos e os recursos aplicados nas bolsas na ânsia de lucros fáceis. Um clima de euforia tomou conta das transações. A relação preço/lucro para uma amostra de 33 ações (das mais transacionadas) atingiu, em junho de 1971, o elevado nível de 30; em países desenvolvidos poucas vezes o citado indicador superou 20. Quando o mercado começou a se acomodar aos devidos níveis, observou-se o comum nessas ocasiões: desespero e pesadas perdas dos últimos a chegarem às bolsas e, na maioria das vezes, pequenos investidores. Em junho de 1972, a relação preço/lucro das ações das mesmas 33 firmas reduzira-se 13,3. O efeito de tais experiências, de modo geral, é tornar o pequeno investidor avesso às operações em bolsa, comprometendo o futuro desenvolvimento do mercado.

Apesar da acomodação recentemente observada, as bolsas brasileiras vêm acusando evolução de preços jamais observada no passado. É difícil encontrar-se exemplo de alta de preços tão forte e prolongada como a que se observou no Brasil no período 1965/71.

A inspeção da tabela 8 mostra que em nenhum ano do período 1966/71 a variação nominal nos preços das ações transacionadas nas bolsas brasileiras (medida através da média S/N), foi superada por qualquer outra observada nos mercados dos demais países. O Brasil mostrou em relação ao concorrente mais próximo - o Japão - crescimento de preço das ações 15 vezes superior em 1971, sete vezes em 1970, seis vezes em 1969 e sete vezes em 1968. Para 1967 e 1966, as bolsas brasileiras continuaram acusando taxas de crescimento nominal dos preços das ações bastante superiores às japonesas, mas negativas em termos reais dado o ritmo da inflação. O notável é que nenhum mercado, a não ser o brasileiro e o japonês, conseguiram manter-se em alta por mais de quatro anos; todos passaram por fase de acomodação após período ascendente.

5. Efeitos sobre a poupança

O mercado de ações, em particular, e o mercado de capitais, em geral, afetam o sistema econômico através de dois caminhos: a) influenciam as propensões a investir e poupar; b) dado certo nível de poupança, a alocação de recursos tende a ser mais eficiente, influenciando o nível da produtividade e, portanto, a taxa de crescimento econômico.

No caso brasileiro parece que ambos os ingredientes estiverem e estão presentes. O produto real vem-se expandindo aceleradamente desde 1968, com taxas superiores a 9%, com o recorde de 11,3% em 1971. Para 1972 as expectativas são de que o crescimento se faça em nível equivalente ao observado nos últimos quatro anos.

Simultaneamente, há indícios de que a poupança tem-se elevado e que maior eficiência no que tange à alocação de recursos tem estado presente. Os dados das contas nacionais do Brasil não mostram a elevação de poupança presumida, mas espera-se que com a incorporação de novas informações relativas ao censo de 1970 se possam obter resultados superiores aos até agora disponíveis. É difícil antecipar qual será a proporção da poupança em termos do PIB, mas admite-se como certo que a atual relação está subestimada.

Ao que tudo indica, a poupança não só aumentou em volume como passou a ser utilizada de maneira mais eficiente. Um indicador capaz de suportar, pelo menos em parte, a afirmativa anterior é a evolução da relação incremental capital/produto. Depois de crescer em todo o período 1960/65, chegando ao auge em 1963, o citado quociente passou a cair sensivelmente atingindo o mínimo de 1,8 em 1969 contra as médias de 3,25 no período 1961/64, 3,75 no intervalo 1965/67 e 2,99 entre 1965 e 1968. Pode-se argumentar que o declínio do quociente em questão deveu-se, pelo menos até 1969, à utilização de capacidade ociosa na indústria. Mas, de lá para cá, não há dúvida, a eficiência cresceu e se refletiu nas taxas crescentes do produto.

6. E a eficiência?

A literatura a respeito da recente performance do mercado brasileiro de capitais tem variado entre aqueles que a olham com lentes escuras e os que a vêem com olhos deslumbrados. Contudo, entre os extremos, não há, pelo menos do conhecimento dos autores, quem se tenha dedicado a pesar os custos e benefícios da atual forma de desenvolvimento. Tem o mercado se conduzido eficientemente? A resposta a essa pergunta não é simples e requer definição cautelosa de que se entende pelo termo eficiência.

Para levar avante a questão, vamos basear-nos nos critérios elaborados por James Duesenberry3 3 Duesenberry, James. Criteria tor judging efficiency in capital markets. In: Wu, H. D. & Zakon, A. U. Elements of Investments. Holt, Rinehart & Winston, 1965. e desenvolvidos por Irwin Friend, Baumol e Meltzer, para citar apenas alguns.4 4 Manne, Henry. Economic policy and the regulation of corporate securities. 1969.

Segundo o Professor Duesenberry, há dois conceitos básicos a serem distinguidos: a) eficiência operacional; b) eficiência alocacional.

O primeiro diz respeito à consecução de certo serviço - corretagem, underwriting etc. - a mínimo custo. O aumento da competição no mercado deve propiciar as condições necessárias a essa minimização. Contudo, regulamentos, práticas monopolísticas, falta de informação e economias de escala podem causar desvios em relação ao citado objetivo. A eficiência alocacional, por seu turno, pretende que investimentos similares percebam taxas de retorno ou tenham custo de financiamento próximos. Por exemplo, dois títulos de mesmo risco e maturidade devem render o mesmo.

O segundo critério - eficiência alocacional - é considerado a mais importante função exercida pelos mercados de capitais. O critério é da maior relevância quando se trata de lançamentos primários. A existência e funcionamento do critério garantirá que os fundos disponíveis sejam aplicados, no investimento mais lucrativo e que qualquer outro instrumento de igual risco, maturidade etc, pode ser financiado a igual custo. Nos Estados Unidos, na década dos 20, elevadas somas foram desperdiçadas pela inversão em oportunidades sem as condições de sobrevivência, especulativas e até mesmo fictícias. No Brasil, em 1971, ficou famosa a piada relatando pessoas que estariam dispostas a investir numa ação inexistente e, ainda que verdadeira, nada lucrativa.

Assim, os lançamentos primários - onde as informações são escassas ou pouco conclusivas - representam o segmento do mercado onde as atenções devem estar voltadas para a obtenção de critérios condizentes com a eficiência alocacional. Voltaremos mais tarde a esse assunto.

Dado este embasamento teórico ao problema da eficiência, será possível agora analisar o caso do Brasil.

Do ponto de vista da eficiência operacional, pouco se pode avançar devido a inexistência de dados relativos aos custos e preços cobrados em operações de underwriting, corretagem, taxa de administração dos fundos de investimentos e operações similares. A resposta ao problema em foco depende da comparação entre nossos custos de operação e os de demais países, onde a full disclosure permite a qualquer cidadão obter informação exata de todos os custos envolvidos em cada operação. Um comprador de uma ação nos EUA, numa operação de underwriting, sabe exatamente quanto o banco de investimento está cobrando ao emissor, segundo cada categoria de serviço oferecido: legal, de distribuição etc. A própria agência reguladora do mercado de capitais, a Securities Exchange Commission, tem em mente o que se acha razoável em termos de comissão: o máximo de 20% sobre o total do lançamento, com a média girando em torno de 10%.

No caso brasileiro, acurados levantamentos de custos das instituições financeiras e ampla informação poderiam levar a limites considerados concorrenciais. Até lá, o muito que se pode fazer é especular sobre a eficiência operacional.

Quando se passa da eficiência operacional à alocacional, as respostas continuam poucas, mas são vários os pontos de discussão, a saber: a) o custo de oportunidade dos recursos transferidos do governo, ao setor privado através de incentivos fiscais; b) o efeito do mercado de capitais sobre a distribuição de renda; c) efeito da fixação de taxas de juros diferenciadas para obrigações similares; d) restrições sobre a composição do portfolio de certas instituições financeiras; e) regimes fiscais diferenciados.

O atual crescimento do mercado de capitais foi "puxado" por longa e complexa série de incentivos fiscais. Elevados montantes de recursos foram e são transferidos do governo para o setor privado através dos incentivos. As perguntas básicas são pois: a) se o governo tivesse utilizado diretamente aqueles recursos fiscais ao invés de transferi-los ao setor privado não se teria obtido alocação mais eficiente?;

b) a utilização destes recursos pelo governo não teria evitado o aumento da desigualdade das rendas observado entre 1960 e 1970?5 5 Simonsen, Mario Henrique. Desenvolvimento e distribuição de renda. O Globo, n. 17, p. 4, 24 mar. 1972; Fishlow, Albert. Brazilian size distribution of income. American Economic Review, may 1972.

É muito difícil responder a ambas as perguntas. O primeiro ponto a considerar é que não há critério objetivo para se examinar se o governo aplicaria ou não mais eficientemente os recursos transferidos para o setor privado sob a forma de incentivos fiscais. De qualquer modo, é preciso ter-se em mente que o desenvolvimento do mercado tem-se feito a elevado custo de oportunidade. Cada vez que incentivos são transferidos para o setor privado para inversão no mercado, um custo social se faz presente, pois de outra forma estes recursos seriam aplicados para a obtenção de bens públicos: saúde, educação, estradas, barragens etc. O que parece ser gratuito para o investidor individual (dedução do imposto de renda, por exemplo) tem, realmente, um custo para a comunidade. Este custo, parece óbvio, é tanto mais alto para as classes de mais baixa renda, uma vez que aquelas colocadas nas faixas mais altas, supostamente os maiores contribuintes, se evadem legalmente através de inversões em títulos de tratamento fiscal favorável, reduzindo as possibilidades de distribuição imediata da renda.6 6 Ibid. É claro que se pode argumentar que o desenvolvimento do mercado, em prazo mais longo, elevará o nível de bem-estar de todos. Mas, pode-se garantir que as diferenças de nível de poder aquisitivo se reduzirão?

O terceiro ponto- a fixação de taxas diferenciadas de rendimento para instrumentos homogêneos - é claramente uma barreira à obtenção de eficiência alocacional. Se a única restrição fosse o diferencial das taxas de juros, o mercado, desde que bem informado, passaria a demandar o título de maior rendimento abandonando o outro. Mesmo que o mercado funcionasse perfeitamente, a alocação eficiente não estaria assegurada, se o título de maior rendimento representasse fonte de recursos para um investimento menos rentável que o da outra obrigação. O problema complica-se quando se considera que, na maioria das vezes, os mercados não são fluídos e que juntamente com a fixação de rentabilidades diferenciadas se aplicam regulamentos obrigando a que algumas instituições possam ter determinados títulos em seus portfolios, mas sejam proibidas de demandar outros. A conjugação das duas restrições pode então criar distorções gritantes. As limitações anteriormente citadas - fixação de taxas de juros e restrições sobre a composição de portfolios - são as duas maiores ameaças à eficiência alocacional. O único argumento que se pode levantar a favor destas práticas é que há tantas imperfeições no mercado que a introdução de móis duas tornará a alocação mais eficiente que antes, isto é, algo na linha de raciocínio do teorema da segunda melhor solução.

O tratamento fiscal diferenciado é outro ponto a influenciar negativamente a eficiência. Os títulos com tratamento fiscal preferencial podem distorcer a alocação eficiente de recursos. Assim, por exemplo, pode-se imaginar algum investidor comprando o título A com tratamento fiscal favorável em relação ao título B, quando a rentabilidade do projeto cujos recursos seriam utilizados seria maior no segundo que a do primeiro caso. A maximização dos ganhos individuais não significaria maximização dos ganhos sociais.

Contudo, o último ponto final, e crucial, relacionado com a eficiência alocacional é o concernente à informação. Depois da enxurrada de lançamentos em meados de 1971 - alguns sem condições mínimas - o governo tratou de aumentar as exigências quanto às informações financeiras, econômicas e contábeis. Foram introduzidos prospectos, auditoria externa e novas regras a serem preenchidas etc.

Mesmo do ponto de vista do setor privado, é evidente a falta de interesse no ramo de informações. Pode-se contar nos dedos o número de organizações que se dedicam à prestação de serviços relacionados ao mercado de capitais tais como: análise e divulgação de balanços, análise de ações, classificação de títulos por negociabilidade, valor etc. Essa filosofia parece que está mudando. E é preciso. Não se pode esquecer a teoria desenvolvida pelo professor Eugene Fama mostrando que "o preço de uma ação reflete totalmente as informações disponíveis".7 7 Fama, Eugene. Efficient capital markets - a review of theory empirical work. Journal of Finance, may 1970. Quanto mais acuradas e amplas as informações, mais eficiente será o mercado na tarefa de alocar recursos.

Para concluir a discussão a respeito da eficiência, vale a pena fazer incursão num campo ainda pouco explorado do ponto de vista da pesquisa teórica: a estreiteza (thinness) do mercado de ações.

Um mercado é considerado estreito (thin), quando devido à variação exógena na oferta (ou demanda) observa-se súbita e larga variação nos preços.8 8 Silber, William. Portfolio behavior of financial institutions. 1969. Este fenômeno, bastante presente em várias ocasiões no passado, parece que se vem reduzindo nos últimos anos. A afirmativa anterior equivale a dizer que o mercado está se tornando mais eficiente (do ponto de vista alocacional). A evidência empírica que tende a suportar este ponto de vista é o acréscimo rápido e maciço de lançamentos observado no primeiro semestre de 1971, e a queda gradual no nível dos preços observado a partir de julho. Num mercado estreito, as emissões de agosto e setembro de 1971, de ordem de Cr$ 2 bilhões, levariam à violenta e súbita queda de preços. Isso de fato não ocorreu, tendo a média S/N declinado persistentemente, desde então, mas de forma gradual.

Apesar deste aspecto positivo quando se focalizam prazos médios, o mercado tem mostrado no dia-a-dia variações consideradas bruscas e superiores aos padrões dos observados nos países desenvolvidos. A comparação do índice B-V com os das bolsas de Nova Iorque, Londres ou Paris mostra que mudanças mais acentuadas se fazem presentes em nosso mercado. De qualquer modo, a queda gradual observada nos indicadores de mercado dá segura indicação de que o mercado brasileiro de ações está se tornando cada dia mais distante do conceito mercado estreito.

Contudo, deve-se salientar que a queda talvez tenha sido gradual, devido, em parte, a problemas burocráticos. Assim, muitos investidores ficaram impossibilitados de correr ao mercado e tentar desfazerem-se de seus títulos, vez que as empresas emissoras haviam-se atrasado na entrega das cautelas. Outros não correram ao mercado por expectativa irrealista de que a fase de declínio era passageira. Falta de informações e conhecimentos técnicos permitiram também a queda gradual.

7. Conclusões

O mercado brasileiro de capitais atingiu, nos últimos dois anos, níveis de atividade (relacionadas ao tamanho de economia nacional) bastante próximos dos observados em outras praças tradicionais, tais como Estados Unidos, Reino Unido, Japão e Alemanha, para citar apenas algumas.

Os padrões de comportamento, contudo, mantêm-se bastante diferentes dos daqueles mercados. Grande parte das obrigações diretas emitidas têm sido ações, ficando os instrumentos de débito em estado de visível subordinação. A taxa de inflação é ainda muito elevada, apesar de seus efeitos perniciosos estarem quase totalmente contidos pela correção monetária. As obrigações de curto e médio prazos, tais como depósitos, letras de câmbio e similares têm atingido saldos (em termos do PIB) em níveis similares aos observados em mercados desenvolvidos.

A poupança do governo em conta-corrente (dados disponíveis até 1969) como percentagem do PIB, continua em nível bastante inferior ao das nações desenvolvidas e mesmo das em desenvolvimento. O largo esquema de incentivos fiscais responde em parte pelo problema.

Há ainda pontos específicos que merecem acurada atenção, a saber: a) há mercado restrito para os títulos de débito (médio e longo prazos) no sentido e estilo observado em praças mais sofisticadas (corporate bonds). As empresas têm-se utilizado dos débitos, mas apenas para curto prazo e, na maioria das vezes, sob a forma de desconto de duplicatas, fornecedores e empréstimos bancários. A emissão de debêntures ou debêntures conversíveis é ainda muito pequena. Isso, é claro, reflete certo temor dos investidores (e das empresas) quanto ao futuro da taxa inflacionária e também a rigidez da regulamentação. As emissões de debêntures no período 1966/71 aparecem a seguir e mostram o diminuto mercado para este tipo de obrigação.

Dados para 1970, para EUA, Reino Unido e Japão, indicam que a emissão de instrumentos de débito diretos (bonds) pelas empresas privadas (não financeiras) atingiram, em relação ao total das emissões de obrigações (débito e ações) os níveis de 35% , 22 % e 10% respectivamente. Para o Brasil, no mesmo período, o quociente debêntures/total de obrigações emitidas foi algo inferior a 1 %; b) é desejável maior atividade e alargamento do número de investidores institucionais. Fundos mútuos, institutos de previdência, companhias de seguro, PIS e outros organismos poderiam engajar-se firmemente em diversas transações, carreando mais recursos e tornando o mercado secundário mais ativo e com maior nível de liquidez. O governo tem mostrado preocupações quanto a este ponto e já há estudos, tendentes a criar entidades análogas aos pension funds norte-americanos e britânicos. Este novo investidor institucional aliaria à função de estimular o mercado a de redistribuir a renda; c) é de todo necessário que se incremente a canalização de poupanças através das empresas seguradoras. No Brasil, tal forma de canalização de recursos é muito reduzida quando se comparam os resultados com os de países desenvolvidos e em desenvolvimento. No período 1966/70, a poupança canalizada através das companhias seguradoras representou, em média, 0,1 % do produto nacional bruto brasileiro, enquanto para Argentina, Colômbia, Paquistão, Japão, Estados Unidos e Reino Unido (os dados para os dois últimos incluem os pension funds) o mesmo indicador elevou-se a 0,2%; 0,3%; 0,2%; 2,1%; 3,0% e 3,4%, respectivamente.

Finalmente, deve-se considerar a atual fase de acomodação por que passa o mercado como um mal menor. Os índices preço/lucro estão agora em níveis similares aos dos mercados desenvolvidos, indicando que o crescimento futuro tem chances de se fazer de acordo com padrões mais técnicos que no passado recente. As atuais relações preço/lucro vieram mostrar aos investidores, e até a alguns analistas, que nem só de ganhos nas cotações se constrói um mercado vigoroso a longo prazo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • Patrick, Hugh & Wai, U. Tun. Stock and bond issue and capital market in less developed country. Trabalho não publicado.
  • Sharp, W. Capital asset prices: a theory of market equilibrium under conditions of risk. Journal of Finance, sept. 1964.
  • Stigler, G. Public regulation of the securities market. Journal of Business, apr. 1964.
  • *
    Os autores ficam penhorados a Octávio Gouvea de Bulhões, Mario Henrique Simonsen, Denio Nogueira, Alberto Sòzin Furuguem, Paulo Cícero de Lima Baptista e Ary Cordeiro Filho pelas críticas e sugestões apresentadas. Os erros que por acaso perdurem são de exclusiva responsabilidade dos autores. As opiniões expressas representam os pontos de vista dos mesmos e não, necessariamente, das instituições de que fazem parte.
  • 1
    Gurley, John G. & Shaw, E. S. Financial intermediaries in the savings and investiment process.
    Journal of Finance, may 1965.
  • 2
    Conjuntura Econômica, resultados das sociedades anônimas. Vários números.
  • 3
    Duesenberry, James.
    Criteria tor judging efficiency in capital markets. In: Wu, H. D. & Zakon, A. U.
    Elements of Investments. Holt, Rinehart & Winston, 1965.
  • 4
    Manne, Henry.
    Economic policy and the regulation of corporate securities. 1969.
  • 5
    Simonsen, Mario Henrique. Desenvolvimento e distribuição de renda. O
    Globo, n. 17, p. 4, 24 mar. 1972; Fishlow, Albert. Brazilian size distribution of income.
    American Economic Review, may 1972.
  • 6
    Ibid.
  • 7
    Fama, Eugene. Efficient capital markets - a review of theory empirical work.
    Journal of Finance, may 1970.
  • 8
    Silber, William.
    Portfolio behavior of financial institutions. 1969.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Maio 2015
    • Data do Fascículo
      Mar 1973
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