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Sociologia política

RESENHAS

Sociologia política

Sociologia política - textos básicos de ciências sociais, Rio de Janeiro, Zahar editores, 1966, brochura, 128 páginas.

O livro é uma antologia de textos clássicos no campo da política, incluindo ao todo cinco autores e sete textos, na seguinte ordem:

• Sociologia da Política, por KARL MARX, em que são tratados os aspectos fundamentais do pensamento político do filósofo alemão, extraído de uma coletânea compilada por HT. B. BOTTOMORE e M. RUBE e publicada no Brasil em 1964 pelo mesmo editor. BOTTOMORE coligiu o pensamento político de MARX a partir de pràticamente tôdas as suas obras. Num primeiro momento temos a concepção marxista do Estado e da Lei, a partir do fundamento de que "o Estado é a estrutura da sociedade" (pág. 12), não sendo possível estabelecer distinção entre estas duas categorias. A tentativa de fazê-lo só é inteligível no quadro de um pensamento político burguês. O Estado se apóia na escravidão e na subserviência da sociedade civil e não constitui mais do que a expressão da classe dominante no poder. As leis não são mais do que parte da superestrutura que tende a legitimar a permanência da classe dominante no poder, em detrimento das demais classes e especialmente do proletariado. Tal era a situação do Estado Ocidental Europeu o século passado. A patologia existente na sociedade seria explicada em função da "lei natural", que implicava na existência de classes com diferentes níveis de renda. A iniqüidade era tão inevitável como o processo biológico. Além disso cumpriria acrescentar que a "má administração" poderia também responder pelos aspectos injustos e opressores vigentes na comunidade, sem que o Estado pudesse exercer sôbre ela um controle absoluto. Em síntese "desde que o Estado é a forma em que os indivíduos da classe dominante proclamam seus interêsses comuns, e na qual é condensada tôda a sociedade civil de uma época, segue-se que o Estado atua como interrmediário em nome de tôdas as instituições da comunidade, e tais instituições recebem uma conformação política" (Pág, 18).

A coerência do próprio sistema obriga a que se desemboque na filosofia da revolução, esta sendo, na verdade, a única coisa que pode constituir o objeto de reflexão de um pensamento politico verdadeiro. Desde que riqueza e proletariado constituem antinomias e que é necessário dar cumprimento ao processo dialético, o que resta é a "revolução em geral, a derrubada do govêrno existente e a dissolução das relações sociais em vigor (pág. 31), como o único ato político válido e possível.

• Dominação Tradicional, por MAX WEBER, extraída do seu livro Economia y Sociedad: Esbozo de Sociologia Comprensiva, e que constitui juntamente com a dominação burocrática e com a carismática as três formas de dominação ou de legitimação estudadas pelo sociólogo alemão.

Por tradicional entende-se a dominação cuja legitimidade "se apóia na santidade de ordenações e poderes de mando herdados de época muito distante, de tempo imemorial, acreditando-se nela em razão dessa santidade" (pág. 34). MAX WEBER empresta grande importância à dominação tradicional, enquanto forma de dominação, porque ela recobriu a maior parte da história e ainda hoje se estende a praticamente todas as sociedades não ocidentais. Todavia, convém lembrar que mesmo na sociedade ocidental "racionalizada", onde o nôvo modo econômico de produção, gerou uma racionalidade que se estendeu a outras esferas do social, a dominação tradicional ainda ocupa um lugar de grande destaque, pois os grupos primários encontram suas relações de poder fundamentalmente legitimados em função da tradição. WEBER nos fala do aparecimento de uma burocracia recrutada e treinada numa base tradicional no antigo Egito e na China, sendo que neste país chegou até nossos dias. Os funcionários em tais tipos de corpos administrativos eram aceitos em função de suas relações pessoais com o soberano ou com seus representantes e a permanência no quadro burocrático freqüentemente adquiria um caráter hereditário.

• A Classe Dirigente, por GAETANO MOSCA, extraído de sua obra em tradução inglesa, The Ruting Class, preocupa-se com a identificação e a descoberta das origens das pessoas que se encontram no poder e que também são chamadas por vêzes de "classe política". MOSCA não se prende à figura do chefe de Estado, Rei, Presidente, ou Primeiro Ministro, mas sim ao grupo que o cerca e que tende a se perpetuar no poder, e sem o qual o governar seria tarefa impossível de realizar. Isto porque "... o homem que está à testa do Estado não poderia certamente governar sem o apoio de uma numerosa classe que se encarregue de impor respeito às suas ordens assim como de fazer com que sejam; e mesmo supondo que possa fazer sentir o pêso de seu poder a um, ou mesmo a vários indivíduos da classe dirigente, certamente não poderia ir contra a classe como um todo ou dispensá-la inteiramente" (pág. 52).

Esta classe assume fisionomias distintas dependendo do tipo de sociedade que se quer analisar. Assim é que nas sociedades primitivas, onde a sociedade se encontra nos primeiros estágios da organização, a qualidade guerreira é a que mais se destaca, assumindo maior importância e fazendo com que classe dirigente venha a ser constituída por militares. Isto se explica em função de se ter de consolidar uma ordem interna e ainda o ter de defender as fronteiras contra agressões externas, sendo a guerra elemento constante e a paz situação excepcional. Estas sociedades estão presas a uma economia agrária e não raro os militares acabam também por se transformar nos proprietários rurais, enfeixando os elementos fundamentais para a sobrevivência da comunidade.

À medida que a atividade agrícola, ou o saque, ou o comércio levam a um aumento de renda, pelo menos no sentido ricardiano do têrmo, um novo grupo tende a se destacar, ou seja, os enriquecidos, que passam a constituir a classe dirigente ou passam a incluir-se, sem todavia derrubar, a classe dirigente e de militares e senhores rurais. Para que a riqueza passe a ser o fator decisivo para inclusão de pessoas na classe dirigente, até o ponto em que esta mesma classe dirigente seja identificada com a posse de fortunas, é necessário que algumas modificações ocorram na estrutura jurídica da sociedade visando a proteção da propriedade privada. "Isso acontece através de uma série de alterações gradativas na estrutura social, pelas quais um tipo de organização política, que chamaremos de Estado Feudal, é transformado em um tipo essencialmente diferente, ao qual daremos o nome de Estado Burocrático (pág. 58).

Ainda há lugar para que se considere um terceiro tipo de classe dirigente, a clerical, que tende a predominar em sociedades, cujos valores básicos se fundamentam em crenças religiosas. Cria-se um regime teocrático e a classe clerical, como depositária e transmissora da vontade de Deus ou dos deuses, tende a assumir papel importante no controle dos fatores de produção, bem como sobre os instrumentos destinados a exercer violência, como os exércitos e as forças de policiamento. Tal situação poderia ser encontrada em vários momentos da história do Egito Antigo, da índia Brâmane e da Europa Medieval.

Qualquer que seja a forma da sociedade e conseqüentemente a sua classe dirigente, tende esta a se tornar hereditária de fato, senão por lei Mesmo que seja uma sociedade em que a mobilidade seja um dado, e onde a estrutura jurídica a assegure, acabaremos por ter situações em que "... apesar de exames e competições estarem abertos a todos, a maioria nunca possui os recursos necessários para fazer frente à despesa da longa preparação, e muitos outros não possuem contatos ou parentes que prontamente os coloquem no caminho certo, evitando os erros e dúvidas inevitáveis, quando se entra para um ambiente nãofamiliar, sem qualquer direção ou apoio" (pág. 62). Cabe ainda mencionar que sempre que assistimos ao monopólio do poder por uma casta, classe ou grupo, podemos estar certos que tal estado de jure "foi precedido de um estado de fato semelhante".

• As Elites e o Uso da Força na Sociedade, por VILFREDO PARETO, onde encontramos uma divisão sumária da sociedade em dois estratos fundamentais, ou seja, o inferior ou não-elite e um superior ou elite. Êsse estrato pode ser governante ou não-governante. A primeira subdivisão caracteriza-se por exercer o poder no seio da sociedade, o que não ocorre com a não-governante, o que, todavia, não faz perder seu caráter distinto quando comparado ao estrato inferior. Um campeão de xadrez, pertence à elite, mas não forçosamente à governante. O mesmo poderia ser dito de membros que a integram pela cultura adquirida ou habilidades profissionais, as quais exigiram longo tempo para sua obtenção ou treinamento, como os advogados, engenheiros, físicos, etc. O que importa reter é que as elites estão sujeitas a transformações constantes. Na verdade, não existe uma elite ou uma não-elite enquanto categorias estáticas numa sociedade. Elas constituem apenas dados teóricos que permitem ao cientista político caminhar nas suas elaborações explicativas. A elite pode ser comparada a um rio que apesar de conservar-se sempre o mesmo, sofre transformação na composição de suas águas a cada instante que passa. A elite da mesma forma recebe continuamente novos membros e devolve outros ao estrato inferior, que por sua vez libera elementos que passam a constituir o estrato superior. A êste fenômeno chama PARETO "Circulação de Elites" ou simplesmente "circulação de classes". Tece algumas considerações a respeito da história grega e romana, bem como da Idade Média e Moderna a fim de demonstrar que mesmo naqueles países onde aparentemente a estratificação é maior, se visualizarmos períodos maiores, verificaremos que a elite se modifica substancialmente. Na Inglaterra dos séculos XVI e XVII seria pràticamente impossível encontrar descendentes de Guilherme, o Conquistador, a ocupar posições na elite.

A seguir, PARETO fala sobre o Uso da Força na Sociedade, concedendo que o uso da fôrça, como maneira de manter ou de tomar o poder é a característica fundamental do ato político e considera impróprio o argüir-se se o uso da fôrça na sociedade é ou não lícito. Limita-se a analisar que o uso da fôrça é um fato e que tem lugar, seja para manter uma situação com tôda a sua uniformidade, seja para modificá-la. Sempre implicará na existência de dois grupos, um hegemônico, outro que aspira à hegemonia. Inevitàvelmente somos conduzidos a algumas reflexões sobre a revolução e a sua ocorrência em sociedade. Com relação à revolução duas situações fundamentais podem ser identificadas: a primeira, aquela em que a "classe dominada contém um número de indivíduos dispostos a usar a fôrça e líderes capazes para guiá-los" (pág. 83) o que levará à deposição da classe governante ou a fará incorrer no sério risco de perder o poder. A segunda considera uma classe dirigente corrupta, corruptora, praticante da fraude e extremamente hábil em arregimentar os corruptíveis de outros estratos sociais para a consecução de suas finalidades. Nesta situação será bem mais difícil depor a classe dirigente porque ela terá líderes que ajudarão a corromper os estratos inferiores e a eliminar a violência purificadora.

• O livro termina com três textos de ROBERT MICHELS, que são: A Lei de Ferro da Oligarquia, A Base Conservadora da Organização e O Sindicalismo como Profilático.

No primeiro texto, MICHELS expõe sua concepção de que a estrutura da ação organizada na política, como na realização de atividades econômicas ou educacionais implicará sempre em que os homens se organizem em forma piramidal, o que levará a existência de superiores e subordinados, dominantes e dominados, os que ordenam e os que obedecem. A história nos mostra que as revoluções têm ocorrido com regularidade e que nenhuma sociedade logrou atravessar grandes períodos sem que alguma tensão ou abalo ocorresse na estrutura social objetivando uma modificação nos grupos que ocupam as posições de mando e obediência. Todavia, o que sempre permanece é a estrutura de poder que não se altera, ocupe quem ocupar as posições superiores e inferiores. Sua conclusão é cética, e o seu pessimismo com relação aos movimentos revolucionários não pode ser disfarçado- A classe que outrora estava ausente do poder, ao tomá-lo, realiza algumas transformações na sociedade, mas à medida que se consolida no poder e as modificações introduzidas se institucionalizam, assume uma fisionomia conservadora e o ciclo se reinicia. MICHELS não consegue escapar à tentação de citar o provérbio italiano "Si cambia et maestro di capella, ma la musica è sempre quella".

Em A Base Conservadora da Organização, MICHELS tece algumas considerações sôbre a estrutura burocrática, apelando mais para a realidade das organizações de tipo burocrático que para o modêlo weberiano e extrai algumas conseqüências para os partidos políticos e pam os sindicatos. A sua conclusão é que o partido, enquanto instrumento de representação, no sentido amplo, deixa de existir à medida em que se "organiza", ou seja, se "burocratiza". Exemplos são tomados aos partidos políticos norte-americanos e a alguns partidos europeus, procurando mostrar que tendem a se transformar em instrumentos de grupos e, por vêzes, até de pessoas para manutenção de uma situação vigente e dificilmente tentando inovar. Em adição convém mencionar que na medida em que se burocratizam os partidos passam a influir mais decisivamente na própria estrutura do poder. Passam a ser organismos sobretudo conservadores, o que ocorre com as demais organizações que se burocratizam.

No último texto do livro O Sindicalismo como Profilático MICHELS analisa as transformações por que tem passado o sindicalismo. Fenômeno típico do ocidente em processo de industrialização, surgiu no século XXX como movimento que não se poderia adaptar à realidade política, econômica e social vigente, uma vez que a sua ideologia pleiteava a derrocada de todo o sistema. O sindicalismo é de origem operária e socialista. Todavia, à medida que a classe operária, por vários motivos, passou a colhêr alguns frutos do próprio processo de industrialização, que se refletia no aumento de sua renda real, o sindicalismo passou a institucionalizar-se e a coexistir com o sistema econômico, político e social implantado no ocidente pela burguesia. O sindicalismo, no entender de SORE L deixou de ser um movimento revolucionário para se transformar num "govêrno" dos operários. Isto fêz com que o sindicato assumisse uma feição burocrática e oligárquica, onde encontramos superiores e subordinados e onde os líderes sindicais estão interessados, antes e acima de tudo, na manutenção de seu poder, e em fazer do sindicato e de seu cargo um instrumento para ascenção social e política. O líder sindical perdeu conseqüentemente a auréola de um herói para transformar-se num funcionário. Não seria ocioso lembrar que na Inglaterra o Parlamento acolhe 27 líderes sindicais e o Congresso Alemão outros 35.

Não nos entregaremos a considerações críticas sobre os textos contidos no livro porque são todos clássicos e acreditamos prestar melhor serviço ao leitor simplesmente resumindo as principais idéias expostas por cada autor no que escolheram para esta antologia. A sua oportunidade dispensa comentários pois começa a preencher uma velha lacuna, ou seja, a inexistência de textos fundamentais em língua portuguêsa que permitam fácil consulta aos estudantes universitários de ciências sociais nos seus primeiros anos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jul 2015
  • Data do Fascículo
    Set 1967
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