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Depreciação e reposição de capital em economia inflacionária

ARTIGOS

Depreciação e reposição de capital em economia inflacionária

Willard J. Graham

Professor da Universidade de Carolina do Norte

"A depreciação não é sòmente a medida em dinheiro da deterioração física de um ativo, mas também a estimativa do valor a ser considerado como custo operacional, levando-se em consideração todos os fatôres que irão provàvelmente determinar o tempo de sua utilidade para a emprêsa." - NORMAN LEE PURTON.

Para maior clareza de exposição o assunto será tratado dentro dos seguintes tópicos:

• a função da depreciação na "recuperação" do capital investido em bens depreciáveis - sua reconversão gradativa em recursos disponíveis;

• o problema complexo - numa economia inflacionária - de determinar e expressar as quantias de capital recuperado;

• a relação entre depreciação e reposição de capital.

Antes de iniciar o exame dêsses problemas específicos, analisarei alguns dos princípios básicos da depreciação contábil, pois êles afetam tanto a programação, como o total das "recuperações".

A FINALIDADE DA DEPRECIAÇÃO

É princípio de aceitação geral que a depreciação não é um método de avaliação de bens nem um meio de prover recursos destinados à reposição de bens depreciados; ao invés, é um método de distribuição do custo de um ativo entre diversos exercícios, entre divisões e departamentos, e finalmente entre produtos e serviços. Isso, porém, não significa que a depreciação não esteja relacionada à recuperação do capital investido em bens depreciáveis ou ou provimento de recursos para a reposição dêsses bens. Na realidade, sob certas condições, a depreciação visa de fato a recuperar o capital e a prover recursos para a sua reposição. Essas relações serão desenvolvidas com maior clareza adiante. Aqui, porém, gostaria de acentuar que a finalidade da depreciação é a distribuição de custos, e que as outras relações, por importantes que sejam, são secundárias.

DEPRECIAÇÃO - BASES E MÉTODOS

Existem dois aspectos importantes na distribuição de custos (recuperação do capital investido) provenientes da depreciação, a saber:

• a programação das recuperações - sua distribuição entre os diversos exercícios contábeis, e

• o total das recuperações.

A programação das recuperações é determinada pelo método de depreciação empregado (depreciação em linha reta, depreciação decrescente etc.). O total das recuperações é função da escolha da base para a aplicação da taxa de depreciação (custo histórico, custo histórico inflacionado, ou custo de reposição). Deve-se observar que a escolha do método e a escolha da base são decisões independentes, e nenhuma delas está relacionada à estimativa de vida útil.

A ESCOLHA DO MÉTODO

A base mais lógica e razoável para a distribuição do custo dos bens pareceria estar em relação direta com os benefícios auferidos: o valor líquido dos serviços prestados pelo bem nos diferentes exercícios. A experiência indica que na maioria dos casos o valor líquido dos serviços prestados em exercícios sucessivos tende a diminuir, por vários motivos:

• Quando ativos são adquiridos especialmente em quantidades apreciáveis espera-se que o volume de produção e os lucros venham a justificar essa aquisição em futuro razoàvelmente próximo. Geralmente não se espera que os bens sejam úteis de maneira uniforme durante tôda a sua vida estimada.

• A eficiência física dos ativos geralmente decai durante sua vida útil, reduzindo-se gradativamente a quantidade e/ou qualidade dos serviços prestados. Isso pode implicar menor precisão, maiores despesas de manutenção e outros fatôres.

• Verifica-se um aumento crescente de obsoletismo. Isso reduz gradativamente o valor - mesmo de idêntica quantidade e qualidade - de serviços prestados pelo ativo em exercício. Por exemplo, tão logo haja disponibilidade de máquinas mais modernas, o valor líquido dos serviços prestados pelo equipamento existente terá diminuído.

• Reparos e manutenção tendem a aumentar em cada exercício, destarte reduzindo gradativamente o valor líquido dos serviços prestados em exercícios sucessivos.

MÉTODO ACELERADO DE DEPRECIAÇÃO DECRESCENTE

A exposição acima parece apresentar argumentos convincentes para a aplicação de um método de depreciação decrescente, para efeitos contábeis. É pouco provável, porém, que na maior parte dos casos qualquer dos métodos de depreciação decrescente permissíveis para efeitos fiscais seja apropriado. O método de porcentagem fixa sôbre o valor dos livros1 1 ) N.R.: Para a tradução dos rnétodos de depreciação, quando possível, foi utilizada a terminologia empregada por FREDERICO HERMANN JÚNIOR em teu livro "Contabilidade Superior", Editora Atlas S. A., 5.ª edição, págs. 197 e seguintes. não irá provàvelmente produzir nem mesmo distribuições aproximadamente exatas dos custos das instalações. O método COLE é particularmente inflexível, porque tanto a taxa inicial como o declive da reta (isto é, a quantia deduzida anualmente) são predeterminados. Mas ainda existe uma escolha quase ilimitada de métodos específicos de depreciação decrescente - índices do primeiro e do último ano, de freqüências de modificações na taxa de depreciação e do declive da reta. Por exemplo, pelo método de depreciação das múltiplas linhas retas, o declive da reta pode ser muito menos acentuado para edifícios do que para máquinas e equipamentos, e menos acentuado para certos tipos de máquinas e equipamentos do que para outros, dependendo da análise e avaliação dos fatôres de depreciação acima expostos.

É evidente, pois, que em qualquer situação específica a escolha do método mais apropriado de depreciação decrescente e sua aplicação apresentam problemas extremamente difíceis, muito mais difíceis do que os provenientes da aplicação do método de depreciação em linha reta. Mas, se o custo das instalações deve ser apropriado a exercícios sucessivos e à produção, em proporção ao valor líquido dos serviços prestados nesses exercícios, e se houver evidência apreciável de que o valor líquido dêsses serviços de fato diminuiu enormemente durante dado período de tempo, a continuidade do método de depreciação em linha reta resultará em erros substanciais na distribuição dos custos. Minha opinião é que na maioria dos casos tais erros são maiores do que quaisquer outros resultantes da seleção e aplicação de qualquer método de depreciação decrescente, que pareça razoàvelmente apropriado a determinada situação.

MÉTODO DE DEPRECIAÇÃO EM LINHA RETA

A utilização do método de depreciação em linha reta se justifica somente quando se pode pressupor2 2 ) A rigor, levando-se em consideração os juros sôbre o investimento, essas suposições justificariam uma taxa de depreciação ligeiramente crescente; a depreciação em linha reta prevê uma queda contínua no valor líquido dos serviços prestados, quando se considera adequadamente o fator juros. que:

• o ativo será uniformemente útil durante tôda a sua vida;

• não haverá declínio de desempenho;

• não ocorrerá obsoletismo, isto é, não haverá desenvolvimento tecnológico nessa área;

• o custo periódico de reparos e manutenção não aumentará;

• não haverá mudança no produto ou no método de produção, que reduza a utilidade ou a adequabilidade do ativo para o serviço que presta, a partir da data de sua aquisição; exatamente a mesma máquina seria comprada hoje.

Uma vez que essas suposições não sejam válidas (raramente o são), alguma forma de depreciação decrescente será mais apropriada do que o método em linha reta, quer para a distribuição dos custos em relação ao valor líquido dos serviços prestados, quer na determinação do lucro líquido, principalmente quanto à criação de uma base sólida para uma estimativa da lucratividade. Além disso, a não ser que a mudança para o valor decrescente seja pelo menos duas vêzes maior do que deveria ser - vale dizer, a não ser que o declive da reta seja pelo menos duas vêzes tão acentuado quanto seria de esperar em razão dos fatos do caso -, as despesas de depreciação resultantes são ainda mais exatas do que sob o método de depreciação em linha reta.

DEPRECIAÇÃO E "RECUPERAÇÃO" DO CAPITAL CONSUMIDO

Voltemos agora aos aspectos específicos de depreciação que aqui serão examinados: a recuperação do capital investido em ativos depreciáveis e a reposição dêsses ativos numa economia inflacionária.

Considerando-se pacífico que a depreciação é simplesmente um método de apropriação do custo do capital consumido a exercícios contábeis sucessivos (e a divisões e departamentos e, finalmente, a serviços e produtos), como poderá a depreciação recuperar o custo do capital investido em bens depreciáveis? Isso na prática nem sempre ocorre. Se o preço de venda do produto ou serviço fôr pelo menos suficiente para cobrir tôdas as despesas, inclusive a despesa de depreciação (os custos do capital consumido), a venda do produto - ou da prestação de serviços - irá recuperar todos os custos apropriados ao produto, inclusive os do capital consumido.

DEPRECIAÇÃO E REPOSIÇÕES

Conclui-se, então, que o custo do capital consumido que é recuperado pelo lançamento contábil da depreciação somada ao lucro líquido depois de pagos os dividendos (aumento dos lucros acumulados) está disponível para tôda a espécie de aumentos de ativos, inclusive para a reposição do ativo depreciado. É importante ressaltar que nesse ponto reside a única relação entre depreciação e reposição de ativos depreciados. Enquanto êsses recursos disponíveis não forem requisitados - nem utilizados - para aumentos do capital circulante, pagamento de dívidas a longo prazo etc., êles estarão disponíveis para reposição ou adições dos ativos depreciáveis. Embora não exista relação de causa e efeito entre as necessidades de reposição e a política de depreciação (como será demonstrado mais adiante), os recursos resultantes da recuperação do capital consumido através dos lançamentos de depreciação pcderão estar disponíveis para utilização na reposição de bens depreciados.

REPOSIÇÃO EQUIVALENTE

É importante destacar que é imediato qualquer efeito da depreciação sôbre os recursos para reposição no ano em curso; êsses recursos estão disponíveis para a aquisição de ativos depreciáveis e são geralmente empregados com essa finalidade. Isso é, de fato, a atual (imediata) reposição equivalente (em dinheiro) do custo do ativo que está sendo debitado às operações como despesa de depreciação, ou seja, a reposição equivalente dos ativos que estão sendo depreciados. Raríssimas vêzes existe um fundo especial constituído através dos anos para financiar, quando ocorrer obsoletismo, a reposição de determinado ativo ou de um grupo de ativos. Conseqüentemente, não poderá haver relação direta entre o total da depreciação debitada durante a vida útil de determinado ativo e o custo de reposição do referido ativo.

EFEITOS DE MODIFICAÇÕES NA POLÍTICA DE DEPRECIAÇÃO SÔBRE OS RECURSOS DISPONÍVEIS

Tendo-se estabelecido que o montante atual da despesa de depreciação, mais (ou menos) a variação no lucro líquido, está disponível para aumentos do ativo, inclusive reposições, pergunta-se se u'a modificação na política de depreciação para fins contábeis não se refletiria automàticamente nu'a modificação correspondente nos recursos disponíveis para tais finalidades. Certamente não. Não haverá modificação alguma no montante dêsses recursos disponíveis, a não ser que a modificação na política de depreciação se reflita numa decisão administrativa que afete um item de receita, um item de despesa (que não seja a despesa de depreciação) ou os dividendos pagos. Mas, naturalmente, a política de depreciação influencia as decisões administrativas. Essa é uma das justificativas mais importantes para a existência de sólida política de depreciação.

Por exemplo, caso uma revisão cuidadosa da política de depreciação resulte em aumentos justificados em alguns ou todos os lançamentos de depreciação, o aumento conseqüente de custos e a diminuição do lucro líquido poderão levar a administração a tomar uma ou mais das seguintes medidas:

• aumento no preço de um ou mais de seus produtos;

• maior ênfase na redução dos custos ou no aumento de volume de vendas;

• maior resistência contra pedidos de aumento de salários;

• distribuição na redução de dividendos.

Sòmente até o ponto em que essas decisões administrativas forem eficientes na compensação das despesas adicionais de depreciação e na manutenção do lucro líquido aos níveis anteriores (ou resultem em decréscimo na distribuição de dividendos) servirá o aumento na despesa de depreciação para recuperar mais recursos que então ficarão disponíveis para aumentos nos ativos, inclusive reposições. Na ausência dêsse tipo de decisões por parte da administração, o único efeito do aumento na depreciação será uma correspondente redução do lucro líquido, sem afetar, entretanto, os recursos disponíveis.

CONCLUSÕES PRELIMINARES

As conclusões estabelecidas até o presente são estas:

1.ª) a depreciação é um método de apropriação a exercícios sucessivos - e a produtos - do custo do capital consumido;

2.ª) um método adequado de apropriação está relacionado com o benefício recebido - o valor líquido dos serviços prestados em exercícios sucessivos e que, na maioria dos casos, exige uma taxa decrescente de depreciação;

3.ª) o lançamento contábil adequado da depreciação tende a recuperar o custo do capital consumido e a prover recursos para aumentos de ativo, inclusive a reposição equivalente do capital consumido.

BASE DE DEPRECIAÇÃO

Talvez seja êste o aspecto mais crítico de tôda a política de depreciação: estabelecer qual é a base mais adequada para determinar - e expressar - o custo do capital que esteja sendo recuperado através da depreciação. Parece que existem três bases alternativas, a saber:

1.ª) o montante do capital investido - seu custo histórico;

2.ª) o montante do poder aquisitivo global - o poder econômico, o poder de compra de bens e serviços em geral - do investimento; o custo histórico expresso em moeda atual, equivalente ao poder aquisitivo da quantia investida;

3.ª) o custo de reposição do item ou tipo específico do ativo que esteja sendo depreciado.

CUSTO DE REPOSIÇÃO

A terceira alternativa, o custo de reposição, será discutida em primeiro lugar. Que é, na verdade, custo de reposição? Parece que a expressão não tem significado muito preciso. Foi definida de várias maneiras, a saber:

• quanto um idêntico ativo custaria atualmente;

• quanto um idêntico ativo irá provàvelmente custar na época de sua reposição;

• o custo atual de um ativo equivalente, sem que se tenha definido essa equivalência com muita clareza;

• o custo de reposição já incorrido para substituir o ativo;

• o custo histórico reajustado por meio de índices específicos de correção monetária - muitos bastante específicos, sendo um ou alguns relacionados intimamente com as despesas de uma emprêsa ou de um ramo industrial.

Tôdas essas variedades de custos de reposição baseiam-se no conceito de que lucro líquido é o excesso das receitas sôbre o total apurado dos custos atuais de reposição dos ativos consumidos na produção daquelas receitas, isto é, que lucro líquido é aquela porção das receitas não necessárias para manter intato o capital investido.

Não há, portanto, concordância de opiniões quanto ao conceito de custo de reposição, e torna-se difícil, talvez impossível, determiná-lo com exatidão. Sua utilização como base para o cálculo da despesa de depreciação representaria um afastamento dos custos históricos lançados, dessa maneira anulando consideràvelmente a objetividade da contabilidade. O custo incorrido com o consumo do capital existente deve ser determinado sem que se considerem a intenção de reposição em espécie, a reposição com diferente tipo de ativo ou a simples não-reposição. Essa conclusão parece excluir, para fins de determinação do lucro para relatórios a acionistas e outros grupos alheios à administração, o uso tanto de custos específicos de reposição, como de índices de preços relacionados diretamente com os tipos de ativos consumidos por determinada emprêsa.

UTILIZAÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO DOS CUSTOS DE REPOSIÇÃO

Deveria ser reconhecido, entretanto, que os custos específicos de reposição têm grande significado para as pessoas empenhadas na administração de uma emprêsa. De maneira geral, a administração nas suas decisões não deveria considerar os custos históricos, exceto quando êsses custos indicam custos presentes ou prováveis custos futuros. Administração implica planejamento futuro e inclui a reposição dos ativos tangíveis depois de consumidos. Conseqüentemente, planos para auferimento de receitas e outras fontes de capital devem levar em consideração o custo atual e, até mesmo, o provável custo futuro do capital que esteja sendo consumido.

O fato de êsses custos não serem objetivos não é necessàriamente empecilho para a sua utilidade à administração. Que freqüentemente se baseiem em amplas estimativas e estejam sujeitos a imprecisões pode ser lamentável, mas é inevitável. Apesar disso, levando em conta suas limitações, a administração deve - e assim o faz - tomar suas decisões baseando-se nos custos específicos de reposição, e não em custos passados.

BASES ALTERNATIVAS DE CUSTOS HISTÓRICOS

A eliminação do custo de reposição como base adequada para o cálculo da depreciação - para a determinação da recuperação do capital - (pelo menos para relatórios financeiros) limita nossa escolha às duas primeiras alternativas, ou seja, ao custo histórico expresso em moeda atual equivalente ao poder aquisitivo da quantia investida. Mas, porque não são idênticas essas bases alternativas? Não é a moeda a única medida de custo, o único padrão pelo qual se expressa o poder econômico? Porque, então, se obtêm importâncias tão diversas quando se utilizam essas duas bases alternativas, referindo-se ambas à mesma coisa, o custo histórico do capital investido?

A explicação reside no fato de que se trata de duas moedas diferentes, a da época do investimento do capital e a da época de recuperação do capital através da depreciação. O dinheiro não é de valor estável. Não é medida constante e uniforme de poder aquisitivo, mas está sujeito a flutuações de valor.

INFLAÇÃO E DIMINUIÇÃO VALOR DO PRÓPRIO DÓLAR

Desde 1933 o valor do dólar vem diminuindo quase continuamente, com pequenas interrupções em 1938, 1949 e em meados da década de 1950. Seu valor atual é igual a menos de 40% do que valia em 1932 e a cêrca de 50% do que valia em 1940, considerando-se um índice geral de preços - a média ponderada dos preços de grandes variedades de mercadorias e serviços. Com as fôrças inflacionárias ainda ativas - o suprimento descontrolado de papel-moeda; grandes dívidas públicas; despesas deficitárias para evitar recessões; exigências dos sindicatos para aumentos de salários, maiores do que os de produtividade; manutenção de preços de produtos agrícolas; a guerra fria etc., em conjunto com métodos contábeis que não refletem adequadamente o impacto da inflação sôbre os lucros - a recuperação de qualquer porção substancial dessa perda de valor é bastante difícil; na verdade, uma constante diminuição do valor real é o que se apresenta como muito mais provável.

A DETERMINAÇÃO DO CAPITAL RECUPERADO

Considerando êsses fatos sôbre o valor do dinheiro, examinemos novamente as duas bases alternativas para a depreciação, a fim de determinar e expressar o montante de capital recuperado através da depreciação. Quando êsse capital foi investido representava uma importância que naquele tempo possuía determinado poder aquisitivo que poderia ser medido por todos os possíveis empregos dessa importância. Na apuração do lucro num exercício seguinte - indaga-se - será suficiente lançar no custo operacional o custo histórico dêsse capital para recuperar, através da depreciação, somente o montante investido, independentemente do seu poder aquisitivo atual? Se as operações produzirem mais em dinheiro atual do que o custo histórico, poderemos dizer que tivemos por causa disso um lucro líquido? Ou devemos primeiramente recuperar o poder aquisitivo investido, expresso por um número maior de dólares de menor poder de compra que possuem um poder aquisitivo total - um poder aquisitivo global - equivalente ao do capital investido? Será sólida prática contábil reportar que o capital investido se manteve intato e que houve lucro quando, de fato, somente a quantidade de dólares do investimento ficou intata, enquanto o poder aquisitivo dêsses dólares foi constantemente reduzido? Poderá existir lucro, um lucro real, sem a plena recuperação do poder aquisitivo inicialmente investido que foi consumido na produção dêsse lucro? Na minha opinião, é impossível haver contabilização adequada e relatórios corretos quando se ignora - ou se oculta por meio de subterfúgios - um dos mais importantes aspectos da vida econômica, ou seja, o de que o dólar não é medida uniforme, estável e constante do poder de compra, sendo que seu valor diminuiu substancialmente e que investimentos medidos inicialmente pelo valor do dinheiro da época do investimento podem ser determinados adequadamente, quando da recuperação pela depreciação, somente pela reexpressão do poder aquisitivo investido, em termos de maior quantidade de dólares de equivalente poder de compra.

Teòricamente, a conversão dos custos históricos de depreciação em custos de poder aquisitivo equivalente requer o seguinte procedimento:

1) classificação, pelo custo histórico, de todos os ativos depreciáveis existentes no início do exercício contábil, por ano de aquisição, e subclassificação pela taxa de depreciação;

2) aplicação da taxa de depreciação adequada ao custo histórico dos bens em cada subclassificação;

3) determinação do subtotal das depreciações calculadas, pelo ano de aquisição dos ativos; o total geral a ser determinado nesta altura como contrôle deve ser igual à despesa de depreciação do exercício em curso, baseada nos custos históricos;

4) aplicação de adequado índice geral de preços sôbre a depreciação, de acôrdo com o ano de aquisição dos ativos, isto é, multiplicando-se a depreciação do custo histórico pelo índice geral de preços do ano em curso e dividindo-se o resultado pelo índice do ano da aquisição;

5) determinação do total das depreciações ajustadas pelos anos de aquisição dos ativos para obter a despesa total da depreciação ajustada referente a todo- o ativo para o exercício em curso.

Em muitos casos o procedimento indicado acima talvez não seja exeqüível: quando os registros dos ativos forem tais que o método se torne impraticável ou impossível poderá ser usado um procedimento abreviado. Êsse procedimento abrange os seguintes passos:

1) classificação, pelo custo histórico, de todos os itens depreciáveis existentes no início do exercício, por ano de aquisição;

2) aplicação de adequado índice geral de preços sôbre o total das aquisições de cada ano para a determinação do custo ajustado das aquisições de cada ano, ao início do exercício;

3) determinação do total geral para obter o custo global ajustado de todos os ativos existentes no início do exercício;

4) divisão dêsse custo ajustado dos ativos pelo seu custo histórico para obter um índice ponderado de custo ajustado ao custo histórico de todos os bens;

5) aplicação dêsse índice à depreciação do ano em curso sôbre o custo histórico para obter a depreciação sôbre o custo histórico ajustado.

OBSERVAÇÃO3 3 ) N.R.: Relativa aos Estados Unidos da América.

Êsse último método está sujeito a erros significativos, principalmente se houver modificações de preços num só sentido e se um volume relativamente grande de aquisições tiver ocorrido em anos específicos, principalmente em anos recentes ou remotos. Por exemplo, atualmente, após longo período de aumentos quase contínuos e conseqüente declínio no valor do dólar, é muito provável que a aplicação do segundo método produza quantidade excessivamente grande de depreciação a um custo ajustado.

Ambos os métodos baseiam-se na suposição de que a depreciação é computada com base no saldo da conta de ativos no início do exercício. Do contrário, outros procedimentos seriam necessários.

Em situações onde registros de bens sejam incompletos estimativas maiores ou menores podem tornar-se necessárias para que se obtenha uma aproximação razoàvelmente exata da depreciação baseada no custo histórico ajustado. Qualquer estimativa razoàvel é mais útil para muitas finalidades do que a depreciação computada sôbre o custo histórico.

MÉTODOS DE APRESENTAÇÃO DE BALANÇOS

Na presente fase do desenvolvimento da Contabilidade pode ser que no balanço e na demonstração de lucros e perdas a depreciação deva basear-se no custo histórico. O efeito sôbre os custos e receitas da conversão do custo histórico em custos de poder aquisitivo equivalente pode melhor ser apresentado em relatórios suplementares. Eventualmente, porém, a meu ver, a depreciação na demonstração de lucros e perdas deveria ser expressa em valôres atualizados com o reajustamento apropriado lançado no "não exigível" do balanço.

Talvez a melhor definição da utilidade dos relatórios suplementares seja esta:

"Embora os relatórios das emprêsas sejam preparados principalmente para os acionistas, a informação nêles contida torna-se, na verdade, propriedade pública, e pode, de maneira geral, influenciar a formação de opiniões. Os relatórios financeiros expressos em valôres uniformes atuais seriam úteis para as seguintes finalidades:

1.ª) avaliação da eficiência administrativa em têrmos de preservação do valor atualizado do capital investido na emprêsa, e não apenas pelo montante inicial de dólares;

2.ª) análise da lucratividade em face da atual conjuntura;

3.ª) determinação e justificação de diretrizes salariais sadias e negociações com sindicatos;

4.ª) determinação pelo Govêrno de diretrizes a longo prazo referentes ao contrôle da economia através da política monetária, regulamentação de preços, limitação de lucros, impostos etc.;

5.ª) criação de opinião pública bem informada, com referência a lucros, preços, salários etc., e ao efeito da inflação ou deflação sôbre problemas financeiros em geral;

6.ª) determinação de diretrizes administrativas com referência a preços, créditos, dividendos, expansão etc.."4 4 ) "Price Lavel Changes and Financial Statements'', Supplementary Statement N. 2, Committees on Concepts and Standards Underlying Corporate Financial Statements, American Accounting Association.

ACELERAÇÃO ARTIFICIAL DA RECUPERAÇÃO DO CUSTO HISTÓRICO

Parece existir consenso de que as provisões para depreciação baseadas no custo histórico5 5 ) De 331 executivos de grandes emprêsas e educadores que responderam a recente questionário da AICPA 74% (isto é, 69% dos executivos e 94% dos educadores) aprovaram em princípio, a proposta de que o custo em dólares atuais da depreciação deveria aparecer de algum modo adequado nos relatórios da empresa aos seus acionistas. Para uma análise completa das respostas a êsse questionário ver: "Opinion Survey on Price Level Adjustment of Depreciation", The Journal of Accountancy, abril de 1958, pág. 36. são inadequadas, embora os princípios contábeis de aceitação geral - e a Securities and Exchange Comission6 6 ) N.R.: Instituição que regula a atividade das bôlsas de valores imobiliários dos Estados Unidos da América. - não aprovem qualquer desvio dessa base antiquada. Conseqüentemente, estratagemas de vários tipos são usados amiúde para obter alguns dos benefícios da depreciação em valôres atualizados. Artifícios comuns incluem: estimativas muito baixas de vida útil, lançamento como despesas operacionais de itens que deveriam ser capitalizados, taxa de depreciação decrescente mais rápida do que seria justificável. Todos êsses artifícios conseguem alguns dos benefícios da de preciação em valôres atuais; recupera-se o capital antes que perca muito poder aquisitivo através da inflação contínua e há economia em despesas de juros. Para fins de relatórios financeiros, entretanto, qualquer aceleração artificial da recuperação do custo histórico pelo lançamento de depreciações mais elevadas não é sucedâneo aceitável para a reexpressão do custo histórico em valôres atuais. Não é boa política corrigir um êrro com outro. Além do mais, a correção tende a ser temporária, porque a recuperação total se limita ao investimento em dinheiro.

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

A depreciação é um processo de apropriação dos custos dos ativos tangíveis a exercícios sucessivos e a produtos e serviços, preferivelmente em relação aos benefícios recebidos, ou seja, ao valor líquido dos serviços prestados pelas instalações, em exercícios sucessivos.

A depreciação tende a recuperar o custo do capital consumido e, assim, prover recursos para aumentos de ativo, inclusive a reposição equivalente do capital consumido.

Para efeitos de contabilização a escolha da base de depreciação (custo histórico, custo histórico inflacionado, ou custo de reposição) e a escolha do método (linha reta, depreciação decrescente ou outros) constituem decisões independentes, e nenhuma delas está relacionada à estimativa de vida útil do ativo sujeito à depreciação.

Uma vez que, de maneira geral, o valor líquido dos serviços prestados pelo capital tende a diminuir durante o tempo de vida útil, um método de depreciação decrescente é provàvelmente mais adequado do que um método em linha reta.

Uma vez que o valor do dinheiro diminuiu substancialmente, a recuperação, pela depreciação, do custo histórico do capital investido não permite, em geral, total recuperação do poder aquisitivo investido inicialmente. Por isso, o custo histórico não é uma base adequada de depreciação.

A depreciação baseada no custo atual ou antecipado, de reposição, não é satisfatória para efeito de preparação de relatórios financeiros. O custo do consumo do capital existente deveria ser independente da intenção de reposição em espécie, de reposição com tipo diferente de capital ou de reposição em geral.

A depreciação baseada no custo histórico expresso em têrmos de valôres atuais, de poder aquisitivo equivalente, determinada por um índice geral de preços, produz um montante de lucros líquidos que deveria ser uma base mais sólida para estimativa da lucratividade futura do que qualquer uma das duas outras bases alternativas.

Para fins de relatórios financeiros uma aceleração artificial da recuperação do custo histórico não pode substituir a reexpressão do custo histórico pelo custo atualizado.

Modificações na política de depreciação, quer na base, quer no método, podem afetar modificações correspondentes nos recursos para reposição somente através de decisões administrativas que afetem itens de receita, despesas (menos a despesa de depreciação) ou dividendos pagos.

OBSERVAÇÃO FINAL - DEPRECIAÇÃO PARA FINS DE IMPOSTO DE RENDA

A depreciação para fins de dedução do impôsto de renda não está sujeita a princípios contábeis, mas às prescrições da legislação tributária. Depreciação para fins tributários não deve ser considerada como método de apropriação de custos, mas sim como instrumento de política social. As determinações indiscriminadas quanto à depreciação de investimentos e depreciação acelerada (inclusive a taxa decrescente) não se relacionam necessàriamente com o prazo de vida útil, nem com o valor líquido dos serviços prestados em exercícios sucessivos. É legítimo - e geralmente no interêsse do contribuinte - aproveitar as maiores deduções permissíveis pela lei para recuperar o capital investido o quanto antes possível. Tôdas as acelerações artificiais disponíveis devem ser aproveitadas o mais amplamente possível, sem levar em consideração a apropriação adequada dos custos, inclusive aceleração rápida, dedução como despesa (quando permissível) de itens contàbilmente capitalizáveis, ou mesmo de índices excessivamente elevados. Enquanto o cálculo da depreciação fôr baseado no custo histórico, é quase certo que todos os dispositivos de aceleração acima mencionados, tomados em conjunto, serão insuficientes para a recuperação do equivalente em valôres atuais do custo de capital consumido, e que o confisco de capital pela tributação haverá de continuar.

Nota da Redação - Éste artigo reproduz trabalho apresentado pelo autor na Conferência Regional do Controllers Institute of America, realizada em Nova Orleãs, em março de 1959 e é reproduzido sob autorização de "The Acccunting Review", órgão da American Accounting Association", onde foi originalmente publicado em julho de 1959, Vol. XXXIV, n.º 3.

  • 1) N.R.: Para a tradução dos rnétodos de depreciação, quando possível, foi utilizada a terminologia empregada por FREDERICO HERMANN JÚNIOR em teu livro "Contabilidade Superior", Editora Atlas S. A., 5.Ş edição, págs. 197 e seguintes.
  • 5) De 331 executivos de grandes emprêsas e educadores que responderam a recente questionário da AICPA 74% (isto é, 69% dos executivos e 94% dos educadores) aprovaram em princípio, a proposta de que o custo em dólares atuais da depreciação deveria aparecer de algum modo adequado nos relatórios da empresa aos seus acionistas. Para uma análise completa das respostas a êsse questionário ver: "Opinion Survey on Price Level Adjustment of Depreciation", The Journal of Accountancy, abril de 1958, pág. 36.
  • 1
    )
    N.R.: Para a tradução dos rnétodos de depreciação, quando possível, foi utilizada a terminologia empregada por FREDERICO HERMANN JÚNIOR em teu livro "Contabilidade Superior",
    Editora Atlas S. A., 5.ª edição, págs. 197 e seguintes.
  • 2
    ) A rigor, levando-se em consideração os juros sôbre o investimento, essas suposições justificariam uma taxa de depreciação ligeiramente crescente; a depreciação em linha reta prevê uma queda contínua no valor líquido dos serviços prestados, quando se considera adequadamente
    o fator
    juros.
  • 3
    ) N.R.:
    Relativa aos Estados Unidos da América.
  • 4
    )
    "Price Lavel Changes and Financial Statements'', Supplementary
    Statement N. 2, Committees on Concepts and Standards Underlying Corporate Financial Statements, American Accounting Association.
  • 5
    ) De 331 executivos de grandes emprêsas e educadores que responderam a recente questionário da AICPA 74% (isto é, 69% dos executivos e 94% dos educadores) aprovaram em princípio, a proposta de que o custo em dólares atuais da depreciação deveria aparecer de algum modo adequado nos relatórios da empresa aos seus acionistas. Para uma análise completa das respostas a êsse questionário ver:
    "Opinion Survey on Price Level Adjustment of Depreciation", The Journal of Accountancy, abril de 1958, pág. 36.
  • 6
    ) N.R.: Instituição que regula a atividade das bôlsas de valores imobiliários dos Estados Unidos da América.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jul 2015
    • Data do Fascículo
      Dez 1965
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