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Um diplomata austríaco na corte de São Cristóvão (à margem do Diário do Barão de Hübner) Brasil-Uruguai-Argentina de 1882

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Um diplomata austríaco na corte de São Cristóvão (à margem do Diário do Barão de Hübner) Brasil-Uruguai-Argentina de 1882

Por Roberto Mendes Gonçalves. Conselho Federal de Cultura, 1970 174 p. II.

A publicação truncada e mutilada do Diário do Barão de Hübner é o exemplo mais revoltante da arbitrariedade intelectual. Imbuídas de falsa suscetibilídade, certas pessoas pensam ser donas da verdade e, assim, post julgam a conveniência ou inconveniência de certas publicações sobre o nosso passado, como se essa atitude varresse qualquer situação anterior e real.

Roberto Mendes Gonçalves, que prometera há alguns anos, a publicação integral do Diário, justifica-se dizendo que "pensou-se, em diversos círculos abordados, que era inoportuna a publicação, pois êle continha apreciações cuja divulgação na íntegra não era conveniente"; mais adiante reforça o argumento, dizendo que omitiu "apenas, além das passagens que nio dizem respeito à América do Sul, as observações consideradas, no momento, excessivamente inconvenientes" (o grifo aqui é do autor).

A mutilação não é só nos cortes. O nosso colaborador resolveu dar outro caráter pessoal à obra, pois o seir livro é confuso até na página de rosto: o nome de Roberto Mendes Gonçalves aparece no alto, como se fosse o autor; o subtítulo do livro é À Margem do Diário do Barão de Hübner, dando a entender que o Diário é motivo para um estudo maior. Porém, tirando certas notas ou reproduções do próprio Barão de Hübner, o que temos é o resumo e a transcrição das páginas do Diário. Se o nosso organizador truncou e resumiu a obra, no que merece a glória de aparecer no alto da folha de rosto, como autor? O que temos não é só um equívoco, mas uma trágica comédia de erros.

O Barão de Hübner, nascido em Viena em 1811, foi embaixador em várias cortes européias e amigo do Imperador Francisco José. Visitou a América do Sul em 1882, permanecendo mês meio no Rio de Janeiro e São Paulo, indo depois ao Uruguai e Argentina. Nas poucas transcrições que aparecem, temos idéia do valor das anotações do Barão. O velho diplomata, bastante viajado e experimentado, sabia julgar com certa imparcialidade os fatos, o que toma as suas notas seguras e argutas.

Suas entrevistas com D. Pedro e o Conde D'Eu mostram algumas das preocupações existentes na Corte: movimento republicano, guerra do Paraguai, governo constitucional, etc. O conceito de República é visto de forma confusa pelo Imperador, pois êle "falou-me longamente das possibilidades da República. Admite que a forma republicana poderá perfeitamente convir ao Brasil", mas, de maneira esdrúxula, "é inimigo do sufrágio universal"! o Conde D'Eu, no entanto, acha que devesse combater essa tendência. Por outro lado, D. Pedro "é Imperador constitucional, dizia êle, mas é bem triste, acrescentou, ser Imperador constitucional. Com isso concordei inteiramente. Mudo, diz êle, os Ministros, de acordo com a vontade das Câmaras e algumas vezes, consultando minha vontade, porque é preciso manter a balança igual entre os conservadores e os liberais e conceder a cada um deles, alternadamente, um período de poder. Do contrário, o partido excluído poderia zangar-se e cometer atos desagradáveis". Em outra hora, diz que "eu deixo andar a máquina. Ela está bem montada e nela tenho confiança. Somente quando as rodas começam a ranger e ameaçam parar, ponho um pouco de graxa".

A bem montada "máquina" de D. Pedro, na verdade, é cheia de defeitos. Em poucas palavras, o Barão de Hübner anota algumas inconveniências disse sistema: na vida administrativa, a pouca duração do presidente de província, por razões políticas, impede-o de estudar e "conhecer a província"; "sabendo que não ficará muito tempo no Governo não tem nenhum interesse em estudar a província ou preparar empresas úteis...; os Presidentes não foram educados na escola administrativa. São advogados, redatores de jornais transformados em deputados que o Presidente do Conselho no poder nomeou Presidentes".

O Conde D'Eu vê com olhos realísticos a Guerra do Paraguai: a luta representou grande dívida para o Brasil e destruiu-se o Paraguai "que era um contrapeso a impor às veleidades ambiciosas da República Argentina". Uma das conseqüências secundárias do conflito é o aumento do exército e, depois, o seu abandono pelo Governo. O Conde "disse-me.que o Imperador não quer ouvir falar do aumento do exército, por causa das finanças", o que não impede que a marinha seja melhor tratada do que o exército.

O Barão anota, em São Paulo, alguns dos problemas fundamentais da província: "em São Paulo (cidade), dominam os imigrantes estrangeiros. Depois dos portugueses, que são os mais numerosos e se entregam aos trabalhos domésticos de todo o gênero, desempenhando o papel dos irlandeses nos Estados Unidos da América, vêm os italianos, dos quais há mais de 12.000 nesta cidade. Dedicam-se ao pequeno comércio e são também cultivadores".

A instalação da São Paulo Railway significa início de revolução para a capital da província: o Barão mostra que só nos últimos nove anos instalaram-se 5 grandes casas de exportação (sic); "São Paulo tornou-se assim, o centro da parte habitada e em grande parte cultivada da província do mesmo nome; libertou-se de Santos e do Rio de Janeiro, recebendo essas cinco casas as mercadorias diretamente da Europa".

As visitas que faz às fazendas da Mogiana e a Itu fornecem-lhe muitos dados interessantes: as melhores terras, "a terra roxa (...) está concentrada em mão dos fazendeiros que não a querem vender". O Conde de Três Rios, um dos grandes fazendeiros, é um dos mais ricos proprietários da província. Ê dono da fazenda de Santa Gertrudes. É pitoresca a descrição que faz do proprietário: "bom tipo de plantador de outros tempos, grande senhor, a seu modo, bonacheirão, com maneiras de dono de casa, fala pouco, mas sorri abertamente"; "o Conde (...) possui 400 escravos, dos quais 250 em Santa Gertrudes e 150 numa outra fazenda. Diz-se que sua renda anual dessas duas plantações é de mais de meio milhão de francos. Tem boa casa em São Paulo e outra em Campinas e não reside habitualmente nas fazendas, mas as visita freqüentemente". E aqui, outra nota fundamental: o Conde "disse a Gorceix [companheiro de viagem do Barão e Diretor da Escola de Minas, de Ouro Preto] que prevendo as grandes perturbações que resultarão da emancipação dos escravos, colocou e continua a colocar fundos na Europa".

A descrição pormenorizada de outras fazendas de café, o problema do domínio estrangeiro sobre o comércio importador e exportador (Bahia, Pernambuco, São Paulo e Rio) - e problemas correlatos na Argentina e Uruguai - são outras ricas informações dadas pelo Barão de Hübner. Infelizmente, só parte desse depoimento é revelado ao público, devido a suscetibiiidade do Sr. Roberto Mendes Gonçalves.

EDGARD CARONE

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Maio 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 1971
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