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O hospital-empresa e o composto mercadológico

ARTIGOS

O hospital-empresa e o composto mercadológico

Ernesto Lima Gonçalves

Professor livre-docente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; diploma do curso de especialista em administração geral da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas; consultor médico-hospitalar

A primeira observação a ser feita, quando se estuda a hipótese de analisar a atividade de um hospital de uma comunidade qualquer, é exatamente a avaliação daquilo que representa uma unidade desse tipo, levando-se em conta suas peculiaridades. Trata-se, em outras palavras, de analisar as características básicas da entidade hospitalar e de estudar as repercussões de sua atividade sobre o meio onde ela se insere. Dentro desse enfoque, é importante que se procure configurar aquilo que o hospital pretende executar, aquilo que pretende oferecer como solução para os problemas médico-assistenciais da comunidade.

Em relação ao primeiro tópico, é indispensável que nos lembremos de que um hospital é uma estrutura viva, de alto dinamismo operacional, de elevado ritmo, desenvolvendo atividade caracteristicamente polimorfa, que envolve uma gama muito diversificada de aspectos. Em termos simplificadores, basta dizer que, além da atividade propriamente médica que se desdobra no hospital, funcionam ali setores que poderiam desenvolver-se isoladamente fora dele, com amplas possibilidades de viabilidade econômico-operacional, mas envolvendo cada qual aspectos especializados de funcionamento e, por conseguinte, de problemas a serem enfrentados. Quatro desses setores são característicos, pela possibilidade de existência autônoma que apontamos: o hospital engloba simultaneamente um hotel, uma farmácia, uma lavanderia e um restaurante.

Cada um desses setores, funcionando isoladamente, já envolveria a necessidade de administração eficiente, para garantir sua viabilidade; cada qual exigiria pleno conhecimento do que a comunidade oferece em termos de recursos e de infra-estrutura e do que a comunidade exige, em termos de carência de serviços especializados, na área considerada.

É fácil agora imaginar a tarefa que deve enfrentar quem se propõe a administrar uma estrutura que representa a soma de todas as características que apontamos e que as associa a um outro setor extremamente complexo, O que é o relacionado à assistência médica propriamente dita e que se obriga a colocar tudo isso em funcionamento simultâneo, harmonioso, eficiente e economicamente viável. Trata-se de um desafio que precisa ser respondido mesmo antes do inicio da construção do hospital, ainda no momento em que ele começa a ser concebido e planejado.

Um aspecto deve ser posto em relevo, já na fase de concepção do hospital: é que, com tudo quanto já se disse até aqui, essa instituição, para atingir níveis elevados de eficiência, terá sua viabilidade facilitada, caso venha a ser concebida como uma empresa. Para tanto será necessário que sua estrutura corresponda a um mínimo de exigências organizacionais, de que resultem vantagens e facilidades de natureza operacional. Mas, igualmente essencial será a circunstância de que seus dirigentes desenvolvam uma atividade marcada por um planejamento criativo, uma organização racional, uma direção eficiente e um controle rigoroso.

O hospital-empresa situa-se naquele grupo das instituições que assumem com a coletividade papel na produção de bens. Apenas, neste caso, não se trata de bens tangíveis, materiais, importantes por certo para a vida dos indivíduos, mas cuida-se de bens intangíveis - serviços não menos importantes do que os bens de consumo ou os industriais (3). Por se tratar de entidade que trabalha com bens não-tangíveis, não deverá ter o hospital, concebido segundo os critérios anteriormente referidos, menor interesse do que as demais empresas no desenvolvimento de um adequado programa mercadológico (14). Em conseqüência, não poderá eximir-se o hospital de se preocupar com aspectos básicos de marketing. Para permitir uma avaliação abrangente, será útil examinar o problema sob o ângulo do próprio composto mercadológico.

1. O COMPOSTO MERCADOLÓGICO E O HOSPITAL

Um dos conceitos básicos em administração de marketing corresponde ao que se denomina composto mercadológico. Classicamente define-se que esse composto é constituído de quatro elementos básicos: o produto, sua distribuição, a promoção e o preço. É manipulando cada um desses componentes que a empresa procura situar-se no mercado da maneira mais favorável que as circunstâncias lhe permitam. A mesma atitude deve, pois, assumir a empresa-hospital.

O primeiro componente do composto mercadológico a ser analisado é o produto, aquele tipo de bem que o hospital-empresa produz. E apenas indispensável entender-se exatamente o pleno significado desse termo: o bem intangível que o hospital produz é a saúde da população. A grande dificuldade reside na quantificação e no dimensionamento dessa categoria de bens produzidos.

A avaliação dos níveis de saúde de uma população representa problema ainda em aberto. Duas ordens de grandeza são, em regra geral, utilizadas: os índices de mortalidade e os níveis de incidência de moléstias, isto é, os índices de morbidade. Em nosso meio, entretanto, existem ainda muitas dificuldades na obtenção de dados indispensáveis à definição dos referidos índices, porque nossas estatísticas de saúde são, até agora, deficientemente elaboradas.

Está claro que, quanto mais perfeita a assistência médica-hospitalar oferecida a determinada comunidade, tanto menos elevados serão os índices de morbidade e mortalidade referidos. No terreno de atendimento à população, desempenham papel fundamental os hospitais que se localizam na região; seus leitos representam verdadeiras unidades de produção, comparáveis nesse sentido aos teares de uma tecelagem ou aos geradores de uma usina elétrica. Seu produto final é a saúde da população da região. Nesse sentido, deveria haver, pois, correspondência entre a capacidade de produção do hospital e a repercussão dessa capacidade no mercado, que é o ambiente comunitário.

Em outros termos, quanto maior o número de leitos hospitalares à disposição de uma comunidade, mais elevados deveriam ser os índices de saúde desta, mantendo-se fixos outros fatores que também condicionam tais índices. Entre estes existem alguns que assumem importância fundamental. Uns são de natureza física, como infra-estrutura de saneamento básico; outros são de natureza sociocultural, como adiante se verá.

Tomamos para nossa orientação a avaliação de três regiões do estado de São Paulo: a de Campinas, a do Vale do Paraíso e a de Araçatuba. Diversas em seu contexto econômico-social e em seu nível de desenvolvimento, são diferentes também quanto ao equipamento de saúde colocado à disposição das respectivas populações.

Assim, no quadro 1 apresentamos o levantamento atualizado dos leitos hospitalares gerais e especializados à disposição das populações de cada uma das regiões referidas.


Neste quadro consideram-se leitos especializados os reservados à fisiologia e à psiquiatria; em ambos os casos, a necessidade real da população foi calculada em comparação com dados internacionais, daí resultando os índices de 4,5 leitos em hospitais gerais e 3,0 leitos em hospitais especializados por 1 mil habitantes (6). Importam mais, para nosso estudo atual, os dados relativos aos hospitais gerais uma vez que não iremos analisar, entre os níveis de saúde da população, os números relativos à fisiologia e à psiquiatria. A razão é que, nestas duas últimas eventualidades, há uma distribuição de leitos hospitalares distorcida no estado de São Paulo, com largo predomínio, por exemplo, de hospitais de tisiologia no Vale do Paraíba, em especial em São José dos Campos e em Campos do Jordão. Limitando-nos aos hospitais gerais, verificamos que a maior densidade encontra-se na região de Campinas (3,6 leitos/1 mil hab.) seguindo-se o Vale do Paraíba (3,3 leitos/1 mil hab.), conforme se observa nas figuras 1 e 2.



As figuras 1 e 2 ilustram a distribuição de hospitais nas regiões de Araçatuba e Campinas; os dados utilizados para compô-las, bem como os que figuram no quadro 1 e nos quadros subseqüentes provêm do Departamento Estadual de Estatística e figuram nos volumes publicados em 1972 e 1973 pela Secretaria de Estado de Economia e Planejamento referentes às diferentes regiões administrativas do estado de São Paulo (10, 11, 12).

Uma primeira forma de se avaliar a capacidade de produção dos hospitais situados nas regiões indicadas é avaliar, como já foi referido, os níveis de mortalidade em cada uma delas. No quadro 2 apresentamos a mortalidade por grupos etários.


De início devem-se considerar os dados relativos à mortalidade acima de 50 anos. É fácil compreender que, quanto mais satisfatória a assistência médico-hospitalar de que dispõe a comunidade, mais prolongada será a vida da população em geral: em outras palavras, maior será a participação percentual de pessoas de mais idade no obituário da população.

A análise do quadro 2 revela que, computando-se dados relativos aos anos de 1966 a 1970, temos para Araçatuba uma participação de 39,2% de indivíduos de idade superior a 50 anos no obituário geral da população; em conseqüência, a participação de indivíduos de idade inferior a 50 anos é de 60,8%. Para o Vale do Paraíba, tais dados correspondem às cifras de 42,4,% para maiores de 50 anos e 51,6% para os de idade inferior a esse limite; para a região de Campinas, os números são respectivamente de 52,2 e 47,8%.

A conclusão impõe-se: existe uma relação positiva entre o número de leitos das regiões consideradas e as condições de sobrevida das populações respectivas.

Os dados relativos à mortalidade de crianças de idade inferior a 1 ano são um pouco mais difíceis de interpretar; as médias de participação de habitantes dessa idade no obituário das populações das regiões avaliadas, entre 1966 e 1970, são de 24,1% para Campinas, 29,4% para o Vale do Paraíba e 30,1% para a região de Araçatuba.

É fácil entender que, quanto melhor o nível de atendimento médico-hospitalar de que dispõe a população, menor deverá ser a participação percentual de crianças menores de 1 ano na mortalidade da população. É o que acontece na região de Campinas; mas a diferença entre o Vale do Paraíba e Araçatuba é muito pequena; a razão é que a mortalidade de crianças dessa idade é influenciada fortemente por outros fatores, como veremos adiante, os quais agravam a situação do Vale do Paraíba, prejudicando nossa análise.

Os dados referentes à simples morbidade da população também não são facilmente analisáveis; é que as estatísticas disponíveis referem-se à incidência de doenças que nem sempre podem refletir diretamente o efeito prático dos leitos hospitalares disponíveis para a população. O quadro 3 resume os dados relativos aos casos comunicados às autoridades sanitárias entre os anos de 1966 e 1970 nas regiões do Vale do Paraíba e de Araçatuba.


2. O PLANEJAMENTO DE IMPLANTAÇÃO DA EMPRESA-HOSPITAL

Diante de tantas dificuldades para avaliar a eficiência da empresa-hospital em termos daquilo que significa o seu produto, é fácil imaginar que o planejamento de uma estrutura dessas representa um considerável desafio; principalmente porque a multiplicidade e a complexidade dos aspectos envolvidos fazem com que uma solução satisfatória só possa ser encontrada pela constituição de um grupo multiprofissional, capaz de enfrentar e superar todos os problemas que se colocarem (7).

Desse grupo multiprofissional devem fazer parte obrigatoriamente: 1. o proprietário do hospital ou o representante autorizado do corpo de proprietários, seja uma sociedade anônima, uma sociedade civil ou a mesa diretora de uma sociedade beneficente; 2. o arquiteto, que deve ter experiência anterior em trabalhos semelhantes e que tem larga quota de responsabilidade na elaboração do projeto a ser desenvolvido; 3. o consultor hospitalar , com vivência dos problemas de administração e que mereça a confiança dos proprietários ou dirigentes do hospital; este consultor pode ou não ser médico, mas representa peça fundamental no grupo, porque deve ser capaz de interpretar para o corpo diretivo do hospital as sugestões do arquiteto, ao mesmo tempo em que se obriga a apresentar de maneira coerente as observações de leigos, componentes da mesa diretora do hospital, a elemento profissionalmente especializado, que é o arquiteto. A esta equipe mínima poderão juntar-se outros elementos, que a complementem e enriqueçam.

Em linhas gerais, o andamento dos trabalhos relativos ao desenvolvimento de um projeto hospitalar compreende as seguintes fases fundamentais: 1. elaboração de um programa inicial, feito pelos responsáveis ou proprietários do futuro hospital; 2. preparação de um programa provisório, feito pelo consultor hospitalar com base no primeiro; 3. programa definitivo, aceito pelos responsáveis; 4. anteprojeto e projeto do arquiteto, aprovado pelos responsáveis (7).

A estas fases iniciais, podem-se acrescentar outras, a serem desenvolvidas durante e após a construção do hospital; entre as primeiras contam-se a consultoria hospitalar, o estudo da organização técnico-administrativa a ser implantada no futuro hospital, incluindo até o respectivo planejamento contábil, a definição do equipamento necessário a seu funcionamento. Após a construção do hospital, tudo quanto se imaginou deverá ser concretizado; será, então a hora da implantação dos sistemas administrativos e assistenciais planejados, atendidas as exigências formais mínimas (8).

Existe ainda um outro elemento que condiciona basicamente o projeto de implantação da empresa-hospital. Trata-se de um aspecto onde existe grande vantagem no exame do problema sob o enfoque empresarial. É natural que se considere o hospital como um investimento social que deve integrar-se na comunidade da maneira mais harmoniosa possível; para tanto, será necessário respeitar suas peculiaridades e procurar corresponder às necessidades comunitárias, o que exige uma avaliação de tais peculiaridades e necessidades.

A maneira mais eficiente de proceder será considerar essa avaliação como correspondente à indispensável pesquisa de mercado que qualquer empresa executa, antes de lançar um novo produto ou de dar início à implantação de novas instalações, destinadas a atender a um determinado segmento de mercado.

A razão é que a referida pesquisa de mercado certamente condicionará diferentes aspectos do projeto original. No caso do hospital, admitida a hipótese inicial de um hospital geral, a pesquisa poderá orientar, por exemplo, para a instalação de um setor específico do hospital, destinado a atender doentes de determinadas especialidades, uma vez que a comunidade ainda não está dotada de recursos suficientes nessa linha de atendimento; em outras palavras, a pesquisa indica que ainda existe mercado que justifica a referida alteração do projeto original.

3. CONHECIMENTO DA COMUNIDADE IGUAL PESQUISA DE MERCADO

O primeiro passo para o planejamento de um hospital deve ser, então, o conhecimento mais perfeito possível da comunidade onde a nova estrutura deverá inserir-se. Tal objetivo deve ser atendido pela realização de um levantamento do perfil da comunidade por meio de pesquisa adequadamente conduzida (1, 4, 13), utilizando formulário especialmente preparado.

O formulário referido deverá abordar quatro Unhas fundamentais de pesquisa: 1. dados relativos à população; 2. fatores geográficos regionais; 3. condições socioeconômicas; 4. situação assistencial e recursos técnicos e humanos existentes.

As informações relativas à população devem incluir diversos aspectos. Em primeiro lugar, dados de ordem demográfica, incluindo-se aí: a) número de habitantes da comunidade; b) sua distribuição etária; c) seu índice de urbanização; d) índice de nascimentos e de óbitos; e) índice de migração; f) densidade da população.

Em segundo lugar, devem ser pesquisados dados relativos aos níveis de saúde da população, como índice geral de mortalidade, curva de mortalidade proporcional, índice de letalidade infantil, índice de morboletalidade geral e específica, quantificação das moléstias que mais exigem leitos para hospitalização.

Em terceiro, é importante conhecer as condições socioprofissionais da população, sua atividade predominante (agrária, pecuária, industrial, comercial), com maior ou menor exposição a acidentes, pelo exercício das atividades ocupacionais que envolvam riscos de saúde; o nível de escolaridade da população, bem como a quantificação do equipamento de educação disponível.

Em quarto lugar, devem ser analisadas as condições sanitárias da população, incluindo-se aí os tipos mais freqüentes de habitações, as condições higiênicas, os hábitos alimentares, o tipo e a quantificação de equipamentos sanitários à disposição da população, especialmente na área de saneamento básico.

Por último, devem ser analisados aspectos gerais de hábitos da população; incluem-se aí preconceitos associados a características raciais e religiosas, recursos a benzedeiras e curiosas, emprego de mezinhas no tratamento de doenças curáveis; importa também conhecer os hábitos de recreação da população, que podem envolver predominância de atividades sociais fora de casa.

Estas condições sanitárias e culturais da população interferem fundamentalmente com a eficiência do equipamento hospitalar disponível para atendê-la. Esta interferência atinge principalmente as crianças, o que se traduz em níveis de mortalidade infantil, às vezes contraditórios, quando relacionados apenas com dados referentes à rede hospitalar.

Um desses fatores de interferência é o saneamento básico, em especial no que se refere à qualidade de água empregada no abastecimento domiciliar. Segundo a Organização Mundial de Saúde, aproximadamente 25% dos leitos hospitalares existentes em todo o mundo estão ocupados por enfermos cujas doenças são originárias da má qualidade da água utilizada em seu consumo. Para que se possa ter idéia da gravidade do problema em nosso meio, basta dizer que 39% da população da cidade de São Paulo ainda se serve de poços ou de nascentes para o abastecimento de água.

A influência desses fatores de ordem cultural e sanitária permite compreender os dados constantes do quadro 4, onde são apresentados os coeficientes de mortalidade infantil para as regiões que estamos estudando - Campinas, Vale do Paraíba e Araçatuba. Entende-se por coeficientes de mortalidade infantil a relação entre os óbitos até 1 ano de idade e determinado número de nascidos vivos, em certo espaço de tempo; no nosso exemplo, o coeficiente é calculado para 1 mil nascidos vivos.


Observa-se que a mortalidade infantil é menor na região de Araçatuba, onde o número de leitos hospitalares gerais é de 2,6 por 1 mil habitantes, do que na região do Vale do Paraíba, onde esse número é da ordem de 3,3 leitos por 1 mil habitantes; essa diferença pode ser atribuída à influência de outros fatores, entre aqueles já analisados anteriormente.

Apenas a título de comparação, apresentamos os dados referentes aos coeficientes de mortalidade infantil em diferentes países do mundo: Suécia - 13,3%; Noruega - 16,4; Itália - 36,1; Portugal - 64,8; Colômbia - 82,6; Equador - 93,0. Tais valores foram retirados de publicação idônea (2).

Os fatores geográficos regionais a serem pesquisados envolvem principalmente o estudo da área a ser coberta pela atividade assistencial que será desenvolvida pelo hospital, sua topografia, a altitude e as condições climáticas predominantes na área.

Extremamente importante é a análise das condições socioeconômicas da região; incluem-se aqui: a) estudo da situação da localidade em relação a outros centros, com análise do grau e qualidade de interdependência existente entre eles; b) avaliação dos meios de comunicação, em especial rede telefônica, dentro e fora da área considerada; c) existência de rede ferroviária e rodoviária e grau de sua utilização por diversos tipos de veículos; d) fertilidade da terra e nível de produção agrícola, tendo em vista o abastecimento do hospital; e) os níveis de rendimento econômico da comunidade, em especial sua arrecadação anual e sua renda per capita. Esta última série de dados é de extrema importância, porque na própria construção do hospital poderão influir as disponibilidades econômicas da população; embora na fase de operação do hospital vá pesar substancialmente a compra de seus serviços pela Previdência Social - realidade brasileira irreversível nos dias atuais - é importante avaliar o nível econômico da população. Nesse sentido, terão interesse dados obtidos, por exemplo, a partir das quantias pagas em imposto sobre a renda, imposto de circulação de mercadoria, imposto sobre produtos industrializados, imposto predial e rural, pagamentos de sisas, etc.

A última série de dados a serem obtidos refere-se aos recursos assistenciais e técnicos já à disposição da comunidade; a razão é que o entrosamento do futuro hospital com as entidades já existentes é essencial, a fim de evitar duplicação de serviços e de facilitar o conhecimento dos recursos humanos de que podem dispor, principalmente do ponto de vista de pessoal técnico existente. Daí a importância de conhecer: a) instituições assistenciais existentes e sua localização; b) número de médicos locais e sua atividade habitual; c) outras categorias profissionais existentes; d) número de leitos hospitalares já instalados e sua categoria - gerais ou especializados, gratuitos ou remunerados.

4. O COMPOSTO MERCADOLÓGICO

Todos os dados oferecidos pelo levantamento proposto devem servir de base para que o administrador da empresa-hospital coloque-se em posição de examinar as condições de viabilidade de seu empreendimento.

Partindo da elevada contribuição que os conhecimentos de marketing trazem para o sucesso de qualquer iniciativa empresarial, o administrador do hospital deverá obrigatoriamente colocar-se sob um enfoque mercadológico, para tentar atingir pleno sucesso. Está visto que a empresa-hospital encerra, por sua própria forma de atividade, peculiaridades que obrigam a uma colocação freqüentemente heterodoxa, à luz de conceitos mercadológicos habituais.

Tendo examinado alguns aspectos relativos à capacidade de produção da empresa-hospital, poderemos examinar agora alguns aspectos ligados à distribuição de seu produto.

Como dissemos, é possível considerar que o produto da empresa-hospital é a saúde da população. Vale acrescentar agora que os resultados que podem ser obtidos com a atividade de um hospital ultrapassam os limites da cidade onde o mesmo se situa. É nesse sentido que se pode falar em distribuição de seu produto.

Assume aqui grande importância a avaliação de certos aspectos socioeconômicos da comunidade, tal como referidos anteriormente; saliente-se, em especial, o conhecimento da situação da localidade em relação a outros centros, com análise do grau e da qualidade de interdependência entre eles, bem como o conhecimento e a avaliação dos meios de comunicação existentes entre esses diversos centros. Entende-se aqui por comunicação apenas a malha viária existente, as vias de acesso e os meios de transportes entre as diferentes cidades de determinada região. Trata-se de fatores que regulam a circulação de doentes de determinada região, influenciando em conseqüência a distribuição de produto da empresa-hospital.

Trabalho relevante tem sido desenvolvido nesse sentido no âmbito da Coordenadoria de Assistência Hospitalar da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo. Conhecida a limitação de recursos de origem particular a serem investidos na construção de hospitais, é natural que os órgãos de créditos oficiais sejam freqüentemente solicitados a colaborar na construção de novos hospitais, ou na ampliação ou aperfeiçoamento dos já existentes; visto está que a concessão de tais recursos deve ser orientada no sentido de que seja feita com vistas à maior eficiência e melhor rendimento para a comunidade. Lembrando que a distribuição do produto da empresa-hospital é função dos meios de comunicação existentes na região, o referido setor da Secretaria de Estado da Saúde localizou, em minucioso levantamento cartográfico, todos os hospitais já existentes, bem como as vias de comunicação disponíveis em todo o estado. Dessa forma, será possível orientar os organismos oficiais de crédito, quanto à melhor maneira de atender a solicitações de financiamento destinadas à implantação de novos hospitais; além de examinar condições básicas de rentabilidade capazes de permitir o retorno do capital emprestado, bem como sua remuneração, existirão, então, condições de estabelecer prioridades, atendendo primeiro às entidades que se localizam em regiões onde, com mais facilidade, se façam sentir as conseqüências positivas da implantação da nova empresa-hospital. Elas serão mais caracterizadamente sentidas onde houver maior facilidade para a distribuição de seu produto. Trata-se de iniciativa que permitirá verdadeira segmentação geográfica do mercado. Este objetivo poderá ser eficientemente atingido se houver trabalho integrado de planejamento de atividades por parte dos hospitais de uma determinada região.

Outra possibilidade a ser explorada corresponde à abordagem do mercado com vistas a uma segmentação por produto. É o que se conseguirá fazer, na medida em que se caminhar para uma especialização da empresa-hospital; esta forma de diferenciação de sua atividade permitirá que se exerça atração sobre a clientela. Esta iniciativa faz-se sentir, mesmo num centro grande, como a cidade de São Paulo; mas ela terá maior significação no interior, onde, dependendo da região, o mercado já permite e até mesmo já exige iniciativa desse tipo. A existência, por exemplo, em uma cidade do interior, de hospital que se tenha especializado em cancerologia pode significar para aquela cidade a criação de um pólo de atração, segmentando o mercado hospitalar. À medida que seus responsáveis equiparem o hospital, humana e materialmente, para atingir o objetivo a que se tenham proposto, conseguirão fazer de sua empresa estrutura que trabalha com produto tão diferenciado, que afasta a necessidade de os interessados se dirigirem a outros centros em busca de hospitais credenciados para o tipo de atendimento de que necessitam.

Os outros dois componentes do composto mercadológico, preço e promoção merecem considerações específicas, no caso da empresa-hospital.

Preço tem que ser colocado em perspectiva que permita julgamento adequado. Se assumirmos que o produto deste tipo especial de empresa é a saúde da população, é fácil de compreender que o hospital não terá condições de disputar o mercado em termos de preço do produto; não há preço para a saúde. Existem, contudo numerosas possibilidades que podem ser exploradas.

Dissemos, no início, que a empresa-hospital encerra, em sua extrema complexidade, diversas subempresas, cada qual com capacidade de sobreviver isoladamente. Assim, ao lado da atividade médico-assistencial que o hospital oferece à população, coexistem nele um hotel, uma lavanderia, um restaurante e uma farmácia. Ora, é fácil aceitar que não há possibilidade de se variar a qualidade de assistência médica que se oferece num hospital; ela há de ser a melhor possível, qualquer que seja o preço que o paciente esteja pagando, mesmo que ele seja um indigente que simplesmente não está pagando por seu tratamento. Não existem por conseguinte, possibilidades de se variar o preço da assistência, com vistas a uma eventual disputa do mercado. Acresce que, no Brasil, o preço de atendimento médico-hospitalar é fortemente condicionado pelas formulações da Previdência Social. Ao garantir à maioria da população brasileira a possibilidade de assistência hospitalar, ao menos em condições mínimas de qualidade de acomodação no hospital, a Previdência fixa valores de diárias hospitalares para esse tipo de acomodação. Sabendo que a Previdência Social mantém convênios com praticamente toda a rede hospitalar brasileira, é fácil imaginar as conseqüências dessa situação.

Resta, então, o outro lado daquilo que o hospital oferece: acomodações e cuidados hoteleiros. Aqui é possível fazer-se a diferenciação do produto oferecido; entende-se com facilidade, que, variando a dimensão das acomodações, o número de compartimentos à disposição do doente e sua família, o padrão de roupas de cama e mesa, a maior ou menor sofisticação das refeições oferecidas, a possibilidade de serem utilizados os serviços de lavanderia, é muito razoável que sejam cobrados preços diferentes aos respectivos usuários.

Como exemplo, apresentamos no quadro 5 os preços relativos a acomodações oferecidas por diferentes hospitais de São Paulo.


O tópico relativo a promoção representa a maior dificuldade na abordagem mercadológica da empresa-hospital. A razão é que ela trabalha em atividade onde a promoção, em termos clássicos de mercadologia, ainda se faz de maneira restrita. É interessante, nesse sentido, a análise de quadro apresentado por Howard (5) onde são reproduzidos dados de advertising age, relativos à porcentagem de vendas de mais de 20 tipos de empresas investidas em propaganda; no quadro indicado nem sequer figura uma linha de empresas produtoras de serviços como seriam os hospitais. O problema é aqui de uma generalizada falta de conscientização em torno do assunto. Basta lembrar a dificuldade na aplicação, ao caso, dos dois tipos predominantes de esforço promocional que são a propaganda e a venda pessoal.

O presente trabalho revela, como é fácil de ver, a pobreza de dados relativos aos aspectos mercadológicos da atividade da empresa-hospital. De um lado, salientem-se as limitações que essa estrutura enfrenta, em decorrência do próprio tipo de atividade a que se dedica e em conseqüência do reduzido contato que têm os dirigentes hospitalares com conceitos verdadeiramente científicos de ordem administrativa, tal como são desenvolvidos nas escolas de administração.

Por outro lado, é justo salientar a pouca importância que se tem dado, no âmbito da administração considerada em nível alto, às empresas produtoras de serviço, em especial aos hospitais.

É indispensável que se faça um esforço conjunto, para que os dois tipos de estruturas (hospitais e escolas de administração) encontrem-se a meio do caminho; o resultado será o aperfeiçoamento da assistência médico-hospitalar oferecida à comunidade, com a conseqüente elevação de seu padrão de vida.

BIBLIOGRAFIA

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Mar 1978
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