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Demonstrações das origens e aplicações de recursos: técnicas para a sua elaboração e tratamento da correção monetária

ARTIGOS

Demonstrações das origens e aplicações de recursos - técnicas para a sua elaboração e tratamento da correção monetária

Francisco Sylvio Mazzucca

Chefe do Departamento de Contabilidade, Finanças e Controle (CFC) da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas

Por força da nova lei das Sociedades Anônimas - Lei n.º 6.064, de 15.12.76 - a demonstração das origens e aplicações de recursos ganhou um repentino destaque, uma vez que passou a tomar parte, ao lado dos tradicionais balanço de lucros e perdas, do corpo das demonstrações financeiras, cuja apresentação é exigida ao término de cada exercício fiscal.

O presente trabalho tem um objetivo bastante amplo, pois aborda, desde os conceitos e procedimentos básicos que permitem a elaboração da demonstração, até algumas técnicas de determinação analítica dos valores a serem nela considerados.

Apresentamos, além disso, uma análise da correção monetária dos ativos e da manutenção do capital de giro, mostrando qual a relação dessas contas com o processo de elaboração da demonstração. Optamos por considerar o esquema de demonstração vigente até o final do exercício de 1977, uma vez que ele proporcionará aos leitores elementos que possam ser utilizados em análise de períodos anteriores, incluindo, pelo menos para boa parte das empresas, o exercício recém findo. Além do mais, os ajustes que deverão ser feitos a partir dos "Balanços de Abertura" de 1978, estão sendo objeto de muita dissensão, principalmente no que diz respeito às correções do Patrimônio Líquido. Uma vez que se observa que a padronização definitiva das demonstrações somente se dará a partir do final do exercício de 1978, publicaremos, oportunamente, comentários que reflitam essa mudança dos padrões contábeis, naquilo em que elas afetam a demonstrações das origens e aplicações de recursos.

Finalmente, um outro importante aspecto que estará sendo considerado diz respeito à utilidade da demonstração das origens e aplicações de recursos como parte integrante do processo de análise financeira. Sua importância é mostrada claramente a partir do próprio nome, uma vez que a demonstração trata de duas das principais funções de uma empresa, isto é, dos processos de obtenção e utilização de recursos.

1. O TEXTO LEGAL

O assunto em questão é mencionado no artigo 188 da Lei das SA, cuja redação é a seguinte:

"Art. 188 - A demonstração das origens e aplicações de recursos, indicará as modificações na posição financeira da companhia, discriminando:

I. As origens de recursos, agrupadas em:

a) lucro do exercício, acrescido da depreciação, amortização ou exaustão e ajustado pela variação nos resultados de exercícios futuros;

b) realização do capital social e contribuições para reservas de capital;

c) recursos de terceiros originários do aumento do passivo exigível a longo prazo, da redução do ativo realizável a longo prazo e da alienação de investimentos e direitos do ativo imobilizado.

II. As aplicações de recursos, agrupadas em:

a) dividendos distribuídos;

b) aquisição de direitos do ativo imobilizado;

c) aumento do ativo realizável a longo prazo, dos investimentos e do ativo diferido;

d) redução do passivo exigível a longo prazo.

III. O excesso ou insuficiência das origens de recursos em relação às aplicações, representando aumento ou redução do capital circulante líquido.

IV. Os saldos, no início e no fim do exercício, do ativo e passivo circulantes, o montante do capital circulante líquido e o seu aumento ou redução durante o exercício."

2. CONCEITO DA DEMONSTRAÇÃO

Qualquer demonstração de fluxo tem por objetivo mostrar as alterações havidas numa conta ou grupo de contas durante um determinado período.

Do mesmo modo que a demonstração de lucros e perdas é uma demonstração de fluxo, pois mostra as alterações havidas nos lucros retidos como conseqüência do desempenho da empresa, a demonstração das origens e aplicações de recursos, também conhecida como "fluxo de fundos" ou "fluxo de recursos", procura sumarizar as fontes das quais foram originados os recursos da empresa num determinado período, bem como o uso que foi dado a esses recursos.

Antes de nos aprofundarmos no conceito da demonstração, torna-se necessário definir o termo "recursos", o qual, por sinal, é o causador da diferença entre as demonstrações do fluxo de recursos e do fluxo de caixa.

Enquanto este último tem por objetivo mostrar quais as variações nas diversas contas da empresa que provocaram um aumento ou uma diminuição no seu disponível, a demonstração das origens e aplicações de recursos tem uma finalidade mais ampla, uma vez que considera, além das variações que afetaram o disponível, aquelas que resultaram em novos direitos ou obrigações para a empresa.

Exemplificando: caso uma empresa adquira um equipamento em 1.1.77, com a promessa de pagá-lo integralmente em 1.1.80, vemos que o fluxo de caixa da empresa não será absolutamente afetado em 1977, uma vez que não houve qualquer movimentação no disponível. No entanto, a demonstração do fluxo de fundos mostraria, ainda no exercício de 1977, que um determinado montante, cuja fonte foi um financiamento, foi aplicado num equipamento. Em 1980 - época do pagamento - a mesma demonstração destacaria que recursos em dinheiro foram aplicados para saldar um financiamento.

A partir da explicação do significado de "recursos", podemos definir o objetivo da demonstração das origens e aplicações de recursos como sendo o de mostrar as alterações havidas nos recursos permanentes da empresa, bem como nos ativos financiados por esses recursos permanentes.

Tal definição exclui da demonstração a análise individual das contas circulantes, e a explicação para tal fato - explicação essa adotada pela grande maioria dos autores e reconhecida no texto da nova Lei das SA - baseia-se na comparação entre a conversibilidade das contas circulantes e a das demais.

Por girarem mais de uma vez durante um exercício fiscal, e, principalmente por haver uma compensação constante entre as contas do ativo e do passivo circulantes, uma análise detalhada dessas contas perderia sentido se colocada junto de variações de prazo mais longo.

No entanto, as contas circulantes, desde que não se compensem em sua totalidade (ativo circulante com valor diferente daquele do passivo circulante), devem ser consideradas na demonstração, uma vez que isso significa que parte dos recursos permanentes estão financiando recursos de curto prazo (como na figura), ou, caso o passivo circulante seja maior do que o ativo circulante, teríamos ativos permanentes sendo financiados, em parte, por recursos de curto prazo.

Conseqüentemente, a participação dessas contas na demonstração é feita em termos da diferença global entre ativos e passivos circulantes, a qual recebe o nome de capital de giro permanente ou capital circulante líquido.

3. MECANISMO BÁSICO DA DEMONSTRAÇÃO

Como pode ser observado na figura, os ativos são considerados como resultantes da política de aplicação de recursos, ao passo que os passivos seriam as fontes geradoras desses recursos.

Gráfico 1


Uma vez que a demonstração indicará as variações ocorridas entre dois exercícios fiscais, o primeiro passo para a sua elaboração é considerar as diferenças existentes entre as diversas contas de ativo e passivo:

• Se ΔA representa a diferença entre ativos do ano 1 para o ano 0:

• Se ΔP representa a diferença entre passivos do ano 1 para o ano 0:

Ora, desde que calculemos essas diferenças para cada conta de ativo e passivo, chegaremos a uma demonstração detalhada de origens e aplicações por tipo de conta, o que atenderia totalmente a nossos objetivos.

4. UM EXEMPLO NUMÉRICO

Para que apresentemos uma análise detalhada de todos os ajustes que devem ser feitos a partir do mecanismo básico, torna-se interessante que utilizemos um exemplo numérico.

Este, além de permitir uma melhor visualização do que será exposto, irá auxiliar-nos no entendimento da demonstração como um processo global.

Segue, portanto, a apresentação das demonstrações financeiras da Companhia XYZ, referentes aos exercícios de 1975 e 1976.

4.1 Análise das variações nas contas circulantes

Conforme exposto, as contas circulantes entram na demonstração das origens e aplicações de recursos desde que, de alguma forma, afetem os recursos permanentes da empresa.

Uma verificação nos balanços apresentados mostra-nos o seguinte quadro:

Vemos, portanto, que em 1975, apenas Cr$ 15.000 do ativo circulante foram contrabalançados (ou financiados) pelo passivo circulante, resultando num ativo líquido (que é o capital de giro permanente) igual a Cr$ 15.000, ativo esse financiado por recursos permanentes. Em 1976, o volume financiado por recursos permanentes caiu para Cr$ 4.000.

De um ano para o outro, conseqüentemente, houve uma redução do capital de giro permanente no valor de Cr$ 11.000. Essa redução em ativo representa, como foi mostrado no mecanismo básico, uma fonte de recursos.

Caso o capital de giro permanente tivesse aumentado de um ano para o outro, o valor do aumento seria caracterizado como uma aplicação de recursos, pois teria havido um acréscimo no valor do ativo líquido, significando que mais recursos permanentes teriam sido alocados para financiar esse ativo.

Muito embora a análise que acabamos de fazer seja suficiente para a elaboração do fluxo, existe um procedimento que procura mostrar, com um maior grau de detalhes, quais os fatores que provocaram essa redução de Cr$ 11.000 no capital de giro permanente.

Sabemos que o capital de giro permanente pode aumentar a partir: a) de aumentos nos ativos circulantes; b) de diminuições nos passivos circulantes. O procedimento inverso provocaria, obviamente, uma redução no CGP.

Esse esquema permite-nos elaborar um fluxo na forma que mostramos a seguir.

Quadro 2


4.2 Demonstração das origens e aplicações de recursos

O exemplo numérico apresenta algumas dificuldades que, embora não existam quando o analista encontra-se de posse de demonstrações detalhadas, são comuns nos casos em que esse analista encontra-se frente a demonstrações publicadas e, conseqüentemente, sintéticas.

Os melhores exemplos desse tipo de dificuldade são, em nosso caso, a determinação dos valores de depreciação e da forma de integralização do capital. Procuraremos determinar tais valores analiticamente, o que não aconteceria se tivéssemos acesso à contabilidade da empresa.

Da mesma forma, as informações sobre venda de equipamentos e gastos com pesquisa e desenvolvimento não são normalmente divulgadas, o que tornaria ainda mais difícil a elaboração de um fluxo que tem por objetivo mostrar, da melhor forma possível, aquilo que realmente aconteceu em termos de movimentação de recursos.

Em nosso processo de análise, começaremos admitindo o conhecimento dessas duas informações. Em seguida, passando a admitir o seu desconhecimento, mostraremos de que maneira isso viria a afetar o nosso fluxo.

Uma forma prática de elaborar o fluxo de recursos é analisar cada uma das contas de ativo e passivo, determinando sua classificação como fonte ou aplicação de recursos. Desse modo, temos:

1. Capital de giro permanente - Houve uma redução de Cr$ 11.000, conforme determinado pela análise das variações nas contas circulantes. Tal redução, como explicado, representa uma fonte de recursos.

2. Equipamentos - O aspecto mais importante dessa conta - e de todos os ativos fixos tangíveis - é que ela provoca alterações nos recursos da empresas em duas ocasiões: a) quando o ativo é adquirido; b) quando o ativo é vendido.

Essa observação, aparentemente desnecessária, torna-se importante à medida que esse ativo sofre correções monetárias e depreciações periódicas. Porém, como observaremos adiante, tanto a correção monetária como a depreciação são lançamentos de características tipicamente contábeis, não representando, em nenhuma hipótese, movimentação de recursos.

a) Venda de equipamentos - Conforme indicado, foram vendidos dois equipamentos, pelo valor total de Cr$ 40,400. Esse valor representa, segundo o mecanismo básico, uma fonte de recursos;

b) compra de equipamentos - O saldo inicial da conta "equipamentos" era de Cr$ 200.000. Porém, quando da venda dos dois equipamentos em 1976, foi certamente dada a baixa no valor contábil (histórico) desses ativos, o qual totalizava Cr$ 50.000.

Conseqüentemente, o saldo inicial foi diminuído, por força dessa venda, em Cr$ 50.000. Como essa conta totalizava, em 31.12.76, Cr$ 300.000, notamos que o valor dos equipamentos adquiridos durante o ano foi de Cr$ 150.000, ou seja, Cr$ 300.000 - Cr$ 200.000 - Cr$ 50.000).

Esses Cr$ 150.000 representaram, portanto, uma aplicação de recursos.

3. Correção monetária - Uma vez que se trata de um lançamento contábil e, portanto, sem qualquer influência sobre a movimentação de recursos, o valor da correção monetária não deve ser levado em consideração na demonstração das origens e aplicações de recursos.

Porém, uma vez que é nossa intenção demonstrar como essa conta é eliminada da demonstração, convém que calculemos qual o valor da correção monetária adicionado no período.

Raciocinando nos mesmos moldes que utilizamos no caso dos equipamentos, partimos de um saldo inicial de Cr$ 110.000. Com a venda dos equipamentos citados, esse saldo sofreu uma baixa de Cr$ 8.500, caindo para Cr$ 101.500. Como o saldo final é de Cr$ 141.500, vemos que o valor debitado à conta de correção monetária em 1976 é de Cr$ 40.000.

Voltaremos a tratar desse valor mais adiante, na análise do efeito líquido das correções.

4. Depreciações acumuladas - Dentro da mesma linha de raciocínio, e enfatizando o caráter contábil desses lançamentos, deveremos eliminar o efeito das depreciações sobre a demonstração.

Nesse caso, porém, observaremos que a eliminação desses efeitos implicará análises posteriores. Por ora, iremos tão-somente determinar qual o valor das depreciações que foi adicionado no período.

a) Provisão para depreciação - Com um saldo inicial de Cr$ 80.000, e que foi reduzido para Cr$ 62.000 após a baixa referente à venda dos equipamentos, vemos que, para atingir o saldo de Cr$ 102.000 em 31.12.76, houve um crédito de Cr$ 40.000. Como a contrapartida desse crédito é o lançamento da despesa de depreciação do exercício, vemos que essa despesa foi, em 1976, de Cr$ 40.000;

b) Provisão para depreciação da correção monetária - Eliminando do saldo inicial dessa conta o valor baixado por ocasião da venda, vemos que o crédito referente a 1976 foi de Cr$ 4.000. A contrapartida desse crédito é a despesa de depreciação da correção monetária que, portanto, foi de Cr$ 4.000 em 1976;

c) correção monetária da provisão para depreciação Deduzindo-se Cr$ 2.050 do saldo inicial, percebemos que o valor adicionado no exercício, para que fosse atingido o saldo de Cr$ 27.160, foi de Cr$ 3.210. Essa provisão, ao contrário das duas anteriores, não tem qualquer despesa como contrapartida. O valor nela creditado tem como função manter a igualdade nas relações: Prov. p/ depr. + equipamentos e "(prov. p/ depr. corr. monet. + corr. monet. prov. p/ depr.): + corr. monetária", e é compensado pelos valores lançados às demais contas.

Assim, refazendo o lançamento feito em 1976, teríamos:

5. Pesquisa e desenvolvimento - Essa conta pertence à categoria dos ativos fixos intangíveis, e passíveis de amortização. O que diferencia essa conta da de "equipamentos" é o fato de ela ser registrada pelo líquido, enquanto os ativos tangíveis mantêm uma provisão.

Como sabemos que foram gastos Cr$ 10.000 em pesquisa e desenvolvimento, classificaremos esse valor como aplicação de recursos.

Como a amortização do período tem um significado exatamente igual ao da depreciação para efeito da elaboração do fluxo, ou seja, é tão-somente um lançamento contábil, deveremos eliminar sua influência sobre a demonstração.

Para que calculemos o valor amortizado no período, temos:

6. Empréstimos de longo prazo - Como a variação de um exercício para o outro foi uma redução de Cr$ 27.000, vemos que houve uma aplicação de recursos para o pagamento de empréstimos. Em realidade, trata-se de uma aplicação líquida de recursos, uma vez que desconhecemos maiores detalhes a respeito dessa conta. A empresa poderia perfeitamente ter pago Cr$ 50.000 de empréstimos, e obtido, no mesmo exercício, novos contratos de financiamento, no valor de Cr$ 23.000, o que a deixaria com o mesmo resultado líquido de Cr$ 27.000.

É evidente que maiores discriminações numa análise como a que agora fazemos dependem basicamente dos objetivos do analista. Um fato inegável, no entanto, é que um maior volume de informações permitirá a esse analista conhecer - e, portanto, projetar - com mais detalhes, características que poderão ser de importância para o conhecimento das políticas da empresa.

7. Capital - A diferença de Cr$ 101.100 poderia levar-nos a imaginar ter havido uma fonte de recursos nesse valor, proveniente de aumentos de capital.

Uma análise mais cuidadosa poderá, no entanto, mostrar-nos um quadro mais realista a respeito do que aconteceu:

As diferenças determinadas no quadro representam, na realidade, valores debitados nessas contas, para integralização na conta "capital". Dessa forma, vemos que, do valor de Cr$ 101.100, Cr$ 75.500 representam a somatória dessas diferenças, restando Cr$ 25.600, os quais foram, realmente, resultado da entrada de recursos novos na empresa, uma vez que refletem integralizações em dinheiro ou ativos.

Dos Cr$ 101.100 mostrados, a fonte de recursos é de tão-somente Cr$ 25.600. Os valores referentes à integralização de lucros ou reservas não devem ser considerados como fontes de recursos do período, pelas seguintes razões:

a) Lucros retidos - Os lucros de uma empresa afetam o fluxo de recursos somente no exercício em que são gerados, sendo parte integrante dos "recursos gerados pela empresa", como veremos no item 8.

A conta "lucros retidos" abriga, por outro lado, a somatória dos resultados de exercícios anteriores, sendo que sua transferência para a conta "capital" não passa de um lançamento contábil, não sendo, em absoluto, a conseqüência da movimentação de recursos do período.

Conseqüentemente, os valores de lucro - o que inclui os Cr$ 39.000 eliminados no quadro anterior - são considerados à parte, desde que refiram-se ao resultado do exercício, ou, caso refiram-se a resultados de exercícios anteriores, são simplesmente eliminados da análise, uma vez que dizem respeito à movimentação de recursos já considerados em exercícios anteriores e, portanto, sem qualquer relacionamento com o período em questão;

b) reserva legal - Como essa reserva nada mais é do que a apropriação de parte dos lucros da empresa, o raciocínio adotado é idêntico ao do caso citado.

Como o valor do lucro do período é calculado antes da apropriação dessa reserva, ao determinarmos o valor a ser lançado no item "recursos gerados pela empresa", estaremos considerando aquela parcela de lucro que, por motivos contábeis e fiscais, é lançada numa conta específica.

Caso pretendamos analisar os saldos acumulados dessa reserva, verificamos que, por serem apropriações de lucros de exercícios anteriores, nada representam em termos de movimentações de recursos;

c) reserva de correção monetária - Como vimos no item 4.c, esse valor é obtido com base em índices oficiais de correção, além de levar em conta a relação existente entre os valores contábeis e os corrigidos.

Sendo, portanto, resultado de um lançamento que não afeta o fluxo de recursos, qualquer integralização de capital feita por meio dessas reservas é desvinculada de movimentações de recursos;

d) reserva de manutenção do capital de giro - o raciocínio, nesse caso, é exatamente igual ao adotado na análise da reserva legal.

Caso o capital de giro seja negativo (ativo circulante menor que passivo circulante), o raciocínio permaneceria o mesmo, com a diferença de que o lançamento contábil seria invertido, com débito a reservas e crédito a lucros e perdas.

De qualquer modo observamos que, em ambas as situações, os lançamentos são de efeito tipicamente contábil, não devendo, portanto, afetar a demonstração.

8. Recursos gerados pela empresa - Chegamos agora ao elemento do fluxo que diz respeito à geração de recursos por parte das atividades da própria empresa.

A demonstração de lucros e perdas mostra-nos, em 1976, um lucro líquido de Cr$ 70.000. Esse lucro, no entanto, representa apenas uma parcela dos recursos gerados pela empresa.

Como foi visto nos itens 4.a e 4.b de nossa análise, o período em questão apresentou despesas de depreciação nos valores de Cr$ 40.000 e Cr$ 4.000 respectivamente, além de ter indicado, no item 5, despesa de amortização de Cr$ 20.000.

Se concordamos com a observação de que um ativo só afeta o fluxo de recursos quando é adquirido (onde a aplicação seria igual ao valor de compra) ou quando é vendido (a fonte seria igual ao valor venal), vemos que todos os lançamentos referentes a um ativo, com exceção daqueles que reflitam sua aquisição ou venda, não afetam o fluxo de recursos da empresa.

Esse é o caso dos lançamentos de correção monetária e de depreciação e amortização. Como as despesas de depreciação somaram Cr$ 44.000 e a despesa de amortização foi de Cr$ 20.000, vemos que o lucro foi reduzido em Cr$ 64.000 que não representaram qualquer aplicação de recursos.

Conseqüentemente, torna-se necessário um ajuste nesse lucro, de modo a eliminar o efeito causado por esses lançamentos contábeis.

Além disso, devemos observar mais dois valores que afetaram o lucro do período, muito embora não tenham afetado o fluxo de recursos: o lucro de Cr$ 5.000 na venda do equipamento (A) e o prejuízo de Cr$ 2.000 na venda do equipamento (B).

Ora, tanto o lucro como o prejuízo já estão considerados, desde que a fonte originária dessa venda foi considerada a partir dos valores venais dos ativos. Portanto, caso não eliminemos esses dois valores, estaríamos considerando-os duas vezes. Sua correção deveria ser feita a partir da dedução dos Cr$ 5.000 de lucro e a soma do valor do prejuízo.

Resumindo-se, vemos que os recursos gerados pela empresa (fonte de recursos) são compostos como segue:

Observa-se que os valores referentes à reserva legal e à manutenção do capital de giro foram ignorados porque consideramos o valor do lucro líquido antes de abater tais reservas.

9. Dividendos declarados - O último item a considerar em nosso exemplo mostra a aplicação de parte dos recursos na remuneração dos acionistas, sob a forma de dividendos.

Um ponto que deve ser notado é que somente os dividendos declarados afetam o fluxo de recursos. O pagamento de dividendos declarados no exercício anterior não tem qualquer influência sobre a demonstração, como passaremos a demonstrar. Suponhamos os seguintes dados:

O lançamento feito em 19X2 foi, por outro lado:

Com isso, observamos que a aplicação em dividendos teve, como origem, uma diminuição no capital de giro permanente (aumento num passivo circulante).

O lançamento feito em 19x2 foi, por outro lado:

Esse lançamento mostra uma redução num passivo circulante, acompanhada de outra redução, em ativo circulante. Portanto, o capital de giro permanente não foi alterado pelo simples pagamento dos dividendos declarados no ano anterior.

No nosso exemplo, o montante de dividendos declarados no período foi de Cr$ 21.000, sendo esse, portanto, o montante da aplicação de recursos.

10. A demonstração das origens e aplicações de recursos - As análises anteriores permitem-nos, agora, apresentar a demonstração, que é a seguinte:

4.3 Análise da correção monetária

Verificamos, pelo item 3 de nossa análise, que o valor da correção monetária incorrido em 1976 foi de Cr$ 40.000.

Tivemos, porém, no mesmo período, um aumento das duas provisões para depreciação ligadas à correção monetária - itens 4.b e 4.c - o qual somou Cr$ 7.210. O aumento líquido da correção foi, portanto, igual a Cr$ 32.790.

Como, pelo mecanismo básico, temos que um aumento em ativo significa aplicação de recursos, constatamos uma "aplicação" de Cr$ 32.790.

Por outro lado, observamos que a reserva de correção monetária aumentou em Cr$ 36.790 no exercício de 1976. Por ser uma conta de passivo, o mecanismo básico indicaria ter havido uma "fonte" de recursos igual a Cr$ 36.790.

Comparando a "fonte" com a "aplicação" de valores referentes à correção monetária, chegamos a um valor de Cr$ 4.000, correspondente ao excesso de fontes sobre aplicações. Esse valor representa, na realidade, a única parcela de correção monetária que não é anulada automaticamente, pois trata-se do valor da despesa de depreciação da correção monetária.

Como vimos, pelo fato de afetar o lucro do período, o ajuste dessa conta é feito no item que trata da geração dos recursos da empresa, onde se elimina esse valor ao somá-lo ao lucro do período.

4.4 A demonstração, admitindo-se o desconhecimento das informações de venda de ativos e de gastos com pesquisa e desenvolvimento

Evidentemente, as regras do mecanismo básico permanecem as mesmas, o que irá permitir-nos chegar a uma demonstração, cujas informações serão, certamente, menos significativas do que as obtidas anteriormente.

Os itens referentes à redução do capital de giro permanente, ao pagamento de empréstimos e aos dividendos, não deverão sofrer qualquer alteração, uma vez que não são afetados pelas informações agora omitidas.

Quanto aos demais, temos os seguintes pontos a considerar:

a) equipamentos - como não temos conhecimento de quaisquer transações, deveremos admitir que houve uma aplicação líquida de Cr$ 100.000, que é a diferença entre os saldos dessa conta em 1976 e 1975;

b) pesquisa e desenvolvimento - a redução mostrada de um exercício para o outro - Cr$ 10.000 - deveria ser encarada como uma amortização líquida do período e, como tal, considerada no item referente à geração dos recursos da empresa;

c) capital - dos valores considerados no item 7, o único a respeito do qual não temos todas as informações é o da correção monetária, pois as baixas referentes às vendas não são de nosso conhecimento.

Numa tentativa de reconstruir o lançamento da correção monetária, temos, como única alternativa, que supor que as depreciações foram alteradas pelos valores das diferenças encontradas no balanço:

Considerando o valor citado como reserva de correção monetária, poderíamos reelaborar o cálculo feito no item 7, o que nos levaria aos seguintes números:

Essa diferença, somada às outras determinadas no item 7, indica-nos que, da diferença de Cr$ 101.100 na conta "capital", Cr$ 69.050 foram devidos à integralização de lucros e reservas, restando Cr$ 32.050, os quais teriam sido integralizados em dinheiro ou ativos;

d) recursos gerados pela empresa - finalmente, teríamos a alteração, provocada pela falta de maiores informações, na análise dos recursos gerados pela empresa:

e) a demonstração

É fácil, portanto, constatar o que as diferenças encontradas entre o fluxo citado e aquele preparado inicialmente - mais completo - poderão provocar em termos da análise da empresa.

Como o objetivo desse trabalho não está voltado para a análise financeira, poderíamos ao menos registrar alguns pontos que reputamos muito importantes:

• A demonstração das origens e aplicações de recursos é um instrumento de grande importância para a análise financeira, uma vez que permite que, ao longo de uma série de demonstrações, possamos tecer hipóteses acerca das políticas da empresa no tocante à obtenção e aplicação de recursos.

• Do mesmo modo que a análise por índices, a elaboração de um fluxo de recursos depende totalmente da qualidade e do volume das informações contábeis.

• Por depender dessas informações, uma das limitações da análise das demonstrações é novamente - como no caso dos índices - que ela não deve ser encarada como conclusiva, permitindo-nos tão-somente levantar hipóteses a respeito da empresa, hipóteses essas que serão confirmadas ou retificadas a partir de uma análise mais profunda, feita dentro da própria empresa.

Concluindo, e voltando à preocupação básica do trabalho, chamamos a atenção para o fato de que todas as análises feitas utilizaram-se de um único instrumento, que nos é fornecido pelos conceitos básicos de contabilidade.

Muitos foram os casos onde valores eram determinados a partir de elaboração de lançamentos, o que nos faz concluir que, muito embora o presente trabalho esteja longe de cobrir todas as variáveis que aparecem numa demonstração de fluxo de recursos, os conceitos nele apresentados, com o auxílio de um mínimo de conhecimento da mecânica contábil, permitirão a elaboração dos mais sofisticados fluxos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

O assunto abordado neste artigo é tratado com maior ênfase em livros da área de contabilidade gerencial, embora mereça menção na grande maioria dos livros de finanças.

Destacamos, no entanto, os seguintes livros e artigos:

  • 1. Anton, Hector R. Accounting for the flow of funds. Houghton Mifflin, 1962.
  • 2. Anthony, Robert N. & Reece, James S. Management accounting - text and cases. 5. ed. Richard D. Irwin, 1975
  • 3. Jaedicke, Robert K. & Sprouse, Robert T. Accounting flows: income, funds and cash. Prentice-Hall, 1965.
  • 4. Welsh, Glenn A.; Zlatkovich,Charles T. & White, John A. Intermediate accounting. 4. ed. Richard D. Irwin, 1976.
  • 5. Tsukamoto, Yuichi Richard. Resultados econômico, monetário e de recursos financeiros. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, FGV, v. 8, n. 29, dez. 1968.
  • 6. Vancil, Richard F. Funds flow analysis during inflation. Financial Analysis Journal, Mar./Apr. 1976.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Mar 1978
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