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Do significado na comunicação humana

ARTIGOS

Do significado na comunicação humana

José Roberto Whitaker Penteado

Diretor da Consultores Industriais Ltda. e do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPÊS)

"In principio erat Verbum. Et Verbum erat Deus.

Et Deus erat Verbum."

JOÃO, Evangelho, 1:1

"Preu cantá na sua casa,

Meu patrão, me dê licença!

Se a cantiga não fô boa,

Desculpe Vossa Incelença,

Que às veiz, a coisa não sai

Do jeito que a gente pensa."

(De um anônimo cantador do Nordeste, anotada

por LEONARDO MOTA)

Há alguns meses reuniram-se homens de emprêsa de poderoso sindicato de classe. Problema em pauta: a questão do preço das mercadorias. Defendeu-se com ardor a garantia de lucros justos para os empresários. Todos estiveram de acôrdo, até o momento em que se pediu definição precisa da expressão "lucros justos".

Nos Estados Unidos da América do Norte campanhas publicitárias intensas procuraram vender ao público a idéia da defesa da livre iniciativa - até o momento em que se levantaram dúvidas sôbre a significação verdadeira dêsses têrmos.

Nos cursos de Comunicação Humana da Escola Superior de Vendas surgiram, dentre centenas de outras, as seguintes definições de nacionalista:

• indivíduo dotado de sentimento nativista, defensor dos verdadeiros interêsses da nação;

• aquêle que crê, segue e defende os princípios da sua terra;

• aquêle que se sente temeroso de defender ostensivamente a ideologia comunista, ou os interêsses imperialistas dos norte-americanos no Brasil;

• aquêle que somente aprova o que é genuinamente brasileiro, nada aceitando que venha de fora;

• pessoa que defende idéias internas e não apóia qualquer idéia procedente de outro país;

• aquêle que defende o patrimônio da nação, não admitindo interferências estrangeiras;

• pessoa que combate os estrangeiros;

• quem deseja que as riquezas do país sejam exclusivamente por êle aproveitadas e usufruídas;

• verdadeiro patriota;

• indivíduo que supõe que a qualquer momento vamos ser engolidos, seja pelo capitalismo explorador, seja pelo materialismo ateu;

• pessoa que, querendo fazer-se passar por patriota, procura encobrir com a bandeira do país os atos que pratica com finalidades egoístas;

• denominação de ideologia muito em voga ultimamente, que se carateriza por ser contrária ao regime capitalista;

• quem quer que se filie a movimento político que objetive suprimir a participação estrangeira em qualquer forma de atividade econômica suscetível de produzir lucros;

• aquêle que, na sua ordem de valôres, acentua o aspecto nacional das coisas;

• indivíduo que, visando ao bem comum e ao engrandecimento do país, utiliza todos os meios possíveis para concretização dêsse objetivo;

• aquêle que prega a auto-suficiência da nação;

• pessoa que defende a emancipação econômica do país através da exploração intensiva de seus próprios recursos;

• indivíduo que experimenta um alto e sincero desejo de lutar pelo desenvolvimento do seu país e de morrer pela sua soberania;

• ególatra inescrupulosamente atiçado pelo bolchevismo internacional.

A exegese dessas definições constitui precioso ensinamento sôbre a relatividade dos significados na comunicação humana. Donde se diz que em tôdas as idades os homens têm lutado e morrido por palavras cuja significação exata jamais foram capazes de compreender.

A COMPREENSÃO DO SIGNIFICADO

Na clássica definição de STO. ANSELMO - "palavra é conhecimento com amor" - encontram-se as raízes da complexidade extrema do significado. As palavras nada significam por si mesmas; só têm significado quando um ser pensante faz uso delas. O fenômeno muito mais amplo da compreensão - objetivo supremo das sociedades humanas - liga-se indissolùvelmente ao significado, porque quando se descobre o que uma coisa significa compreende-se a coisa: "compreender é apreender o significado".

Admitindo, embora, que palavras iguais pudessem significar coisas diferentes, e palavras diferentes pudessem, por sua vez, significar coisas iguais, TOMÁS DE AQUINO acreditava na existência de uma só palavra capaz de significar com exatidão uma só coisa em particular: a palavra dos sacramentos e dos ritos da Igreja. DESCARTES, que revolucionou os caminhos da ciência, mostrou-se bastante conservador ao não aceitar a arbitrariedade na significação das palavras por mêdo de que isso solapasse a indispensável confiança nos axiomas: "há grande equívoco quando se crê ser arbitrária a significação das palavras". Algo arbitrária seria "a união da idéia a determinado som, em lugar de a outro som qualquer" - o que, convenhamos, vem a dar na mesma.

Entre os primeiros a considerar subjetivo o significado, PASCAL negou pudessem as palavras servir à comunicação humana porque "nem todos os homens têm uma idéia idêntica da essência das coisas, o que quer dizer que nem todos os homens dão às palavras a mesma significação".

LOCKE rejeitou essa posição, voltando a TOMÁS DE AQUINO ao acreditar no sentido único de cada palavra. Sua definição é clássica: palavra é a fixação de um conceito.

Curiosa essa convicção em espíritos de tal modo abertos como DESCARTES e LOCKE. Talvez temessem o retôrno às doutrinas de PLATÃO, que considerava as palavras "sons articulados na garganta" e a linguagem "o resultado das combinações dinâmicas de certos sistemas nervosos", ambos recursos incapazes de reproduzir o pensamento puro das "idéias-formas", as quais - lamentava-se o filósofo - não poderiam deixar de ser contaminadas pelos "odores do mundo". "Deus" é a palavra mais qualificada para escapar a essa contaminação, comenta BRINTON, e, apesar disso, tôdas as grandes religiões monoteístas não se entenderam sôbre o seu significado.

WILLIAM JAMES incrimina a palavra como responsável pela crescente impiedade humana, reduzindo a divindade a um aglomerado de atributos verbais, "confusa reunião de adjetivos pedantes", o verbalismo substituindo o transcendental significado de Deus. Talvez por isso BACON sublinhasse o "caráter diabólico" da linguagem, acusando as palavras de atirarem tudo à confusão e afundarem a humanidade em vãs, falazes e inumeráveis controvérsias.

Em nossos dias OGDEN e RICHARDS consideram a palavra um "atraso de vida". Não se conformam com os homens se terem despojado das caudas há milhões de anos, e ainda se comunicarem através de um meio desenvolvido até o ponto de satisfazer trogloditas... Lideram as correntes modernas da Semântica, segundo as quais não existe a menor dúvida sôbre a inadequação da palavra falada ou escrita para a comunicação de idéias.

CHASE insurge-se contra a "tirania das palavras" e chega ao extremo de recomendar que tôdas as vêzes em que nos sintamos inclinados a usar expressões como "civilização cristã" ou "modo democrático de viver" devamos substituí-las, no texto ou na exposição verbal, por alguns sons inarticulados como "bla-bla-bla" ou "mu-mu-mu" - e seguir para frente.

A ORIGEM DAS PALAVRAS

WALT WHITMAN encantou-se com a espiritualidade das palavras; imaginava vê-las chegar, como sombras, das profundezas abissais dos séculos sem fim... As concepções da Lingüística moderna são bem menos românticas: a palavra, nas suas origens, deve ter sido meio de exteriorizar emoções, passando pela incitação vocal pura, a fim de chegar, muito mais tarde, ao raciocínio.

A origem afetiva da linguagem é definida por autoridades como VOSSLER, o qual mostra, entretanto, a relatividade dos conceitos de "emocional" e "lógico". Nem tudo que é lógico deixa necessàriamente de ser emocional, como nem tudo que é emocional deixa obrigatoriamente de ser lógico. Estados de ânimo não-emocionais absolutos não existem, pois a ausência de vida emocional seria morte; de vida intelectual, loucura.

SAPIR estabelece diferenciação profunda entre dois atos humanos aparentemente iguais em potencial: andar e falar. Pode-se dizer que o ser humano "está predestinado a caminhar"; seu organismo está preparado para realizar tôdas as descargas nervosas e adaptações musculares que dão origem ao ato de caminhar, considerado uma função biológica inerente ao homem. A linguagem é diferente; embora em certo sentido seja claro que o homem está equipado fisiològicamente para falar, só falará se nascer e desenvolver-se em sociedade. Eliminada esta, haverá, diz

SAPIR, tôdas as razões para crer que aprenderá a andar se conseguir sobreviver. Mas, "igualmente seguro é que jamais aprenderá a falar, isto é, a comunicar idéias, segundo o sistema tradicional de uma sociedade determinada".

Casos famosos têm confirmado a tese do mestre inglês. O "Selvagem de Aveyron", que cresceu isolado até aos 12 anos de idade, viveu até aos 40, mas não conseguiu mais do que balbuciar alguns sons interpretados como palavras, interpretação essa parecida com a de HAYES, em 1950, das únicas duas "palavras" ditas por seu pequeno chimpanzé, depois de dois anos de exercícios beneditinos: papa e cup.

A menina de Midnapore, da índia, criada pelos lôbos até os 8 anos, demonstrou, ao ser encontrada e durante os primeiros meses de reeducação, total ausência de linguagem.

O faraó SESÓSTRIS, há milênios, colocou para serem criadas juntas, desde a mais tenra infância, uma criança egípcia e outra frígia, em local absolutamente deserto, servidas por escravos surdos-mudos. Seu objetivo era saber qual das duas línguas era a mais antiga, o Egípcio ou o Frígio...

Muitas vêzes, diante do mistério do significado, experimentamos essa puerilidade faraônica, esperando que do indivíduo, do meio, ou de fatôres puramente casuais surja, em nosso espírito, uma revelação.

Para CHAUCHARD a palavra integra o homem na sociedade. Esta a sua grande função, conquanto, como decorrência de ser um fato social, não possa escapar às injunções do meio em que se desenvolve, tornando-se polissêmica, ou seja, adquirindo naturalmente uma porção de sentidos. Assim, detrás de cada palavra ocultam-se "noções difusas e opacas, em perpétuo movimento, difíceis de serem detidas".

A palavra é, sem dúvida, uma coisa viva e sua cronologia pode ser comparada à existência humana: nasce, vive, desenvolve-se, decai e pode morrer.

Hoje em dia ninguém chamaria "aguçoso" um aluno atento, como não qualificaria de "acarvada" uma pessoa aflita. São arcaísmos, palavras em agonia, algumas mortas, embora capazes de ressuscitar. A palavra "achacar" é exemplo curioso. No século IV significava "fazer queixa perante autoridade". Era respeitável e recebida em locais de privilégio. Morreu e ressuscitou no século XX, mudando de significado: marginal, vive na bôca da ralé, e quer dizer chãmente "coagir alguém a emprestar dinheiro".

Entendem-se os homens através das palavras?

HOBBES afirmou, no seu tempo, a impossibilidade de definir o "infinito". O significado confuso de nossos dias não se restringe apenas a palavras transcendentes. A definição da palavra socialista feita por HITLER antecipa o mundo terrível de ORWELL, onde "a verdade é mentira, a justiça injustiça, a liberdade escravidão": "Quem quer que esteja preparado para fazer da causa nacional a sua própria, em tal extensão que saiba não haver maior ideal que a prosperidade de sua pátria; quem quer que haja compreendido nosso estupendo hino nacional, "Deutschland über alies", para significar que nada neste vasto mundo ultrapassa a seus olhos a Alemanha, povo e terra - êsse homem é um socialista".

BRÉAL queixa-se de que muitos objetos recebem nomes inadequados, seja por ignorância dos autores originais, seja por haver sobrevindo alguma mudança que tenha perturbado a harmonia entre o símbolo e a coisa simbolizada. Apesar disso, as palavras continuam as mesmas, "como se estivessem impregnadas de inatacável retidão; ninguém pensa em revisá-las e são aceitas por um consentimento tácito, muitas vêzes inconsciente".

Os povos primitivos identificavam as palavras com as coisas que elas procuravam representar, e os estudos de FRAZER têm demonstrado a universalidade dos tabus verbais. O mesmo terror do aborígene primitivo - de que os inimigos soubessem seu verdadeiro nome - encontra-se no pecado mortal do cristão que transgredir o mandamento "não usarás o seu santo nome em vão". Essa impossibilidade irracional de abstrair da palavra a coisa que representa permanece até hoje, perturbando bastante todo o processo da comunicação humana. STUART CHASE coloca entre os principais obstáculos à compreensão entre os homens a confusão entre a palavra e a coisa. Sua demonstração clássica utiliza-se da palavra "desemprêgo", que ocorreria:

• quando um homem perde o emprêgo e está empenhado em arranjar outro;

• quando um homem perde o emprêgo, mas não procura outro: tem renda que lhe permite viver sem trabalhar;

• quando um homem precisa de emprêgo, mas é fisicamente incapaz;

• quando um homem é dispensado por alguns meses, faz um acôrdo com a emprêsa para receber indenização parcial e aguarda o momento de ser readmitido;

• quando um homem trabalha em jornada de meio expediente e procura outro emprêgo para reforçar seu orçamento doméstico.

Não é à toa - diz CHASE - que os economistas se digladiam cada vez que discutem o problema do desemprêgo nos Estados Unidos.

SEMÂNTICA

A Semântica esforça-se por estudar sistemàticamente os significados. Atribui às palavras os mal-entendidos que atormentam os homens e em todos os séculos têm ameaçado a própria sobrevivência da humanidade. Para muita gente, só tem de nôvo o nome, tratando-se de velha cogitação filosófica que vem da mais alta antiguidade. Sua finalidade é ajudar a precisar os significados, o que, muitas vêzes, resulta em vã tentativa de desvendar os mistérios da linguagem.

Um dêsses mistérios é a possível ausência de correlação entre o nível de civilização e a precisão do vocabulário. Uma tribo de índios da Califórnia, os "hupas", utiliza-se de linguagem consideràvelmente mais exata que o Inglês dos civilizados. Sempre que um hupa faz uma declaração acrescenta-lhe um sufixo para indicar a fonte de autoridade. Há sufixos para o que se viu, para o que se ouviu e para o que apenas se conjeturou - distinção precisa entre observação, informação e inferência.

A linguagem ideal seria aquela onde houvesse correspondência exata entre a palavra e a idéia. Se existisse essa exata correspondência entre símbolos físicos e conceitos mentais, os homens poderiam compreender-se uns aos outros como se lessem as respectivas mentes. Essa comunicação imediata, porém, é considerada pelos teólogos atributo dos anjos...

O ideal de uma linguagem universal mantém-se vivo através dos séculos e reflete a consciência da inadequação dêsse instrumento de comunicação humana. Todavia, é mais fácil aprender uma língua viva do que uma língua artificial - o que explica, de certa maneira, o fracasso do Esperanto e de tantas outras tentativas semelhantes. MÁRIO PEI assinala a criação de 500 línguas para uso universal desde o século XVII. É possível que a maior dificuldade na divulgação e aceitação dessas línguas artificiais esteja no inaudito esfôrço que se exige do homem para aprender a manejar um instrumento frio, sem emotividade e sem vida interior.

LINGUAGEM E SOCIEDADE

A linguagem é cada vez mais um fenômeno psicológico-social. Qualquer indivíduo nascido em determinado ambiente pensará em têrmos do meio social em que vive. A natureza do pensamento é tão afetada pela linguagem dominante na sociedade, que DUNLAP a definiu como "pensamento cristalizado do povo".

CHASE registra ser impossível estabelecer em algumas línguas qualquer diferença entre matar e assassinar; matar por acidente e matar deliberadamente - homicídio culposo e homicídio doloso - são atos que só podem ser expressos de uma forma. Existem no árabe 5.000 palavras ligadas, de alguma forma, à palavra camelo, e o mesmo acontece com a palavra neve entre os esquimós. O verbo to get reflete, sem dúvida, o sentido prático dos norte-americanos, enquanto a adjetivação em massa é natural à exuberância latina.

A linguagem surge e evolui na vida social. Daí suas numerosas formas e as diferenças semânticas que correspondem a diferenças de mentalidade. O grau de variação nos 2.796 idiomas falados no mundo vai desde as nuanças dialetais até à diferenciação mais extrema. O governo chinês

Em Português a simples mudança de ênfase nas palavras de uma frase pode mudar sua significação, como se pode observar pela leitura correta, em voz alta, destas seis frases:

1. Você viu aquêle sujeito sair correndo?

2. Você viu aquêle sujeito sair correndo?

3. Você viu aquêle sujeito sair correndo?

4. Você viu aquêle sujeito sair correndo?

5. Você viu aquêle sujeito sair correndo?

6. Você viu aquêle sujeito sair correndo?

ORATÓRIA

A importância do tom é reconhecida em diversas línguas, pela influência que exerce sôbre os significados. Muitos oradores reconhecem a superioridade da paixão sôbre a lógica, e sabem de que maneira belas palavras vazias de sentido podem sensibilizar auditórios.

A oratória asiática, nascida em Siracusa, diz pouca coisa com excesso de palavras; é, acima de tudo, enfática, prestando-se admiràvelmente à declamação e à maioria dos discursos políticos de campanhas eleitorais.

A maioria dos discursos de ROBESPIERRE que chegou até nós é, reconhecidamente, de enorme pobreza de conteúdo, da mesma forma que HITLER preocupava-se muito mais com a forma do que com o fundo dos inumeráveis - e, na maioria, tremendamente ilógicos - discursos que pronunciou.

Há tantas maneiras de dizer a mesma coisa, tantas tonalidades possíveis e tantas formas de expressão fisionômica e mímica, que se torna indispensável considerar a sério o estilo de falar. Êsse estilo de falar contribui para a reputação individual e projeta a personalidade.

HENRI-ROBERT ensina que "pensamentos admiráveis expressos por uma voz má causam pouco efeito. Ao contrário, o auditório se deixará conquistar, se dissermos coisas medíocres com voz timbrada, porque o ouvinte não percebe senão a música, e não retém nada das palavras".

O SIGNIFICADO EM NOSSOS DIAS

CUATRECASAS considera a palavra o instrumento mágico do progresso social e da concórdia entre os homens: "esclarece erros, ensina caminhos, ilumina o futuro com idéias novas e, desde que aparece na história do homem, começa a eclipsar-se o império da fôrça".

É uma atitude idealística, bem distante das posições iconoclastas que tantos filósofos e psicólogos adotaram no passado. Claro que, dentro do dualismo das idéias humanas, movimentando-se entre extremos, pode a palavra ser considerada ora um mal, ora um bem. Expressões gloriosas - como "Pátria", "Deus" e "Liberdade" - cobrem-se de opróbrio e tragédia, e a revolta de Madame ROLAND, na guilhotina, ainda está presente no coração dos homens.

A importância predominante do receptor na comunicação humana levou GARDINER a pregar que o significado de uma palavra é aquêle que o receptor lhe atribui. Nessa posição extrema as palavras deixam de ter qualquer sentido sério e se precipitam em pleno niilismo verbal.

Êsse niilismo é vigorosamente combatido por BOGUS-LAVSKI, o qual se insurge contra STUART CHASE e as diversas correntes céticas modernas quando afirmam não serem as palavras capazes de expressar o que pensam os homens.

Essa idéia nada tem de nova. SCHOPENHAUER não hesitou em escrever que os pensamentos morriam tão logo se encarnavam em palavras.

Tôda a controvérsia existente sôbre o significado na comunicação humana parece repousar no dualismo de concepções dificilmente conciliáveis: para uns é estático, enquanto que para outros é dinâmico.

Negar à palavra um significado único, preciso, é destruir a possibilidade não apenas da exposição dos axiomas, a que se referia DESCARTES, mas de tôda a estilística de LA BRUYÈRE. Por outro lado, impossível não considerar o caráter polissêmico das palavras, fruto de sua vivência social, de sua dinâmica na afetividade individual de que estão impregnadas. A variedade de sentidos é tão caraterística da palavra como a sua possibilidade de reproduzir-se em símbolos orais e escritos.

Estou inclinado a aceitar a tese da univocidade das palavras apenas nas suas origens. Efetivamente, tudo me leva a crer que, quando foi criada, "cada palavra possuía uma forma material de significado único".

Essa univocidade primitiva parece explicar, em parte, a precisão da língua dos "hupas", sugerindo que o desenvolvimento da civilização contribui para dar cada vez maior ambigüidade à palavra. A civilização seria, assim, responsável pela precariedade da palavra como instrumento de comunicação entre os homens.

Essa conclusão tem suas raízes nas idéias de OGDEN e RICHARDS sôbre a inadequação da linguagem ao homem de hoje; nossa linguagem é desatualizada e anacrônica, como se insistíssemos em andar de liteira nesta época de avião a jato.

O significado no mundo moderno tem sofrido o impacto do enorme potencial da comunicação em massa, potencial êsse que é mobilizado nas sociedades modernas por pessoas ou sistemas nem sempre indicados para essa dificílima e delicada tarefa. A imprensa carateriza-se, em grande parte, pela superficialidade com que trata questões complexas por natureza. Não é raro que, ao lado da superficialidade, exista certo grau de irresponsabilidade, o que preocupa o pensamento liberal do mundo desde JEFFERSON. Os regimes totalitários esmeram-se em viciar a informação pública, deturpando-a, conforme acontece nos países europeus dominados pelos comunistas, cujo dogmatismo repete, de certa forma, a mentalidade medieval. Os próprios estados liberais modernos, como os EUA, vêem-se impelidos, por interêsses econômicos ou político-partidários, a viciar também, em certa extensão, o conteúdo da informação pública.

Êsses fatôres aliam-se à distinção que é necessário fazer entre, pelo menos, três significados que cada palavra possui:

1.º) o significado básico;

2.º) o significado contextual; e

3.º) o significado expressivo-individual-social.

Vejamos na prática essa acepção tridimensional do problema. Pedro diz a Paulo:

- Seu filho é um bom aluno.

• O significado básico será o que resultar da expressão "bom aluno". Para que haja comunicação é necessário, em primeiro lugar, que essas duas palavras tenham um só significado, tanto para Pedro quanto para Paulo. Se Paulo não entender o sentido das palavras "bom" e "aluno" se nunca as tiver ouvido antes, a proposição não passará de uma frase ininteligível, como se alguém lhe dissesse:

- Seu filho é um artum voltol.

Sem saber o que quer dizer "artum" nem "voltol" não há possibilidade de compreensão.

Se as palavras "bom aluno" têm a mesma possibilidade de identificação para Pedro e para Paulo, alcançamos o primeiro significado.

• O significado contextual é bem mais complexo. Para que as palavras "bom aluno" formem sentido são necessárias inúmeras e variadas condições. Basta, por exemplo, que o filho de Paulo não esteja estudando em lugar nenhum para que o significado inicial perca tôda a validade. Por aí se percebe que o valor contextual pesa muito mais decisivamente na compreensão do significado.

O contexto implica em diversos itens condicionadores que se subentendem na proposição ou que exigem esclarecimento. Por exemplo:

1. Que Paulo tenha um filho.

2. Que o filho de Paulo esteja estudando.

3. Que Paulo saiba que Pedro sabe ter êle (Paulo) um filho e que êsse filho esteja estudando.

4. Que as relações humanas existentes entre Pedro e Paulo autorizem uma proposição dessa espécie.

5. Que na escola onde o filho de Paulo estuda existam critérios de avaliação distintos para os maus e bons alunos.

6. Que o conceito contextual das palavras "bom aluno" seja de certa forma semelhante para Pedro e para Paulo.

• O terceiro significado - que chamo "expressivo-individual-social" - vem impregnado de motivações interiores. De alguma forma, estabelece um pequeno sistema de ética: porque Pedro estará dizendo a Paulo que o seu filho

(de Paulo) é um bom aluno? Subjetivamente, qual a intenção de Pedro ao dizer a Paulo tal coisa? Desejará elogiar o filho de Paulo ou estará ironizando? Em que situação Pedro fêz essa referência ao filho de Paulo? Na presença do filho, para despertar-lhe brios, supondo-se que êle seja um aluno medíocre? Nesse caso, não poderia Pedro estar exagerando intencionalmente a aplicação do filho de Paulo?

Assim, o contexto pode ser considerado sob duas extensões:

a) a de o contexto anterior já ser de conhecimento de transmissor e receptor, o que torna possível a compreensão da frase e a sua inteligibilidade, ou seja, a sua pertinência, a sua lógica.

b) a de o contexto ser do tipo "circunstancial", onde a expressão individual entra em relação com a situação em que ela se manifestou e completa o significado.

O significado é, pois, simples relação de nexo entre o som e a coisa, entre a coisa e o som. Sua função é substancialmente identificadora. Não é o rótulo - que seria apenas a palavra, o nome -, é o que está escrito no rótulo. Quem escreve no rótulo? Evidentemente, só pode ser o homem, donde sou levado a concluir que a palavra, criação do homem, não pode deixar de ser arbitrária.

É problema filosófico antigo a relação do pensamento com a palavra. ARISTÓTELES atribuía a origem da linguagem à convenção: "os sons emitidos pela voz são os símbolos dos estados da alma". Entretanto, o filósofo considera idênticos em todos os homens êsses estados de alma, o que não é verdade.

ALCEU AMOROSO LIMA parece colocar-se entre os aristotélicos ao admitir uma expressão preverbal anterior à manifestação da palavra. Para êle a palavra não é reflexo, nem imitação. Aparentemente, é de fora que recebemos a palavra; o que se dá, porém, é uma simples excitação de virtuosidade preexistente. Depende do mundo interior. Mas, como essa virtuosidade só se põe em movimento por excitação do mundo exterior, o exercício dos sentidos é necessário, não para produzir a palavra, mas para pôr em movimento o mecanismo interior da sua produção. A criança não recebe as palavras de fora: recebe de fora os estímulos para falar.

Parece-me que essa explicação não responde porque determinado objeto provoca a expressão verbal "sapato" na bôca de um brasileirinho e "shoe" no aparelho fonador de um garôto inglês.

Que uma excitação exterior leve necessàriamente à movimentação de um mecanismo interior é apenas uma probabilidade: "Não poderemos nunca descobrir mais do que um acontecimento seguindo-se a outro, sem compreender nenhuma fôrça, ou poder, através do qual a causa age, ou nenhuma conexão entre ela e os seus supostos efeitos". Acredito com HUME, que as causas são ocultas, e que pela própria natureza do que se supõe sejam as causas e da maneira pela qual o conhecimento humano se faz, o homem não pode mesmo saber como as causas produzem seus efeitos.

AS PALAVRAS NOVAS

A palavra é criação voluntária do homem. Embora a aceitação dêsse princípio me coloque diante da necessidade de conceber um homem antes da palavra, o que me situa na senda complicada e tortuosa dos evolucionistas, os neologismos repetem hoje os processos mentais da mais remota antiguidade em que viviam os hipotéticos homens criadores de palavras.

Sendo a linguagem um organismo vivo e considerando-se que, a todo instante, estão nascendo e morrendo palavras, qualquer pessoa está em condições de criar palavras. A criação de uma palavra é, pois, ato voluntário que posso exercer enquanto escrevo. Posso criar agora mesmo a palavra "estentar". Procuro um significado e empresto-lhe o de "ostentar alguma coisa de maneira a indicar a coisa que se ostenta". Estento o meu anel de formatura quando movimento intencionalmente o dedo anular para chamar a atenção de outrem.

Se você gostou da palavra, pode utilizá-la: é sua. E, o mais importante, nada obsta que você enriqueça o seu significado com outros sentidos.

Coloco-me, assim, com o meu neologismo na companhia ilustre de CLÁUDIO DE SOUZA com seu "vesperal" e na de TAUNAY com seu "necrotério". Se aí permanecerei depende do leitor e de pelo menos mais alguns milhares de pessoas que passem a aceitar o nôvo verbo.

Conclui-se que:

• A criação de uma palavra é ato voluntário.

• A caraterização da palavra como tal dependerá de possuir um significado básico.

• A aceitação da palavra depende de fatôres alheios ao contrôle do seu criador; embora tenha podêres para inventar nova combinação de sons, esta só adquire fôro de palavra por fôrça da aceitação social. Eu crio os sons. A sociedade cria palavras.

• A aceitação social da palavra inventada poderá enriquecê-la de novos sentidos, expandindo e complicando o seu significado.

Como nasceu essa palavra? Tentando rememorar o processo de criação do neologismo, sei haver partido de uma combinação de sons arbitrária, para a qual, depois de anunciada, procurei um significado. Associei a palavra recém-criada estentar à palavra antiga ostentar. Imediatamente veio-me à lembrança um humorista de O Cruzeiro, o qual se divertia criando palavras com ilações cômicas. A partícula "êste" lembrou-me o gesto de indicar. Por associação de idéias à evocação de "indicar", visualizei um dos meus dedos com o anel de formatura.

Não poderia, porém, tem partido de uma coisa, em lugar de uma simples combinação de sons?

Sem dúvida. Olho para o volume dos "Sermões", de VIEIRA, diante do caderno em que escrevo. Poderia dar um nome diferente a êsse objeto que se chama livro. Por que se chama livro e não qualquer outra coisa? Nada impede que eu o denomine de maneira diferente.

Ocorreu-me, porém, uma dúvida: será que as outras pessoas aceitarão o nôvo nome criado por mim? Em caso negativo, reconheço, não teria criado uma palavra. Não seria mais fácil procurar outro objeto? Quem sabe um objeto desconhecido, ainda sem nome? Onde, porém, encontrar um objeto sem nome nos limites restritos do escritório de minha casa?

Fixo-me no livro. Daqui para a frente denominá-lo-ei: alesso. Telefonarei ao meu livreiro... Livreiro? Não. Telefonarei ao meu alesseiro, dando-lhe a novidade e pedindolhe continue avisando-me sôbre os alessos que sejam publicados.

Acabo de criar outra palavra. Desta vez, parti da coisa para a palavra. Pergunto-me: onde fui buscar a relação entre aquêle objeto de capa azul e dourada com a combinação de sons alesso? O nome alesso surgiu-me na mente por lembrança de um amigo que se achama Aléssio. Haveria alguma relação entre êsse meu amigo e o nôvo nome do objeto à minha frente? Conscientemente, não encontro nenhuma. Alesso deve ter-me ocorrido espontâneamente, e a semelhança com o nome de meu amigo deve ter sido percebida depois de criada a palavra.

Palavra?

Ainda não. Tenho à flor dos lábios a combinação de sons "alesso", que desejo transformar em palavra para significar um objeto diante dos olhos. Isso só acontecerá, se outros também aceitarem êsse neologismo. Com a ajuda de milhares de pessoas, meu "alesso" ganhará ou não foros de cidadania nesse extraordinário país das palavras.

Verifico, entretanto, a diferença entre estentar e alesso.

No primeiro caso criei uma combinação de sons para a qual, depois, procurei conscientemente um significado. No segundo parti de um objeto para uma combinação de sons arbitrária.

Na criação de palavras novas parece indiferente partir da combinação de sons para chegar à coisa, ou partir da coisa para chegar à combinação de sons. O significado surge no momento em que na minha mente identifico o som com a coissa ou a coisa com o som. Quais, entretanto, as relações entre a palavra e o pensamento?

A Lógica oferece à nossa escolha, três teses:

1.ª) A palavra e o pensamento se equivalem.

2.ª) A palavra é a indumentária do pensamento e não é necessária para o ato de pensar.

3.ª) Embora a palavra não seja o pensamento, é indispensável à sua comunicação.

Êsse último ponto de vista é esposado por DEWEY, para quem sem palavras as coisas não passam de estímulos cegos, de coisas brutas. Já que as significações não são tangíveis em si mesmas, cumpre fixá-las prendendo-as a uma existência física. Essas existências físicas, especialmente escolhidas para fixar e transmitir os significados, são as palavras, de cujas diversas vantagens para a comunicação humana ressaltam as seguintes:

• O valor direto e sensível de sons leves ou de minúsculos carateres impressos é quase nulo; a atenção não se desvia de sua função representativa.

• A produção das palavras está sob nosso contrôle direto; podemos criá-las ou utilizá-las sempre que necessário.

• Os sinais lingüísticos arbitrários são cômodos e de fácil utilização, concisos, portáteis, leves.

A palavra, conclui DEWEY, pode ser considerada cêrca, rótulo e veículo:

• A palavra como cêrca - Ligar uma palavra a um sentido impõe-lhe limites, arranca-a do vazio, disciplina-a. Para terem existência real as coisas têm de ser pronunciadas - "tiradas de dentro para fora" - pelos que pensaram.

• A palavra como rótulo - A significação fixada em uma palavra aí se conserva para usos futuros. Na verdade, o método de armazenagem não é totalmente asséptico, e as palavras, em geral, corrompem o significado. Êste, entretanto, é o risco de todo o ser vivo, pelo simples fato de estar vivo.

• A palavra como veículo - Fixada a significação em determinada palavra, é possível utilizá-la em qualquer nôvo contexto; é possível a transferência do significado. Graças a isso, pode haver crescimento cumulativo da inteligência. As palavras são, pois, o grande serviço de transporte, os veículos que carreiam as significações das experiências humanas.

O SIGNIFICADO E O HOMEM NA EMPRÊSA

O administrador moderno cansou-se de fugir ao problema da comunicação humana e resolveu enfrentá-lo. Para isso procura falar claro, de maneira a ser bem compreendido pelos seus homens, em todos os escalões. Ao mesmo tempo, através das relações públicas, faz o que lhe é possível para falar claro também perante os diferentes públicos que, no seu campo de atividade, constituam o substrato da opinião pública.

Tudo isso é reconhecidamente difícil, e não lhe resta alternativa senão entregar-se a rigoroso aprendizado, desde que sinta o problema em tôda a sua extensão e gravidade.

Dentre os diversos autores que têm cogitado dessas questões, STUART CHASE indica seis problemas do significado na comunicação humana, que se aplicam aos homens de emprêsas:

• Confusão entre palavras e coisas.

• Emprêgo descuidado de palavras abstratas.

• Confusão entre fatos e opiniões.

• Julgamento em "prêto-e-branco".

• Falsa identidade baseada em palavras.

• Obscurantismo.

1. Confusão entre palavras e coisas - Sua explicação mais simples está na evidência de que a palavra cachorro não morde. É preciso não esquecer que atrás de uma palavra nem sempre está uma coisa. Logo, nem sempre o "bom patrão" para Pedro é o "bom patrão" para Paulo, como nem sempre um "bom empregado" significa a mesma coisa para o empregado e para o patrão.

2. Emprêgo descuidado de palavras abstratas - Mais do que aquelas que procuram dar nomes às coisas, as palavras abstratas nascem impregnadas de afetividade e a sua significação é puramente individual. É preciso muito cuidado cada vez que se discute com palavras abstratas, a começar do próprio conceito de emprêsa. O conceito de emprêsa é abstrato. O que conta são as pessoas que trabalham na emprêsa, através das quais a emprêsa tem existência real. Leva êsse fato em consideração o diretor que se refere à emprêsa para justificar seus atos?

3. Contusão entre fatos e opiniões - Fatos são acontecimentos, enquanto que opiniões são conjeturas. À pergunta "que é um liberal?" determinado agricultor de Wisconsin respondeu: "Não sei..., mas, de que essa gente não vale nada não tenho a menor dúvida!"

Sem conhecimento dos fatos, as opiniões possuem valor relativo e a maior parte dos desentendimentos nas emprêsas surge de os chefes procurarem atribuir às suas opiniões a fôrça de fatos... para uso dos subordinados.

4. Julgamentos em "prêto-e-branco" - Embora muitas situações possam ser consideradas sob o aspecto estrito do dualismo, não se pode dividir a humanidade com a segurança daquele político que exclamava: "Para mim só existem duas classes de pessoas: as que estão comigo e as que estão contra mim!".

A linguagem é, em grande parte, responsável por essas polaridades, desde que é notória a falta de palavras intermediárias entre dois extremos. Como preencher, sob êsse critério, uma ficha de avaliação de empregado?

5. Falsa identidade baseada em palavras- "O artifício - escreve CHASE - é encontrar apenas uma carateristica, compartilhada pela vítima e um inimigo comum, para saltar logo à conclusão de que são idênticas tôdas as demais caraterísticas. Com êsse liame pode-se provar a culpa ou a inocência de qualquer pessoa, pelo menos para fazer cabeçalhos nos jornais". Quantas pessoas estarão sendo qualificadas nas emprêsas mediante êsse vicioso processo?

6. Obscurantismo - Alguns psicólogos acreditam na tendência humana de tornar complicadas as coisas simples. A. P. HERBERT, membro do Parlamento da Inglaterra, exasperado com a linguagem dos burocratas do Govêrno, assim traduziu a frase imortal de NELSON "A Inglaterra espera que cada um cumpra com o seu dever":

"A Mãe-Pátria aguarda que o pessoal envolvido nas circunstâncias da presente conjuntura se mostre à altura das questões em jôgo, exercendo apropriadamente as funções outorgadas a seus respectivos grupos operacionais". Você tem lido cautelosamente a correspondência de sua emprêsa e já experimentou gravar algumas ordens dos seus supervisores aos operários?

HANEY dá grande realce ao fato de que a significação das palavras está muito prêsa ao que denomina "afetores", ou seja, à disposição momentânea do espírito de quem a emprega. Uma palavra, portanto, em determinado momento, reflete hábitos, preconceitos, experiências, estados fisiológicos e emocionais, gostos, idiossincrasias, educação e hereditariedade, além dos conhecimentos individuais de linguagem, os quais vão desde o mero tamanho e variedade do vocabulário até os meandros da Sintaxe e da Estatística; quem sabe não convenha uma reavaliação dos valôres humanos na sua emprêsa, levando-se em conta a influência dêsses afetores nas avaliações anteriores?

DEWEY lembra existirem limites para a possibilidade de novas combinações de palavras fornecerem novas idéias: "criptocomunista" está no caso de tais impossibilidades; sendo, entretanto, palavra bastante divulgada. Um criptocomunista seria um comunista oculto, ou seja, que não se revela comunista. Ora, desde que a pessoa não se revela comunista, como denominá-la "criptocomunista" quando nada se sabe dos sentimentos que esconde no íntimo? Por outro lado, se a pessoa denominada criptocomunista revelar tendências comunistas, deixará de ser "cripto" para ser apenas comunista. Êsse processo de combinações de palavras é perigoso, porque oferece a facilidade indiscriminada de rotular criaturas humanas.

Há palavras que aceitamos no uso corrente sem cuidar de seu significado. Proletário é uma delas. A falácia da luta de classes, aceita por milhões de indivíduos em todo o mundo, deriva de palavras que parecem ter sido criadas com o objetivo de semear confusão. A quem se referia LENINE quando pregava a união dos "proletários" de todo o mundo? A quem se dirigia VARGAS quando iniciava seus discursos aos "trabalhadores do Brasil"? Quais são as "classes conservadoras"? Não serão por acaso, as que vêm realizando uma revolução econômica e social, através de suas iniciativas e realizações? Até no futebol, inofensivo sob o aspecto social, já não se acostumaram os comentaristas a classificar os campeões do mundo entre os cavalos de raça, com a palavra plantel?

Palavras como "urgente", "importante", "pessoal", "confidencial" e "reservado" desgastam-se ràpidamente nas emprêsas e vão sendo esvaziadas das idéias que antes continham. Já que todos os assuntos são urgentes e importantes, nenhum assunto é urgente nem importante.

Pressionado pela demagogia política, envolvido pelas fermentações sociais, desamparado pela ausência de ideologias liberais, o administrador de emprêsas defronta-se com mais uma esfinge no seu laborioso caminho para Tebas: o significado na comunicação humana. E é possível que, exasperado, prefira ser precipitado ao abismo a decifrar o enigma.

BIBLIOGRAFIA

Linguagem:

Semântica:

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  • J. DEWEY, How we think, Bóston: Heath, 1933.
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  • 1
    empenha-se na substituição dos 44.000 ideogramas da língua nacional, pelos carateres latinos, o que permitirá - espera-se - uma dinamização da mentalidade chinesa. No momento, em Chinês, a mesma palavra muda de significado segundo o tom com que é pronunciada. A palavra
    chiu, por exemplo, significa "porco" quando pronunciada em tom normal; "cavalheiro" se dita em tonalidade descendente, e "bambu" se em escala ascendente.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jul 2015
    • Data do Fascículo
      Dez 1965
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