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Dependência interorganizacional e estrutura intra-organizacional: um exame da pesquisa do Grupo Aston

ARTIGOS

Dependência interorganizacional e estrutura intra-organizacional: um exame da pesquisa do Grupo Aston* * O presente artigo é uma tradução expandida, com algumas modificações, de um outro artigo publicado recentemente na revista Administrative Science Quarterly, Cornell University, Ithaca, N.Y.

Sérgio Mindlin

Professor do Departamento de Administração Geral e Recursos Humanos. Candidato a doutorado pela Cornell University

Os estudiosos de organizações, na medida em que passaram a sentir a necessidade de dedicar atenção às restrições e contingências que se situam além das fronteiras organizacionais, substituíram o modelo de sistema fechado por um de sistema aberto. Atualmente, tanto trabalhos teóricos como de pesquisa usam um modelo sintético do tipo proposto por Thompson: "conceberemos organizações complexas como sistemas abertos, portanto indeterminados e enfrentando incertezas, mas ao mesmo tempo sujeitos a critérios de racionalidade, e portanto, necessitando de determinação e certeza" (33, p. 10). Um fator crítico identificado por essa perspectiva é a medida onde a organização deixa de ter controle sobre recursos e mercados que são necessários à sua sobrevivência (19).

A investigação desta falta de controle, ou dependência de outras organizações que controlam recursos e mercados, é um dos melhores exemplos do valor de teorias e pesquisas cumulativas nas ciências sociais. Começando com o trabalho de Emerson (11), a elaboração de Blau (8), e se estendendo até a operacionalização proposta por Jacobs (19), os teóricos de organizações ampliaram nosso conhecimento sobre o impacto de dependência na estrutura organizacional. Recentemente, Aldrich (3) sugeriu que o efeito cumulativo da pesquisa e teoria da última década foi o aparecimento de um modelo de dependência de recursos para as interações organização - meio-ambiente. Ocasionalmente, porém, a pesquisa ficou atrasada em relação à teoria, ou o desenvolvimento de conceitos não suficientemente preciso para servir de guia à pesquisa.

Este trabalho pretende contribuir para o desenvolvimento cumulativo do conceito de dependência, realizando três tarefas: primeiro, uma revisão crítica de algumas pesquisas e análises teóricas sobre dependência; segundo, uma crítica detalhada do uso do conceito de dependência no trabalho do grupo Aston (28); e, terceiro, sugerindo formas em que a pesquisa sobre dependência interorganizacional poderá, no futuro, ser conduzida com maior proveito.

Dependência foi um conceito importante no trabalho do grupo Aston, cuja valiosa contribuição ao desenvolvimento da teoria organizacional é geralmente reconhecida (27, 28, 17, 18, 22 e 15). Justamente por isso, é importante ressaltar alguns pontos sobre o uso desse conceito no seu trabalho. Algumas de suas interpretações e conclusões podem ser vistas sob um prisma diverso, e este é o ponto fundamental deste artigo.

1. O CONCEITO DE DEPENDÊNCIA

Adotando-se a perspectiva de dependência de recursos no estudo do comportamento organizacional, a organização precisa ser vista dentro do contexto da população de organizações com as quais compartilha e compete por recursos escassos (35 e 1). Uma conseqüência disso é o desenvolvimento de dependências de uma organização em relação a outras em seu meio-ambiente. Partindo dessa premissa, Yuchtman e Seashore definem eficácia organizacional como sendo a habilidade da organização de explorar o seu meio-ambiente para obter recursos, mantendo, ao mesmo tempo, uma posição autônoma de negociação. Conseqüentemente, a tentativa de tornar outras organizações dependentes da sua, ou de evitar tornar-se dependente de outras, é uma das mais importantes forças motivacionais no comportamento das lideranças organizacionais (31 e 7).

O trabalho original de Emerson foi a centelha que permitiu o desenvolvimento do conceito de dependência, e sua eventual integração na teoria organizacional. Emerson definiu dependência de um ator (um individuo, um grupo ou uma organização), A, em relação a outro ator, B. como "diretamente proporcional ao investimento motivacional de A em objetivos cuja consecução é controlada por B, e inversamente proporcional à disponibilidade desses objetivos, para A, fora do relacionamento A-B" (11, p. 32). A dependência de A em B é a base do poder de B sobre A, já que B controla os recursos de que A necessita. Na medida em que A não pode dispensar esses recursos, e não pode obtê-los em outra fonte, A depende de B. Note-se que como dependência é uma característica da relação entre os dois atores, é perfeitamente possível que A dependa de B mas, por seu lado, tenha poder sobre C, por causa da dependência de C em relação a B. Essa visão do problema deveria impedir o uso de frases como "o poder de A" ou "B tem poder"; A ou B somente têm poder dentro do contexto de um determinado relacionamento.1 1 Ver Bacharach e Lawler, 1975, para um teste empírico das proposições de Emerson (6).

Blau (8) generalizou as idéias de Emerson, considerando quatro condições que deveriam promover a independência de um ator, A, de outro ator, B, que potencialmente controla recursos dos quais A depende: 1. a disponibilidade e o controle de recursos estratégicos, já que isso cria uma, proteção para A e permite uma relação de troca em que nenhum ator dá mais do que recebe; 2. a existência de fontes alternativas para os recursos necessários, o que melhora a posição de negociação de A em relação a qualquer uma das fontes; 3. a capacidade de usar poder coercitivo, inclusive com o uso da lei ou com a possibilidade de forçar B a fornecer os recursos necessários, sem ter que cumprir as suas exigências; e 4. não necessitar dos recursos oferecidos por B, o que pode ser conseguido se A modificar suas prioridades básicas de modo a dispensar o recurso (8, p. 118-25). Na verdade, as duas últimas condições raramente ocorrem. Dificilmente pode uma organização fazer uso da força contra outra (embora, por exemplo, isso possa ocorrer no caso de negociações trabalhistas), e menos ainda, a curto prazo, dispensar recursos necessários sem alterar significativamente o seu funcionamento. As condições 1 e 2 são, portanto, os meios principais de evitar dependência.

Jacobs (19) introduziu os conceitos de essencialidade e capacidade de substituição, da teoria econômica, como úteis para reorganizar o trabalho de Emerson e de Blau. Propôs que em vez de discutir o investimento motivacional de .4 em objetivos (ou recursos) controlados por B, dever-se-ia investigar se .4 pode substituir os recursos ou se pode dispensá-los. A dependência de A em relação a B é, portanto, diretamente proporcional à essencialidade, para: A, dos recursos controlados por B, e inversamente proporcional à disponibilidade desses recursos em fontes diferentes de B.

Todo esse trabalho sobre dependência vem mais uma vez questionar o modelo organizacional de sistemas fechados, uma vez que o modelo de sistemas abertos explicitamente inclui as relações organização - meioambiente na avaliação da eficácia e da propriedade das estruturas organizacionais. Já que as condições que promovem dependência ou independência organizacional variam no tempo e em diferentes contextos organizacionais, é provável que, sob diferentes condições ambientais, diferentes formas de estrutura organizacional facilitarão a posição de negociação da organização com seu meio-ambiente. Como outros pesquisadores concluíram (27, 28, 12 e 20), é muito pouco provável que uma única forma de estrutura organizacional seja ótima em qualquer meio-ambiente.

É preciso também notar que os efeitos da dependência em relação a B, sobre a estrutura organizacional de A, podem somente se fazer sentir quando B exerce pressões sobre A. É possível que a relação de dependência apresente apenas problemas potenciais para A, e, nesse caso, os efeitos de dependência sobre a estrutura organizacional não seriam visíveis. Somente quando B exerce pressões reais sobre A, é que A adapta sua estrutura organizacional para enfrentá-las.

Com base numa revisão da literatura (23), fizemos algumas previsões em relação a esses efeitos, e elaboramos as seguintes hipóteses: na medida em que as organizações são mais dependentes de seu meio-ambiente, sua estrutura (pelo que nos estamos referindo especialmente à estrutura do processo decisório) se torna mais especializada, menos formalizada e menos centralizada, com menos procedimentos padronizados, tendendo atingir um maior grau de autonomia em relação a uma (eventual) organização matriz. Nossas expectativas, porém, não estão de acordo com os resultados do grupo Aston, e essa discrepância nos levou a reexaminar a sua definição conceituai e operacional de dependência.

2. O CONCEITO DE DEPENDÊNCIA NO ESTUDO DO GRUPO ASTON

O estudo do grupo Aston, feito por Pugh, Hickson e seus colegas, baseou-se em dados de 52 organizações em Birmingham, na Inglaterra (26, 27, 28, 29, e 17, 18). Quarenta e seis dessas 52 foram selecionadas ao acaso, e foram usadas na fase analítica de seu trabalho. É geralmente reconhecido que esse trabalho foi de extrema importância para o campo de comportamento organizacional, tanto em teoria como em metodologia de pesquisa. Uma repetição completa do estudo foi feita por Child (9, 10), com a chamada amostra "nacional" e produziu resultados notavelmente semelhantes. Embora o estudo do grupo Aston tenha sido criticado por vários motivos (9, 2, 30, 21), sua importância para o campo da teoria organizacional é inquestionável.

O conceito de dependência usado no estudo, porém, é um dos pontos mais fracos de sua análise, e foi pouco criticado, especialmente em comparação com outros conceitos como concentração de autoridade ou formalização. Duas repetições do estudo, em pequena escala, usaram o conceito de dependência, e chegaram a resultados que corroboravam òs resultados originais (16 e 17), mas ainda assim, temos a impressão de que a operacionalização e a análise do conceito de dependência pelo grupo Aston foi muito menos rigorosa do que poderia ter sido.

A conceituação de dependência era composta de dois grupos de relações com o meio-ambiente: relações com uma organização matriz ou grupo e relações com outras organizações (28, p. 104-8), sendo as primeiras consideradas mais importantes'. Dependência em relação a uma matriz foi operacionalizada usando quatro escalas: 1. tamanho relativo2 2 Em número de empregados. da organização focal, em relação à matriz; 2. status da organização focal no grupo a que pertencia - se era uma organização independente (ou a matriz de um grupo), uma subsidiária com identidade legal própria, uma divisão central (uma divisão com os escritórios centrais no mesmo local), ou uma divisão simples; 3. representação da organização focal nos órgãos de decisão de política da matriz; e 4. o número de serviços especializados contratados fora da organização, tanto na matriz como em outras organizações.

Dependência em relação a outras organizações, que não a matriz, foi operacionalizada com cinco escalas, somadas para formar uma única escala de resumo, chamada "integração vertical": 1. integração com fornecedores, em termos de laços contratuais e de propriedade; 2. resposta da organização focal à influência de clientes; isto é, se a organização produzia para "fcçtoque, por pedido, ou por ordem específica de produtos especiais; 3. integração com clientes, em termos de laços de propriedade e contratuais; 4. porcentagem do volume de produção da organização focal consumido pelo seu maior cliente; e 5. porcentagem das necessidades do maior cliente suprida pela organização focal.

A operacionalização de dependência incluía também duas outras variáveis: a) a origem da organização, isto é, se ela fora fundada por indivíduos ou por uma organização, e b) a responsabilidade, perante o público, da organização matriz, isto é, se ela era ou não cotada em bolsa, ou se era um órgão governamental. O grupo Aston não especificou qual dos dois aspectos de dependência estariam relacionados a estas variáveis, mas, na nossa opinião, a primeira estaria ligada à dependência da matriz, enquanto que a segunda, à dependência de outras organizações.

As sete escalas ou medidas de dependência (inclusive integração vertical, mas exclusive suas componentes), apresentavam correlações significativas com características da organização matriz, como seu tamanho ou concentração de propriedade com controle, enquanto que correlações com características da organização focal, como seu tamanho ou integração do fluxo de trabalho (uma medida de tecnologia), eram consideravelmente menores. Pugh e seus colegas concluíram que "este padrão sustenta a tese de que estas variáveis estão de certa forma medindo aspectos da dependência da organização, particularmente sua dependência em relação a recursos externos e a poder ..." (28,. p. 107). Uma análise de componentes principais foi aplicada à matriz de intercorrelação das medidas de dependência, e resultou em:

Um primeiro fator, grande (chamado) dependência, responsável por 55% da variância, com pesos altos em todas as sete escalas (em seis das sete, os pesos eram superiores a 0,7; o peso restante, para integração vertical, era 0,58). Os valores numéricos de dependência foram obtidos por uma soma algébrica ponderada dos valores nas quatro escalas componentes que tinham maiores pesos, obtendo-se os pesos de ponderação por uma analise de regressão múltipla das escalas componentes sobre o fator (28, p. .108).

As escalas que tinham maiores pesos eram: a) número de serviços especializados contratados fora; b) representação da organização focal nos órgãos de decisão política da matriz; c) tamanho relativo da organização no grupo; e d) status da organização focal dentro do grupo. A soma ponderada foi feita com valores padronizados (média 50, desvio-padrâo 15), sendo que a primeira escala teve um peso de + 1, e as outras três de - 1. Os valores resultantes foram novamente padronizados para uma distribuição de média 50 e desvio-padrâo 15.

A variável dependência, resultante dessas operações, tinha uma correlação altamente positiva com concentração de autoridade (r - 0,66), mas, correlações não significativas com as outras duas dimensões principais de estrutura, estruturação de atividades ou controle do fluxo de trabalho pela linha. As correlações de dependência com as variáveis compohenteS\de concentração de autoridade eram: 0,57 com centralização de decisões, - 0,72 com autonomia da organização matriz, e 0,40 com padronização dos procedimentos para seleção e promoção. Duas dessas correlações são produzidas por tautologias na definição das variáveis. Embora a dimensão de concentração de autoridade tenha sido identificada por uma análise de componentes principais, seus valores foram obtidos por uma soma ponderada dos valores de centralização (peso + 1) é de autonomia (peso - 2), com padronização de procedimento excluída. Já que autonomia é uma escala formada com subitens da escala de centralização, com valorização negativa, a forte correlação negativa com autonomia deve ser esperada, uma vez observada a alta correlação positiva com centralização. Ou, por outro lado, uma vez observada a forte correlação positiva com concentração de autoridade,-ambas as correlações com suas componentes devem ser esperadas.

Em resumo, os resultados do estudo do grupo Aston sobre dependência organizacional em relação ao meioambiente indicam que, à medida que. a organização se torna mais dependente de seu meio-ambiente, ela tende a se tornar mais centralizada, menos autônoma em relação a sua matriz, com um ligeiro aumento de padronização de procedimentos para seleção e promoção, mas sem nenhum efeito quer sobre a formalização de procedimentos em geral, quer sobre as relações interpessoais, e sem nenhuma maior especialização das atividades (28). U ma análise crítica do trabalho do grupo Aston indicou, porém, alguns pontos importantes que podem explicar o aparecimento desses resultados (para nós) inesperados.

3. CRÍTICA DO CONCEITO DE DEPENDÊNCIA DO GRUPO ASTON

O maior problema foi o grupo Aston não manter sua distinção entre os dois tipos de dependência em suas operacionalizações do conceito. A distinção entre dependência de uma matriz e dependência de outras organizações é evidentemente necessária por causa dos diferentes tipos de recursos disponíveis dessas duas fontes. Da matriz, a organização focal precisa de recursos financeiros para investir e operar, de conhecimentos tecnológicos e know-how operacional, e usualmente procurar obter autonomia decisória para poder tomar decisões sozinha. De outras organizações, especialmente fornecedores, clientes e concorrentes, a organização precisa de matérias-primas, mercado para seus produtos ou serviços, e uma parcela significativamente grande desse mercado para garantir sua sobrevivência.

Do ponto de vista conceituai, portanto, a distinção deve ser mantida em qualquer análise de dependência. No entanto, ao operacionalizar o conceito e calcular seu valor para cada organização, bem como na análise da relação de dependência com as variáveis estruturais, o grupo Aston não fez mais nenhuma referência às suas formas de dependência, e deixou de fazer a distinção em seus trabalhos. O termo era sempre usado sem qualificação, dando a entender que "dependência", como sua variável final era chamada, estava relacionada tanto como dependência de uma matriz como de outras organizações. De fato, elas afirmam (28, p. 108) que:

Um alto valor (na variável) dependência caracterizava organizações com um alto grau de dependência, que tendiam a ser fundadas impessoalmente, responsabilizáveis perante o público, verticalmente integradas, com um grande número de serviços especializados contratados fora, pequenas em relação à sua matriz, com baixo status, e não representadas nos órgãos de decisão política da matriz...

Essa descrição das implicações de um alto valor de dependência não parece ser confirmada pela operacionalização final do conceito de dependência. No cômputo do valor final, somente quatro das sete escalas componentes foram usadas: as de maior peso na primeira variável principal. (O grupo Aston chamou esta variável principal de fator, mas preferimos usar esta terminologia para enfatizar que a técnica usada foi análise de componentes principais, e não análise fatorial.) Assim, a escala de integração vertical foi excluída, já que tinha o menor peso na variável principal. A exclusão é apenas parcial, é claro, uma vez que integração vertical tinha efeito sobre a variável principal, e que o valor final de dependência foi calculado por uma regressão múltipla das quatro variáveis de maior peso sobre a variável principal. Além disso, havia intercorrelações entre as sete medidas de dependência, o que fazia seus efeitos interdependentes. Mas, ainda assim, o efeito final de integração vertical é desconhecido, e provavelmente muito pequeno. Qualquer efeito que tivesse estaria obscurecido nos coeficientes de regressão das outras quatro variáveis, não podendo ser analisado por si só. Da mesma forma, os efeitos das variáveis, origem da organização e responsabilidade pública foram parcialmente omitidos, já que essas escalas também não foram incluídas no cálculo final de dependência.

O resultado liquido dessas operações foi incluir no cálculo de dependência apenas uma parte das relações da organização com seu meio-ambiente. Das quatro escalas usadas no cálculo final, três mostram relações que são especificamente com a matriz: representação da organização focal nos órgãos de decisão política da matriz, seu status e seu tamanho relativo dentro do grupo. A quarta, número de serviços especializados contratados fora, representa, pelo menos em parte, o relacionamento com a matriz, uma vez que inclui serviços da matriz.

A medida de dependência do grupo Aston era, portanto, uma medida da dependência da organização focal em relação à sua matriz, e não em relação a outras organizações, o que poderia ter sido medido conra escala de integração vertical (ou suas componentes) ou a de responsabilidade perante o público. Estas últimas foram, porém, excluídas.

Poder-se-ia argumentar que, uma vez que integração vertical e a medida final de dependência se correlacionam de forma bastante semelhante com as variáveis estruturais, excluir integração vertical da operacionalização final de dependência não altera os resultados ou as conclusões da pesquisa. Por dois motivos, esse argumento é falso: a) a diferente natureza das relações com a matriz e com o meio-ambiente em geral faz com que uma medida global não seja interessante; e b) integração vertical tem uma correlação relativamente baixa com concentração de autoridade (r=0,29), enquanto dependência tem uma alta correlação (r=0,66). As correlações dessas duas variáveis somente são semelhantes quando se consideram estruturação de atividades ou controle do fluxo de trabalho pela linha como as variáveis estruturais. Ora,, foi precisamente a correlação entre dependência e concentração de autoridade que levou o grupo Aston a propor dependência como predissora de concentração de autoridade, ao mesmo tempo sugerindo que não havia relação com outras dimensões estruturais. Dessa forma, excluir integração vertical da operacionalização de dependência, e deixar de distinguir entre as duas formas de dependência, resultou em excluir da análise as relações com o ambiente em geral. Podemos identificar duas razões que levaram a essa situação, uma conceituai e outra mercadológica.

Conceitualmente, a noção de dependência nunca foi muito elaborada pelo grupo Aston. Eles notam que "a dependência de uma organização reflete suas relações com outras organizações em seu ambiente social, tais como fornecedores, clientes, concorrentes, sindicatos e organizações administrativas, políticas e sociais" (28, p. 104). Mas quais relações deveriam ser especificamente consideradas nunca é dito. Se dependência fosse considerada em termos de obtenção de recursos, algumas das medidas do grupo Aston não seriam relevantes, já que não representam relações onde há troca de recursos

(p. ex., tamanho relativo da organização em seu grupo). Responsabilidade perante o público poderia ser uma medida de obtenção de apoio público, mas foi aplicada à organização matriz, não à focal. As outras três medidas de dependência incluídas na variável final, por outro lado, embora representem relações de intercâmbio de recursos, referem-se somente ao relacionamento com a matriz.

Metodologicamente, as dimensões identificadas na sua análise são altamente dependentes do conjunto de dados analisados. A técnica de análise dos componentes principais é particularmente indicada para a análise e resumo de tendências existentes nos dados, mas os componentes principais de variância identificados podem se referir apenas à amostra em questão. Esta técnica é útil para estudos exploratórios numa determinada área, mas torna difícil generalizar além da amostra considerada.

Aceitemos como verdadeira a afirmação de que as relações com a organização matriz são mais importantes do que com outras organizações, o que, em geral, não deixa de ser razoável. A sua amostra consistia em 46 organizações, das quais somente oito (17%) foram classificadas como unidades independentes. De todas as outras 38, eram subsidiárias, 18, divisões centrais, 4, ou divisões, 16. O componente dependência, identificado pela análise de componentes principais, poderia portanto, estar sobrecarregado por medidas representando relações com organizações matriz, simplesmente porque, para essas 38 organizações, as relações dentro do seu grupo empresarial são muito mais importantes do que as com organizações de fora. Já que nenhuma análise foi feita estratificando a amostra por status, as conclusões gerais são mais representativas de relações de dependência de uma matriz, do que do meio-ambiente em geral.

Essas duas críticas formam o cerne de nosso argumento de que as medidas de dependência do grupo Aston não refletem necessariamente o conceito de dependência como discutido na literatura, já que a sua medida não está relacionada à dependência de outras organizações no meio-ambiente.

Os problemas criados por essas dificuldades para a pesquisa e o estudo teórico de dependência organizacional são exemplificados por estudos que tentaram repetir o trabalho do grupo Aston. Inkson et alü (17), usando escalas simplificadas, mediram dependência usando quatro variáveis: a) impersonalidade de origem, b) status da organização focal no seu grupo, c) tamanho relativo dentro do grupo, e d) a responsabilidade do grupo perante o público. Os seus resultados foram bastante semelhantes aos do grupo Aston: dependência apresentava uma baixa correlação positiva com estruturação das atividades e alta com concentração de autoridade. Para Inkson, isso confirmava os resultados de Aston, mas é necessário notar que a sua medida de dependência sofre dos mesmos vícios que a destes últimos, baseando-se exclusivamente em relações com a organização matriz. Críticas semelhantes se aplicam a estudos multiculturais de McMillan et alü (22) e de Hickson et alü (15). Negandhi e Reimann (24) usaram as escalas simplificadas de Inkson, com exceção de responsabilidade perante o público, que foi aplicada à organização focal, e não ao grupo. Dependência, medida dessa forma, apresentava uma correlação positiva com descentralização de decisões, contrariamente às implicações do trabalho original do grupo Aston e à repetição de Inkson. Talvez a medida de responsabilidade pública usada por Negandhi e Reimann tenha, realmente, medido a dependência do meio-ambiente em geral, e assim influenciado a medida global de dependência. Novamente, sem que haja uma medida precisa de dependência, é difícil interpretar e comparar os resultados das várias pesquisas.

4. IMPLICAÇÕES PARA PESQUISA FUTURA

4.1 Metodologia

Esta revisão do conceito de dependência e de seu uso na pesquisa do grupo Aston leva a algumas considerações e sugestões para futuras pesquisas sobre o assunto. Primeiro, se nossas críticas sobre o uso e a medição do conceito de dependência pelo grupo Aston estão certas, então as suas conclusões a respeito das relações entre dependência e outras variáveis são questionáveis. Nós tentamos reanalisar os seus dados, usando somente as variáveis que podiam ser logicamente relacionadas ao conceito de dependência como aqui discutido, mas não tivemos muito sucesso. Essa análise se baseou nas hipóteses formuladas anteriormente, e procurou utilizar os conceitos e variáveis fundamentais da pesquisa do grupo Aston, deixando de lado as variáveis compostas sugeridas pela sua análise fatorial. Além disso, procuramos fazer uma análise estratificada por grupo de status; isso, porém, resultou em amostras muito pequenas e, conseqüentemente, tornou pouco válidos os resultados estatísticos.

A estrutura organizacional (essencialmente a estrutura do processo decisório) foi operacionalizada utilizando as variáveis de formalização, padronização, especialização, centralização e autonomia, definidas no estudo original do grupo Aston (27). Procuramos, assim, evitar interpretações confusas que poderiam derivar do uso das escalas de estruturação de atividades, ou concentração de autoridade. No caso da primeira, era também necessário distinguir os efeitos sobre as suas principais componentes, uma vez que postulávamos efeitos opostos sobre especialização e sobre formalização e padronização.

Dependência foi tentativamente operacionalizada usando as variáveis componentes da escala de integração vertical, embora somente tenhamos considerado as relações da organização focal com seus clientes, e não com fornecedores. Isso porque as variáveis que mediam o relacionamento com fornecedores eram aparentemente mais dirigidas a medir a incerteza do que o grau de dependência existente nessa relação. Assim, apenas duas variáveis estavam disponíveis para medir a dependência da organização focal de seus clientes. Uma media a percentagem do produto da organização consumido por seu maior cliente (dependência da organização em relação ao cliente), e outra, a percentagem do consumo desse cliente fornecida pela organização focal (dependência do cliente em relação à organização focal). Para efeitos de análise, construímos uma nova variável, dependência relativa da organização focal de seu maior cliente, subtraindo a segunda variável da primeira. Essa operação se justifica na medida em que o poder da organização em relação ao seu cliente anula os efeitos de dependência daquela em relação a este.

Conforme dissemos, os resultados da análise das correlações desta variável com as variáveis estruturais foram interessantes, mas pouco conclusivos. Isso se deve, em parte, ao fato de termos disponíveis apenas informações relativas às relações com o maior cliente e de considerarmos apenas o produto ou serviço da organização, e também à redução do tamanho da amostra, conseqüente da estratificação da análise. Uma exposição mais detalhada destes resultados pode ser vista em Mindlin (23).

É interessante notar aqui uma operacionalização alternativa do conceito de dependência, sugerida por Jacobs (19). Ele propõe que o inverso do número de fornecedores de um determinado recurso (o que pode compreender os clientes da organização) seria uma boa medida da dependência da organização em relação a esses fornecedores, já que é uma função curvilínea e monotônica decrescente. Isso, porém, somente consideraria o número de fornecedores, deixando de lado a sua importância relativa. A medida que propomos (23), aplicada a todos os fornecedores importantes, avaliaria a importância relativa de cada um, gerando assim uma escala de intervalos, e não apenas ordinal.

Para ilustrar a diferença entre as duas medidas, suponhamos que uma organização tenha muitos, digamos 20, fornecedores de um determinado recurso. De acordo com a medida de Jacobs, não seria considerada dependente desses fornecedores. Mas imaginemos ainda que o fornecedor mais importante seja responsável por 45% do fornecimento, e que o segundo seja responsável por 35%. Se isso ocorre, somente a relação da organização focal com esses dois fornecedores é que interessa, e ela seria talvez considerada dependente deles. O fato de existirem outros 18 fornecedores é irrelevante, uma vez que cada um responde por uma parcela minima do recurso.

4.2 Funções limítrofes

Uma segunda implicação de nossa análise se refere às unidades limítrofes da organização (aquelas que estão na "fronteira" organizacional, e cujas atividades abrangem, de certa forma, o meio-ambiente). A importância dessas unidades, e especialmente do papel organizacional dos membros da organização envolvidos em interações com o meio, vem sendo discutida cada vez mais na literatura organizacional (5). Simon (32) sugeriu que os sistemas abertos não são rigidamente interligados, isto é, que num sistema organizacional existe uma certa folga de ação, e que nem tudo está relacionado a todo o resto. Isso se aplica especialmente a uma organização que esteja tentando se proteger da variação ambiental, como argumentou Thompson (34). A idéia de que os sistemas organizacionais possam ser livremente interligados implica que somente as unidades limítrofes da organização teriam as suas características (especialmente a sua estrutura) afetadas pelo relacionamento organização - meio-ambiente, em vez de se verificar uma influência generalizada sobre toda a estrutura organizacional.

A nossa análise pode ter sido prejudicada também por esse fato, uma vez que só dispúnhamos de dados referentes à totalidade da organização, e que só tentamos analisar a influência de dependência ambiental sobre a organização como um todo. Futuras pesquisas sobre as interações da organização e seu meio-ambiente deveriam enfatizar as atividades limítrofes da organização, tentando identificar quais os aspectos organizacionais mais sujeitos à influência ambiental.

4.3 Importância de análises prévias

Finalmente, é claro que pode haver um grande número de variáveis influenciando a relação entre a organização e seu meio. Na nossa revisão do trabalho do grupo Aston, demos especial atenção à posição relativa da organização focal dentro do seu grupo empresarial, isto é, se ela era uma unidade principal, uma subsidiária ou uma divisão. A nossa tentativa de reanalisar os dados existentes, porém, foi prejudicada pelo pequeno número de casos existentes em cada categoria, e especialmente na de unidades principais. Esse problema evidencia a necessidade de considerar cuidadosamente os eventuais procedimentos analíticos que serão usados, antes de especificar o procedimento de amostragem. Assim, diferentes análises dos dados serão possíveis, no futuro. Já que projetos deste tipo envolvem trabalhos extensos e caros de coleta de dados, uma análise criteriosa de que tipo de informação será necessária, antes de coletá-la, é absolutamente essencial.

Este argumento, é preciso ressalvar, não é uma crítica ao grupo Aston. Naturalmente seria impossível que esses pesquisadores previssem, em 1963, o tipo de análise que nos iria interessar em 1974. Além do mais, o grupo Aston analisou especificamente o tipo de informação necessária, detalhando teoricamente o seu estudo antes de efetuar a coleta de dados (26).

5. CONCLUSÃO

A importância do relacionamento organização - meio ambiente para oestudoe a compreensão dos fenômenos organizacionais é inegável. Pouco a pouco, os estudiosos desses problemas voltam sua atenção cada vez mais para fora das organizações, em busca de explicações para o que ocorre no seu interior. Nesse sentido, estudos empíricos como o do grupo Aston representam marcos extremamente importantes no desenvolvimento da teoria organizacional, incrementando consideravelmente nossos conhecimentos. Mas é preciso continuar o seu trabalho, fazendo novos estudos que incorporem as sugestões e críticas feitas anteriormente, de modo a levar-nos cada vez mais próximos de uma clara compreensão do mundo organizacional.

Como disse Piet Hein,

The road to wisdom? Well, it's plain

and simple to express:

Err

and err

and err again;

but less

and less

and less.

O autor agradece a colaboração do Prof. Howard Aldrich, da New York State School of Industrial and Labor Relations da mesma Cornell University.

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  • *
    O presente artigo é uma tradução expandida, com algumas modificações, de um outro artigo publicado recentemente na revista
    Administrative Science Quarterly, Cornell University, Ithaca, N.Y.
  • 1
    Ver Bacharach e Lawler, 1975, para um teste empírico das proposições de Emerson (6).
  • 2
    Em número de empregados.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 1976
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