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Principais tendências do investimento direto norte-americano na América Latina

ARTIGOS

Principais tendências do investimento direto norte-americano na América Latina

Carlos Osmar Bertero

Professor do Departamento de Administração Geral e Relações Industriais da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas

1. Introdução

De todas as formas de presença norte-americana na América Latina, aquela que se faz sentir por intermédio das empresas multinacionais (eufemismo cunhado nos Estados Unidos para designar as empresas que operam em vários países, mas cujos acionistas e administradores de alto nível são cidadãos americanos residentes nos Estados Unidos), é indiscutivelmente a mais importante.

A simples observação dos eventos históricos a partir do último quartel do século XIX deixa claro que o México e o Caribe foram as áreas preferidas para a expansão norte-americana, que se fez mediante a consolidação do poder naval no Caribe, transformando-o em verdadeiro mare nostrum, e pela simultânea inversão nos países da área em questão.

A disparidade da presença empresarial norteamericana na América Latina, relativamente às outras formas de presença, como por exemplo a militar, a dos serviços de informação, a manifestada em várias agências e ministérios do governo dos Estados Unidos, pode ser explicada paradoxalmente pelo fato de a América Latina ser a única região do mundo onde a hegemonia norte-americana não tem que ombrear com nenhuma outra potência ou grupo de nações. A presença norte-americana pode ter que debater-se de várias maneiras, a fim de assegurar sua permanência numa região, desde a guerra aberta e total, como é o caso atual da Indochina, até a manutenção de contingentes militares que possam ser suficientemente contundentes, a ponto de desencorajar os potenciais competidores por áreas de influência, como ocorre na Europa Ocidental. Na América Latina cumpre-se até hoje o vaticínio sobranceiro de Theodore Roosevelt sobre as pequenas e divididas nações dentre as quais não se logra encontrar uma sequer que possa ser contada entre as grandes potências.

A hegemonia indisputada dos Estados Unidos na região tem como uma das conseqüências a desnecessidade de manter-se em tal área grandes contingentes militares, paramilitares e de inteligência, e mesmo a presença do governo norte-americano em agências federais e organismos ministeriais é relativamente reduzida. Não seria exagero concluir-se que esta é a região do mundo onde a segurança nacional dos Estados Unidos é obtida a mais baixo custo. A fraqueza relativa das outras formas de presença norte-americana na área fazem com que as empresas multinacionais constituam o grupo mais articulado e o que faz sentir de maneira mais pungente seus interesses junto às autoridades governamentais norte-americanas. Não é obra do acaso o fato de ter-se escolhido Nelson Rockefeller para chefiar a missão enviada pelo então recém-empossado Richard Nixon, a fim de colaborar na coleta de informações e no auscultamento da opinião oficial latino-americana com vistas à formulação de novas diretrizes para a política norte-americana no hemisfério. Se aceitarmos o axioma clássico do pensamento social dos Estados Unidos, que considera o pluralismo a característica básica da organização social vigente nos Estados Unidos, teremos como conseqüência o fato de que varios grupos dentro do mesmo todo social possuem interesses potenciais ou realmente divergentes e que o choque desses interesses faz parte de um processo para atingir-se o consenso e a solução dessas próprias divergências. Portanto, quando se trata da formulação de uma nova política hemisférica, ou mesmo no dia-a-dia da implementação dessa política, os vários setores da sociedade norte-americana apresentarão interesses diversos que lutarão por expressar-se e por conseguir fazer seus pontos de vista prevalecerem sobre os demais. Na política hemisférica, constitui tradicionalmente ponto pacífico que um poderoso e articulado "grupo de pressão" é aquele formado pelos interesses das grandes empresas multinacio nais norte-americanas operando na região.

A importância e a hegemonia da presença empresarial norte-americana na América Latina é suficientemente valorizada para ser reconhecida como a primordial por elementos situados em extremos opostos das alternativas ideológicas existentes. Seja na opinião de um presidente do Council of the Américas, sucessor do Council for Latin America, e organização que representa os interesses de cerca de 80% das empresas norte-americanas com investimentos na América Latina, seja para Harry Magdoff, que se atém à tese do caráter monolítico do imperialismo estadunidense, a empresa multinacional sediada nos Estados Unidos constitui a principal forma de presença no hemisfério, exatamente porque a região não apresenta atrativo para os demais interesses, mormente os responsáveis pela segurança nacional dos Estados Unidos. Dada a relativa pouca importância da América Latina para a comunidade do Pentágono e para os organismos responsáveis pelas atividades de informação, e pelo fato destes mesmos setores da sociedade norteamericana encontrarem-se assoberbados de problemas que reclamam pronta atenção em outras partes do mundo, pôde concluir o Council of the Américas que a América Latina como um todo tenderia a um marginalismo ainda maior no contexto mundial e a permanecer num ostracismo mais profundo e prolongado, não fora o interesse da comunidade empresarial norte-americana pela região.1 1 Carta do Sr. José de Cubas, Presidente do Council for Latin America, ao Sr. Gabriel Valdez Subercaseaux, Ministro das Relações Exteriores do Chile, 13 ago. 1969. Segundo os marxistas, a predominância da empresa dever-se-ia ao fato de que a fraqueza econômica e militar latino-americana, acompanhada do relativo desinteresse de outras potências pela região, adicionada ao fato de que, neste quintal dos Estados Unidos, o uso de força militar poderia ser feito com rapidez e sem manter forçosamente contingentes estacionados nos vários países, tudo isso contribuiria para que a América Latina viesse a ser considerada "presa fácil" para as atividades das grandes sociedades anônimas norte-americanas.

Sem nos delongarmos mais nesta introdução, fica estabelecido que a presença empresarial norteamericana na região é a mais importante. O homem comum latino-americano percebe a existência de uma potência industrial ao norte, na provisão de bens e serviços manufaturados e comercializados pelas empresas norte-americanas na América Latina, por intermédio de suas subsidiárias na região. Apenas remotamente os Estados Unidos poderiam ser sentidos pelo latino-americano médio como uma potência militar. Na verdade, à exceção de Guantánamo e da zona do canal do Panamá, o restante do hemisfério desconhece as formidáveis demonstrações de poderio que se manifestam em pomposas bases aéreas e navais e em sinais de instalações militares dos Estados Unidos. Entretanto, qualquer cidade latino-americana de médio ou grande porte terá o seu distrito industrial balizado por fábricas com nomes de empresas que projetaram imagens mundialmente associadas à nacionalidade norteamericana.

O número de empresas norte-americanas com atividades na América Latina, que impliquem na existência de empresas subsidiárias ou afiliadas na região, é de cerca de três milhares. Porém, a concentração do investimento num número reduzido de empresas atinge a tal nível que, aproximadamente, 300 companhias detêm entre 75 e 80% do investimento total das empresas norte-americanas na região.2 2 Behrman, Jack N. Some patterns in the rise of multinational enterprise. Chapel Hill, University of North Carolina Press, Graduate School of Business Administration, 1969. p. 43. Tal concentração, conseqüentemente, transfere para a América Latina a estrutura oligopolística já consolidada na economia norte-americana, onde um reduzido número de empresas detém, em geral, 2/3 das vendas e do investimento numa determinada indústria.

Apesar das atividades empresariais norte-americanas na América Latina terem suas glórias cantadas por alguns e suas atividades amaldiçoadas por outros, ao pesquisador causa surpresa a ausência de dados concretos e objetivos sobre as atividades dessas organizações na esfera interamericana. Na verdade, a maior parte dos dados existentes são os coletados, manipulados e publicados pelo próprio governo dos Estados Unidos, por intermédio do Departamento de Comércio, e por alguns dos países da área. Quando se desce aos respectivos níveis nacionais latino-americanos, evidencia-se melancolicamente que a quantidade e a qualidade dos dados acumulados e publicados por estes países a respeito de suas economias são bastante díspares. Certos países já lograram acumular dados e, conseqüentemente, podem propiciar ao pesquisador interessado o seguimento de suas atividades econômicas. Para a maioria dos países, as respectivas fontes nacionais são de auxílio relativamente pequeno.

O que foi dito no parágrafo anterior é verdadeiro para informações e dados agregados, os quais deixam literalmente de existir quando se tenta observar as empresas na sua individualidade. Se, de um lado, é verdade que toda atividade humana tem como um dos seus subprodutos a produção de informações sobre esta mesma atividade, de outro, certas atividades não permitem ou não divulgam tão fácil e freqüentemente os dados a elas referentes. Em geral países, estados, províncias e algumas organizações diretamente vinculadas ao interesse público são compelidas a publicar suas atividades, sendo portanto o foco de grande parte dos dados secundários à disposição dos pesquisadores sociais. Mas o caráter da economia capitalista e a discrição concedida pelo estatuto jurídico das sociedades ocidentais a esto organização, que é a empresa econômica, fazem com que ela, por uma série de razões, torne-se sobremaneira ciosa dos dados e informações que possam vir a desnudá-la publicamente. Isto implica que dados praticamente inexistam para as empresas; assim, os que pretendem utilizar a organização empresarial como unidade de análise vêem-se obrigados a coletar seus próprios dados.

Devido às limitações apontadas, foram utilizados apenas dados disponíveis, que no caso são forçosamente agregados. Os dados existentes sobre empresas multinacionais com sede nos Estados Unidos sofrem um afunilamento a partir da principal fonte destes mesmos dados, ou seja, o Departamento de Comércio norte-americano, onde eles são apresentados de forma agregada, e vão escasseando não apenas à medida que se tenta passar dos dados agrupados por indústrias para empresas ou grupos de empresas, mas também quando nos aproximamos dos respectivos níveis nacionais.

Com base nos dados agregados e disponíveis tentaremos apresentar, em linhas gerais, as mudanças mais aparentes ocorridas nas inversões diretas privadas norte-americanas na América Latina, por setor de atividade, bem como algumas tendências mais recentes à concentração, não apenas em determinados setores, mormente na indústria manufatureira, mas também em termos de um número reduzido de países da região.

2. Setores e áreas geográficas

O estudo sobre a presença de capitais estrangeiros na América Latina é relativamente pouco desenvolvido. Na verdade existe o livro de Rippy sobre investimentos ingleses, cobrindo desde o início do século XIX até o final da II Guerra Mundial,3 3 Rippy, J. Fred. British investment in Latin America. Minneapolis, University of Minnesota Press, 1959. e as informações sobre investimentos franceses e alemães, que não tiveram importância desprezível na região, particularmente os franceses. Essas informações têm caráter episódico e pode-se dizer que ainda aguardam o esforço investigatório dos que tenham vocação histórica. A primeira tentativa sistemática de se apresentar o aspecto externo ou "financiamento externo" da economia latino-americana em seu conjunto foi obra da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), no seu já clássico estudo publicado em 1965.4 4 Comissão Econômica para a America Latina (CEPAL). External financing in Latin America. New York, United Nations, 1965.

A presença de capitais norte-americanos na América Latina teve duas fases distintas. Num primeiro momento predominaram os investimentos indiretos, ou seja, aqueles realizados por pessoas físicas ou por sociedades anônimas em títulos vários e, particularmente, em ações de empresas locais, ou mesmo em títulos governamentais, mas sem que tal investimento objetivasse, mesmo sob a forma de ações, a obtenção do controle das empresas locais. A segunda fase é aquela que, no jargão financeiro e econômico internacional, recebe o nome de investimento direto e caracteriza-se pela compra de empresas locais em plena operação, ou pela entrada de dólares ou de qualquer outra moeda conversível na região, com a finalidade específica de estabelecer operação empresarial, seja em manufaturas, mineração ou em qualquer outra atividade que implique o estabelecimento de controle e a assunção de encargos administrativos nas empresas em questão por parte do grupo estrangeiro. Os norte-americanos, quando se trata de investimento direto, têm tido clara preferência pela participação majoritária, quando não pelo controle total, o que ocorre na maioria das subsidiárias e filiais latino-americanas e lhes permite dirigir as operações em função de diretrizes emanadas a partir de um centro decisório localizado na matriz da empresa multinacional.

Se o investimento de tipo indireto realizado por norte-americanos teve curta duração e pequeno significado para a economia da região, o mesmo não pode ser dito do investimento direto. A própria natureza do investimento indireto torna mais difícil a obtenção de dados, já que muitas vezes o próprio registro de tal tipo de transação pode ser ambíguo. Neste trabalho, estamos cuidando apenas dos investimentos diretos feitos na área e realizados por sociedades anônimas norte-americanas, e não por pessoas físicas residentes nos Estados Unidos.

Nos quadros 1 e 2, encontram-se os investimentos diretos dos Estados Unidos em porcentagens para o período que vai de 1897 até 1950. A essa altura, encontramos 42,6% do capital total investido na área aplicados em ferrovias, o que mostra ter o capital privado norte-americano participado, embora de forma crepuscular, das tendências seguidas pelo investimento estrangeiro em geral, mormente o britânico, ao canalizar os recursos para aquelas áreas que dependiam do comércio da região com a Europa Ocidental. A preferência dos capitais britânicos por ferrovias, portos e instalações que visavam à realização do comércio internacional já foi observada. Os norte-americanos todavia não permaneceram por muito tempo ligados ao setor ferroviário e de portos e canais, e isto pode ser verificado pelo rápido declínio experimentado entre o ano de 1897, primeiro para o qual há dados disponíveis, e o ano subseqüente, ou seja, 1908, quando a participação percentual das ferrovias decai do ponto máximo atingido, que fora 42,6%, para 14,7%. Este declínio teve uma constância significativa, uma vez que depois de ter atingido o ponto mais baixo, ou seja, 6,3% em 1929, aquele setor deixou de constar nos registros oficiais do governo dos Estados Unidos a partir da década dos 30, quando passou a ser incluído nos serviços de utilidade pública.



A imagem que o capital privado norte-americano construiu para si mesmo na América Latina foi o de criar repúblicas "bananeiras" e enclaves para a extração de minérios. Tal imagem é confirmada pelos quadros 1 e 2. Na verdade, a mineração e a fundição atingem o máximo de sua participação percentual em 1914, declinando nos 15 anos subseqüentes, isto é, até 1929, e mostrando um novo aumento percentual, indo de 20,1 % em 1929 para 25,2% em 1936, diminuindo em seguida, de forma definitiva, sua participação no montante do investimento direto norte-americano na região. A atividade agrícola é contemporânea da mineração e tende a entrar em declínio concomitantemente. É importante observar, sobretudo quando se atenta para a distribuição geográfica do investimento norte-americano na área, que, não fossem os infortúnios da United Fruit na América Central - mais especificamente em Honduras e El Salvador, que asseguraram à empresa e às bananas imagem internacional indelével - as chamadas repúblicas "bananeiras" não teriam absorvido parte substancial do investimento agrícola. Na verdade os quadros 5 e 6 mostram-nos que, entre 1897 e 1940, Cuba absorveu a maior parte do investimento, podendo a mesma relação ser observada entre o México e a América Central. A participação dos países centroamericanos é bastante marginal, quando comparada ao montante investido no México. Portanto, a grande concentração da inversão norte-americana em atividades agrícolas foi na atividade de plantio e beneficiamento de cana-de-açúcar.





A atividade petrolífera segue uma tendência bem delineada, crescendo gradativamente até atingir cerca de 25 % entre 1943 e 1950 e mantendo-se neste nível até os dias atuais. A concentração do investimento petrolífero verifica-se no México e na Venezuela, e passa a ser observado quase que exclusivamente na Venezuela a partir de 1940. Os investimentos em ferrovias declinam rapidamente em termos percentuais, a ponto de passarem a ser agregados aos serviços de utilidade pública. O aumento do investimento neste último setor de atividade é bastante razoável, correspondendo basicamente a inversões em serviços de eletricidade e telefones, sobretudo os realizados pela American Foreign Power Company e pela ITT, os quais se mantêm em nível elevado até o final da II Guerra Mundial, quando são transferidos para os respectivos governos nacionais latino-americanos mediante arranjos vários, ou são objeto de nacionalização com a devida compensação. O único e rumoroso caso de expropriação de uma empresa prestadora de serviços de utilidade pública na América Latina sem que a matriz norte-americana se considerasse adequadamente remunerada, foi o de uma subsidiária da ITT no estado do Rio Grande do Sul, por sinal ligada ao setor telefônico, cuja repercussão internacional levou o Congresso dos Estados Unidos a emendar, no início dos anos 60, a Lei de Ajuda Externa, adicionando-lhe o famoso e inconveniente "Hickenlooper Amendment".5 5 Fayerweather, John. International business management: a conceptual framework. New York, McGraw-Hill Book Co., 1969. p. 117. O declínio do investimento norte-americano no setor de serviços de utilidade pública deveu-se à alta visibilidade que o mesmo inevitavelmente adquire no país em que se realiza, e também às dificuldades encontradas pelas subsidiárias norte-americanas em continuarem na exploração dos serviços, por se tratar de tipo de atividade econômica que implica a existência de uma concessão por parte da autoridade pública, criando assim um monopólio de fato na maioria dos casos e a conseqüente atividade regulatória por parte dos respectivos governos. Os serviços de utilidade pública na América Latina em geral, e também as ferrovias, foram gradativamente deixando de ser passíveis de exploração em sistema de empresa capitalista, devido ao estrangulamento tarifário que se fez sentir em quase todos os países da região. Como a tarifa de serviços de utilidade pública tinha que ser, em última instância, aprovada por autoridade governamental, sucedia que, no contexto político e social latino-americano, o reajustamento tarifário que permitisse uma exploração lucrativa acabasse não se processando com a rapidez e aos níveis necessários à viabilidade da operação. A queda do investimento norte-americano só ocorreu, convém se observe, depois que os serviços atingiram um nível de deterioração considerável. Diríamos que, com pequenas variações, o mesmo fenômeno e o mesmo ciclo de investimento e "desinvestimento" ocorreram no setor ferroviário, sendo que hoje o parque ferroviário foi convertido em empresas estatais em quase toda a América Latina.

A participação percentual do comércio é relativamente estável, tendo sempre representado entre 3 e 4% do total, de 1897 até 1943, quando sobe para aproximadamente 10%, participação que mantém até o momento.

3. O setor manufatureiro

O setor em que os investimentos têm aumentado constantemente é o de indústrias de transformação, onde assistimos ao salto de um modesto 1 % em 1897 para 33,4% no fim de 1968 (ver quadro 3) e 31,4% ao final de 1969 (ver quadro 4). Portanto, hoje, as indústrias de transformação representam aproximadamente 1/3 de todo o investimento norte-americano na América Latina, e as perspectivas, como veremos mais adiante, são de que a participação desse setor aumente não apenas em termos do montante em dólares investidos, o que inevitavelmente vem ocorrendo, mas inclusive em termos percentuais. Dada a estabilidade percentual do investimento em petróleo, devido aos grandes investimentos que tiveram lugar na Venezuela durante a década dos 50, pode-se perceber que, além da agricultura e do setor de ferrovias e serviços de utilidade pública, cujo declínio comentamos anteriormente, a conversão faz-se atualmente às expensas da mineração, cuja tendência secular manifesta um declínio constante desde o final da I Guerra Mundial. O aumento em indústrias de transformação, perceptível em grandes linhas e de maneira agregada nos dados que compilamos, constitui a manifestação do fenômeno chamado de "industrialização por substituição de importações", que já produziu excelentes estudos por economistas de vários países, especialmente por parte dos "cepalinos".6 6 Veja, em particular, Tavares, Maria da Conceição. The growth and decline of import substitution in Brazil. Economic Bulletin for Latin America, p. 1-59, Mar. 1964.

Outrossim, o atual "clima de investimento" existente na América Latina e a maneira pela qual a comunidade empresarial norte-americana tende a interpretar os acontecimentos políticos e econômicos que ocorrem na região são fortes indicadores de que a tendência é para a diminuição ainda mais acentuada do investimento em todas as outras atividades que não sejam indústrias de transformação. Se nos detivermos no setor de mineração, que em passado não muito remoto ocupava posição hoje desfrutada pelas indústrias de transformação, observaremos que parte substancial deste investimento encontra-se em dois países, ou seja, no Chile e no Peru. A situação já difícil enfrentada pelas empresas exploradoras do cobre chileno durante o governo Frei tornou-se aparentemente insustentável com a posse de Allende. O que se discutiu em 1971 foi a forma de expropriar e a maneira de "compensar" os investidores norte-americanos, e nem sequer cogitou-se de qualquer forma de presença norte-americana na extração de cobre, nem mesmo de uma associação (joint venture) com o governo ou grupos nacionais chilenos. No Peru, onde a atividade de mineração também está parcialmente ligada ao cobre, a situação é indiscutivelmente menos ameaçadora do que a existente no Chile, dado o caráter ambíguo do governo militar peruano, mas muito distante do que deveria constituir um "clima favorável" ao investimento norte-americano, do ponto de vista dos dirigentes empresariais. Uma das poucas atividades de mineração norte-americanas que não está sendo submetida a pressões nem sendo questionada é a do manganês no norte do Brasil, onde uma joint venture continua sendo bem sucedida, com capitais de um grupo nacional e com a Bethlehem Steel.

Além da alta visibilidade e da sensibilização dos vários interesses nacionais provocadas pela presença estrangeira em atividades extrativas em geral, funciona como poderoso incentivo ao investimento em indústrias de transformação a menor visibilidade destes tipos de investimento e, pelo menos por enquanto, a menor sensibilização de tipo nacionalista para com estes tipos de atividade. Não resta dúvida de que o capital multinacional é menos vulnerável quando se concentra em atividades de tipo manufatureiro, pelo fato de encontrar neste setor melhores argumentos com que rebater as críticas que lhe são feitas por interesses nacionalistas e de esquerda, que freqüentemente se unem quando se trata de atacar a presença multinacional estrangeira em atividades extrativas. A empresa multinacional em manufaturas produz e comercializa produtos que apelam menos para a emotividade e conseqüentemente são menos passíveis de serem tomados como instrumentos de mobilização popular. Na verdade "cobre a los chilenos" ou "o petróleo é nosso" são frases que catalisam mobilização política, enquanto acredito ser bem menos forte o apelo de "coca-cola a los hondurenos" ou "abajo las neveras de Bendix Home Appliance".

A situação não é tão clara no setor petrolífero, mas tudo leva a crer que as nações produtoras de petróleo tornar-se-ão mais exigentes, o que já foi demonstrado pela recente atividade envolvendo empresas norte-americanas e européias nas seguidas disputas com os governos de vários países do Oriente Médio, e também pelas manifestações feitas pelo governo venezuelano, em meados de 1971, no sentido de aumentar sua participação nas rendas geradas pela exploração petrolífera conduzida em território nacional pelas empresas petrolíferas norteamericanas. Na verdade, o rumoroso incidente com a IPC, subsidiária da Standard Oil Company of New Jersey no Peru, e o mais recente caso da Gulf na Bolívia, tendem, creio eu, a desencorajar investimentos subseqüentes de empresas petrolíferas norte-americanas na América Latina.

Investimentos que venham a ser efetuados por empresas petrolíferas na área tenderão a deslocar-se da área de prospecção, extração e refino para atividades manufatureiras, particularmente no setor da indústria química e petroquímica. Na verdade, decisões tomadas durante o ano de 1971 pelos governos argentino e brasileiro mostram uma atitude conciliatória para com as empresas petrolíferas estrangeiras que desejem investir maciçamente em petroquímicos. Mas, pelo menos no caso brasileiro, parece difícil por enquanto vislumbrar concessões a grupos empresariais estrangeiros no setor de prospecção, extração e refino, que tenderão a continuar sendo monopólio estatal.

4. Localização do setor manufatureiro por países

Se podemos observar uma nítida transferência de capitais empresariais norte-americanos para o setor de indústrias de transformação, por outro lado, também é importante observar a modificação na localização geográfica dos investimentos. Anteriormente referimo-nos ao México e à América Central como os lugares em que o capital norte-americano de início se fixou (ver quadros 5 e 6). Tal afirmação pode ser comprovada pela verificação dos dados apresentados no quadro 5, onde percebemos que, no ano de 1897, aproximadamente 73 % do investimento concentravam-se na América Central e no México, incluindo o Caribe, e apenas 12,4% na América do Sul. Esta distribuição tende a diminuir constantemente a partir da primeira data para a qual há dados disponíveis, ou seja, 1897, até 1950, ano em que a participação da América Central, do México e do Caribe desce a 33,4%, enquanto a participação da América do Sul ascende a 66,6%. Esta preferência dos capitais norte-americanos pela América do Sul teria atingido já um ponto de saturação, e uma reversão na tendência estaria em curso a partir dos anos 50. Tal é a impressão de Miguel S. Wionczek (ver quadro 7), onde o autor em questão agrupa dados para os anos de 1956, 1961 e 1966 e agrupa os investimentos em termos de América do Sul e Mesoamérica, englobando nesta designação o México, a América Central e o Caribe; então, uma tendência decrescente para a América do Sul tornar-se-ia evidente.7 7 Wionczek, Miguel S. El endeudamiento público externo y los cambios sectoriales en la inversión privada extranjera en América Latina. In: Jaguaribe, Helio et alii. La dependencia político-económica de América Latina. México, D.F., Siglo XXI, 1969. p. 120-1. Os dados tal qual agrupados por Wionczek carecem apenas de um elemento de cautela, ou seja, a inclusão do Panamá dentre os países componentes de sua Mesoamérica. Se, de um lado, o México é um dos três países de elevada concentração de investimento manufatureiro norte-americano nos últimos dois decênios, juntamente com a Argentina e o Brasil, contribuindo portanto para sustentar a tese de Wionczek, de outro lado, é importante considerar que muitos investimentos durante a década dos 50 foram nominalmente feitos no Panamá, ou seja, muitas subsidiárias e filiais de empresas norte-americanas em toda a América Latina passavam a ser propriedade de uma subsidiária ou companhia de tipo holding, registrada no Panamá, a fim de obter os favores fiscais conferidos pela legislação panamenha, uma vez que o país, até princípios dos anos 60, era para as empresas norte-americanas um dos países conhecidos como tax haven countries. Esta situação foi corrigida por legislação federal americana que entrou em vigor em meados da década dos 60. A expressão tax haven countries designava países onde a manipulação da legislação tributária norte-americana com a dos respectivos países permitia o aumento do retorno sobre o investimento, evitando a bitributação, isto é, os países abriam mão de toda ou parte da contribuição que lhes seria devida, pois as subsidiárias já eram tributadas nos seus lucros pelo governo dos Estados Unidos. Tal fato poderia criar alguns problemas para a validade da afirmação de Wionczek, pois certos investimentos poderiam estar apenas nominalmente registrados no Panamá, fazendo portanto parte da Mesoamérica, mas de fato estariam investidos nos demais países latino-americanos.


Se a tendência à concentração crescente na Me soamérica, em oposição à América do Sul, só pode ser aceita com cautela e reservas, o que não pode ser posto em dúvida é a tendência à concentração num número reduzido de países, mais particularmente na Argentina, Brasil e México. O país que introduz grandes distorções quando se trata de inversões norte-americanas na América Latina é a Venezuela, devido ao imenso investimento petrolífero. Mas se nos cingirmos a manufaturas, onde já observamos a tendência ao crescimento marcante, veremos que os três países - Argentina, Brasil e México - aparecem liderando o processo nos últimos dois decênios.

O quadro 8, cobrindo um período de 10 anos que se estende de 1957 a 1966 e incluindo as vendas de empresas norte-americanas na região, mostra a importância crescente de vendas de manufaturas. Tal é mais uma manifestação do fenômeno de "industrialização por substituição de importações", que ocorreu em alguns países da área durante o período coberto pelos dados. Se o aumento absoluto de vendas pode ser tomado como um indicador, pelo menos da manutenção relativa da importância da presença empresarial norte-americana na América Latina, o que estamos tentando mostrar é que, em termos percentuais, 50,8%, como em termos absolutos, 4.262 milhões de dólares, foi o aumento de vendas de manufaturados que passou a constituir o cerne da atividade empresarial norteamericana na área. A tendência ao crescimento nas outras áreas é por vezes razoável eni termos absolutos, mas desprezível em porcentagens. As afirmações feitas anteriormente a respeito da mineração e atividades extrativas podem ser comprovadas com o aumento relativo de 8% apenas para as referidas atividades.


Uma vez comprovada a importância crescente das atividades manufatureiras como o campo de preferência dos investimentos empresariais norteamericanos na área, podemos agora passar a tratar de nossa outra afirmativa, ou seja, de que tal investimento tem-se concentrado num número reduzido de países latino-americanos, e quase maciçamente na Argentina, no Brasil e no México. Se, por outro lado, aceitarmos que será apenas no setor de manufaturas que aumentos substanciais no investimento empresarial norte-americano serão realizados, a importância dos três países em questão deverá ser vista mais cuidadosamente.

Os dados dos quadros 9, 10 e 11 indicam claramente esta tendência à concentração nos três países em questão. Alguns comentários devem ser feitos com relação à origem dos dados. Em princípio, eles provêm de duas fontes distintas: a) o Relatório do Council for Latin America, baseado em dados cedidos ao Council pelo Departamento de Comércio dos Estados Unidos. Tais dados eram, na data da publicação do Relatório compilado por Herbert K. May, ainda preliminares. Utilizamos os dados em questão na elaboração dos quadros 9 e 10; b) dados rotineiramente publicados pelo Departamento de Comércio dos Estados Unidos no seu Survey of Current Business. O quadro 11 lida portanto com dados que, em princípio, são mais seguros do que os utilizados pelo Council for Latin America, pois não são preliminares, mas considerados definitivos. Além disso, os dados cobrem anos diversos.




O quadro 9 lista os investimentos de empresas norte-americanas na América Latina por principais países e pelo book value. O montante em manufaturas investido na Argentina, no Brasil e no México, atinge 2.748 milhões de dólares, ou seja, 74,2% do investimento total norte-americano em manufaturas em toda a região. Os dados para vendas dessas mesmas subsidiárias e filiais de empresas norte-americanas para o mesmo ano, e também no setor de manufaturas, mostram que a Argentina, Brasil e México contribuem com 71 % e 4.654 milhões de dólares. Os dados do quadro 11, onde os investimentos em manufaturas são atualizados para o final de 1969, mostram que houve aumento no montante total investido, que de 3.699 milhões em 1968 aumentou para 4.347 milhões de dólares ao final de 1969, e que a concentração percentual na Argentina, Brasil e México foi mantida, pois os três países em questão detinham 3.009 milhões de dólares, ou seja, 69,1 % do investimento. Os quadros 12 e 13 mostram que a concentração em alguns países é estável e se consolidou durante os anos 60, pois dados de vendas de subsidiárias e filiais acumulados para os sete anos que vão de 1961 até 1968 mostram aumento de vendas de subsidiárias no setor manufatureiro e manutenção da distribuição percentual dessas vendas entre os cinco grupamentos em que os dados foram distribuídos. Veja-se que apenas a Venezuela foi adicionada aos três países majoritários, e todos os demais foram agrupados numa categoria residual. A década dos 60, que é coberta pelos dados do quadro 13, mostra que a concentração efetuou-se em período anterior e que nos últimos 10 anos manteve-se estável. Na verdade, tal fato manifesta que o investimento manufatureiro concentrou-se nos países que lograram encerrar ao longo da década anterior, ou seja, durante os anos 50, o processo de substituição das importações. E os países em questão - Argentina, Brasil e México - foram exatamente aqueles que, pelo seu Produto Interno Bruto e pelas respectivas populações, foram capazes de aplicar de maneira mais eficaz a ameaça de cerrar os respectivos mercados nacionais às importações. Os demais países, embora usando implicitamente as mesmas ameaças, não conseguiram induzir as empresas estrangeiras, pelo menos as norte-americanas, que são as que estamos tratando neste trabalho, a estabelecer operações manufatureiras em seus territórios. Como a capacidade de um país chantagear sempre conserva certa relação com seu poder efetivo, no caso dos países que não lograram induzir o investimento empresarial norte-americano, pode-se concluir que os pequenos mercados nacionais a serem eventualmente explorados e o pequeno poder aquisitivo resultante, que se expressava num diminuto Produto Interno Bruto, foram responsáveis pelo fato das empresas norte-americanas continuarem a suprir aqueles mercados por meio de importações oriundas das matrizes norte-americanas e, mais recentemente, valendo-se de subsidiárias localizadas nos países latino-americanos onde as mesmas empresas mantêm operações manufatureiras.



A concentração dos investimentos nos três países mencionados confirma o que a teoria econômica de tipo capitalista apregoa, ou seja, que o capital, entre outros motivos, tende a localizar-se onde sua produtividade marginal é maior. Em termos concretos, isto significa que os administradores das modernas empresas, ao contemplarem uso para seus capitais, pensarão em canalizá-los para aqueles países onde investimentos anteriores já tenham possibilitado um nível de desenvolvimento que torne o capital a ser potencialmente investido mais rentável. Isto também ajuda a explicar por que o desenvolvimento de tipo capitalista tem preferência, nos países a que nos estamos referindo, pelas regiões já desenvolvidas, e raramente se instala, quando o faz, nas regiões mais empobrecidas, que seriam em princípio aquelas que mais necessitariam de capitais. Em razão disso, na Argentina, a maior parte do investimento continua fluindo para a área do Grande Buenos Aires, mais a capital provincial de Córdoba; no Brasil, tende a localizar-se no Centro-sul, especialmente no triângulo formado pelas capitais Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo, e não no Norte e Nordeste, regiões onde apenas com grande esforço e uma série de incentivos fiscais e financeiros, as autoridades brasileiras têm conseguido desviar recursos do Centro-sul.

Outro fator explicativo dessa concentração é a empresa multinacional buscar, em princípio, as zonas já desenvolvidas, onde a riqueza possa ser transubstanciada em maior poder aquisitivo, que resulte em operações de grande porte com os subseqüentes lucros. Isto explica por que o investimento direto norte-americano, no período que sucedeu ao término da II Guerra Mundial, passou a buscar preferencialmente a Europa Ocidental e, mesmo, a Austrália e a Nova Zelândia, e apenas secundariamente a América Latina, que até então constituía praticamente a maior concentração de investimento direto norte-americano, exclusive o Canadá. Em conformidade com esses princípios, somos forçados a reconhecer que a instalação de empresas multinacionais num país tem implícito um "jogo", no qual os contendores são os vários interesses nacionais, de um lado (empresas nacionais, outras empresas estrangeiras disputando o mesmo mercado, governo nacional, etc), e, de outro, a empresa multinacional, que joga com elementos que possam aumentar a sua capacidade no processo de "barganha". O que normalmente torna a empresa atraente é a capacidade tecnológica de que é depositária e os recursos sob forma de capital que deverá introduzir no país. O que é importante notar é que, em tal "jogo", ambos os lados têm à sua disposição várias alternativas. Evidentemente, o maior trunfo da empresa multinacional é poder não investir no país e deixar clara sua opção de poder realizar o investimento num país que dispute com o primeiro áreas de influência. Tal foi o caso da disputa entre a General Motors e o governo francês que terminou com a concretização da ameaça e com o investimento da General Motors realizado na Bélgica. No cenário sul-americano, ação correspondente seria tentar explorar a potencial rivalidade por expansão de influência entre o Brasil e a Argentina. Aliás, tais "jogos" são jogados entre empresas e governos nacionais com maior freqüência do que se possa imaginar. Todavia é importante ter em mente que nunca são jogos do tipo zero sum game e, portanto, torna-se muito difícil formulá-los cientificamente.

Do lado do país empenhado no "jogo" e tentando atrair o investimento, é relevante aquilo que o país tem a oferecer, não apenas em termos de infraestrutura para operação de uma empresa de porte multinacional, como um sistema bancário, comunicações telefônicas, parque industrial dotado de complementaridade, etc, mas principalmente o seu Produto Interno Bruto e a distribuição deste produto entre a população. No caso dos países latinoamericanos, o mercado em que as empresas norteamericanas vendem os seus produtos e onde recrutam a mão-de-obra para condução de suas operações, constitui geralmente um bolsão de concentração de renda dentro do país. Mantidos os níveis de baixa renda vigentes na região, poderíamos dizer que, em princípio, quanto maior a população nacional, maior o tamanho de bolsões de concentração de renda onde a empresa possa operar e, conseqüentemente, maior o mercado.

Portanto, a simples aplicação de bom-senso econômico de tipo capitalista leva-nos não apenas a entender por que a maior concentração de investimento e de vendas de manufaturas por empresas norte-americanas ocorreu no México, na Argentina e no Brasil, e secundariamente num outro grupo de países além da Venezuela, mas nos permite também prever que investimentos adicionais terão maior probabilidade de fluir para os países em questão do que para os demais.

Estas impressões baseadas em princípios ortodoxos tendem a encontrar confirmação em alguns dados que compilamos. A preferência pelos países onde já existe investimento prévio e onde, portanto, já opera uma infra-estrutura que tende a aumentar a produtividade marginal do capital pode ser confirmada pelos dados apresentados no quadro 16. O indicador que pudemos encontrar de inversões futuras, entre os dados disponíveis, e que nos pareceu o mais adequado, foi aquele referente a despesas em expansão de planta e equipamento industriais. É importante reconhecer que parte substancial ou a quase totalidade das inversões e reinvestimentos de empresas norte-americanas no exterior ocorre para expandir capacidade produtiva. Seja para atender ao simples crescimento vegetativo do mercado, seja para operar mais agressivamente e conquistar parcelas de mercado de empresas concorrentes, faz-se imperativo aumentar a capacidade produtiva, o que significará um orçamento de capital com ênfase em aumento de capacidade produtiva existente. Caberia ainda observar a essa altura que o próprio ritmo de desenvolvimento tecnológico leva aquelas empresas a inovarem nos países em que operam. Por uma dinâmica da empresa de porte internacional, ela enfrentará'problemas operacionais sérios, se quiser manter níveis tecnológicos diversos em várias de suas unidades. Ela tende a uniformizar suas operações numa escala mundial, o que significa, a nível produtivo, manter uma linha de produtos relativamente homogênea em todos os países em que opera. Seria literalmente impossível à Ford Motor Company produzir o Ford LTD para o mercado norte-americano e europeu, o Edsel e o Modelo T na África, e utilizar os estampos dos modelos de 1946 na América Latina. Passa a ser alternativa para a Ford na América Latina produzir, por exemplo, o Galaxie 1966, mas já tornar-se-ia extremamente difícil recuar mais. O mesmo fenômeno ocorre com relação a equipamentos e processos. Portanto, o ritmo e a própria estrutura organizacional da empresa multinacional fazem com que a inovação seja um de seus produtos, da mesma forma que automóveis, químicos e utilidades domésticas.




Se formos observar os países para onde as maio res despesas em expansão de capacidade produtiva têm ocorrido, veremos que Argentina, Brasil e México novamente surgem no topo da lista, entre os anos de 1965 e 1971. Os dados, em milhões de dólares, sao de dois tipos. De 1965 a 1969, os números correspondem a despesas incorridas, enquanto 1970 diz respeito a estimativas de despesas em expansão de planta e equipamento apresenta das pelas próprias empresas ao Departamento de Comércio dos Estados Unidos, e os dados referentes a 1971 são projeções efetuadas pelo próprio Departamento de Comércio. As estimativas do Departamento são geralmente confiáveis e as despesas que acabam finalmente sendo realizadas pelas empresas não se afastam excessivamente das projeções. Os dados do quadro 16 mostram que nunca menos de 70% das despesas foram efetuados na Argentina, no Brasil e no México, tomados em conjunto, e que durante o ano de 1970 atingiram 3/4, ou seja, 75,3%. Portanto, podemos não apenas observar que investimento atrai novo investimento, mas que tal tendência tende a projetar-se para o futuro.

5. Concentração manufatureira por grupamentos industriais

Outro problema seria o de se saber quais as indústrias para onde tais investimentos adicionais se dirigem, e aqui os dados não nos são de muita ajuda. Efetivamente temos nos quadros 17 e 18, preparados com dados encontrados no Survey of Current Business do Departamento de Comércio, categorias industriais que são demasiadamente amplas para permitir alguma avaliação, exceção feita ao setor de equipamentos de transporte. A categoria indústria química inclui, de acordo com a SIC (Standard Industrial Classification) do Departamento de Comércio norte-americano, coisas tão díspares como soda cáustica, produtos farmacêuticos, plásticos e cosméticos e saboaria, para citar apenas alguns exemplos. O mesmo poderia ser dito de maquinaria. Já o item equipamento de transporte é mais específico, e a maior parte deste investimento na América Latina está em automóveis e autopeças. Embora existam na América Latina subsidiárias das três, grandes empresas norte-americanas no setor produzindo itens como tratores e ônibus, podemos concluir que a maior parte das atividades do setor automobilístico está voltada para a manufatura de automóveis de passageiros, e que as despesas em planta e equipamento para esta indústria têm aumentado, particularmente em 1970 e nas projeções feitas para o ano de 1971. Na verdade, para o ano de 1970 apenas equipamentos de transporte atingem praticamente 1/3 de todas as despesas de expansão feitas peias subsidiárias de indústrias manufatureiras norte-americanas no região.



Os dados fornecidos pelo Council for Latin America (ver quadro 14) são mais úteis, pois os grupos industriais escolhidos, para agrupamento dos dados são mais minuciosos e, portanto, nos permitem ter uma visão moa adequada da distribuição do investimento manufatureira norte-americano na área. A classificação do Relatório do Council for Latin America em parte confirma a do Departamento de Comércio, e por outro lado cria uma interrogação. No quadro 14, observamos que produtos químicos e similares, item que deve corresponder a indústria química dos quadros 17 e 18, é responsável por 21,1 % das vendas. O fato de estarmos comparando vendas geradas pelo investimento manufatureira norte-americano com despesas para expansão de planta e equipamento não implica contradição; mostra apenas indicadores diversos da distribuição da atividade manufatureira norte-americana na região. Mais adiante, lítilizaremos número de pessoas empregadas pelas várias indústrias como outro indicador; por ora, atenhamo-nos às indústrias manufatureiras de maior concentração.

Em adição a produtos químicos e similares, o Council for Latin America apresenta equipamentos de transporte com 20,6% das vendas, o que também vem confirmar a posição de destaque que a indústria ocupava em expansão de planta e equipamento; finalmente, estão os produtos alimentícios com 18,6% das vendas. Esta é a classificação do Relatório do Council, que desperta dúvidas, quando comparada com os dados apresentados pela classificação do Departamento de Comércio, pois indústria alimentícia simplesmente não aparece em separado no Survey of Current Business.

Os dados do Council indicam, no entanto, que produtos alimentícios, produtos químicos e similares e equipamentos de transporte são responsáveis por 60,3% das vendas de subsidiárias e filiais manufatureiras de empresas norte-americanas na área. Esta concentração por indústrias tende também a repetir-se em cada um dos países onde o investimento manufatureiro norte-americano é maior. Conforme pode ser visto no quadro 15, na Argentina as três indústrias somadas são responsáveis por 70,7% do total das vendas de filiais e subsidiárias de empresas manufatureiras norte-americanas, por 52,5% no Brasil e por 56,3% no México.

A concentração nos três países (Argentina, Brasil e México) e por grupamentos industriais (produtos químicos e similares, alimentícios e equipamentos de transporte) também encontra confirmação em outro indicador, ou seja, o número de pessoas empregadas. O quadro 20 indica que 52,3% dos empregados da amostra estavam trabalhando em empresas dos três grupamentos industriais referidos, e o quadro 19 indica que 266.879 dos 354.983 empregados, ou seja, cerca de 75,2% estavam nos três países majoritários na recepção do investimento manufatureiro norte-americano. Os dados sobre empregados de subsidiárias e filiais de empresas norte-americanas apresentados no quadro 22 - e que ao invés de trabalharem com uma amostra de 650 empresas com mais de 100 empregados e onde a participação da matriz norte-americana é de pelo menos 50%, lida com o universo inteiro, sendo portanto um censo, também preparado pelo Departamento de Comércio - indica um total de 475.285 empregados, sendo 357.091, ou seja, 75,3% em empresas localizadas na Argentina, no Brasil e no México.





A situação populacional da América Latina e as probabilidades de que os excedentes de população seja absorvidos pelo tipo de desenvolvimento econômico que ocorre na maioria dos países da região é questão que tem sido responsável por um bom número de preocupações. Mais recentemente, o economista Raul Prebisch apresentou seu relatório sobre problemas de desemprego na América Latina, onde a possibilidade de que a mão-de-obra resultante de explosão demográfica, já ocorrida, venha a ser ativamente ocupada, é definitivamente afastada.8 8 Veja comentarios sobre o Relatório em Visión, 2/16 jan. 1971. A América Latina, segundo Prebisch, já teria embarcado numa trilha de desemprego maciço e nada mais poderia ser feito para evitá-lo.9 9 Veja também a este respeito CEPAL. Estudio económico de América Latina. 1969.

Os dados de que dispomos nos permitiram elaborar um índice vendas/empregados, onde o quociente da divisão de vendas das subsidiárias e filiais de empresas norte-americanas na região pelo número de empregados por indústria levar-nos-ia a uma medição da quantia de dólares gerada por cada pessoa empregada na respectiva indústria. Tal índice é uma medida certamente muito imprecisa de produtividade, mas pode ser também tomada como uma indicação de intensidade de capital ou de mãode-obra. No quadro 21, a terceira coluna é formada pelos quocientes das divisões das duas colunas anteriores e nos diz que, na indústria de produtos de borracha, cada empregado gera vendas de 16.930,00 dólares anuais, enquanto na de maquinaria elétrica, o montante de vendas gerado por pessoa empregada é de 9.790,00 dólares anuais. Na quarta coluna ordenamos as indústrias em ordem crescente, sendo que a de número mais baixo é aquela onde o volume de vendas por empregado é o mais elevado.

Como já indicamos anteriormente, as indústrias responsáveis pela maior parte dos investimentos, vendas e despesas para expansão de capacidade de planta industrial seriam as de produtos químicos e similares, equipamentos de transporte e produtos alimentícios, se adotarmos os grupamentos preparados pelo Relatório do Council for Latin America, e de maquinaria, se nos ativermos aos grupamentos preparados pelo Survey of Current Business. De qualquer maneira produtos alimentícios ocupam a quarta posição, com 14.020,00 dólares anuais de vendas gerados por empregado; produtos químicos e similares ocupam o quinto lugar, com 13.300,00 dólares por empregado; equipamento de transporte, o primeiro lugar, com 23.930,00 dólares por empregado, e maquinaria, que usando os dados do quadro 21 poderia ser calculada pela agregação de maquinaria elétrica e não elétrica, nos daria 9.740,00 dólares por empregado, ou seja, o quociente da divisão de 622 milhões de dólares de vendas por 65.673 empregados. Tal quociente não alteraria a posição das indústrias de maquinaria elétrica e de maquinaria não elétrica, ambas com um número de ordem alto, respectivamente oito e nove, que as coloca como as de menor intensidade de capital ou de mais baixa produtividade. De resto, a quantidade média de dólares de vendas gerada por empregado para todo o investimento manufatureiro da amostra é de 13.830,00 dólares, o que nos permite concluir que produtos químicos e similares, maquinaria elétrica e não elétrica estão abaixo da média; produtos alimentícios, ligeiramente acima, e equipamentos de transporte, substancialmente acima. Se considerarmos que equipamentos de transporte devem estar absorvendo em 1970 aproximadamente 1/3 do total a ser gasto por todas as subsidiárias e filiais de empresas norte-americanas em manufaturas da América Latina, podemos concluir que o investimento adicional gerará relativamente menos empregos. Concluindo, temos equipamentos de transporte com o mais alto índice vendas/empregados, detendo cerca de 20,6% das vendas totais e absorvendo 11,9 % dos empregados.

6. Problemas levantados pela formação do Grupo Andino

Os dados e os argumentos desenvolvidos até o momento são indicadores relativamente claros de certas tendências de concentração por setores industriais e por países, do investimento norte-americano na América Latina. O que seria conveniente averiguar a essa altura, mas infelizmente tal tentativa estaria fora do escopo deste artigo, seria a importância relativa de capitais de outros países na área e nas várias indústrias, e também a posição ocupada nas várias indústrias pelas empresas latinoamericanas nos respectivos países. Na verdade, pelo menos no caso do Brasil e da Argentina, os capitais da Europa Ocidental, principalmente alemães e ingleses, ocupam papel de destaque em vários ramos industriais. Em ordem decrescente, Itália, Suíça, França e Holanda também devem ser mencionadas e não se pode deixar de ignorar as incursões já em andamento dos grupos japoneses. Tal penetração tem sido amplamente facilitada pelos governos argentino e brasileiro, que, coerentes com suas posições ideológicas e com os interesses dos grupos que representam, têm cortejado e se esforçado por atrair grupos estrangeiros de maneira geral para investirem nos dois países em questão. A estabilidade política brasileira dos últimos anos tem contribuído - pelo menos esta é a conclusão que os dados recentes sobre o desempenho da economia brasileira nos permitem tirar - para gerar um clima de confiança entre os potenciais investidores estrangeiros.

Além da posição ocupada por grupos estrangeiros não norte-americanos nas economias dos principais países manufatureiros latino-americanos e da eventual importância das respectivas indústrias nacionais por setores industriais, seria interessante na parte final deste trabalho averiguar as potencialidades do chamado Grupo Andino e as perspectivas que poderiam abrir para a quebra da tendência à concentração, e possivelmente para a formação de um outro bloco econômico na América Latina.

Em conformidade com o tipo de raciocínio que permeou nossa exposição, seria conveniente aferir as dimensões econômicas e populacionais do Grupo Andino. Os quadros 23 e 24 dão-nos a população, o Produto Interno Bruto e oPI B per capita para cada país do Grupo Andino e da Associação Latino-americana de Livre Comércio (ALALC). Dada a importância estratégica da Venezuela, colocamo-la no Grupo Andino, de acordo com os dados que preparamos, mas pode-se perceber como a situação se modificaria conforme a posição que a Venezuela viesse finalmente a adotar. Não seria exagero dizer-se, preliminarmente, que ela ocuparia posição de fiel da delicada balança, caso houvesse uma polarização entre o Grupo Andino e os demais membros da ALALC.



Como o Grupo Andino foi o resultado de um comportamento reativo contra as tendências relativamente autárquicas do México, do Brasil e da Argentina no seio da ALALC , achamos conveniente incluir como membros da ALAL C nos quadros 24 e 26 apenas os três países maiores, mais o Paraguai e o Uruguai.


O resultado é que os últimos dados agregados que pude encontrar, devidamente padronizados, apontam que o Grupo Andino (Colômbia, Peru, Chile, Equador, Bolívia e mais a Venezuela) constitui uma fatia razoável do potencial econômico e populacional da América Latina. Em 1965 os países em questão detinham uma população agregada de 55.510.000 habitantes, com um PIB agregado de 24.923 milhões de dólares e um PIB médio per capita de 448 dólores. O grupo ALALC, que em nosso caso exclui a Venezuela, tem uma população e um PIB agregados de 149.310.000 habitantes e 58.945 milhões de dólares, o que nos dá um PIB per capita de 394 dólares. As taxas de crescimento populacional e do Produto Interno Bruto para os países constitutivos dos dois grupos e as taxas de crescimento médio por grupo constam dos quadros 25 e 26 . Podemos, por estes quadros, perceber que, em média, a taxa de crescimento médio agregado do Produto Interno Bruto do Grupo Andino aumentou de 3,81% para 4,93% no período 1955-60 e 1960-65 respectivamente, enquanto a taxa de crescimento populacional baixou nos mesmos períodos, respectivamente, de 2,98% para 2,68%. A verificação dos mesmos dados para o grupo aqui designado ALAL C mostra um aumento percentualmente menor na taxa de crescimento do PIB, que sobe de 3,38% para 3,56%, enquanto a taxa de crescimento populacional sofre ligeiro aumento, indo de 2,32% para 2,47%, ao invés de sofrer diminuição, como no caso do Grupo Andino, é importante observar que, no grupo ALALC , o México e o Brasil, que possuem os maiores contingentes populacionais do grupo e também de toda a América Latina, tiveram uma taxa de crescimento de população de 3,0% para 3,2% no caso do Brasil, nos dois períodos em apreço, sendo que no México a taxa manteve-se fixa em 3,2%, para o decênio 1955-65.

Tentando dar um balanço nas perspectivas abertas para os países do Grupo Andino e na maneira pela qual eles poderão eventualmente modificar as tendências de concentração nos três países majoritários que ora se verifica, somos levados a trabalhar com possíveis alternativas. Os dados mostram que o Grupo Andino inclui pelo menos quatro países onde há possibilidades para altas taxas de crescimento a curto prazo, se for adotado o modelo de desenvolvimento dependente, que tem sido aplicado nos demais países da região. Em tal hipótese, a Colômbia, a Venezuela, o Peru e o Chile seriam os países que deveriam adentrar maciçamente na fase substitutiva de importações, que até agora cumpriu apenas os primeiros estágios nos países em questão. Uma expansão substancial adviria da criação de indústrias de bens intermediários, e talvez até de bens de capital, na medida em que os países, agindo em conjunto, pudessem absorver uma indústria pesada. Os obstáculos que posso perceber para a concretização desta hipótese, além da indecisão venezuelana, residem no fato de o Peru, após a tomada do poder pelos militares, ter oscilado entre um nacionalismo econômico que resultou no atrito com a IPC e menos intensamente com o grupo Grace, por ocasião da implementação da Lei de Reforma Agrária, e negociações com a Southern Peru Copper Company para exploração de cobre em Cuajone, fazendo relembrar os tradicionais e portanto vantajosos arranjos que inegavelmente beneficiam as empresas norte-americanas.10 10 Petras, James & Rimensnyder, Nelson. What is happening in Peru? Monthly Review, p. 28, Fev. 1970. Assim, podemos dizer que, da perspectiva da hipótese tradicional de manutenção de um desenvolvimento de tipo dependente, a posição do Peru é pelo menos ambígua e não muito propícia à criação do decantado "clima favorável ao investimento".

O caso chileno já aparece com maior clareza e pode-se concluir que não haverá mais entrada de capitais empresariais norte-americanos a curto prazo. Após a reação oficial do governo Nixon, as empresas norte-americanas parecem estar decididas a aceitar estoicamente eventuais desapropriações, e buscariam, na medida em que a posição delicada do governo Allende permitisse uso de pressão, obter compensações elevadas pelos ativos que viessem a ser expropriados. A manutenção da atual situação chilena claramente excluiria o Chile de uma solução do tipo substituição de importações, senão pela clara recusa do governo chileno em receber investimentos norte-americanos, pelo menos pela pouca disposição das empresas norte-americanas em estabelecer ou expandir suas operações no Chile. Na medida em que o Chile consiga dar viabilidade e implementar sua solução socialista, que parece ainda em vias de explicitação e que, a crer-se nos pronunciamentos oficiais chilenos, não pretende seguir uma linha de tipo cubano, será possível que o modelo chileno venha a influenciar outros países latino-americanos, primeiramente os próprios países do Grupo Andino, e a converter-se inevitavelmente em país líder. Evidentemente, tais argumentos não passam de mera conjectura a prazo mais longo, e o que podemos esperar por ora é que o Chile não venha a participar de nenhum esquema de desenvolvimento por avanço do processo substitutivo de importações. Tal modelo continuaria sendo viável na Colômbia e na Venezuela e, apenas a prazo mais longo, no Equador e na Bolívia.

Ainda em termos das perspectivas do Grupo An dino em si, e de como sua consolidação possa vir a alterar a situação dos investimentos norte-americanos em toda a América Latina, podendo inclusive modificar os rumos e o estilo do desenvolvimento regional, é interessante que comentemos, embora brevemente, a decisão adotada a nível ministerial, de regulamentar o capital estrangeiro dentro da área coberta pelo grupo. A reação ao documento não se fez esperar e veio por intermédio do presidente do Council of the Américas, sucessor do Council for Latin America. A fraseologia do presidente do Council é cautelosa, embora vazada em termos de claro protesto das empresas multinacionais norte-americanas contra a legislação que aguarda apresentação aos vários congressos nacionais, e tenta claramente vincular o movimento de Regulamentação de Capitais Estrangeiros dentro do Grupo Andino à expansão da influência chilena. O presidente do Council apela para os tradicionais valores empresariais norte-americanos e acha que o governo dos Estados Unidos não pode continuar em sua política de tratar cavalheirescamente o governo chileno e, ao mesmo tempo, impedir que o exemplo do modelo chileno se espalhe e os interesses das empresas norte-americanas na área sejam prejudicados.11 11 The New York Times, April, 3 1971, Business and Finance Section.

Evidentemente, o espírito mais do que a letra do Regime Comum para Tratamento dè Capitais Estrangeiros pelos países que integram o Grupo Andino1 2 12 Veja Los capitales extranjeros en el Grupo Andino. Visión, p. 24, 27 feb. 1971, para um resumo da legislação aprovada pelos ministros de estado. tem um caráter de reação à expansão nos três países onde o investimento norte-americano tem-se concentrado prioritariamente, e objetiva evitar a médio e longo prazo que os demais países da América Latina venham a se tornar satélites dos três países majoritários. Não acredito que tal maneira de encarar os objetivos do Regime de Tratamento de Capitais Estrangeiros seja desprovida de sentido. Na verdade, o que tem chamado a atenção dos observadores do comércio internacional latinoamericano nos últimos anos é o aumento das exportações de pelo menos dois dos países majoritários da área, o México e o Brasil. Após concluírem o processo de substituição de importações, e tendo que enfrentar ameaças de estagnação geradas por um estrangulamento do setor externo e o fato do mercado interno destes dois países ser bastante reduzido por ter o desenvolvimento de tipo dependente beneficiado apenas parcela limitada das populações nacionais, a exportação de produtos manufaturados, substituindo gradativamente os produtos primários e as matérias-primas, surge como a única maneira viável de manter o desenvolvimento de tipo dependente. E os demais países latino-americanos passam a ser o mercado preferencial e natural para ò Brasil e o México. Os brasileiros, que foram os mais firmes entusiastas de um desenvolvimento de tipo autárquico, dadas as dimensões do país, concluíram, após amargas experiências,' que a única maneira de terminar com o estrangulamento do setor externo e de minorar os deficits do balanço de pagamentos, seria por meio do aumento das receitas de exportação. Dada a inelasticidade relativa da demanda dos produtos que tradicionalmente compõem a pauta de exportações brasileiras, a exportação de manufaturados surge como a grande alternativa para a manutenção do sistema. Não resta dúvida que o Brasil e o México têm obtido um razoável sucesso, como podem provar os saldos favoráveis nos balanços de pagamentos. No caso do Brasil, mesmo isolando-se o crescente endividamento externo que pode ser parcialmente responsabilizado pelo aumento de reservas cambiais, não resta dúvida que têm aumentado as exportações de itens que nacionalmente não compõem a pauta brasileira de exportações.

Todavia, tal tipo de desenvolvimento e de aumento das exportações dos países majoritários não é de molde a deixar os demais países latino-americanos tranqüilos. O sucesso econômico brasileiro associado ao tipo de regime político que se instalou e à acolhida que tal governo tem manifestado aos empresários e grupos estrangeiros, levam os temores de colonialismo intralatino-americano a parecerem mais reais. O Relatório do Council for Latin America pode fundamentar tais temores se atentarmos ao fato de que 41,4% das exportações de manufaturas dos países latino-americanos foram gerados por subsidiárias e filiais de empresas norte-americanas.13 13 May, Herbert K. The contribution of US and other foreign capital in Latin America. New York, The Council for Latin America, 1970. p. 12. A fim de poder operar com as devidas economias de escala e com o objetivo de internacionalizar suas operações, as empresas multinacionais já começam a abandonar as diretrizes de instalar operações manufatureiras completas em todos os países da área, e passam a produzir nos países de investimento majoritário para suprir, por meio de exportações intrahemisféricas, os mercados nacionais dos países de menor porte, os quais não poderiam, conseqüentemente, arcar com o vulto e as dimensões de operações integradas e completas.

7. Conclusões

1 . A principal forma de presença dos Estados Unidos na América Latina é a que se faz sentir por intermédio das empresas multinacionais, uma vez que as demais formas de presença norte-americana, mormente a militar e a dos organismos de informação, não são necessárias na área, dada a hegemonia indisputada que os Estados Unidos desfrutam em todo o hemisfério.

2. O investimento das empresas norte-americanas na América Latina sofreu, desde os fins do século passado, uma série de mudanças e oscilou entre vários setores, mas a partir de 1950 tende a concentrar-se em manufaturas, declinando proporcionalmente em todos os demais setores.

3 . O investimento manufatureiro norte-americano tem-se concentrado maioritariamente em três países - Argentina, Brasil e México - onde são efetuadas aproximadamente 2/3 das vendas e onde estão instalados aproximadamente 2/3 dos ativos e também cerca de 70% de todos os empregados do setor manufatureiro das filiais e subsidiárias norteamericanas. Os três países em questão foram exatamente os que lograram completar o processo de substituição de importações.

4. Um segundo grupo de países, composto da Venezuela, Colômbia, Peru e Chile, poderia experimentar brevemente uma grande taxa de crescimento econômico e, portanto, tornar-se receptor de investimentos privados norte-americanos, uma vez que o processo já encerrado nos três países majoritários apenas agora se inicia e adquire impulso neste segundo grupo.

5. Dos problemas levantados pelos países do Grupo Andino, deve-se convir que por ora estão apenas no reino das conjetturas e não no campo das probabilidades concretas. O grupo constitui fatia importante da realidade econômica latinoamericana, mas inclui o Peru e o Chile com todas as surpresas que tais países podem trazer aos interesses privados norte-americanos na área. O Regime para Regulamentação do Capital Estrangeiro nos países do Grupo Andino, se aprovado pelos vários congressos nacionais e se implementado, poderá transformar os países andinos em realizadores de uma nova experiência, e inevitavelmente os contraporá ao México, Brasil e Argentina, que se tornariam então os únicos baluartes do desenvolvimento de tipo dependente na área.

6. Os problemas e atritos em potencial no relacionamento entre os três países majoritários e o Grupo Andino, caso estes países venham a implementar o Regime para Regulamentação de Capitais Estrangeiros, podem ser suficientemente sérios para gerar uma cisão no hemisfério, mormente se a experiência socialista chilena for bem sucedida e tiver o inevitável spill over effect. E constitui fato muito importante o México, Brasil e Argentina serem países que passaram a contemplar o mercado latino-americano como fonte natural de divisas para solução de seus problemas de balanço de pagamentos e como forma de auto-sustentar seus próprios desenvolvimentos, num modelo dependente. Não apenas os três países em questão foram forçados a abandonar o ideal de um modelo de desenvolvimento autárquico, mas as empresas multinacionais norte-americanas operando na área optaram pela internacionalização de suas operações, tendendo a transformar os três países majoritários em pontos de apoio por meio dos quais os demais países latinoamericanos pudessem ser supridos.

  • 2 Behrman, Jack N. Some patterns in the rise of multinational enterprise. Chapel Hill, University of North Carolina Press, Graduate School of Business Administration, 1969. p. 43.
  • 3 Rippy, J. Fred. British investment in Latin America. Minneapolis, University of Minnesota Press, 1959.
  • 4 Comissão Econômica para a America Latina (CEPAL). External financing in Latin America. New York, United Nations, 1965.
  • 5 Fayerweather, John. International business management: a conceptual framework. New York, McGraw-Hill Book Co., 1969. p. 117.
  • 6 Veja, em particular, Tavares, Maria da Conceição. The growth and decline of import substitution in Brazil. Economic Bulletin for Latin America, p. 1-59, Mar. 1964.
  • 9 Veja também a este respeito CEPAL. Estudio económico de América Latina. 1969.
  • 10 Petras, James & Rimensnyder, Nelson. What is happening in Peru? Monthly Review, p. 28, Fev. 1970.
  • 11The New York Times, April, 3 1971, Business and Finance Section.
  • 13 May, Herbert K. The contribution of US and other foreign capital in Latin America. New York, The Council for Latin America, 1970. p. 12.
  • 1
    Carta do Sr. José de Cubas, Presidente do Council for Latin America, ao Sr. Gabriel Valdez Subercaseaux, Ministro das Relações Exteriores do Chile, 13 ago. 1969.
  • 2
    Behrman, Jack N. Some
    patterns in the rise of multinational enterprise. Chapel Hill, University of North Carolina Press, Graduate School of Business Administration, 1969. p. 43.
  • 3
    Rippy, J. Fred.
    British investment in Latin America. Minneapolis, University of Minnesota Press, 1959.
  • 4
    Comissão Econômica para a America Latina (CEPAL).
    External financing in Latin America. New York, United Nations, 1965.
  • 5
    Fayerweather, John.
    International business management: a conceptual framework. New York, McGraw-Hill Book Co., 1969. p. 117.
  • 6
    Veja, em particular, Tavares, Maria da Conceição. The growth and decline of import substitution in Brazil.
    Economic Bulletin for Latin America, p. 1-59, Mar. 1964.
  • 7
    Wionczek, Miguel S. El endeudamiento público externo y los cambios sectoriales en la inversión privada extranjera en América Latina. In: Jaguaribe, Helio et alii.
    La dependencia político-económica de América Latina. México, D.F., Siglo XXI, 1969. p. 120-1.
  • 8
    Veja comentarios sobre o Relatório em
    Visión, 2/16 jan. 1971.
  • 9
    Veja também a este respeito CEPAL.
    Estudio económico de América Latina. 1969.
  • 10
    Petras, James & Rimensnyder, Nelson. What is happening in Peru?
    Monthly Review, p. 28, Fev. 1970.
  • 11
    The New York Times, April, 3 1971, Business and Finance Section.
  • 12
    Veja Los capitales extranjeros en el Grupo Andino.
    Visión, p. 24, 27 feb. 1971, para um resumo da legislação aprovada pelos ministros de estado.
  • 13
    May, Herbert K.
    The contribution of US and other foreign capital in Latin America. New York, The Council for Latin America, 1970. p. 12.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Maio 2015
    • Data do Fascículo
      Dez 1972
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