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Crédito rural no Brasil e a sua conjugação com a assitência técnica

COMENTÁRIOS

Crédito rural no Brasil e a sua conjugação com a assitência técnica

Aldous Albuquerque Galleti

Assistente da Gerência da Carteira de Crédito Rural do Banco União Comercial S.A. e Membro da Comissão de Crédito Rural da Associação de Bancos do Estado de São Paulo

1. INTRODUÇÃO

A concessão de financiamentos às atividades agropecuárias vem-se constituindo em um dos objetivos dos governos nacionais desde os fins século passado; o crédito rural, porém, temeu forma mais definida a partir de 1937. quando foi estruturada a Carteira de Crédito Agrícola e Industrial (CREAI), do Banco do Brasil S.A.

Com a criação daquele departamento e posteriormente com o advento da Lei nº 492 que estabeleceu as normas jurídicas necessárias a formalização dos empréstimos, ocorreu sensível acréscimo nos recursos alocados no setor de produção de produtos primários, agricultura e pecuária.

Os créditos rurais concedidos, entretanto, eram destituídos de um planejamento, de assistência técnica, enfim, comportavam-se come mero elemento de sustentação da agropecuária, não proporcionando, portanto, resultados econômico-sociais que correspondessem as inversões que estavam sendo realizadas, bem como não atingiam grande número de ruralistas, uma vez que apenas o Banco de: Brasil estava encarregado de realizá-los.

2. LEGISLAÇÃO DO CRÉDITO RURAL

Somente após a Revolução de 1964 0 crédito rural teve sanadas suas deficiências, com a adoção de uma série de medidas econômica-finianceiras adotadas pelo governo federal, as quais resultaram em sua institucionalização e regulamentação.

A Lei n.º 4 595 de 31 12.64, conhecida como "Lei da Reforma Bancaria", introduziu alterações sensíveis em nosso mercado financeiro, criando o Conselho Monetário Nacional (CMN) e o Banco Central do Brasil, e em seu art. 54 forneceu base para que se institucionalizasse o crédito rural.

Promulgou-se em 5.11.65 a Lei nº 4 829, que finalmente institucionalizou o credite rural, dando-lhe novos objetivos e nova sistemática, de modo a adequá-lo á realidade nacional.

A Lei n.º 4 829 e posteriormente a sua regulamentação através do Decreto n - 58 380 de 10.5.66 criaram o Sistema Nacional de Crédito Rural, atribuindo-lhe órgãos integrantes básicos, vinculados e articulados. assim distribuídos:

Integrantes básicos

Banco Central do Brasil S.A.

Banco do Brasil S.A.

Banco da Amazônia S.A.

Banco do Nordeste do Brasil S.A.

Banco Nacional de Crédito Cooperativo S.A.

Integrantes vinculados

Instituto Nacional de Colonização o Reforma Agrária

Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico

Integrantes articulares ou auxiliares

Bancos Estaduais

Caixas Ecônomicas

Bancos Privados

Sociedades de crédito, Financiamento e Investimento

Cooperativas de Crédito Rural

Também foi admitida a articulação ao sistema, de órgãos oficiais de valorização regional e as entidades de assistência técnica e econômica ao produtor rural, além de outras que o Conselho Monetário Nacional venha a admitir.

Paralelamente à instituição do CMN, a Lei n.º 4 829 e sua regulamentação definiram os objetivos do crédito rural, caracterizaram os seus beneficiários, identificaram as fontes de recursos e as modalidades de financiamentos. Estabeleceram-se também as normas básicas necessárias à formalização dos créditos.

O Decreto-lei n.º 167 de 14.2.67 aprimorou o exercício do crédito rural, instituindo os instrumentos de crédito através dos quais seriam formalizados os financiamentos, fato que tornou mais simples e racional a contratação daquelas operações, uma vez que anteriormente à vigência do Decreto-lei n.º 167, as cédulas rurais não eram tão eficazes e exigiam a inclusão de uma série de cláusulas contratuais.

O crédito rural instituído e a participação não só dos bancos oficiais, mas também de toda a rede bancária privada possibilitou ao governo melhores condições de atingir seus objetivos, os quais haviam sido fixados no I Plano Nacional de Desenvolvimento para o período de 1972/74.

Dentre as principais metas do I PND podem ser destacadas:

a) promover a agricultura em base empresarial para incremento da produtividade e da produção;

b) corrigir desníveis regionais, tornando viável o desenvolvimento da agricultura no Nordeste, em bases de economia de mercado, com a racionalização da estrutura agrária e a introdução de nova tecnologia, inclusive mediante programas de irrigação;

c) expandir as fronteiras agrícolas, aproveitando fatores abundantes de baixo custo (terra e mão-de-obra);

d) modernizar a infra-estrutura de comercialização;

e) viabilizar como diretriz social a superação do subconsumo e a absorção de mão-de-obra ociosa, de que decorrerá, inclusive, a expansão do mercado interno imprescindível ao nosso próprio desenvolvimento industrial.

Estabeleceram-se também certas prioridades estratégicas, recomendando-se a concessão de estímulos:

a) à produção dos bens de alta ponderação no custo de vida;

b) aos produtos exportáveis, como suporte de abertura decidida para o comércio exterior;

c) à industrialização dos produtos agrícolas;

d) à indústria de bens de produção destinados à agro-indústria (máquinas e insumos), como pré-requisitos das explorações;

e) à infra-estrutura de comercialização (transportes, silos intermediários e terminais, armazéns, portos, etc).

Finalmente, o I PND estabeleceu que a política de desenvolvimento agrícola deveria fundamentar-se essencialmente:

a) no sistema de incentivos fiscais e financeiros ao aumento da produção, ao investimento, à comercialização e à transformação tecnológica;

b) na disseminação do uso de insumos modernos, de forma diversificada para o Centro-Sul e Nordeste;

c) no programa de pesquisa agrícola em grande dimensão.

Uma análise criteriosa da sistemática e da política de crédito rural vigentes no Brasil demonstra que estão sendo seguidas as diretrizes do I PND e atingidos os seus objetivos colimados, tão acertadamente definidos, e assegurando:

a) a utilização de toda a rede bancária no processo de alocação de recursos;

b) orientação e coordenação de toda a política de crédito rural, através da Gerência de Coordenação do Crédito Rural e Industrial (GECRI), departamento especializado do Banco Central do Brasil;

c) fluxo de recursos para atividades, finalidades e regiões em condições de apresentar melhores respostas socioeconômicas.

A obrigatoriedade da prestação de assistência técnica às instituições financeiras e aos tomadores dos créditos, bem como o condicionamento da concessão de empréstimos destinados a custeio de atividades agrícolas ou pecuárias à utilização de insumos modernos, podem ser citados como fatores fundamentais do processo de desenvolvimento do setor primário, ocorrido após a Revolução de 1964.

Adequadamente utilizado e administrado, o crédito rural no Brasil tem-se mostrado um instrumento básico da transformação de nossa agricultura tradicional.

Caso os financiamentos ao setor primário fossem destituídos de um planejamento e de certas exigências condicionantes da introdução de novas técnicas e da alteração de mentalidades, eles se comportariam apenas como adiantamentos para a continuidade do processo produtivo, resultando unicamente no crescimento vegetativo da atividade, sem nada lhe acrescentar de novo.

Devem ser ressaltados aqui certos fatos ligados à agropecuária tais como:

a) o esgotamento do solo;

b) a erosão;

c) o envelhecimento das culturas perenes;

d) a necessidade de renovação dos plantéis e do aprimoramento das técnicas de criação;

e) a importância da pesquisa como elemento capaz de contribuir para o controle de certas pragas e doenças, bem como objetivar a otimização de resultados ligados à produção e à produtividade.

3. A ASSISTÊNCIA TÉCNICA E O CRÉDITO RURAL

Reconhecendo a importância e a influência dos fatores mencionados, na produção e na produtividade agropecuária, o Banco Central do Brasil, através da Carta-circular n.º 8 de 25.3.1969, disciplinou a articulação do crédito rural com a assistência técnica, estabelecendo os níveis em que esta deverá ocorrer, considerando que, em benefício de interesses comuns, a responsabilidade caberá às instituições financeiras e aos usuários dos créditos.

A Carta-circular n.º 8 do Banco Central do Brasil, paralelamente ao fato de induzir as instituições financeiras e os produtores rurais a se utilizarem de assessoramento e assistência técnica, caracterizou-se pela abertura de grande campo de trabalho para os especialistas das ciências médico-veterinarias e agronômicas.

Inicialmente houve resistência por parte dos tomadores de créditos quanto à forma "coercitiva" com que se lhes impunham a necessidade de se utilizarem de assistência técnica adequada; porém, com os bons resultados obtidos, os produtores rurais passaram a procurar espontaneamente o auxílio de técnicos, demonstrando que o objetivo do governo estava sendo alcançado, isto é, promover a agropecuária em base empresarial para incremento da produtividade e da produção.

Consoante a referida Carta-circular, o assessoramento técnico foi definido em dois níveis:

1. A nível de carteira, quando prestado às próprias instituições financeiras.

2. A nível de imóvel, quando prestado ao produtor, geralmente no local de suas atividades.

3.1 Assistência técnica a nível de carteira

O assessoramento técnico a nível de carteira é exigência do Decreto-lei n.º 58 380 (inciso IV, art. 9.º) para que as instituições financeiras operem em crédito rural.

Sendo de sua responsabilidade, as entidades creditícias podem satisfazer aquela exigência através de:

a) técnicos da própria organização;

b) firmas especializadas particulares (contratos);

c) convênios com órgãos públicos ou privados (Ministério da Agricultura, Secretarias da Agricultura, Sistema ABCAR, etc).

3.1.1 Atribuições básicas

Entre outros encargos ditados pelas particularidades da zona ou da entidade financeira, tem precipuamente as atribuições de:

a) identificar sua política de ação com a programação governamental de desenvolvimento agrícola regional, visando colocar o crédito rural a serviço da consecução de seus objetivos;

b) manter-se atualizado com os custos de produção e os rendimentos das explorações agrícolas e pecuárias, segundo as diversas técnicas aplicáveis;

c) indicar os investimentos, insumos e práticas necessárias para o bom êxito das explorações;

d) identificar os limites máximos de financiamento de cada atividade a financiar e as variantes segundo os rendimentos das diferentes zonas de jurisdição.

Tem ainda o supervisor técnico (consultor ou orientador) a incumbência de:

1. Propor à entidade financiadora, com base no resultado dos estudos da região, as diretrizes de crédito a serem observadas, bem como proceder à avaliação das propostas de financiamento, no tocante a valor, prazos, garantias, beneficiários, finalidade dos empreendimentos e resultados da atividade a financiar.

2. Avaliar a necessidade da assistência a nível de empresa, indicando quais os candidatos a financiamento que deverão recebê-la, o seu grau de incidência (se permanente, periódica ou eventual), e o seu custo aproximado, se for o caso, de inclusão no orçamento de aplicação do crédito, como item financiável.

Para isso deverá considerar:

a) o montante e prazo do financiamento;

b) a natureza do empreendimento e os riscos da atividade a financiar;

c) a capacidade profissional do candidato;

d) o grau de assistência técnica já recebida pelo candidato, de outras entidades;

e) sua experiência na atividade.

3. Solicitar a elaboração de projeto tecnicamente elaborado, quando o financiamento for de vulto ou complexo, projeto este a ser apresentado pelo proponente, e condicionar a operação a que esteja assegurada a assistência técnica a nível de empresa, de preferência contratada com quem elaborou o projeto.

4. Equacionar o treinamento, sob o aspecto técnico, de pessoal atuante em crédito rural, participando inclusive de sua execução.

5. Manter entrosamento com os órgãos de pesquisa, estatística e planejamento do desenvolvimento socioeconômico e outros que atuam no setor rural, visando a obtenção de elementos para melhor realizar seus objetivos.

6. Estabelecer sistemas de fiscalização e de supervisão e avaliação da assistência técnica a nível de empresa.

7. Promover a análise e estudos técnico-econômicos que venham facilitar a execução de crédito rural pela instituição.

3.2 Assistência técnica a nível de empresa

Esta forma de assessoramento técnico objetiva o melhor aproveitamento dos recursos colocados à disposição dos ruralistas, possibilitando:

a) maior segurança aos capitais emprestados;

b) resposta mais rápida ao esforço no sentido do desenvolvimento rural.

A assistência técnica a nível de empresa pode ser prestada:

a) diretamente, através de pessoa física ou jurídica contratada pelo produtor, idônea, a juízo da entidade financiadora;

b) por intermédio da entidade financiadora, através de seus próprios serviços ou de pessoa física ou jurídica com a qual mantenha convênio:

conjugada com a fiscalização (esta por conta da entidade financiadora);

conjugada com o assessoramento técnico a nível de carteira e com a fiscalização (ambos por conta da entidade financiadora).

Características dessa modalidade de assistência:

1 . Elaboração de projeto técnico após levantamento in loco das condições peculiares da unidade.

2. Acompanhamento da execução cuja intensidade variará em função do objetivo do financiamento e da capacidade executiva do administrador.

Custos da assistência: não poderão ser superiores ao equivalente a 1% do valor do crédito aberto, durante o primeiro período de vigência do contrato, nem de 1 % do valor do saldo de capital (devedor), no início dos períodos subseqüentes.

4. CONCLUSÕES

O aumento da produção agropecuária é uma necessidade evidente e que somente será atingida através de:

a) expansão das áreas de cultivo e dos rebanhos;

b) melhoria dos rendimentos por unidade de superfície e por cabeça de gado.

A primeira alternativa exige dispêndios com infra-estrutura de modo a capacitar as novas áreas a participarem ativamente da atividade produtora. As inversões são geralmente volumosas e nem sempre há capital suficiente para atendê-las.

Conseqüentemente, a segunda alternativa, isto é, a de aumentar a produção através do aumento da produtividade, tem sido adotada e incentivada, pois para o caso do Brasil, demonstrou ser a forma mais coerente para se obter aumentos significativos no setor de produtos primários.

A instituição de uma política de melhoria de produtividade rural deve, entretanto, levar em consideração uma série de fatores característicos à nossa agropecuária, exigindo, portanto, amplo planejamento, sob o risco de se criarem novos problemas para a economia em seu conjunto.

A elevação da produtividade sugere, portanto, o incentivo à pesquisa tecnológica, à utilização de in-sumos modernos tais como: fertilizantes, inseticidas, sementes melhoradas, medicamentos veterinários, suplementos vitamínicos, rações concentradas, etc.

A prática de processos de cultivo e zootécnicos, como a rotação de cultivo, o combate à erosão, a irrigação artificial, o pasto cultivado, a seleção genética dos animais, visando melhorar a produtividade do rebanho e a melhoria do manejo do rebanho, etc, tem sido incentivada e os resultados já apresentam valores significativos.

À semelhança do que vem ocorrendo no setor industrial e empresarial em geral, a preocupação do proprietário rural em melhor administrar sua propriedade, de forma a acompanhar a atual fase de desenvolvimento por que passamos, tem provocado uma procura espontânea pelo assessoramento técnico, através da contratação de médicos veterinários, engenheiros agrônomos, economistas etc.

Pouco a pouco as técnicas gerenciais, utilizadas na indústria, no comércio e nas empresas em geral, estão sendo adaptadas ao setor agropecuário. Já se utilizam os recursos fornecidos pela matemática financeira e pela microeconomia, para a tomada de decisões sobre o que produzir, como produzir e quanto produzir. Finalmente, os investimentos no setor rural têm-se baseado em criteriosos estudos de viabilidade econômica dos empreendimentos.

A importância do crédito rural no desenvolvimento econômico do País tem-se demonstrado principalmente pelo seu fator condicionante de mudanças tecnológicas nas empresas rurais.

As alterações tecnológicas de nossas culturas e de nossas criações têm sido preocupação constante de nossos recentes governos e, através da Gerência da Coordenação do Crédito Rural e Industrial (GECRI) do Banco Central do Brasil, têm sido coordenadas as inversões no setor rural, visando aqueles objetivos.

Recentemente, através da Circular n.º 260 de 19.7.73, o Banco Central do Brasil aumentou de 10 para 15% o percentual a que se refere o item I da Resolução n.º 69, valor este representativo das aplicações obrigatórias no setor rural por parte das instituições, financeiras.

O percentual a que nos referimos relaciona-se com o volume dos depósitos bancários. Desta forma, atualmente toda instituição financeira é obrigada a alocar em crédito rural 15% do total de seus depósitos (deduzidos alguns de seus itens).

O acréscimo ocorrido acarretou, portanto, uma disponibilidade de mais 50 % no volume de re cursos destinados às atividades agropecuárias, de monstrando mais uma vez a preocupação do governo em levar àquele setor o mesmo índice de progressão que tem atingido outros ramos de atividades empresariais.

Considerando que as taxas cobradas nos empréstimos rurais são inferiores às do crédito em geral e que os recursos disponíveis não são apenas aqueles compulsórios estabelecidos pela Resolução n.º 260, mas também outros de origem interna e externa - empréstimos oriundos de acordos e convênios: AID, BID e BIRD - os produtores rurais possuem atualmente fácil acesso às linhas de crédito e com elas à assistência técnica, fator primordial para o desenvolvimento do setor agropecuário.

Tabela 1

Tabela 2

Tabela 3

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Out 1974
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