Acessibilidade / Reportar erro

Challengers to Capitalism, Marx, Lenin e Mao

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Paulo Eduardo V. Viceconti

Challengers to Capitalism, Marx, Lenin e Mao

Por John Gurley, Portable Stanford, 1975.

Um dos fatos mais importantes deste século foi a expansão do capitalismo. Entretanto, nos dias atuais, o capitalismo tem encontrado dificuldades crescentes para se expandir. Uma delas é a divulgação e o desenvolvimento cada vez maior do marxismo por todo o mundo, inclusive nos países capitalistas. Porém, o que é o marxismo? Poderá ele nos ajudar a compreender o mundo de hoje, as crescentes crises do capitalismo, os movimentos de libertação nacional das antigas colônias africanas e asiáticas e a expansão da China? São perguntas que Gurley se propõe a responder no presente livro, ao dar-nos uma rápida visão do marxismo contemporâneo, ressaltando as contribuições de: Marx, como crítico do sistema capitalista e profeta de sua decadência; Lenin, como revolucionário, ao mostrar como derrotar o capitalismo; Mao, como revolucionário e arquiteto de uma nova sociedade.

Marx elaborou uma teoria sobre a história, denominada materialismo histórico. Os homens, conforme suas habilidades e conhecimentos, sua tecnologia e disponibilidade de recursos naturais do seu ambiente (forças produtivas), entram em determinadas relações sociais de produção. O conjunto das forças produtivas e das relações sociais de produção formam a estrutura econômica da sociedade, que condiciona a moral, a religião, o estado e os princípios dominantes da época, o que Marx denominou superestrutura ideológica e política. O desenvolvimento das forças produtivas entra em choque com as relações sociais de produção, levando a uma modificação destas e, conseqüentemente, da superestrutura. Toda análise de Marx é subsidiada pelo materialismo dialético: todas as coisas estão em transformação. Sua base é a vida material do homem; ele é um produto do seu meio-ambiente; ao modificá-lo ele se modifica também. Marx analisou o desenvolvimento do capitalismo como resultante da contradição do grande desenvolvimento do comércio (forças produtivas), com as relações sociais de produção feudais. Um fator externo, o surgimento do proletariado urbano decorrente do êxodo rural, determinou as condições favoráveis para o capitalismo industrial.

O capitalismo, para Marx, é um modo de produção que, por sua própria natureza, baseia-se na exploração do homem pelo homem. O capitalista compra uma mercadoria especial, a força de trabalho, que tem o poder de criar mais valor do que tem em si mesma. O valor da força de trabalho é determinado pelo trabalho socialmente necessário para reproduzi-la, e resulta no salário. As mercadorias obtidas no processo de produção têm valor maior do que o valor da força de trabalho, diferença essa que se denomina "mais-valia" e que é apropriada pelo capitalista. Essa "mais-valia" é redistribuída para os capitalistas, comerciantes e financeiros, que ajudam o capitalista industrial a realizá-la na esfera de circulação.

Marx alertou que para entender bem o capitalismo é preciso analisá-lo com profundidade, pois o que ocorre na superfície não é o que se verifica na essência. O mecanismo das trocas faz parecer que o valor das mercadorias é uma propriedade inerente a elas mesmas, quando o que realmente lhes dá valor é o trabalho socialmente necessário para produzi-las. Assim, não é no mercado que se origina a "mais-valia", mas sim no processo de produção. Os preços têm apenas a função de igualizar as taxas de lucros das diferentes indústrias.

Marx predisse a queda do capitalismo pelas suas contradições internas. O capitalismo, para sobreviver, precisa expandir-se através da acumulação de capital. Essa acumulação é dificultada pela necessidade dos capitalistas de manterem baixos os salários dos trabalhadores e de suportarem a carga, cada vez mais pesada, de consumirem a maior parcela de uma produção crescente. Esses dois fatores tendem a fazer baixar a taxa de lucro, provocando crises no sistema capitalista. A crescente expansão das forças produtivas é inibida pelas relações sociais de produção até um ponto que esta contradição é resolvida pela transformação do capitalismo no socialismo. Segundo Marx, essa transformação se daria primeiro nos países capitalistas mais adiantados onde as contradições seriam maiores.

Lenin modificou um pouco essa teoria ao estudar o imperialismo e o capitalismo monopolista, estágios mais avançados do modo de produção capitalista. Captou, com muita sensibilidade, as tendências do capital a se concentrar em monopólios e a se expandir pelo mundo, em busca de mercados para seus produtos e de matérias-primas a preços baixos. Como conseqüência, os capitalistas dos países mais adiantados poderiam abrandar o fervor revolucionário dos trabalhadores, redistribuindo em seu favor os excedentes captados no exterior. As revoluções se realizariam nos países mais atrasados, onde a opressão capitalista seria mais sentida.

Lenin enfatizou a necessidade da criação do Partido Comunista para conscientizar e orientar os trabalhadores; deixados por si só, eles desenvolvem apenas consciência sindical. Nos últimos anos de sua vida, elaborou a teoria de que as relações sociais de produção e partes da superestrutura poderiam ser revolucionadas antes que as forças produtivas estivessem completamente desenvolvidas, inovando as idéias marxistas, teoria que Mao, mais tarde, também desenvolveria e colocaria em prática na China.

Gurley afirma que a diferença entre o socialismo chinês e o russo está na ênfase dada a essa mudança. Na Rússia, Stalin concentrou-se em expandir as forças produtivas, sem se preocupar em conscientizar as massas, permitindo o aparecimento de uma elite administrativa. Sem as mudanças necessárias nas relações sociais de produção e na superestrutura, a Rússia formou um capitalismo de Estado, no qual a elite administrativa controla os meios de produção através da burocracia estatal.

Mao contornou essa dificuldade na China. Uma vez conquistado o poder político, ele dedicou-se a mudar as relações sociais de produção antes de desenvolver as forças produtivas, justamente para evitar, que se voltasse a uma relação de dominação. Se Mao tivesse se preocupado em introduzir máquinas agrícolas, antes de fazer a reforma agrária, as velhas classes poderiam se reafirmar. Cuidou também de mudar os velhos valores chineses oriundos do misticismo e os hábitos de resignação e submissão dos camponeses. Ao contrário, difundiu a necessidade da divulgação e aceitação do marxismo-leninismo como método correto de apreciação do mundo e de ação inteligente e objetiva sobre ele.

Gurley finaliza com ampla análise das tendências do capitalismo atual, principalmente o norte-americano. As dificuldades crescentes do capitalismo dos EUA, consubstanciadas pelo declínio da extração da "mais-valia" no sistema, devidas ao avanço do marxismo e da própria competição de outros países capitalistas, assim como da conscientização dos países fornecedores de matérias-primas. Encontra também internamente a oposição de ecologistas e de grupos de defesa do consumidor, além, é claro, dos trabalhadores. Como resposta, o capitalismo americano poderá contra-atacar, internamente, com medidas de política macro-econômica de caráter impopular, tais como - concentração da renda por meio de incentivos fiscais ao capital, suportados por um aumento da carga tributária sobre as classes mais pobres, e recessão moderada, com o fito de manter altos níveis de desemprego - e, externamente, pelo aumento da repressão político-militar. Em suma, o contra-ataque tem como resultado uma opressão maior do povo americano e dos estrangeiros. Da resposta do povo, dependerá o futuro da sociedade americana.

Gurley atingiu plenamente seu objetivo de dar uma introdução ao pensamento de Marx, Lenin e Mao e de mostrar como o marxismo pode ser utilizado para a análise da realidade mundial contemporânea. A linguagem do livro é acessível e simples. O conteúdo é, naturalmente, polêmico. Fica-nos a impressão de que Gurley não assumiu uma posição crítica em relação ao marxismo e que esqueceu de analisar um dos pontos fracos das sociedades que se estruturaram a partir dos fundamentos marxistas: o totalitarismo. Em que pese a justificativa teórica, esboçada no terceiro capítulo, de que o objetivo da sociedade socialista é o pleno desenvolvimento do homem como pessoa, senhor de si mesmo e da natureza, resta-nos a pergunta: estarão a Rússia, a China e Cuba caminhando efetivamente para atingir esse objetivo?

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Jun 1976
Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rae@fgv.br