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A indústria de alimentos e o mercado popular: uma oportunidade mal explorada?

ARTIGOS

A indústria de alimentos e o mercado popular: uma oportunidade mal explorada?

Carlos R. Schneider

Diretor da Granwille Planejamento e Empreendimentos Ltda.; diretor da Companhia Industrial H. Carlos Schneider

Tem crescido a preocupação para com as classes baixas no Brasil, refletindo, em parte, a intenção do Governo de propiciar um melhor padrão alimentar e um estado nutricional mais condizente com essa melhoria às camadas menos favorecidas da população.

Esta colocação já tem provocado os mais diversos debates em torno do assunto, motivo pelo qual achamos oportuno posicionar neste contexto uma variável que deve indiscutivelmente ser analisada quando procuramos definir um programa de ação para a área. Trata-se da indústria alimentícia e dos alimentos processados, que têm levantado polêmicas quando da avaliação de suas possibilidades junto ao mercado popular.

Convém abordarmos o assunto sob dois ângulos distintos, tentando avaliar de inicio o potencial deste mercado, para em seguida procurarmos identificar possíveis vantagens que alimentos industrializados teriam sobre alimentos in natura no atendimento a estes consumidores marginalizados.

1. O MERCADO POPULAR É INTERESSANTE PARA AS INDÚSTRIAS ALIMENTÍCIAS?

Segundo a economista Maria da Conceição Tavares, do Fundo de Financiamento de Estudos de Projetos e Programas de Desenvolvimento (Finep), apesar da miséria e da péssima distribuição da renda, o mercado interno brasileiro teve um crescimento brutal durante a fase do "milagre" e, portanto, não se restringe apenas, como muitos imaginam, aos 5% da população mais beneficiados pelo recente ciclo de expansão.

O vasto mercado popular brasileiro, embora de baixo poder aquisitivo, tem poder de consumo, e permite, inclusive, que toda uma gama de produtos viva quase exclusivamente dele. A esmagadora maioria de seus integrantes trabalha, ou pelo menos vive, na periferia dos grandes centros urbanos, nas pequenas cidades do interior ou na zona rural.

É necessário, todavia, definir de modo mais claro o que se entende por classes baixas.

Para efeito desta análise, consideramos todas as pessoas com renda familiar mensal de até 5 salários mínimos. Optamos pelo limite de 5 salários após verificar que existe certo consenso entre autores e pesquisadores do assunto de que, abaixo deste limite, dificilmente as pessoas atingem níveis de vida satisfatórios.1 1 Considerando a média de 5 pessoas por família. Mas há que se fazer uma divisão deste grupo:

1. As pessoas com renda familiar mensal de até 1 salário mínimo, que vivem quase à parte do sistema de mercado, num regime de subconsumo, e que, por este motivo, somente representarão alguma oportunidade significativa de vendas para as indústrias alimentícias na medida em que os programas de suplementação alimentar do Governo utilizarem alimentos industrializados - e, como veremos mais adiante, a participação destes produtos no Programa Nacional de Alimentação e Nutrição não vem atendendo às expectativas das indústrias.

2. As famílias com renda entre 1 e 2 salários, que apesar do nível de vida ainda bastante precário já têm condições de suprir boa parte de suas necessidades alimentares mediante compras no mercado - e é em função do número de pessoas desta faixa, e não da sua renda individual, que ela representa uma grande oportunidade de mercado para as indústrias alimentícias.

3. As pessoas com renda familiar entre dois e cinco salários, que embora em menor número do que as anteriores constituem também grande potencial pela maior disponibilidade individual de renda.

Convém diferenciar também as classes baixas urbanas das rurais. No meio rural, por questões de hábitos de consumo, de dispersão demográfica e de condições ambientais - existência de hortas e lavouras de subsistência - os alimentos industrializados terão uma dificuldade de penetração consideravelmente maior.

Partindo de dados secundários,2 2 Utilizamos basicamente dados das seguintes fontes: a) IBGE: VIII Recenseamento Geral - 1970; Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - 1973. b) Kirsten, José T. et alii, Orçamentos familiares na cidade de São Paulo: 1971/1972. 1973. (Série Ipe-Monografias) c) Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese). Família assalariada: padrão e custo de vida. Estudos Sócio-Econômicos, 2, jan. 1974. d) Market Analysis S/C Ltda. A Indústria de alimentos e bebidas no Brasil, São Paulo, 1977. Estudo multicliente. Procedemos a uma série de projeções para a determinação do potencial, em virtude da carência de dados atualizados na área. Para maiores detalhes veja a tese Alimentação das classes baixas no Brasil (p. 218-38), apresentada à EAESP/FGV para obtenção do titulo dc mestre. procuramos então avaliar o potencial do mercado popular para alimentos em 1977, excluindo, pelos motivos apontados acima, os consumidores com renda familiar mensal de até 1 salário mínimo, além da população rural.3 3 Foram excluídas do setor alimentício, para fins da análise, as indústrias de bebidas e fumos. A exclusão deve-se ao enfoque social dado ao problema, na medida em que tanto as bebidas como o fumo pouco podem contribuir, ou até prejudicam, o nivel alimentar da população.

Presumindo, em 1977, uma população economicamente ativa de cerca de 35.695.000 pessoas, temos a seguinte distribuição entre as classes de renda:

- 58% ou 20.703.000 recebendo até 1 salário

- 21% ou 7.496.000 na faixa de 1 a 2 salários

- 15% ou 5.354.000 entre 2 e 5 salários.

Considerando uma população urbana de 60% no Brasil de hoje, e partindo do pressuposto de que a população economicamente ativa se divide de modo proporcional entre o campo e a cidade, temos a seguinte distribuição da população urbana ativa, por faixa salarial:

- até 1 salário: 35.695.000 x 0,6 x 0,58 = 12.422.000

- de 1 a 2 salários: 35.695.000 x 0,6 x 0,21 = 4.498.000

- de 2 a 5 salários: 35.695.000 x 0,6 x 0,15 = 3.213.000.

Agora, é necessário saber quanto esta população consome, e que parcela da renda destina à alimentação.

Somente para ilustrar, segundo a lei de Engel, quanto menor a renda disponível de uma família, tanto maior a parcela desta renda gasta com alimentos. Com o aumento da renda, mesmo que o consumo de alimentos cresça em termos absolutos, diminuirá em termos relativos.

A elasticidade-renda da demanda para as classes baixas é elevada - entre 0,8 e 0,9 -, o que significa que pequenos aumentos na renda provocam grandes aumentos no consumo de alimentos. Tanto mais, se o aumento do poder aquisitivo provier de redução relativa no preço de alguns alimentos básicos, pelo conseqüente aumento na utilidade marginal destes produtos.

A classe de 1 a 2 salários destina à alimentação a seguinte parcela de sua renda:

- toda a população: 50%

- população urbana: 49%.

Na classe de 2 a 5 salários, estes números caem para:

- toda a população: 43%

- população urbana: 42%.

Partindo dos seguintes dados:

a) renda disponível de 81 % da renda bruta, para a faixa de 1 a 5 salários;

b) rendimento médio de 1,35 salários, na faixa de 1 a 2 salários, e de 3,20 salários, na faixa de 2 a 5;

c) salário mínimo médio aproximado para o Brasil de Cr$ 1.450,00, em 1978, obtemos á renda disponível para esta população:

(4.500.000 x 1,35) + (3.210.000 x 3,20) x (1.450,00 x 0,81) = Cr$ 19.199.552.000,00, entre as duas classes de renda, dividida na seguinte proporção:

- 1 a 2 salários: Cr$ 19.199.552.000,00 x 0,37 = Cr$ 7.103.834.240,00

- 2 a 5 salários: Cr$ 19.199.552.000,00 x 0,63 = Cr$ 12.095.718.000,00.

Como a população urbana gasta respectivamente 49% e 42% da renda disponível com alimentação, obtemos:

(0,49 x Cr$ 7.103.834.240,00) + (0,42 x Cr$ 12.095.718.000,00) = Cr$ 8.561.080.338,00

E como aproximadamente a metade deste orçamento é destinada a alimentos industrializados,4 4 Em publicação do Dieese de julho de 1973, da série Estudos Sócio-Econômicos, intitulada Nível alimentar da população trabalhadora da cidade de São Paulo, temos á página 26 um quadro que apresenta a Distribuição percentual do gasto com alimentação segundo níveis de renda e total - São Paulo, 1969/70. Fazendo uma análise das primeiras duas colunas deste quadro, que se referem à faixa de até 6 salários mínimos por mês, depreende-se que a participação dos alimentos industrializados no consumo total de alimentos da população amostrada situa-se na faixa dos 50%. obtemos o potencial de mercado da população que ganha de 1 a 5 salários por mês, para 1977:

(Cr$ 8.561.080.338,00 x 0,5) x 14 = Cr$ 59.927.562.000,00

Para se ter uma idéia deste potencial, convém mencionar que o faturamento das 50 maiores empresas do ramo não alcançou, em 1975, os Cr$ 25 bilhões.

E a estimativa ainda está por certo subavaliada pelos seguintes motivos:

a) por ter desconsiderado a população rural e a população urbana que recebe até 1 salário mínimo por mês. Apesar de o consumo per capita de alimentos industrializados ser neste caso bastante menor, ele deverá, no conjunto, atingir uma cifra considerável;

b) durante a determinação do potencial, procuramos sempre utilizar dados pessimistas para evitar a possibilidade de uma superavaliação.

Além disto, o fato de:

a) a população pobre crescer a uma taxa maior do que as classes média e alta; b) o grau de urbanização da população brasileira continuar crescendo nos permite prever um aumento relativo no potencial do mercado popular para alimentos industrializados.

Infelizmente, porém, as indústrias alimentícias - as do setor moderno, que teriam maiores facilidades para fabricar os alimentos adequados em especial - não vêem nestes consumidores mais do que uma oportunidade de importância secundária. As classes média e alta continuam sendo seu principal sustentáculo.

O interesse que estas empresas porventura possam deixar transparecer com relação a este mercado relaciona-se, na maioria das vezes, aos programas oficiais de suplementação alimentar.

As principais barreiras que apontam para a viabilidade de uma exploração direta são o baixo poder aquisitivo, a dispersão geográfica e os hábitos alimentares impróprios da população de baixa renda.

Estas dificuldades, contudo, são contornáveis, e de forma alguma devem inibir tentativas de exploração daquele que já vem sendo chamado de o mercado do futuro no país, e que classificaríamos como bom no presente e excelente no futuro.

Vejamos agora se os alimentos processados são adequados ao consumo popular.

2. OS ALIMENTOS INDUSTRIALIZADOS SÃO INTERESSANTES PARA O MERCADO POPULAR?

Os alimentos industrializados foram definidos, em agosto de 1940, pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, como "aqueles preparados e processados de maneira a aperfeiçoar o seu valor nutritivo, reduzir os custos, proporcionar maior facilidade no preparo das refeições e melhorar sua aceitabilidade e conservação".

Sgarbieri5 5 Sgarbieri, Valdomiro C. A Contribuição da indústria de alimentos para a solução de problemas nutricionais. Depto. de Planejamento Alimentar e Nutrição, Feaa, Unicamp. p. 2. mimeogr. acrescenta ainda o fator sanidade destes produtos, tanto em relação aos agentes patogênicos como aos tóxicos. "Para evitar a proliferação de microorganismos que causam doenças, ou simplesmente deterioram os alimentos", afirma, "a indústria lança mão de métodos como a desidratação, o frio, os agentes químicos inibidores, a pasteurização ou a esterilização total. O método a ser empregado vai depender da natureza do produto. Mas o importante ê frisar que a indústria moderna possui meios de realizar tais tratamentos de maneira controlada, de modo a garantir as propriedades sanitárias do alimento, com um mínimo de degradação dos nutrientes essenciais."

Teoricamente, pois, os produtos processados estariam isentos de todas as desvantagens inerentes aos alimentos in natura, e se adequariam perfeitamente às necessidades do país de melhorar o padrão alimentar de sua população. Mas a realidade não tem sido bem essa.

Assim, por exemplo, o fato de se dispor dos meios necessários à manutenção da boa qualidade dos alimentos não tem sido suficiente para evitar a disseminação de alimentos contaminados, como ocorreu com as massas, o leite e a água mineral, entre outros.

O alimento pode ser contaminado tanto no processamento industrial como na distribuição. O Secretário da Saúde de São Paulo, Walter Leser, acredita que o grande fator responsável pela má condição sanitária dos alimentos tenha sido a inexistência, nas indústrias alimentícias, de laboratórios de controle de qualidade, tanto das matérias-primas como dos produtos finais.

Diante da impossibilidade, todavia, de se fazer a coleta e a análise de amostras de todos os gêneros e produtos alimentícios consumidos pela população, os técnicos responsáveis por sua fiscalização acreditam que a única maneira eficaz de proteger a saúde do consumidor é a elaboração e a implantação imediata de rigorosa legislação sobre os padrões de qualidade dos alimentos em geral.

Outro ponto levantado com freqüência, quando se fala em industrialização, é a perda do valor nutritivo dos alimentos. Tais perdas ocorrem durante o armazenamento dos alimentos não-processados, durante o processamento industrial e, principalmente, durante o preparo doméstico, sendo as vitaminas e proteínas os nutrientes mais sujeitos a degradações e a perdas de valor nutritivo.6 6 Sgarbieri (op. cit. p. 17-8) apresenta dados para mostrar que o preparo doméstico prejudica mais o valor nutritivo do que o preparo industrial.

Os cereais, por exemplo, sofrem de início um beneficiamento acompanhado ou não de moagem, antes de serem armazenados. O beneficiamento normalmente já concorre para a diminuição do seu valor nutritivo. No caso do arroz, após a eliminação da casca, faz-se o brunimento, que consiste na eliminação da película marrom que envolve os grãos. Com essa película eliminam-se grande parte das vitaminas e sais minerais essenciais, bem como algumas das proteínas de melhor qualidade do grão.7 7 No Oriente, onde o arroz tem largo consumo, ele é utilizado na alimentação com casca - daí o prodigioso efeito nutritivo deste hábito alimentar na população daquela região. O mínimo que se deveria procurar fazer era consumir o arroz integral, isto é, sem o brunimento. Dado, porém, o hábito de se consumir o arroz sem casca, desenvolvem-se processos para fixar os nutrientes da casca no grão. Um destes processos chama-se aferventação e, naturalmente, é executado no arroz em casca, antes do beneficiamento. Resumidamente, consiste na maceração do arroz com casca em água quente, e na aplicação de vapor, conseguindo-se com isto um teor bem mais elevado de vitamina Bt (algumas variedades testadas chegaram a apresentar uma diferença de 100% no teor da vitamina, quando comparadas com o arroz comum). As variedades que apresentaram melhores condições para a aferventação nos testes foram: IAC 120, RGS CICA 4, RGS 404, VAB 12-46, Patrão precoce e IAC 435. Veja a respeito: Vitti, Policarpo et alii. Aferventação de variedades de arroz. Coletânea do Ital, 6: 103-19, 1975. Portanto, o arroz brunido (branco) tem menor valor nutritivo do que o integral. A parte eliminada inclui também o germe, que contém, além de vitaminas, o óleo. Essa porção constitui o farelo, que poderá ser usado para a extração do óleo, ou diretamente em rações animais.

Problema semelhante ocorre com o preparo da farinha de trigo que, dependendo do grau de extração, irá conter maior ou menor proporção de vitaminas e sais minerais.

Portanto, as partes mais nutritivas dos cereais, inclusive da soja, são destinadas às rações animais, ou até inutilizadas, numa prova concreta da irracionalidade dos nossos hábitos, e mesmo da irresponsabilidade social daqueles que produzem ou que controlam a produção de alimentos.

Os processamentos industriais de maior eficácia na preservação dos alimentos e dos nutrientes incluem a desidratação (utilização de calor para a eliminação da água e a inativação de catalizadores biológicos - enzimas - que concorrem para as reações de deterioração), a pasteurização e a esterilização.

Nas sociedades desenvolvidas, os alimentos semipreparados, especialmente os desidratados e supergelados, vêm tendo grande aceitação, dada a conveniência de seu uso. Pode-se prever, a partir daí, uma importância crescente desse tipo de alimentos também no Brasil, desde que os principais, obstáculos à sua aceitação pelo nosso consumidor sejam superados: hábitos, qualidade e preços. E essa ressalva ficou clara, recentemente, quando se soube da venda da Supergel e do fechamento da Coinpal. Ambas as empresas, ao que parece, pagaram o preço do seu pioneirismo, ao tentarem introduzir um novo hábito no país. Acreditase, contudo,8 8 Veja o depoimento de Negócios em exame. p. 47, 12 out. 1977. que o seu erro tenha residido na tentativa de apenas transplantar para o Brasil uma experiência

- bem-sucedida nos Estados Unidos - com alimentos que fogem um pouco aos nossos hábitos. Também a qualidade, função da tecnologia e das matérias-primas utilizadas, e os altos preços, fruto de uma produção quase artesanal, têm dificultado o sucesso dos supergelados no país. As indústrias, todavia, podem vir a representar um grande consumidor para os alimentos semipreparados, na medida em que tiver êxito o esforço empreendido pelo Estado para que o trabalhador receba alimentação na empresa.

Mas, além da qualidade, o preço é fundamental, em se tratando de alimentos para as classes baixas.

Segundo depoimentos de vários empresários do ramo consultados, os principais fatores que concorrem para o encarecimento dos gêneros industrializados se relacionam ao abastecimento de matérias-primas agrícolas e aos custos de comercialização, destacando-se no último caso as embalagens e os transportes.9 9 A concentração de quase 60% da produção brasileira no Estado de São Paulo eleva os custos de transporte e comercialização, encarecendo os produtos nas demais regiões. Uma futura descentralização das indústrias poderia eliminar gradativamente o problema.

Mas os alimentos processados também têm suas vantagens, quando comparados com os in natura, entre as quais cabe destacar:

- conservabilidade, facilitando armazenagem e transporte;

- regularidade de oferta, evitando oscilações acentuadas de preços;

- possibilidade de balanceamento calórico-protéicomínero-vitamínico, para atendimento a carências específicas;

- menor perda de valor nutritivo no preparo;

- aproveitamento de excedentes agrícolas, evitando perdas de safra e proporcionando preços mais acessíveis na entressafra;

- possibilidade de obter produtos com maior grau de sanidade.

Cyro Teixeira, diretor da Divisão de Processamento de Alimentos do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), é da opinião que o produto industrializado poderá competir em preço com o produto in natura, principalmente na entressafra, quando este último é mais caro. Além do mais, frisa que os produtos enriquecidos podem ser competitivos em qualquer época, desde que se compare os preços com base no valor biológico destes produtos e não no seu peso ou volume. E tais produtos, diz, são especialmente indicados para as campanhas institucionais, onde se requerem combinações específicas de nutrientes.

Vejamos, então, como os alimentos industrializados podem colaborar na alimentação das classes baixas, e em que circunstâncias poderiam fazê-lo, em face das dificuldades e vantagens apontadas anteriormente.

Segundo a revista Tendência,10 10 O futuro já começou para fabricantes de alimentos. Tendência, p.53,set. 1976. a população brasileira ainda dá preferência ao consumo de produtos naturais, o que se justifica, de certo modo, pelas condições climáticas de um país onde se colhem frutas, verduras e legumes durante o ano todo, ao contrário da Europa, por exemplo, onde a necessidade de estocar alimentos estimulou sua industrialização. Além disso, o reduzido poder aquisitivo da maior parte da população brasileira também influi nas baixas taxas de crescimento da indústria de alimentos - o que se deve, em parte, à inadequação do composto mercadológico das empresas do ramo e às características do mercado marginal.

Por outro lado, de acordo com Sgarbieri,11 11 Op.cit.p. 8. o entusiasmo e a expectativa em torno do sucesso da participação da indústria de alimentos no combate à subnutrição em países em desenvolvimento tem-se baseado em algumas suposições que na prática têm revelado um otimismo exagerado. O principal destes pressupostos é o de que a indústria teria a seu dispor os conhecimentos técnicos indispensáveis à criação e produção de alimentos, não apenas nutritivos, mas também aceitáveis pelo consumidor necessitado, a um preço que este teria condições de pagar.

Em 1966, continua, a maior parte das grandes companhias internacionais de alimentos dava início a pesquisas de laboratório com vistas à descoberta de alimentos proteicos de baixo custo, e hoje, apesar de mais de 100 projetos já terem sido iniciados e dezenas de novos produtos já terem sido desenvolvidos, não se pode dar muito valor aos resultados obtidos. A principal causa deste insucesso pode ser atribuída à incapacidade de se descobrir uma solução conciliatória entre a finalidade empresarial do lucro e um produto cujo baixo custo permita sua aquisição e seu consumo em grandes quantidades pelos necessitados.

Conforme observação de Lygia Pereira, nutricionista do Ital, as experiências com produtos enriquecidos, no mundo, têm falhado por prescindirem de uma preocupação mais ampla, além do aspecto nutricional: não se dá a devida atenção aos demais aspectos do produto, como a aparência, as características organolépticas, a facilidade de preparo, a adequação aos hábitos, e mesmo ao preço. Há que considerar-se, ainda, o chamado "efeito demonstração", que leva as pessoas mais pobres a procurarem consumir produtos destinados à população mais abastada, dificultando assim a introdução de quaisquer alimentos que forem desenvolvidos para o seu uso específico.

Também Allan Berg, autor de The Nutrición factor,12 12 The Brookings Instution, 1973. diz que não se tem conhecimento da existência de alimentos industrializados enriquecidos bem-sucedidos, com duas exceções - uma na América Central e outra em Hong-Kong - e atribui o fato ao seu alto custo. Berg, contudo, acredita no seu desenvolvimento, tanto que recomendou ao Ital que se empenhasse na tarefa.

Para o Prof. Yaro Gandra, da Faculdade de Saúde Pública da USP, a indústria deve preocupar-se em desenvolver produtos baratos e nutritivos. O objetivo básico deve ser obter um preço reduzido, mesmo que não se consiga a qualidade nutritiva desejada, pois o enriquecimento completo tornaria o alimento muito caro, e em conseqüência inacessível às classes baixas. Assim, segundo ele, a indústria teria a garantia de que o Governo passaria a comprar quantidades razoavelmente constantes de alimentos para os diversos programas que vem desenvolvendo.

Gostaríamos de chamar a atenção para a necessidade de tratar de forma diversa os produtos que se destinam às classes baixas, via mercado - isto é, que disputam a renda dos consumidores nos pontos-devenda, juntamente com os demais produtos - daqueles que chegarão a elas pelo caminho institucional: programas de alimentação, penitenciárias e Forças Armadas, entre outros. Neste último caso a aceitação é bem mais fácil, pois elimina-se de certa forma a resistência provocada pelos hábitos alimentares e pelo preço.

As empresas, contudo, devem dedicar-se com maior afinco à primeira modalidade, que deverá representar uma oportunidade de mercado bem superior à segunda, dada a impossibilidade de o Governo atender diretamente a mais do que uma pequena parcela da população pobre, ou de atendê-la a níveis satisfatórios. Para tanto, devem procurar produzir alimentos pouco elaborados, em grandes quantidades, aproveitando-se de economias de escala para reduzir custos e preços.

Segundo Sgarbieri,13 13 Op.cit.p. 6. o custo final de um alimento industrializado é produto do grau de desenvolvimento da indústria e da tecnologia empregada. Quanto maior a indústria, e quanto mais avançada a sua tecnologia, tanto mais econômica será a sua produção.

Mas as grandes empresas, na medida em que exploram principalmente o mercado mais abastado, têm utilizado esta vantagem, não para reduzir os preços dos alimentos, mas para aumentar seus lucros. E muitas vezes nem têm conseguido economias de escala satisfatórias, por explorarem mercados restritos. Além disto, o seu fácil acesso - o das multinacionais em especial - à inovação tecnológica tem-lhes servido de estímulo para que se empenhem em uma diferenciação de mercado mediante a sofisticação de seus produtos.

Eduardo Kertsz, do Ipea, vem corroborar a idéia quando diz que, nos últimos 10 anos, as empresas multinacionais têm pesquisado novos tipos de produtos, mas principalmente dietéticos, que são vendidos a preços altos.

Diante deste fato, poder-se-ia afirmar que os objetivos dessas empresas estão distantes da realidade e das necessidades do país.

Mas elas se defendem, alegando que não há nada que a industrialização possa fazer, quando o poder aquisitivo é tão baixo que mesmo a aquisição de alimentos in natura em quantidades suficientes é impossível. Neste caso, a única solução viável seria uma maior integração Governo-indústria: esta, dispondo-se a operar com menor margem de lucro em certos produtos de baixo custo, e o Governo, agindo com firmeza através de uma política de incentivos, de menor índice de taxação dos produtos e da importação de equipamentos, e, quando necessário, de financiamentos, ao lado de campanhas de promoção e educação sobre a importância dos alimentos nutritivos de baixo custo. Estas campanhas deveriam buscar, basicamente, a alteração de hábitos de consumo inadequados da população, devendo, pelo tempo e custo requeridos, caber mormente ao Governo.

Segundo declaração de um industrial,14 14 Negóciosem Exame, p. 29,23 mar. 1977. o relacionamento com o Governo vem melhorando gradualmente, e a classe empresarial atuaria de bom grado como uma espécie de conselho consultivo do Governo, o que contribuiria para se chegar em muitos casos a soluções mais realistas e harmoniosas.

No entanto, em pesquisa de campo que realizamos, os empresários deixaram transparecer claramente a necessidade de um maior entrosamento Governoindústria, de modo a que a união de esforços possa levar a resultados mais gratificantes para ambos as partes. Por outro lado, nota-se, às vezes, uma certa desinformação em alguns empresários, o que fica evidenciado na sugestão15 15 Tendência, op. cit. p. 70. para que o Governo faça investimentos na área de pesquisa alimentícia e no treinamento de pessoal, para desenvolver programas que poderiam ser vendidos ou cedidos aos industriais.

Diante de tal reivindicação, perguntamos se este empresário alguma vez já ouviu falar do Instituto de Tecnologia de Alimentos, ou da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp, ou de outros órgãos que talvez também se dediquem à pesquisa na área de alimentos. O problema que as entidades de pesquisa normalmente enfrentam é justamente o pouco interesse dos empresários pelos trabalhos desenvolvidos. Faz-se necessária, então, não só uma melhor divulgação da pesquisa que vem sendo realizada, mas também um maior interesse da iniciativa privada, no sentido de procurar saber dos recursos à sua disposição e dos seus compromissos para com a sociedade.

Acho oportuno caracterizar rapidamente as atividades do Ital, considerado o mais desenvolvido dos institutos de tecnologia de alimentos da América Latina, no intuito, justamente, de difundir o seu significado e o seu valor potencial para a indústria. Dedica-se à pesquisa e ao desenvolvimento de tecnologia para o setor alimentar, compreendendo os métodos e técnicas de preparo, armazenamento, processamento, embalagem, distribuição e utilização dos alimentos. Mantém também um setor de treinamento, que tem por finalidade melhorar o padrão técnico do pessoal ligado à pesquisa e à indústria no campo alimentício. Este setor proporciona estágios para profissionais e para o pessoal das indústrias e ministra cursos intensivos e extensivos para a formação de pessoal técnico especializado, além de manter convênios com universidades.

Entre as principais finalidades do Ital destaca-se a prestação de assistência tecnológica às indústrias de alimentos e a outras instituições, direta ou indiretamente, sob três formas:16 16 Instituto de Tecnologia de Alimentos, livreto de apresentação, Campinas, 1972. a) sob forma direta na solução de problemas específicos, respondendo a consultas, elaborando estudos no Ital ou na própria indústria, e indiretamente, por meio de publicações e separatas de divulgação técnica; b) elaborando lotes de produtos com marca e rótulo do interessado, para pesquisa de mercado; c) realizando análises de produtos e distribuindo novos produtos, fermentos, enzimas e outros, para serem empregados na indústria de alimentos e afins.

As instalações do Ital permitem realizar estudos preliminares de operações unitárias para desenvolvimento dos processos de fabricação em escala industrial. As características de funcionamento de qualquer tipo de equipamento de processamento podem ser ali estudadas com estimativas de rendimento e de consumo, sob condições operacionais diversas. Além disso, o Instituto possibilita o estabelecimento de melhor especificação de equipamento para cada finalidade, no sentido de economizar tempo, matérias-primas e mão-deobra.

Entre os serviços que o Ital oferece, podem ser citados ainda os seguintes exemplos específicos:

- análise química, bioquímica e microbiológica das matérias-primas agropecuárias e de seus produtos industrializados;

- avaliação sensorial de alimentos processados;

- controle de qualidade de produtos processados e estabelecimento de padrões;

- trabalhos de desenvolvimento dos setores de conservas, preservação pelo frio, congelamento, fermentação, desidratação de alimentos, panificação e massas alimentícias;

- orientação sobre amadurecimento artificial de frutas sob condições controladas de temperatura e umidade;

- formulação de alimentos ricos em proteínas e de baixo custo;

- aprimoramento de produtos alimentícios tradicionais;

- assessoramento técnico no transporte e manipulação de frutas e hortaliças, no armazenamento de grãos, tubérculos e materiais pulverulentos;

- realização de outras pesquisas de interesse para o desenvolvimento da indústria alimentar brasileira.

Segundo Roberto Cobbe, assessor de programação do Ital, a maior parte das pesquisas realizadas no Instituto ainda são financiadas pelo Governo e publicadas em boletins e coletâneas, o que as faz cair em domínio público. E esta divulgação sem restrições parece desestimular os empresários de as utilizarem, principalmente quando se trata do desenvolvimento de novos produtos, dado o livre acesso de concorrentes aos mesmos dados. Por este motivo, e pelo interesse das indústrias em resolverem problemas específicos ligados à sua produção, delineou-se uma tendência de crescimento rápido da pesquisa contratada diretamente pelas empresas, que naturalmente tem a vantagem do sigilo. A maior parte desta pesquisa visa aperfeiçoar os produtos existentes, ou os processos para produzi-los, sendo pouco comum o interesse por novos produtos que fujam ao habitual, como produtos enriquecidos de baixo custo. De uma lista de 84 trabalhos encomendados ao Ital,17 17 Trabalhos realizados pelo Ital sob contrato com indústrias, mimeogr. menos de 10% se preocupam de alguma forma com aspectos nutricionais, o que poderia caracterizar uma falta de sensibilidade das empresas com relação ao problema de alimentação das classes baixas. Deve ser considerado, contudo, que a ofensiva maior do Governo para a solução do problema é recente, e que as empresas demoram um certo tempo para vencer a inércia e tentar novas experiências.

Afirma Cobbe que cerca de 90% das indústrias que têm procurado as pesquisas do Ital são de capital privado nacional. As de capital estrangeiro têm tecnologia própria, e só raramente encomendam algum trabalho muito específico.

As multinacionais, diz, poderiam entrar no mercado de massa com grandes vantagens de preço, em função das reduções de custos que podem obter com sua tecnologia. Talvez no futuro elas venham a se interessar por este mercado, dadas as suas dimensões.

De qualquer forma, os investimentos em pesquisa alimentícia no Brasil deixam a desejar, e uma das causas parece ser a não existência da patentes para alimentos no país. Poucas empresas aventuram-se a arcar com as despesas de pesquisa e desenvolvimento do mercado, sabendo que serão seguidas pela concorrência a custos bem menores. Só o fazem as que têm entre seus objetivos o pioneirismo no mercado. Normalmente são aquelas que têm condições de transformar uma situação de incerteza em uma de risco calculado, e assim enfrentar com maior segurança as reações do mercado.

De uma maneira geral, afirma Cobbe, o empresário nacional ainda não se convenceu de que tecnologia é um fator de competição. E isto se deve, em parte, ao fato de o mercado brasileiro ser ainda pouco exigente quanto à qualidade dos produtos.

A tecnologia é também fator decisivo para a participação da indústria nos programas de alimentação do Governo. Segundo Eduardo Kertsz, do Instituto de Pesquisas e Experimentação Agropecuária (Ipea), com a tecnologia existente não é possível obter produtos industrializados que sejam atraentes para o Programa Nacional de Alimentação e Nutrição (Pronan), em termos de preços.

Mesmo assim, de acordo com outro técnico da Ipea, o Pronan deverá utilizar produtos industrializados, por motivos como entressafra, transportes e armazenagem.

Mas para que a indústria possa participar destes programas no grau por ela desejado, ou até no grau desejável para o país, faz-se necessário um maior entrosamento entre o Governo e os empresários, no sentido de obter maiores chances de diálogo para o estabelecimento de objetivos comuns, e de haver uma conjugação de esforços.

3. CONCLUSÃO

Após a exposição feita, pode-se afirmar que às indústrias alimentícias cabe por certo papel destacado no esforço de combate à desnutrição, principalmente em termos de abastecimento urbano.

O setor, contudo, não vem correspondendo às expectativas, seja em termos de produtividade, seja de adaptação às características do mercado brasileiro.

A baixa produtividade média pode ser atribuída basicamente aos seguintes fatores:

1. Pouca modernização tecnológica, principalmente entre empresas brasileiras que não dão valor à tecnologia.

2. Custos industriais elevados, em especial no que se refere a matérias-primas (dificuldades de abastecimento em termos de quantidade e preço), materiais, energia, serviços de terceiros, e despesas com trabalhadores em domicílio.

3. Altos custos de comercialização, que podem ser atribuídos ao transporte e à embalagem.

4. Pequena escala de produção da maioria das empresas do ramo, que carecem também de know-how administrativo.

Algumas medidas a serem tomadas, como necessidade de maiores investimentos em tecnologia, planejamento integrado com o setor primário, desenvolvimento de embalagens mais baratas, criação de mecanismos de apoio ao pequeno empresário, entre outras, são dedutíveis dos próprios problemas apontados.

Depende, porém, de empenho e criatividade a obtenção de soluções não convencionais, como a sugestão de as indústrias investirem de forma direta na infra-estrutura agrícola, para diminuírem sua dependência do setor primário, ou a descentralização das unidades produtoras para junto das fontes de matérias-primas, como forma de reduzir custos de transporte.

O aumento de produtividade possibilitará uma maior lucratividade ao setor, que deverá apressar o seu ritmo de expansão.

É necessário, no entanto, que essa expansão ocorra de forma interessante ao país.

Mesmo que as empresas tradicionais (basicamente unidades pequenas, familiares, de capital nacional) ainda dominem o mercado em número e volume de produção, as empresas modernas (médias e grandes, destacando-se as estrangeiras) vêm gradativamente conquistando novas fatias do mercado e deslocando as primeiras Está havendo com isto um aumento na produtividade média do setor, que não atende, todavia, de forma plena, às nossas necessidades, pelos seguintes motivos:

1. A expansão das empresas grandes em detrimento das pequenas aumenta o nível de concentração econômica, o que de certa forma conflita com os objetivos sociais adotados pelo Governo.

2. As empresas modernas, mais eficientes e produtivas, abastecem principalmente as classes média e alta, onde a rentabilidade sobre as vendas é maior. Elas têm-se valido de sua produtividade para aumentar lucros, e não para reduzir preços. E, muitas vezes, nem têm utilizado a tecnologia para obter economias de escala, por fabricarem produtos sofisticados para parcelas restritas da população mais abastada. A observação aplica-se com mais procedência às multinacionais que, segundo vários pesquisadores, têm condições de obter custos mais baixos com a sua tecnologia.

Existe, pois, um paradoxo: o setor moderno, mais produtivo, capaz de baixar custos e preços em razão da escala de produção, abastece basicamente as classes de maior poder aquisitivo, onde não pode, muitas vezes, valer-se de sua capacidade instalada para reduzir custos, pela limitação numérica do mercado que atende: por outro lado, o setor tradicional, menos eficiente, abastece as classes baixas, que necessitam de preços menores.

Para equacioná-lo, duas medidas são necessárias:

1. Conseguir que o setor moderno abasteça com intensidade crescente o mercado popular, e se valha de seus recursos para produzir alimentos mais baratos e adequados a este segmento.

2. Propiciar condições para o aumento de produtividade do setor tradicional - apoio administrativo, tecnológico e financeiro - e cuidar para que os benefícios gerados sejam repassados ao consumidor.

Estes resultados só serão alcançados com um esforço conjunto da classe produtora e do Governo. À primeira, cabe adotar objetivos menos imediatistas, e ao Estado, permitir uma maior participação do empresário na elaboração dos planos e políticas para o setor.

Quanto ao argumento de técnicos do Instituto de Alimentação e Nutrição (Inan), de que os alimentos industrializados dificilmente terão condições de concorrer com os in natura no abastecimento às classes baixas, gostaria de destacar quatro pontos para reflexão:

1. Se a comparação de preços for feita com base na quantidade de nutrientes biologicamente assimiláveis, e não no peso ou volume, talvez os alimentos industrializados sejam mais baratos.

2. Os alimentos industrializados enriquecidos são especialmente indicados para campanhas institucionais, onde são exigidas combinações específicas de nutrientes.

3. Os alimentos industrializados permitem, através de misturas, o aproveitamento de fontes não convencionais de proteínas, levando a um melhor aproveitamento dos recursos à nossa disposição.

4. O alimento enriquecido, para ser bem-sucedido, deve considerar outras variáveis além do valor nutritivo: custo, qualidades organolépticas, modo de preparo, conservação e efeito demonstração (não deve parecer um produto desenvolvido apenas para o consumidor pobre).

Havendo maior receptividade por parte do Governo, e uma adaptação parcial das empresas aos objetivos sociais do país, poder-se-ia formular uma política de alimentação mais eficiente, na qual cada alimento, industrializado ou in natura, fosse utilizado quando suas vantagens comparativas em relação aos demais assim o recomendassem. Isto seria benéfico também para as indústrias, as quais se estariam capacitando a explorar diretamente as classes baixas, que prometem ser o principal mercado de consumo de bens nãoduráveis, num futuro talvez até bastante próximo. O Pronan poderia, assim, servir de "estágio" para as indústrias, uma vez que o baixo risco do negócio - pois há maior previsibilidade nestas vendas - permite trabalhar com uma margem de lucro menor. Mais tarde, com o know-how mercadológico e tecnológico adquiridos, surgirão por certo economias de escala em todas as áreas da empresa, levando a uma redução nos custos e ao conseqüente aumento na margem de lucro.

Para que isto possa ocorrer, no entanto, as empresas devem, em primeiro lugar, adotar um conceito social de marketing, ou seja, utilizar um marketing socialmente responsável, buscando não só o lucro a curto prazo, mas o equilíbrio, a longo prazo, entre os desejos do consumidor, os lucros da empresa e o bem-estar social. As empresas que se sensibilizarem com esta causa social, independentemente de pressões externas, se estarão antecipando aos acontecimentos, e conquistando a boa vontade, tanto do Estado como do público consumidor. Além, naturalmente, de estarem abrindo uma nova oportunidade de mercado, que vem ganhando importância a um ritmo surpreendente.

Não pretendo com isto - nem há condições para tal - desmerecer o mercado das famílias que percebem de 6 a 18 salários mínimos por mês e que é o principal sustentáculo do setor alimentício nos dias atuais. Ele é, e sempre será, um grande mercado. O que gostaria, isto sim, é de alertar as empresas para uma oportunidade de mercado que elas não estão sabendo explorar, em prejuízo delas próprias e do bem-estar social. Mesmo que os empresários, em muitos casos, já estejam vendo nas classes baixas um mercado de grande futuro, ainda estão longe de acreditar nele como um mercado não apenas secundário. É certo que condições mais propícias para a sua exploração dependem do Governo, como uma maior eficiência na agricultura e na distribuição, entre outros fatores. Mas dependem também, e muito, de uma tomada de posição dos empresários. Não se trata de introduzir valores filantrópicos nos objetivos das empresas, e sim de as empresas criarem condições para sua própria sobrevivência a longo prazo, pela conquista de novos mercados. E, certamente, uma maior dedicação a este, que vem sendo chamado de "o mercado do futuro", beneficiará aquelas empresas que compreenderem que o verdadeiro pioneirismo na exploração de novas oportunidades pode exigir um certo sacrifício de lucros no presente, em favor de maiores lucros e melhores condições de liderança no futuro.

  • a) IBGE: VIII Recenseamento Geral - 1970; Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - 1973.
  • b) Kirsten, José T. et alii, Orçamentos familiares na cidade de São Paulo: 1971/1972. 1973. (Série Ipe-Monografias)
  • c) Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese). Família assalariada: padrão e custo de vida. Estudos Sócio-Econômicos, 2, jan. 1974.
  • d) Market Analysis S/C Ltda. A Indústria de alimentos e bebidas no Brasil, São Paulo, 1977. Estudo multicliente.
  • 5 Sgarbieri, Valdomiro C. A Contribuição da indústria de alimentos para a solução de problemas nutricionais. Depto. de Planejamento Alimentar e Nutrição, Feaa, Unicamp. p. 2. mimeogr.
  • 7 No Oriente, onde o arroz tem largo consumo, ele é utilizado na alimentação com casca - daí o prodigioso efeito nutritivo deste hábito alimentar na população daquela região. O mínimo que se deveria procurar fazer era consumir o arroz integral, isto é, sem o brunimento. Dado, porém, o hábito de se consumir o arroz sem casca, desenvolvem-se processos para fixar os nutrientes da casca no grão. Um destes processos chama-se aferventação e, naturalmente, é executado no arroz em casca, antes do beneficiamento. Resumidamente, consiste na maceração do arroz com casca em água quente, e na aplicação de vapor, conseguindo-se com isto um teor bem mais elevado de vitamina Bt (algumas variedades testadas chegaram a apresentar uma diferença de 100% no teor da vitamina, quando comparadas com o arroz comum). As variedades que apresentaram melhores condições para a aferventação nos testes foram: IAC 120, RGS CICA 4, RGS 404, VAB 12-46, Patrão precoce e IAC 435. Veja a respeito: Vitti, Policarpo et alii. Aferventação de variedades de arroz. Coletânea do Ital, 6: 103-19, 1975.
  • 10 O futuro já começou para fabricantes de alimentos. Tendência, p.53,set. 1976.
  • 12 The Brookings Instution, 1973.
  • 14 Negóciosem Exame, p. 29,23 mar. 1977.
  • 16 Instituto de Tecnologia de Alimentos, livreto de apresentação, Campinas, 1972.
  • 1
    Considerando a média de 5 pessoas por família.
  • 2
    Utilizamos basicamente dados das seguintes fontes:
    a) IBGE: VIII Recenseamento Geral - 1970; Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - 1973.
    b) Kirsten, José T. et alii,
    Orçamentos familiares na cidade de São Paulo: 1971/1972. 1973. (Série Ipe-Monografias)
    c) Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese). Família assalariada: padrão e custo de vida.
    Estudos Sócio-Econômicos, 2, jan. 1974.
    d) Market Analysis S/C Ltda. A Indústria de alimentos e bebidas no Brasil, São Paulo, 1977. Estudo multicliente.
    Procedemos a uma série de projeções para a determinação do potencial, em virtude da carência de dados atualizados na área. Para maiores detalhes veja a tese
    Alimentação das classes baixas no Brasil (p. 218-38), apresentada à EAESP/FGV para obtenção do titulo dc mestre.
  • 3
    Foram excluídas do setor alimentício, para fins da análise, as indústrias de bebidas e fumos. A exclusão deve-se ao enfoque social dado ao problema, na medida em que tanto as bebidas como o fumo pouco podem contribuir, ou até prejudicam, o nivel alimentar da população.
  • 4
    Em publicação do Dieese de julho de 1973, da série Estudos Sócio-Econômicos, intitulada
    Nível alimentar da população trabalhadora da cidade de São Paulo, temos á página 26 um quadro que apresenta a Distribuição percentual do gasto com alimentação segundo níveis de renda e total - São Paulo, 1969/70. Fazendo uma análise das primeiras duas colunas deste quadro, que se referem à faixa de até 6 salários mínimos por mês, depreende-se que a participação dos alimentos industrializados no consumo total de alimentos da população amostrada situa-se na faixa dos 50%.
  • 5
    Sgarbieri, Valdomiro C.
    A Contribuição da indústria de alimentos para a solução de problemas nutricionais. Depto. de Planejamento Alimentar e Nutrição, Feaa, Unicamp. p. 2. mimeogr.
  • 6
    Sgarbieri (op. cit. p. 17-8) apresenta dados para mostrar que o preparo doméstico prejudica mais o valor nutritivo do que o preparo industrial.
  • 7
    No Oriente, onde o arroz tem largo consumo, ele é utilizado na alimentação com casca - daí o prodigioso efeito nutritivo deste hábito alimentar na população daquela região. O mínimo que se deveria procurar fazer era consumir o arroz integral, isto é, sem o brunimento. Dado, porém, o hábito de se consumir o arroz sem casca, desenvolvem-se processos para fixar os nutrientes da casca no grão. Um destes processos chama-se aferventação e, naturalmente, é executado no arroz em casca, antes do beneficiamento. Resumidamente, consiste na maceração do arroz com casca em água quente, e na aplicação de vapor, conseguindo-se com isto um teor bem mais elevado de vitamina Bt (algumas variedades testadas chegaram a apresentar uma diferença de 100% no teor da vitamina, quando comparadas com o arroz comum). As variedades que apresentaram melhores condições para a aferventação nos testes foram: IAC 120, RGS CICA 4, RGS 404, VAB 12-46, Patrão precoce e IAC 435. Veja a respeito: Vitti, Policarpo et alii. Aferventação de variedades de arroz.
    Coletânea do Ital, 6: 103-19, 1975.
  • 8
    Veja o depoimento de
    Negócios em exame. p. 47, 12 out. 1977.
  • 9
    A concentração de quase 60% da produção brasileira no Estado de São Paulo eleva os custos de transporte e comercialização, encarecendo os produtos nas demais regiões. Uma futura descentralização das indústrias poderia eliminar gradativamente o problema.
  • 10
    O futuro já começou para fabricantes de alimentos.
    Tendência, p.53,set. 1976.
  • 11
    Op.cit.p. 8.
  • 12
    The Brookings Instution, 1973.
  • 13
    Op.cit.p. 6.
  • 14
    Negóciosem Exame, p. 29,23 mar. 1977.
  • 15
    Tendência, op. cit. p. 70.
  • 16
    Instituto de Tecnologia de Alimentos, livreto de apresentação, Campinas, 1972.
  • 17
    Trabalhos realizados pelo Ital sob contrato com indústrias, mimeogr.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Set 1979
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