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Métodos de custeio e lucro real

ARTIGOS

Métodos de custeio e lucro real

Ivan de Sá Motta

Professor-Adjunto e Chefe do Departamento de Administração da Produção da Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo

Quando uma empresa industrial sofre, de um semestre para outro ou, em geral, de um período para outro, variações em seu volume de produção ou de vendas, o lucro referente àquele período é afetado pela maneira de se atribuir, na demonstração de lucros e perdas, determinado valor aos produtos acabados em estoque. Compararemos, neste artigo, a influência dos métodos de custeio variável e de custeio total sôbre o cálculo do lucro. Com qualquer desses dois métodos pode-se recorrer ao sistema de absorção de custos, que, por sua vez, pode ser tornado flexível, a fim de melhor refletir as variações sazonais.

Êste ensaio tem, em suma, dois objetivos. Em primeiro lugar, pretende conceituar melhor o que se tem chamado, comumente, custo direto ou custo variável, comparando o método de custeio total com o método de custeio variável e mostrando como o lucro de uma empêsa é afetado pelo modo de se custear sua produção vendida e estocada. Em segundo lugar, visa a explicar como é feito o custeio por meio de coeficientes de aplicação ou absorção dos custos da produção, tendo em vista mostrar que não existe oposição entre custo direto e custo absorvido (mas, sim, complementação) e evidenciar que os custos absorvidos são sensíveis à influência sazonal.

CONCEITO DE CUSTEIO DIRETO OU CUSTEIO VARIÁVEL

O comumente chamado método do custo direto consiste em custear a produção estocada e vendida, apenas pelo seu custo variável, sendo os custos fixos da produção lançados diretamente na demonstração da conta de lucros e perdas. O custo variável compreende o material direto, a mão-de-obra direta e os indiretos variáveis, ou seja, os custos que variam com o volume da produção. Os custos fixos, ao contrário, independem do volume da produção.

Alguém menos avisado poderia supor que o custeio direto compreendesse apenas os custos diretos - a saber, material direto e mão-de-obra direta - quando, na verdade, êle inclui, também, os indiretos variáveis. Talvez seja por isso que os inglêses o denominam marginal costing e os franceses prix de revient marginaux. A propósito, a primeira aplicação dêsse método data de 1908, na França. Assim, dever-se-ia reservar o nome de custeio direto para o método que consiste em custear a produção apenas pelo material direto e mão-de-obra direta. Há emprêsas que fazem isso por encontrarem dificuldade - sem razão, a nosso ver - em apropriar os indiretos (overhead). Para evitar qualquer dúvida usaremos, doravante, a expressão custeio variável.

CUSTEIO VARIÁVEL VERSUS CUSTEIO TOTAL

O método do custeio variável opõe-se ao método tradicional de custear a produção, pelo qual também os custos fixos são incluídos no custo tanto da produção estocada quanto da produção vendida.

Será interessante ver como os dois métodos de custeio afetam o valor da produção, dos estoques e do lucro. Para tal fim vamos imaginar um exemplo numérico, com dados referentes a uma emprêsa fictícia.

O Quadro 1 apresenta dados relativos a dois períodos distintos de operação da emprêsa. No período 1 o volume de produção é superior ao de vendas: 4 unidades produzidas, 2 unidades vendidas. No período 2 o volume de vendas é superior ao de produção: 3 unidades vendidas, 1 unidade produzida.


O Quadro 2 compara as demonstrações de lucros e perdas nos dois períodos, segundo o sistema de custeio pelo custo variável e segundo o sistema de custeio pelo custo total.


No período 1, no qual a produção é maior que a venda, o método do custeio variável leva a uma perda de 20, enquanto o método do custeio total (fixo + variável) leva a um lucro de 40. Já no período 2, quando a venda é maior que a produção, o custeio variável leva a um lucro de 30, enquanto o custeio total leva a uma perda de 30. Ora, suponhamos que o preço unitário de venda seja de 120, em vez de 100, como consta do Quadro 2, e construamos o Quadro 3 com os mesmos dados do Quadro 2, exceto o preço unitário de venda, que passa a ser de 120.


Notamos que tanto no período 1 (produção maior que venda) como no período 2 (venda maior que produção) há lucro, a saber 20 e 90, pelo custeio variável, e 80 e 30, pelo custeio total, respectivamente. Não há, portanto, relação direta entre a existência ou inexistência de lucro, de um lado, e os volumes relativos de produção e venda, de outro.

Vejamos agora o que se passa entre os custos unitários e os lucros unitários que calculamos conforme a demonstração do Quadro 4.


Verificamos o seguinte: no período 1, o lucro unitário, calculado pelo método do custeio total, é de 20, enquanto que o período 2 acusa uma perda de 70. Por sua vez, o cálculo do lucro marginal unitário, efetuado pelo método do custeio variável, registra um lucro (inclusive o custo fixo) de 50 para ambos os períodos.

Nota-se, pois, que o método de custeio total é mais realista na comparação entre lucros unitários e lucros totais. No exemplo em questão, apenas êsse método demonstrou que a produção deixou de ser lucrativa no período 1, para ser deficitária no período 2, porque o mesmo custo fixo passou a onerar, no segundo período, uma produção quatro vêzes menor. O custo unitário, portanto, aumentou cônsideràvelmente, levando a emprêsa a uma situação deficitária.

Indubitavelmente, sob o ponto de vista interno da emprêsa, o método do custeio total deve ser preferido ao do çüsteio variável, porquanto o custeio total, avaliando pelo custo real a produção estocada e a produção vendida, acusa, também, o lucro real da emprêsa. O custeio variável, ao' invés, leva a lucro menor e, até mesmo, a perda, como no exemplo dado, porque não atribui o devido valor ao estoque.

É o que se poderia dizer sob o ponto de vista pròpriamente administrativo. Totalmente oposta se apresenta a situação quando nos colocamos sob o ponto de vista tributário do administrador, sempre pretendendo adiar, tanto quanto possível, o reconhecimento do lucro, dilatando, por conseguinte, o prazo para pagamento do respectivo imposto de renda.

Considerando-se os dois períodos conjuntamente, o lucro total da emprêsa será 10, seja qual fôr o método de custeio utilizado. Tendo o custeio variável o efeito de adiar, do período 1 para o período 2, o reconhecimento do lucro, o fenômeno da subestimação do estoque e conseqüente diminuição do lucro seria, de per si, suficiente para justificar a adoção, pelo administrador preocupado com o fisco, do custeio variável.

REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DOS CUSTEIOS

O Gráfico 1 mostra, de maneira comparativa, os custos, as receitas e os lucros obtidos nos períodos 1 e 2, de conformidade com cada um dos métodos de custeio ora sob análise.


O Quadro 5 explica os valores do gráfico.


APLICAÇÃO OU ABSORÇÃO DE CUSTOS

A aplicação ou absorção de custos é um artifício contábil usado para estimar o custo através de um cálculo prévio, baseado no nível do volume de produção efetiva. Tanto se podem aplicar (estimar) custos totais, como apenas custos variáveis (diretos), de modo que se pode falar de custos absorvidos (aplicados) totais e custos aplicados variáveis. Não existe, logicamente, nenhuma oposição entre custos aplicados e custos variáveis (diretos); pode-se, perfeitamente, falar de custos diretos (variáveis) absorvidos (aplicados). O custo absorvido (aplicado), apesar de baseado na produção efetiva, não deixa de ser um custo estimado e como tal pode diferir do custo efetivo ou custo real, que é aquêle em que a emprêsa efetivamente incorreu.

Falaríamos, então, de custos absorvidos versus custos efetivos, como falamos, anteriormente, de custos variáveis ("diretos") versus custos totais. Porém, só no sentido que adiante explicaremos.

O custo absorvido é um pré-custo estimado através de um coeficiente de aplicação ou de absorção, calculado a partir de um orçamento feito no início do período contábil, antes de iniciada a produção. Êsse coeficiente de aplicação, multiplicado pela produção efetiva (real) do período, indica o custo aplicado do período. Diz-se, então, que a emprêsa está fazendo uma "aplicação de custos".

Quando a emprêsa custeia a produção com um coeficiente efetivo, obtido pela divisão do custo efetivo total pela produção efetiva total, diz-se que ela está trabalhando com um sistema de "custo efetivo" (custo real; pós-custo).

A emprêsa tem, pois, duas possibilidades cronológicas, por assim dizer:

• usar um sistema de custos aplicados, que lhe permita, desde o início do período contábil, custear estimativamente a produção, através de um coeficiente de aplicação;

• usar um sistema de custos efetivos, com o qual, no fim do período, a emprêsa custeie a produção através de um coeficiente efetivo, obtido pela divisão do custo efetivo total pela produção efetiva total.

Todavia, o custo aplicado representa mais do que um pré-custo. Êle não tem só a vantagem de permitir conhecer, aproximadamente, o custo de produção antes do fim do mês, quando os custos efetivos se tornam conhecidos.

Mais do que isso, o custo aplicado é uma modalidade de custo-padrão, pois o coeficiente de aplicação pode ser considerado como um padrão unitário. Essa característica do custo aplicado só poderia ser melhor desenvolvida em apresentação especialmente dedicada aos custos-padrão, como elementos de controle administrativo das emprêsas, o que escapa ao objeto desta dissertação.

SAZONABILIDADE, APLICAÇÃO DE CUSTOS E LUCROS

Quando a produção da emprêsa é sazonal, isto é, quando o ciclo de produção tem pelo menos um subciclo sazonal e outro subciclo complementar não-sazonal, a aplicação de custos precisa ser feita de maneira flexível, de modo que as demonstrações de lucro apontem o lucro mais real para ambos os subciclos, o sazonal e o não-sazonal. A flexibilidade na aplicação dos custos consiste em calcular um coeficiente de aplicação para cada um dos subciclos. A rigidez na aplicação de custos consistiria em calcular um só coeficiente de aplicação para estimar o custo de todo o ciclo da produção. Essa rigidez não se justifica, por levar a lucros irreais em relação a cada um dos subciclos, embora o lucro do ciclo total seja o mesmo.

Façamos, a propósito, uma discussão numérica, com 03 mesmos dados já utilizados. Caracterizemos o período 1 (produção maior que venda) como o subciclo não-sazonal, e o período 2 (venda maior que produção) como o subciclo sazonal. Do Quadro 1 tiremos os coeficientes de aplicação flexível 80 e 170, para os períodos 1 e 2, respectivamente. Tiremos, também, o coeficiente de aplicação rígida 98, para ambos os períodos. Partindo dêsses dados, podemos construir o Quadro 6.


REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DA APLICAÇÃO DE CUSTOS

Vamos mostrar agora como se faz a representação gráfica da aplicação de custos. Os Gráficos 2, 3 e 4 mostram, comparativamente, como se faz a aplicação de custos de maneira flexível (Gráficos 2 e 3) e de maneira rígida (Gráfico 4). A horizontal representa as unidades produzidas, enquanto a vertical representa os custos de produção, fixos e variáveis.




Nos Gráficos 2 e 3 foram aplicados coeficientes diferentes para cada um dos períodos, levando-se em conta as diferenças registradas, no nível de produção, entre os 2 períodos. No período 2 (Gráfico 2) o custo total orçado para a produção de 4 unidades é de Cr$ 320, 00, sendo Cr$ 120, 00 fixos e Cr$ 200, 00 variáveis à razão de Cr$ 50, 00 por unidade. Com base nesse orçamento, o coeficiente de aplicação do custo total orçado e a produção orçada, será de

O custo aplicado será então calculado à razão de Cr$ 80, 00 por unidade. No Gráfico 3, relativo ao período 2, o custo total orçado para a produção de uma unidade é de Cr$ 170, 00, sendo Cr$ 120, 00 fixos e Cr$ 50, 00 variáveis, à razão de Cr$ 50, 00 por unidade.

Êsse orçamento leva ao coeficiente de aplicação do custo total de Cr$ 170, 00, por ser esta a relação entre o custo total orçado e a produção orçada. O custo aplicado será então calculado à razão de Cr$ 170, 00 por unidade.

No Gráfico 4 foi feita a mesma aplicação para os dois períodos, com o mesmo coeficiente dé aplicação, sem se levar, em consideração as diferenças dos níveis de produção nos 2 períodos. Nesse gráfico, relativo ao periodo-total formado pelos períodos 1 e 2, o custo total orçado para a produção de 5 unidades é de. Cr$ 490, 00, sendo Cr$... 240, 00 fixos e Cr$ 250, 00 variáveis, à razão de Cr$... 50, 00 variáveis por unidade de produção. Com base nesse orçamento, o coeficiente de aplicação do custo total, que é a relação entre o custo total orçado e a produção orçada, será de

O custo aplicado será, então, calculado à razão de Cr$ 98, 00 por unidade.

CONCLUSÕES

• O método do custeio total (fixo e variável) indica melhor a rentabilidade da emprêsá, permite melhor fixação do preço de venda, avalia o estoque, pelo yalor justo, mas não adia o reconhecimento do lucro

• O método do custeio variável não apresenta nenhuma das vantagens do custeio total (fixo e variável), mas adia o reconhecimento do lucro pela subestimação dos estoques.

• Não há oposição entre custo variável e custo absorvido: há complementação.

• O custeio através de coeficientes de aplicação (absorção) pode ser feito de modo a manter-se a sensibilidade às variações sazonais dos ciclos contábeis, não deformando o resultado do exercício.

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS

Nota da Redação: Além dos trabalhos acima mencionados invocamos a atenção ao artigo de Wolfgang Shoeps, "O Método do Custeio Direto", Revista de Administração de Empresas, vol. 1, nº 2 setembro/dezembro, 1961.

  • C. B. Nickerson, Cost Accourting, McGraw-Hill Book Co., Inc., Nova Iorque; 1954.
  • J. W. Ruswinckel & W. B. Lawrence, Cost Acccunting, Prentice Hall Inc., Nova Iorque, 1956
  • Ivan de Sá Motta, Custos da Produção, Escola de Administração de Empresas de São Paulo, mimeografado, 1962.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jul 2015
  • Data do Fascículo
    Mar 1964
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