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A política tributaria (IPI/ICM) e o desenvolvimento industrial

ARTIGOS

A política tributaria (IPI/ICM) e o desenvolvimento industrial

Roberto Antônio Pimenta

Assessor da Assessoria de Planejamento e Coordenação (APC) da Secretaria da Fazenda de Minas Gerais

1. O SISTEMA TRIBUTÁRIO NOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO

A noção de finanças públicas envolve um vasto e complexo conjunto de normas políticas, econômicas e sociais relacionadas com a atividade governamental. Como um campo específico da economia, ela se preocupa primariamente com os efeitos da ação financeira e fiscal do Governo na alocação dos recursos escassos, distribuição da renda e nos níveis de preço, emprego e crescimento econômico.

Uma fato bastante expressivo é o de que, em muitos países, a participação do setor público no PIB tem aumentado significativamente. Com efeito, nos dias atuais, uma parcela considerável da produção total de um país é destinada a atender às necessidades públicas, ao passo que uma parte substancial da renda do setor privado origina-se das atividades do Governo; impôstos e subsídios afetam de maneira marcante a distribuição da renda de uma comunidade e os níveis de preço e de emprego são altamente influenciados pela política orçamentária governamental.

Além disso, para assegurar o êxito de um determinado conjunto de metas preestabelecidas pela comunidade, quando o setor privado mostra-se incapaz ou pouco inclinado a alcançá-lo, o setor público poderá tomar a si essa responsabilidade, ou disciplinar a atividade econômica evitando, mantendo ou mesmo corrigindo um dado comportamento econômico.1 1 Kono, Osao. A influência das finanças públicas no sistema econômico. Monografia apresentada no concurso para economistas do Serviço Público Federal em 30-6-1965.

Destarte, pela manipulação da receita, da despesa, dos débitos públicos, o Governo não só se acha capacitado a influenciar, como de fato o faz na economia de um país.

O sistema tributário, nos países que empreendem um esfôrço de industrialização, assume papel dinâmico no crescimento econômico, principalmente como elemento estimulador e seletivo das atividades econômicas, em razão de sua incidência sobre a poupança e o investimento, sobre o preço e sobre o volume das atividades. Como resultante desse fato, a problemática da estruturação de uma fiscalidade baseada numa imposição direta ou indireta perde a sua importância ou transforma-se numa falsa alternativa, evidenciando-se a função de orientador econômico do sistema tributário e a necessidade de uma repartição inter-setorial do impôsto.

O enfoque econômico do papel do tributo põe em relevo dois aspectos importantes do problema da equitativa repartição dos encargos fiscais:

1. O regime fiscal deve assegurar uma repartição de peso do impôsto que favoreça o crescimento equilibrado dos diversos setores e ramos da economia, segundo um plano coerente preestabelecido. Deve-se visar a inserção do sistema tributário no plano de desenvolvimento econômico e a eliminar toda disparidade na repartição do impôsto, a qual produz perturbações reais na economia, apesar dos esfôrço s paralelos desenvolvidos para evitá-las.

2. O conhecimento da participação dos principais setores de atividade no esfôrço de constituição da renda nacional é um requisito de toda política racional de tributos. A carga tributária setorial, o valor agregado e outros elementos de referência, são necessários para a avaliação das incidências econômicas do impôsto, pois as estruturas econômicas e a importância relativa dos diversos setores de atividades condicionam toda a política fiscal e, por meio da fiscalidade, toda a política de desenvolvimento.

Diante do quadro apresentado, podemos dizer que um sistema de imposição do setor industrial deve considerar a capacidade contributiva em função da produtividade de cada atividade industrial e a eliminação das distorções econômicas, fiscais e administrativas que a imposição poderia provocar. Essa filosofia de tributação é alcançável por uma fiscalidade que vise os seguintes objetivos:

a) Implantação de um sistema impositivo do setor industrial simplificado e baseado na capacidade contributiva das atividades econômicas e em sua importância no processo de desenvolvimento econômico, visando racionalizar as cargas fiscais nos diversos circuitos de produção e de distribuição e simplificar as obrigações fiscais.

b) Organização de um sistema administrativo-fiscal de alta rentabilidade, flexível e adaptável à evolução da economia industrial, por intermédio de um sistema integrado de informações, baseado na unidade do ente tributável.

c) Inserção do sistema impositivo do setor industrial no plano de desenvolvimento econômico, por critérios de imposição quê possibilitem o estímulo às atividades dè maior produtividade econômica e de uma legislação simples, compreensiva e flexível, que evite a dispersão dos meios de controle e a complexidade das formalidades fiscais, geradoras de fraudes e de entraves ao desenvolvimento das pequenas e médias empresas, e as normas casuísticas, paralelas ao sistema tributário.2 2 Secretaria da Receita Federal. Revista de Politica e Administração Fiscal, n. 6, nov./dez. 1969.

2. ANÁLISE DO IPI E DO ICM COMO ELEMENTOS INIBIDORES OU ESTIMULANTES DO SETOR INDUSTRIAL

2.1 Análise do IPI sobre o setor industrial

Analisando-se a atual tabela anexa à Lei n.º 4.502, observa-se que apresenta 24 alíquotas-base, variando de 3% (madeira e produtos químicos organomercuriais) a 365,63% (fumo especial), conforme nos mostra a tabela 1.

Ainda que o limite inferior da tabela inicia-se por 3% e o superior atinja, como no caso do fumo, a alíquota especialíssima de 365,63%, as de 5%, 4%, 10%, 8% e 12% apresentam as maiores freqüências: 193, 173, 166, 146 e 125 respectivamente. Esse sistema de alíquotas impõe a necessidade de uma análise mais profunda a respeito dos critérios utilizados para a sua determinação. A fixação do impôsto é determinada pelo maior ou menor grau de essencialidade dos produtos sujeitos a alíquotas ad valorem. Embora a Constituição de 1967 defina o impôsto como seletivo em função da essencialidade, não explica o critério de essencialidade, parecendo nítido que esta procure discriminar os produtos segundo uma hierarquia do consumo.

Esse sistema, tal como se apresenta, provoca distorções, tanto em função da natureza dos produtos como da estrutura industrial, da participação de cada setor no esfôrço produtivo e dos circuitos de produção.

Observa-se que o critério de essencialidade adotado não distingue, para efeito de tributação, as duas categorias de preços: de produtos de consumo e de bens intermediários de produção, pois a produção intermediária também é taxada. Se o faz é de maneira subjetiva, de difícil avaliação. A imposição do setor industrial é amplamente genérica abrangendo os bens de consumo e os de produção. Admitindo-se que tal critério tenha sido obedecido, quando do estabelecimento da alíquota, verifica-se a sua anulação pela existência do impôsto estadual sobre circulação de mercadorias sem nenhuma observância de seletividade e com uma elevada alíquota, única, estimada em torno de 17%. A soma dos dois impôstos, ICM e IPI, recai sobre os bens de produção em média com uma incidência de 30%. A esse respeito teceremos maiores considerações adiante.

A legislação tributária não pode negligenciar as economias de escala, a produtividade industrial, a expansão do mercado de trabalho, a localização industrial e o estímulo à implantação de indústrias dinâmicas, com efeitos propulsores sobre a economia.

O atual sistema de imposição dos produtos industrializados, fundamentado em função da natureza e essencialidade de consumo do produto, apresenta distorções de natureza econômico-fiscal, que agravam a carga tributária e comprometem a operacionalidade do tributo:

1. O sistema de alíquotas é baseado em critérios subjetivos de difícil caracterização. É praticamente impossível, principalmente pela inexistência de estudos da função do consumo e de sua evolução em relação ao nível de renda, a determinação do grau de essencialidade para o consumo de produtos industriais.

2. Generalização da imposição a bens de consumo e a bens intermediários, comprometendo a livre circulação dos produtos e a avaliação exata do esfôrço de produção.

3. Desconhecimento da capacidade contributiva e personalidade do ente fiscal e sua importância no esfôrço produtivo.

4. Ausência de neutralidade do impôsto: a extensão do circuito de industrialização ou comercialização concorre para a elevação da carga tributária, pois há ocorrência do impôsto tantas vezes quantas são as fases de elaboração ou de comercialização do produto.3 3 Kono, Osao. op. cit.

Em suma, podemos dizer que é necessário distinguir as indústrias tradicionais e as dinâmicas, para a execução de um tratamento fiscal específico, não se ignorando que o sistema tributário organiza-se a partir da capacidade contributiva do ente tributável, tendo as indústrias papel diferente no processo de desenvolvimento.

Esse fato pode ser observado mais detidamente no último item deste artigo, onde vemos a participação de cada indústria na arrecadação do IPI, para o estado de Minas Gerais.

As distorções apontadas anteriormente poderiam ser eliminadas pela implantação de um sistema de alíquotas em função da atividade industrial e não sobre o produto, isto é, a incidência seria deslocada para a produção e a base de cálculo seria o valor agregado pelo estabelecimento.

O atual sistema de imposição do setor industrial, embora não suscite a cobrança de um impôsto acumulativo, manifesta uma multiplicidade de impôstos, pois, em tese, tributa-se o produto cada vez que a êle se agrega um valor: o impôsto sobre o valor das vendas cobra-se em cada etapa do processo de elaboração, pagando-se sobre a base do valor das vendas menos o valor das compras de insumos e serviços. O impôsto, sendo cobrado em cada fase do processo de industrialização, ainda que não seja acumulativo, apresenta uma discriminação em função dos circuitos de industrialização: quanto maior fôr a extensão do circuito maior será a carga tributária.

É possível que os artigos de consumo essencial sofram maior agravamento que os de consumo supérfluo, pois aqueles apresentam geralmente um circuito de industrialização mais extenso: a observação parece válida, principalmente para a indústria do vestuário, calçados e artefatos de tecidos.

O cálculo do impôsto aponta um residual acumulativo, pois quando se avalia o impôsto de uma determinada fase, à base de cálculo, agrega-se o impôsto pago na fase anterior, provocando assim distorções na avaliação dos esfôrço s empregados na produção. O sistema de crédito e débito, que visa eliminar a acumulatividade do impôsto, limitando-se à incidência sobre o valor agregado na etapa industrial em que ocorre o fato gerador, não é eficaz para a eliminação desse resíduo.

2.2 Análise do ICM sobre o setor industrial

O impôsto sobre a circulação de mercadorias substitui, na nossa sistemática fiscal, o chamado impôsto de vendas e consignações.

Entre eles existe, pelo menos, duas diferenças básicas. Uma delas está em que o impôsto de vendas e consignações é recebido em "cascata", isto é, cumulativamente: a cada operação do processo mercantil, do produtor ao consumidor final, o produto é tributado, independentemente da carga fiscal que haja suportado em fase anterior do processo. "Suas taxas são uniformes para todas as categorias de produtos, repetindo-se em cada operação de venda que forem objeto e seguindo a escala crescente dos preços desde o produtor inicial até o consumidor".4 4 Silva, Gerson Augusto da. Sistema tributário brasileiro. Rio de Janeiro, Ed. Financeiras S. A., 1948, p. 133. Enquanto isso, o impôsto sobre a circulação é não cumulativo, vale dizer, embora cobrado em todas as fases do processo de circulação, em cada uma delas deduz-se, para efeitos fiscais, o montante arrecadado pelo fisco nas fases anteriores, de tal forma que operações suportam o ônus tributário apenas sobre o valor acrescido ao produto após a operação anterior.

A outra diferença reside no fato de que, enquanto no impôsto de vendas e consignações o fato gerador é o negócio jurídico de natureza mercantil, o impôsto de circulação tem como fato gerador a saída de mercadorias de estabelecimento comercial, industrial ou produtor.

Logo após a sua instituição, o ICM converteu-se no impôsto mais expressivo e contraditório da atual sistemática. Com o passar do tempo, êle revela-se, com nitidez, vocação de tributo nacional, apesar de ter sido inserido na competência dos estados.

Essa imagem ressalta-se pelo fato de se tratar de um impôsto indispensável, como recurso orçamentário, a todas as esferas do Governo em que se reparte a federação: à União, para atribuí-lo aos territórios; aos estados e ao distrito federal como fontes de receitas próprias; aos municípios, como forma de participação na arrecadação estadual ou federal.

Aduz-se ao traço precedente o teor e as profundas implicações econômicas que lhe são imanentes, pois, grava mercadorias em todas as fases do processo produtivo, destinem-se essas ao consumo interno ou às exportações ou procedam do exterior.

O ICM, tal como foi configurado pela Emenda n.º 18 e mantido pelas Constituições de 1967 e 1969, rejeita discriminações intrínsecas, tendo, aliás, declarado expressamente a norma constitucional que a alíquota do impôsto é uniforme "... para todas as mercadorias nas operações internas e interestaduais"; acrescentado ainda o dispositivo que "... O Senado Federal, mediante resolução tomada por iniciativa do presidente da República, fixará as alíquotas máximas para as operações internas, as interestaduais e as de exportação".5 5 Reforma da Discriminação Constitucional de Rendas (Anteprojeto), p. 7.

Parece iniciar nestas duas circunstâncias - incidência uniforme sobre mercadorias e necessidade indispensável de se revestir em recurso orçamentário - a série de problemas e contradições, que nestes poucos anos de existência tem criado e sugerido o dito tributo.

A incidência do ICM, uniforme em relação a todas as mercadorias e em todas as fases do processo produtivo, não evitou que êle, na categoria de impôsto indireto, viesse repousar, em última análise, exatamente sobre a produção, repercutindo sua carga acumuladamente sobre o consumidor.

Por outro lado, os artífices da reforma tributária tiveram necessidade, e ao que tudo indica sem fórmulas optativas ou alternativas, de contemplar as finanças estaduais com um tributo que tivesse condições de compensar a perda do IVC. Assim, foram forçados a admitir alíquotas elevadas para o ICM, subvertendo, nesse jôgo, as características de singeleza e modicidade que deveriam qualificá-lo como modalidade impositiva.6 6 Pontes, Hélio & Dias, José Maria. O sistema tributário brasileiro. Revista Brasileira de Estudos Políticos, UFMG, 1970.

Não possuindo ainda condições de seletividade em função do consumo, deixando ainda de ser um tributo singelo e módico, o ICM tornou-se menos equitativo do que o IPI e o próprio impôsto sobre a renda, dando margem a que surgissem críticas a respeito, como a do ex-ministro Bulhões7 7 Bulhões, Otávio Gouvêa de. A politica tributária - finalidades econômicas e financeiras. Revista de Direito Público, São Paulo, Ed. R. T., 7: 38. ao explicar que os impôstos indiretos sobre bens de consumo ou produção (IPI e ICM) devem funcionar como um complemento do impôsto sobre a renda e não isoladamente, onerando o consumo final ou os investimentos improdutivos.

Um exemplo bastante claro lembrado por êle mostra que, feitos os cálculos, IPI e ICM somam, como carga tributária, de 20 a 25% sobre o valor do investimento (exemplificado por máquinas e equipamentos), sendo isto um impacto violento, antieconômico, desanimador e ruinoso para o País, de escassas disponibilidades de capitais.

Um fato que merece ser ressaltado refere-se aos critérios e às práticas de concessão de incentivos e isenções por parte dos estados.

O impôsto de circulação não comporta discriminação e nem mesmo isenções. A discriminação é vedada expressamente pelo parágrafo 4.º do artigo 24 da Constituição, que declara ser a alíquota do impôsto uniforme "para todas as mercadorias nas operações internas e interestaduais". Não obstante isso, existe a prática de incentivos que acarretam uma discriminação. Além disso, as isenções concedidas estão provocando o início de uma concorrência de fornecimento entre os estados, o que é desaconselhável.

Não foram poucos os casos de concessão e reconhecimento indiscriminados, pelos governos locais, de isenções ou incentivos do ICM relativamente a produtos primários ou intermediários, que provocaram cisões e interrupções nos elos da cadeia do processo produtivo, impedindo o registro de créditos aos agentes de circulação, estabelecendo diferenças entre mercadorias, inclusive quanto à procedência ou destino, impossibilitando ademais, a plena eficácia de funcionamento da mecânica escriturai de entrada e saída de mercadorias.

Tôda medida de política fiscal de estímulo ao desenvolvimento deve caracterizar-se pela criação de facilidades aos investimentos e não pela subvenção dos custos operacionais da empresa, sob a forma de isenção de impôstos indiretos.

A formação de distritos industriais, o desenvolvimento de economias externas que façam baixar os custos das instalações, o financiamento de pesquisas de mercado, a elaboração de pré-projetos, o fornecimento parcial de capital de empréstimo ou de risco são, entre outras, medidas eficazes de estímulos a novos investimentos, sem as graves inconveniências da isenção.

Inicialmente pretenderam os estados, por meio da oferta de isenção de impôstos, forçar a localização de certos investimentos industriais em seu território. Entretanto, à medida que o uso desse meio foi-se generalizando, perdeu êle toda eficácia como fator de localização dos investimentos, para se transformar numa guerra fiscal suicida entre os estados, estimulada por certos empresários sob a forma de verdadeiro leilão de favores. Nessa corrida, as insenções que começaram a ser concedidas por prazos de dois, três e cinco anos acabaram atingindo os limites de 15 e 20 anos, num insensato comprometimento da situação financeira do estado por tão extenso e desnecessário período de tempo.

A isenção de um impôsto indireto exclui, dos custos operacionais da empresa, parcela importante que terá uma das seguintes aplicações:

1.º. cobrir a menor produtividade da indústria por localização inadequada;

2.º. aumentar o poder de competição da empresa;

3.º. elevar os lucros de seus titulares.

A primeira dessas apresenta graves inconveniências como medida de política econômica se promover a localização inadequada de indústrias, com conseqüente perda de produtividade real e emprego ineficiente dos fatores disponíveis de produção. Nessas condições, a isenção, ao invés de ajudar o desenvolvimento econômico do País, estaria apenas servindo para financiar, à custa das finanças estaduais, a ineficiência de certos investimentos.

A segunda resultaria em grave injustiça, ao proporcionar a determinada empresa, beneficiada com a isenção, condições de concorrência desleal com as demais empresas similares do País, sujeitas ao pagamento de todos os tributos.

Constitui preocupação básica de política econômica a criação de um clima sadio e de leal competição na disputa do mercado. E, não se conceberia que um dos agentes do próprio poder público viesse a utilizar os favores fiscais como instrumento de distorção de tais condições.

Se o empreendimento oferece condições satisfatórias de produtividade e a isenção não é utilizada como fator de concorrência desleal, o favor fiscal transformar-se-á, pura e simplesmente, em aumento artificial de lucros dos empresários, sem maiores benefícios para a economia do estado e do País, além de caracterizar sua desnecessidade como instrumento promotor de investimento.

Tanto no impôsto de vendas e consignações como no impôsto de circulação, o tributo incide em cada fase do ciclo econômico da mercadoria, da produção ao consumo. No primeiro caso, entretanto, as incidências são autônomas entre si; as operações realizadas pelo produtor agrícola, pelo industrial ou pelo comerciante são gravadas independentemente. Em conseqüência, no regime de vendas e consignações, a isenção pode beneficiar qualquer fase do ciclo, sem repercussão sobre as demais.

No caso do impôsto de circulação, as coisas passam-se de modo diverso. O impôsto vai incidindo, em cada fase, apenas sobre os valores que vão sendo adicionados ao produto até seu consumo final.

O impôsto relativo a cada operação dá direito a um crédito correspondente ao impôsto pago na operação anterior. Em conseqüência, as sucessivas operações sobre um mesmo produto constituem elos interligados de uma cadeia, cuja ruptura destrói, em sua essência, o sistema do impôsto de circulação.

A produção industrial constitui uma fase intermediária do ciclo econômico. Uma isenção aí interrompe a cadeia, impedindo que o impôsto pago na fase anterior transporte-se para a seguinte e alterando, dessa forma, uma característica fundamental dêle.

Com exceção de um número muito pequeno de indústrias que têm condições de vender seus produtos diretamente aos consumidores, a isenção nem sequer consegue beneficiar o custo do produto. Quando uma indústria, porventura beneficiada com uma isenção do impôsto de circulação, adquire matérias-primas não pode utilizar o crédito correspondente ao impôsto sobre elas incidente. E, por estar isenta, não transfere crédito fiscal para o comprador que, no caso, fica obrigado ao pagamento do impôsto sobre o valor integral da operação de revenda.

Se a indústria beneficiada com a isenção vende seus produtos para outros estados, a coisa ainda se torna mais grave, porque nesse caso o impôsto que deixou de ser pago no estado de origem, vai ser integralmente recolhido no destino. E a isenção ter-se-á transformado, assim, em uma inútil transferência da renda fiscal para os estados compradores.

É evidente que os estados não estão impedidos de conceder, ao regular a cobrança do impôsto de circulação, as isenções que lhe parecerem convenientes do ponto de vista da política fiscal. Mas estas precisam ser tecnicamente compatíveis com a natureza e o espírito do impôsto. E entre as incompatibilidades frontais com essa natureza e com esse espírito encontram-se as isenções que, ao invés de beneficiar produtos, pretendem beneficiar as empresas que os produzem.

A norma constitucional vigente, art. 23, § 6.º, diz que: "As isenções do impôsto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos fixados em convênios celebrados e ratificados pelos estados, segundo o disposto em lei complementar."

A política tributária de incentivos e isenções, via ICM, realizada neste triénio, não obstante as últimas medidas constitucionais, foi conduzida, mesmo pelas autoridades federais, sem atender às perspectivas globais da economia brasileira, pecando por satisfazer às conveniências estritamente regionais ou locais, às pressões de determinadas clientelas, ao favorecimento de setores, radicalizando ainda mais a profunda cisão entre os estados produtores (Centro/Sul) e os estados consumidores ou produtores de matérias-primas (Norte/Nordeste).8 8 Pontes, Hélio & Dias, José Maria. op. cit.

Como é do conhecimento geral, a Conferência de Secretários da Fazenda dos Estados da Região Centro/Sul foi instituída como órgão interestadual de caráter permanente, com a atribuição de discutir e propor alterações uniformes de alíquotas do ICM, sugerir medidas relativas a isenções do mesmo tributo, bem como colaborar com o Governo federal para o aprimoramento da legislação fiscal.

Estamos pois convencidos de que a competência isencional no ICM está triplamente repartida entre União, estados-membros e convênios regionais, estes últimos alçados, de vigente dispositivo constitucional (art. 23, § 6.º, citado), à condição de órgão paralegislativo supra-regional em matéria de competência tributária isencional na órbita do ICM. A regra isentiva emitida pelos convênios é obrigatória e vinculante, por si só, independentemente de o estado-membro emitir ou não diploma legal versando o mesmo tema. Sua eficácia, portanto, advém do convênio subscrito tão-sòmente.

Um ligeiro passar de olhos pelos convênios regionais mostra que se tem tido grande preocupação com o setor agropecuário, em matéria de isenção ou redução do tributo, pois, o produto desse setor, que responde por vultosa parcela da renda interna de Minas Gerais, à vista da deterioração de suas relações de troca, não suporta a aplicação da alíquota total do ICM.

No que se refere ao setor industrial, pouca coisa tem-se decidido nesses acordos, o que é de lastimar, pois nenhuma receita tributária substitui no processo do ICM, a que se obtém da indústria. Basta dizer que a receita anual de uma usina siderúrgica em Minas Gerais (no caso a Usiminas) é praticamente igual à de todo o setor agropecuário do estado, verificada em 1969.

A título de informação, podemos citar alguns itens dos convênios que atingem o setor industrial:

- No I Convênio do Rio de Janeiro, em 23 e 24 de fevereiro de 1967, temos, pelo art. 1.º, cláusula 1.ª, os seguintes casos de isenção:

"1 . Saídas de jornais, revistas e periódicos, bem como os de livros didáticos, técnicos, científicos ou literários".

"4. Saídas de amónia, ácido nítrico, nitrato de amónia e suas soluções, ácido sulfúrico, ácido fosfórico, fosfatos de amónia, de enxofre, de estabelecimento onde se tiver processado a respectiva industrialização:

a) a estabelecimentos onde se industrializam adubos simples ou compostos e fertilizantes;

b) a outro estabelecimento do mesmo titular daquele onde se tiver processado a industrialização;

c) a estabelecimento produtor".

Com essas medidas beneficiaram-se as indústrias químicas e editorial e gráfica.

- No Convênio de Porto Alegre de 12 a 16 de fevereiro de 1968 ficou acordado:

"Cláusula 3. Permitir às entidades signatárias reduzirem a base do cálculo do impôsto sobre circulação de mercadorias, relativamente às saídas para o estrangeiro, de carne, milho, arroz, e soja na proporção de 60% para a carne e de 40% para as demais mercadorias indicadas". Beneficia diretamente a indústria alimentar.

"Cláusula 4. As entidades signatárias poderão permitir que os estabelecimentos industriais se creditem do ICM relativo às aquisições, efetuadas a partir de 1.º de abril de 1968, de equipamentos industriais nacionais, destinados ao seu ativo fixo".

Isto é de grande importância, pois vem beneficiar todo o setor industrial.

"Cláusula 5. Considerando legítima, com vistas à legislação em vigor (Ato Complementar n.º 35, art. 7.º, § 1.º), a incidência do ICM sobre a exportação para o estrangeiro, de madeira rudimentar".

Tal medida grava a indústria madeireira, no intuito de preservar a qualidade do produto exportado.

- No IV Convênio do Rio de Janeiro em 15 e 16 de outubro de 1968 temos:

"Cláusula 7. Considerar que o impôsto sobre circulação de mercadorias incide nas saídas de cal virgem e/ou hidratada, uma vez que não se trata de mineral sujeito ao impôsto federal específico".

Esta posição onera a indústria de produtos de minerais não metálicos e construção civil.

- O Convênio do Distrito Federal, firmado em 14 e 15 de janeiro de 1970, foi uma medida tomada no sentido de estimular as exportações brasileiras, visando uma aceleração do processo de desenvolvimento econômico do País, dentro das diretrizes fixadas pelo Governo federal. Objetivou também o interesse em suavizar o problema de capital de giro do setor industrial que opera com o sistema de vendas a prazo.

Em termos gerais, referindo-se ao setor industrial, o Convênio diz que, nas exportações de produtos industrializados para o exterior, os signatários poderão conceder aos respectivos estabelecimentos fabricantes-exportadores direito a um crédito do ICM, de valor equivalente ao da aplicação da alíquota do IRI, até o limite máximo de 15% sobre o valor FOB, em moeda nacional, das exportações para o exterior. Exclui, do estímulo fiscal previsto, alguns produtos do ramo alimentar e madeireiro.

Uma tentativa de suavizar o problema de capital de giro de alguns setores é feita na cláusula 10:

"Cláusula 10. Em relação à indústria têxtil e de calçados, o prazo de recolhimento do ICM, a partir de março de 1970, não será inferior a 30 dias, contado do término do mês de ocorrência do fato gerador".

Enfim, a política tributária nacional dos impôstos indiretos sobre a despesa ou o consumo (ICM/1PI) parece estar sendo conduzida, pelo atual Ministro da Fazenda, no sentido de:

a) possibilitar maior capital de giro às empresas;

b) uma progressiva redução da carga fiscal (progressivo tax cut).

É provável também que esteja nas cogitações do Ministro a revisão estratégica do Sistema Tributário Nacional, por meio da absorção dos impôstos sobre a despesa (IPI/ICM), passando a existir, ao invés de dois, apenas um tributo.

3. A ECONOMIA MINEIRA E O IMPACTO TRIBUTÁRIO

É verdade que diferentes serão as política para situações distintas.

A sistemática do ICM, estabelecida em 1967, trazia no seu bojo a referência de sucesso, em países unitários, tais como: França, Espanha e outros, com desenvolvimento de certo modo harmonioso.

Sua aplicação, em nações de dimensões continentais e de economia díspar entre seus estados, de estrutura federativa,, oferece, na prática, algumas distorções, no estágio inicial, que com o tempo serão corrigidas.

Vantajoso como o sistema fiscalista e tributário, unificando em princípio as alíquotas e disciplinando a política econômico-financeira global, o ICM trazia como fator principal a eliminação do excesso de carga fiscal indiscriminada, resultante da tributação em "cascata" (overlap).

Quanto ao setor Governo, podemos analisar algumas conseqüências da política tributária sobre a economia de Minas Gerais. Três distorções são nítidas na prática de sua aplicação e necessitam de correção, tal o mal que vêm causando aos estados menos industrializados e de economia incipiente, como veremos em seguida:

a) Sendo o princípio do ICM a tributação sobre o valor agregado e sendo elevada a sua alíquota inicial, os estados industrializados beneficiam-se largamente em relação aos demais.

b) Mais ainda: o produto do setor agropecuário que responde por vultosa parcela da renda interna de Minas, à vista da deterioração de suas relações de troca, não suporta a aplicação da alíquota total do ICM. A redução ou isenção do tributo subtrai de forma expressiva os recursos do erário estadual - sem nenhuma compensação para este - com vistas ao menor custo de vida.

c) Mais grave do que tudo isto é a "retaliação tributária".

Supunha-se que o ICM fosse um dispositivo válido para se evitar a discriminação entre estados ou o estabelecimento de "guerras econômicas".

Tal não se deu. Os estados de mais capacidade financeira e de maior poder econômico isentam seus produtos agropecuários, causando asfixia aos vizinhos de menor expressão e afetando sua economia.

Vamos analisar, de modo especial, alguns aspectos que tocam diretamente à economia mineira:

a) Leite: o leite in natura, em Minas Gerais, recebe na primeira operação crédito de 44% na venda para fora do estado e de 50% dentro. Esta resolução, tomada como resultado do convênio entre secretários da Fazenda do Centro-Sul, significa uma redução da receita anual da ordem de Cr$ 80.000.000,00.9 9 Magalhães, Luiz Cláudio Almeida. In: Suplemento JB, 28-10-70, p. 16. Por outro lado, a isenção total dada em outros estados tem provocado certa evasão do rebanho mineiro, com êxodo dos criadores para aqueles estados onde as vantagens tributárias são mais compensadoras.

b) Carne: a evasão de gado sem pagamento de tributos é elevada. Possuindo enorme extensão de fronteira seca com São Paulo, Rio, Espírito Santo, Bahia e Goiás, é quase impossível e excessivamente dispendioso o controle da saída do gado transportado para abate nos estados-vizinhos. É o famoso "passeio do boi".

A alíquota diferenciada para os produtores pecuários, neste caso, é também fator de evasão de renda, uma vez que a alíquota para consumo no próprio estado é de 17% e para fora é de 15%. Ocorre ainda o fato de ser real o peso do boi quando abatido no estado produtor e subestimado quando transportado em pé. Devido a esses dois fatos, torna-se mais vantajoso o transporte em pé para abate no estado vizinho, deixando menos receita e provocando a ociosidade dos investimentos nos frigoríficos do estado produtor.

c) Minério: outra riqueza básica de Minas Gerais que tem contribuído muito pouco para o seu desenvolvimento econômico. Do ponto de vista de contribuição para o Tesouro estadual, o minério participa como tributação sob a forma de impôsto único, com alíquotas reduzidas (7% para o minério de ferro e 4% para os demais), calculadas sobre valores também reduzidos (60% FOB ou custo na boca da mina). O impôsto único tem atualmente a sistemática do ICM, com crédito para as operações seguintes.

Desta forma, o minério transformado em Minas Gerais gera crédito e seu valor é absorvido na operação final; o minério exportado para os demais estados provoca mais recursos fora do que no próprio estado. Assim, o minério enviado, por exemplo, para outro estado recebe o crédito de 7% pago em Minas Gerais ao ser transformado em produto acabado. Na venda deste recebe a tributação de 15%, que, deduzido o crédito de 7%, origina mais 8% sobre seu próprio valor para o estado importador.10 10 Atualmente, um novo decreto-lei alterou de 7,0% para 15,0% a alíquota sobre minerais para o mercado interno e de 7,0% para 7,5% no caso de exportação de minério de ferro e manganês.

Portanto, o minério colabora para uma arrecadação maior nos estados importadores do que no seu próprio estado de origem. O certo seria alíquota idêntica à do ICM, de forma a se ter crédito total e não gerar recursos em outros estados. Neste caso, adota r-se-ia, por exemplo, uma redução de 50% na alíquota para exportação ao exterior.

As estatísticas existentes sôbre o comércio interestadual de Minas Gerais revelam alguns dados que mostram a existência de distorções que têm trazido prejuízos à sua balança comercial com outros estados: Minas ainda importa determinadas mercadorias, embora seus similares sejam produzidos por indústrias locais, e exporta vários produtos para importá-los novamente, mesmo sem nenhum beneficiamento - situação que reflete a existência de dificuldades de comercialização e a mentalidade do consumidor mineiro.

São Paulo, unidade da federação onde o desenvolvimento econômico atingiu maiores índices, é o maior importador dos produtos mineiros, mas pode-se afirmar sem risco de erro, que o balanço exportação-importação é desfavorável para Minas Gerais.

A alíquota do ICM, menor para as operações interestaduais, vem beneficiar os estados mais evoluídos economicamente, em detrimento das unidades importadoras, proporcionando aos empresários daqueles melhores condições de concorrência com os produtores dos outros estados.11 11 Observação importante: a Resolução n.o 65, de 1970, do Senado Federal estabelece o seguinte: "Art. 3.º As alíquotas de que trata o art. l.o serão reduzidas de 0,5% (meio por cento) em cada exercício financeiro, a partir de 1.º de janeiro de 1971, de modo que, a partir de 1.º de janeiro de 1974, as atuais alíquotas máximas de de 18%, 17% e 15% fiquem reduzidas a 16%, 15% e 13%, respectivamente".

O industrial que adquire matéria-prima em seu estado, fabrica determinado produto e vende-o a outro leva uma vantagem de 4% sobre o que importa a matéria-prima e produz para consumo interno. Isto porque, ao adquirir matéria-prima no seu próprio estado, tem um crédito de 17%, e recolhe apenas 15% quando vende o produto para outro, ficando com um saldo de 2% a seu favor. Já aquele que tem de importar a matéria-prima e coloca seu produto no próprio estado, possui um crédito de 15% e recolhe 17%, ficando com um débito de 2%.

Assim sendo, a unificação de alíquotas do ICM para todas as operações torna-se medida imperiosa para os contribuintes dos estados menos industrializados como Minas Gerais, para que possam concorrer com o empresariado dos demais estados mais desenvolvidos. É de ressaltar que essa medida provocará maior ônus para as empresas mineiras exportadoras.

A unificação promoverá uma queda de receita dos estados importadores apenas a curto prazo, uma vez que do fortalecimento dos contribuintes resultará um acréscimo da receita.

É inegável que Minas Gerais ocupa um lugar de destaque no comércio interno do Brasil, pois, em valor, é o terceiro estado exportador. Isto, entretanto, não é suficiente para avaliar a importância dessas exportações.

Observe-se que, apesar das manufaturas participarem com 55,2% do valor total das exportações mineiras, o mesmo não ocorre com relação ao volume. As matérias-primas continuam predominando com 62% de participação do peso total, enquanto as manufaturas com apenas 27%. Este dado é tão mais importante quando se observa que para cada tonelada de matéria-prima vendida, Minas Gerais recebeu Cr$ 40,00, enquanto que para cada tonelada de produto manufaturado recebeu Cr$ 484,00.

Verifica-se, ainda, por outro lado, que Minas importa muitas mercadorias que também são aí produzidas e em volume suficiente para seu abastecimento. São vários os motivos que provocam essa distorção, dos quais dois se destacam: a diferenciação de alíquotas do ICM para operações internas (17%) e interestaduais (15%) leva o próprio setor privado mineiro a comprar em outros estados - principalmente São Paulo e Guanabara - por causa da diferença de 2% no tributo, que ainda lhe dá uma margem de lucro maior, mesmo se considerarmos o custo do frete; e, até hoje, órgãos do poder público dão preferência às indústrias paulistas e cariocas em suas compras.

Outra séria distorção é a exportação de determinados produtos e a importação. É o caso de vários gêneros alimentícios, como a batata, o arroz, a laranja, etc. que vão para outros estados e voltam para Minas Gerais, sem nenhum beneficiamento; apenas com nomes característicos: "arroz goiano", "batata paulista", "laranja paulista", "laranja carioca", que o consumidor mineiro acredita ser melhor, por ter sido produzido em outros lugares, quando na verdade não deixa de ser das suas lavouras.

Minas Gerais, se não é o maior, é dos maiores produtores de batata do País. Como seu mais forte cultivo está no Sul de Minas, praticamente a totalidade de sua rpodução vai para São Paulo que a revende para Minas. Isto sem falar na produção de calçados, que apenas recebem novo rótulo, e, mais recentemente dos fertilizantes.

O quadro, relativo às exportações de Minas Gerais para as demais unidades da federação, mostra-nos a participação percentual das exportações de mercadorias para São Paulo e Guanabara no período janeiro/março de 1969 que atingem 44% e 20,3% respectivamente.

O Quadro 1 dá uma idéia da posição de Minas Gerais em relação à Guanabara, no primeiro semestre de 1969.


Para Minas Gerais ter um saldo positivo no comércio com a Guanabara, suas exportações tiveram de ser muito superiores em volume. A Guanabara vendeu para Minas uma média mensal de 30,5 mil toneladas, para obter, também em média, Cr$ 40 milhões, enquanto que Minas teve de vender a média mensal de 259.000 toneladas para chegar a Cr$ 46,6 milhões, ou melhor, para cada tonelada exportada, Minas recebeu Cr$ 186,00 e para cada tonelada vendida para Minas a Guanabara recebeu Cr$ 1.311,00.

Nota-se claramente a deterioração das relações de troca. Isto tudo significa que a maioria dos produtos vendidos por Minas Gerais para a Guanabara foi matéria-prima, ou seja, o valor agregado à economia carioca é muito superior do que à economia mineira. Nas importações de Minas estão, em sua maioria, os produtos químicos, as máquinas, os artigos manufaturados, o sal, etc. Mas está aí outra distorção: este estado, que possui o maior rebanho bovino do País, exporta osso, mas importa farinha de osso, ração balanceada, pentes, etc.

Em janeiro de 1969, do total de 298,7 mil toneladas, no valor de Cr$ 48,7 milhões, exportadas para a Guanabara, 223.625 foram de matérias-primas que renderam Cr$ 5,1 milhões. Nestas vendas, os gêneros alimentícios participaram com Cr$ 17,7 milhões e as manufaturas com Cr$ 24 milhões.

Do total de Cr$ 690,5 milhões exportados por Minas, no primeiro semestre do ano passado, Cr$ 494,5 milhões (mais ou menos 70%) foram para:

Cr$ milhões % São Paulo 303,2 44 Guanabara 139,8 20,3 Rio de Janeiro 51,5 7,5

É interessante notar que ainda que São Paulo seja o mais industrializado do País, a relação valor/pêso das exportações de Minas para aquele estado tem uma posição melhor (quanto às importações feitas por Minas não existem dados). Assim é que, para cada tonelada exportada para São Paulo, Minas Gerais recebeu em 1969 cerca de Cr$ 356,00. O mesmo não acontece com as exportação mineiras para o Rio de Janeiro, de onde Minas recebeu apenas Cr$ 79,00 por tonelada.

É sabido que os produtos industriais têm uma permanente e constante capacidade de gerar riquezas e créditos fiscais.

Realmente a industrialização é fator condicionante do desenvolvimento econômico do estado. Para se ter uma visão mais detalhada sobre o que representa este setor em Minas Gerais, temos as informações que constam no quadro 2.


O caráter amplamente genérico do sistema de tributação atual sobre o setor industrial, abrangendo os bens de produção e os de consumo final, sem critérios econômicos de fixação de alíquotas, resulta, às vezes, na ocorrência de uma carga tributária que contraria o critério econômico de valor adicionado. Verifica-se, facilmente, que o valor das alíquotas não observa as características técnicas e econômicas das diversas indústrias. Se o faz é por meio de um mecanismo subjetivo de avaliação, de difícil compreensão.

Finalmente, para examinarmos as conseqüências da política fiscal que tem sido adotada em Minas, citamos um trecho do Diagnóstico da economia mineira:

"A forma que se ajustou, através do tempo o aparelho fiscal, provocou sobre a economia mineira reflexos de importância que se revelam sob diversas formas. Cumpre ressaltar, inicialmente, a alta concentração da carga tributária nos setores e atividades responsáveis principais pelo dinamismo da economia, isto é, as atividades industriais capitalisticamente organizadas. Tal distorção no sistema possibilitou que as atividades marginais, onde o racionalismo econômico é de pequena significação, passassem a desfrutar de um poderoso estímulo adicional à sobrevivência: a sonegação. De fato, consideradas as condições de funcionamento dessas empresas - altos custos, baixa produtividade e qualidades, ausências de economia de escala, etc. - a sobrevivência passa a depender mais da possibilidade que elas têm de sonegar do que propriamente da pressão de uma demanda a que o setor moderno não consegue atender.

Desta forma, a concentração da carga tributária tem, por um lado, comprimido a propensão a investir do setor moderno e, por outro, possibilitado a sobrevivência das empresas marginais. Isso ocorre porque a concentração da carga tributária numa situação de mal funcionamento do mecanismo de preços resulta numa diminuição dos lucros do setor moderno. Ora, sendo o lucro das empresas a principal fonte de poupança, a conseqüência lógica é a redução da capacidade de crescimento do setor dinâmico. Como resultado dessa ocorrência, manifestam-se tendências a uma estagnação que, em face da pressão da demanda monetária, se traduz em alta de preço. Todavia, o mecanismo de mercado já deficiente entra em total colapso neste ponto, de vez que subindo os custos monetários das empresas continua existindo a diferença positiva a favor da atividade marginal, consubstanciada esta diferença na sonegação tributária que lhe é possibilitado realizar. O aumento dos custos monetários, refletindo-se nos preços, tende a diminuir o salário real. Ora, o setor governo, para fazer face a tais acontecimentos e reajustar o seu poder de compra e de seus servidores, recorre invariavelmente ao aumento das alíquotas, reiniciando assim todo o processo anterior.

Além de diminuir a capacidade de crescimento do setor moderno, a concentração da carga tributária pode causar distorções no funcionamento do sistema, influindo negativamente na grandeza do multiplicador, do acelerador e do investimento induzido".

Enfim, o sistema tributário deve apresentar uma simplicidade jurídica, uma inserção no esfôrço de desenvolvimento como instrumento de orientação de atividade econômica e uma alta rentabilidade fiscal e não somente exercer o papel de arrecadador de recursos para o setor público.

  • 1 Kono, Osao. A influência das finanças públicas no sistema econômico Monografia apresentada no concurso para economistas do Serviço Público Federal em 30-6-1965.
  • 2 Secretaria da Receita Federal. Revista de Politica e Administração Fiscal, n. 6, nov./dez. 1969.
  • 4 Silva, Gerson Augusto da. Sistema tributário brasileiro. Rio de Janeiro, Ed. Financeiras S. A., 1948, p. 133.
  • 6 Pontes, Hélio & Dias, José Maria. O sistema tributário brasileiro. Revista Brasileira de Estudos Políticos, UFMG, 1970.
  • 7 Bulhões, Otávio Gouvêa de. A politica tributária - finalidades econômicas e financeiras. Revista de Direito Público, São Paulo, Ed. R. T., 7: 38.
  • 9 Magalhães, Luiz Cláudio Almeida. In: Suplemento JB, 28-10-70, p. 16.
  • 1
    Kono, Osao.
    A influência das finanças públicas no sistema econômico. Monografia apresentada no concurso para economistas do Serviço Público Federal em 30-6-1965.
  • 2
    Secretaria da Receita Federal.
    Revista de Politica e Administração Fiscal, n. 6, nov./dez. 1969.
  • 3
    Kono, Osao. op. cit.
  • 4
    Silva, Gerson Augusto da.
    Sistema tributário brasileiro. Rio de Janeiro, Ed. Financeiras S. A., 1948, p. 133.
  • 5
    Reforma da Discriminação Constitucional de Rendas (Anteprojeto), p. 7.
  • 6
    Pontes, Hélio & Dias, José Maria. O sistema tributário brasileiro.
    Revista Brasileira de Estudos Políticos, UFMG, 1970.
  • 7
    Bulhões, Otávio Gouvêa de. A politica tributária - finalidades econômicas e financeiras.
    Revista de Direito Público, São Paulo, Ed. R. T., 7: 38.
  • 8
    Pontes, Hélio & Dias, José Maria. op. cit.
  • 9
    Magalhães, Luiz Cláudio Almeida. In:
    Suplemento JB, 28-10-70, p. 16.
  • 10
    Atualmente, um novo decreto-lei alterou de 7,0% para 15,0% a alíquota sobre minerais para o mercado interno e de 7,0% para 7,5% no caso de exportação de minério de ferro e manganês.
  • 11
    Observação importante: a Resolução n.o 65, de 1970, do Senado Federal estabelece o seguinte:
    "Art. 3.º As alíquotas de que trata o art. l.o serão reduzidas de 0,5% (meio por cento) em cada exercício financeiro, a partir de 1.º de janeiro de 1971, de modo que, a partir de 1.º de janeiro de 1974, as atuais alíquotas máximas de de 18%, 17% e 15% fiquem reduzidas a 16%, 15% e 13%, respectivamente".
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Maio 2015
    • Data do Fascículo
      Mar 1972
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