PENSATAS
Relações de trabalho e recursos humanos em busca de identidade
Allan Claudius Queiroz Barbosa
UFMG
Em 1987, em um clássico artigo1 acerca das relações de trabalho e políticas de recursos humanos, a professora Rosa Maria Fischer demarcou de maneira inequívoca uma tendência que tornou visível uma reflexão mais combativa e abrangente sobre duas dimensões absolutamente imbricadas, quais sejam, relações de trabalho e políticas de recursos humanos. Com uma bem elaborada argumentação que mantém suas raízes nos estudos sociológicos sobre o trabalho e sua centralidade2 na sociedade contemporânea, a autora sedimenta uma discussão que em grande parte condicionou ou, de maneira mais precisa, influenciou reflexões ditas acadêmicas em recursos humanos.
Mas, seria essa a preocupação dos estudos sobre recursos humanos e relações de trabalho contemporâneas, depois de quase duas décadas de transformações e mutações no espaço organizacional? Afinal, os pingos foram devidamente colocados nos "is", conforme sugere a autora no título de seu artigo? Ou estaríamos, no espaço acadêmico, interpretando a teoria para entender e atender aos desígnios ditos irreversíveis da lógica empresarial e mercadológica? Ou, ainda mais, estaríamos realmente "gerando" novos conhecimentos, capazes de demarcar avanços significativos em uma área com fortes contradições e dificuldades de afirmação?
Sem a intenção de questionar ou discutir a validade de pressupostos historicamente aceitos, esta pensata pretende manter aceso, ainda que de maneira tênue, um debate inesgotável sobre relações de trabalho e recursos humanos, dentro de um ambiente distinto daquele existente nos anos 1980. Mesmo assim pretende-se guardar similaridades na necessária utilização de um arcabouço mais abrangente e reflexivo sobre a temática.
Nessa perspectiva, o argumento central - ainda que pareça distante das "modernas" e recentes abordagens sobre capital humano, gestão do conhecimento, gestão de competências, aprendizagem, dentre outras abordagens e linhas de pesquisa3 que acompanham essa tendência - é o relativo esvaziamento da instância relações de trabalho. Esse esvaziamento contribuiu para que a área de recursos humanos agravasse uma crise de identidade que demonstra seus efeitos na produção acadêmica da área, como bem atestam diferentes autores.4 Identidade essa corroída externamente pelas impressionantes e velozes transformações no espaço produtivo, que alteraram, ao que parece, de maneira irreversível, a dinâmica social e de seus atores. E internamente, pela dificuldade em legitimar de forma consistente e convincente um discurso e uma prática que atendessem aos interesses organizacionais.
Ao procurar construir uma argumentação que olhe ao mesmo para a dimensão macro, com as alterações que se fizeram sentir na dimensão produtiva, e para a dimensão micro, por meio de uma lógica organizacional que desconstruiu toda uma argumentação pautada no embate e debate entre empregadores e empregados, é possível identificar pistas para explicar um quadro no qual prevalece a dúvida e a dificuldade de legitimar uma lógica consistente no plano teórico, e adequada em sua aplicação ferramental. Nesse caminho aberto, as pistas acabam sinalizando e evidenciando pressões de natureza externa e interna sobre a lógica das relações de trabalho e sobre a gestão de recursos humanos que acabam por condicionar o próprio entendimento do quadro atual.
Para buscar um caminho razoável de compreensão dessa situação, é importante, em primeiro lugar, evidenciar quais seriam as fortes pressões que a área de recursos humanos sofreu e vem sofrendo, ao mesmo tempo em que é possível visualizar de que maneira foi perdendo densidade a ênfase em um enfoque marcadamente voltado à discussão sobre relações de trabalho.
Um primeiro argumento que demonstra a forte pressão existente diz respeito ao fato de ser a área de recursos humanos pressionada por duas forças vitais. A primeira delas, externa, tem origem nas intrincadas e complexas mutações que têm sido observadas na sociedade e no modelo produtivo nos últimos 20 anos. A partir de uma transformação sem precedentes na história do capitalismo, e sem querer discorrer sobre a já exaurida argumentação alinhada aos cânones de um mundo unificado ou internacionalizado, é possível identificar que os diferentes atores sofreram reconfigurações e mutações. Um dos atores, o Estado, "eterno" fiador de uma lógica que minimizou conflitos e impediu rupturas ideológicas ou sistêmicas, acabou sendo repensado à luz de um discurso que apregoou o esgotamento de seu papel como agente promotor do bem-estar social. A lógica do Estado mínimo, em voga a partir da ascensão conservadora na Inglaterra e da hegemonia republicana nos Estados Unidos nos anos 1980, passou a fazer parte do discurso e das práticas de governos ao redor do mundo.
Some-se a isso o poderoso argumento do fim das ideologias igualitárias, simbolicamente representado pela queda do Muro de Berlim e tendo como marco divisor os acontecimentos de 1989. A derrocada do chamado "socialismo de caserna"5 e o agravamento de conflitos distributivos foram a contrapartida da alteração no padrão produtivo, com a incorporação maciça de novas tecnologias produtivas e gerenciais, e o conseqüente redesenho organizacional. A força desse processo encontra naturalmente ressonância na reformulação atual das empresas, segundo ator do processo, frente ao novo arranjo produtivo e institucional que se configurou.
A apregoada crise do modelo de acumulação com base tayloristafordista, que identificou queda nos níveis de produtividade e aumento nos custos organizacionais, acabou impondo alternativas de reorganização produtiva6 às empresas. Calcadas na incorporação de novas tecnologias organizacionais, destacam-se características que ganham ênfase no contexto de globalização dos mercados. A discussão sobre competitividade, reestruturação produtiva e mercado, dentre as diversas variações que assume a intensa reorganização do mundo do trabalho e da produção, trouxe consigo um novo impulso à gestão como um todo e à gestão de recursos humanos em particular. O fato é que o gerenciamento cotidiano e de longo prazo dos recursos humanos nas organizações passou a ser visto como um importante diferencial para alcançar ou atingir os objetivos organizacionais. Isso significa dizer que o que se observa hoje são as organizações sendo levadas à modernização ou adequação ao novo contexto produtivo por diferentes caminhos. Seja pela via tecnológica, seja pela via gerencial, diferentes mecanismos e/ou ferramentas são utilizados visando, em última instância, a melhor adequação das pessoas ao lócus de trabalho.
Naturalmente, essa situação atingiu também as formas de representação do trabalho, expressas por meio do movimento sindical, terceiro ator atingido pela redefinição de papéis. O sindicato, considerado historicamente espaço por excelência de representação de interesses, acabou ficando às voltas com uma alteração significativa em sua perspectiva de atuação. A crise de representação de interesses, que surge no bojo de um amplo processo de reorganização, atingiu-os de maneira intensa, em contexto de esvaziamento sistemático de sua base de sustentação, por meio da redução paulatina do número de sindicalizados.7 Some-se a isso o discurso contemporâneo, que traz consigo uma idéia de busca de capacitação que enfatiza o indivíduo. Com o foco direcionado para o indivíduo, as ações de natureza coletiva perdem fôlego e consistência, pois até mesmo a remuneração passa a ser tratada de maneira específica, isto é, em conformidade com os resultados alcançados pelo indivíduo.
A primeira força vital apresenta três atores - Estado, empresas e sindicatos - com papéis distintos daqueles representados até então, forçando uma revisão na lógica de atuação e no posicionamento frente às profundas modificações que atingiram a sociedade.
O quadro, de desordem aparente, com papéis e posturas distintas até então, acabou por demonstrar que a segunda força do processo, que teoricamente surge do próprio papel de recursos humanos, evidencia uma fragilidade maior e mais avassaladora. A dificuldade em garantir legitimidade ganhou destaque tendo em vista o relativo colapso de alternativas mais afeitas ao discurso, com pouco embasamento técnico, desprovida de uma racionalidade compatível com aquela pensada pelo novo arranjo organizacional. No gerenciamento de recursos humanos, têm sido testadas soluções em que a crença de que a humanização das ações e/ou práticas, associada a um clima de trabalho mais cordial e saudável, seria suficiente para alterar um quadro que tem exigido aportes mais consistentes no campo racional. Esse discurso e essa prática têm sido fortemente combatidos por aqueles mais afeitos e dispostos a uma via mais adaptada a critérios objetivos e pragmáticos de entendimento da realidade. Esse arranjo tem como palavra de ordem a maximização da equação do aumento de receitas versus redução de custos, o que impõe ações de natureza organizacional que atingem diretamente a lógica de gestão de pessoas. A esse respeito, é visível o impacto nos níveis de emprego, não apenas causado pela desaceleração econômica global, mas por ações localizadas nas empresas visando a redução do quadro efetivo.
Naturalmente, o argumento externo às empresas, oriundo de uma aparente necessidade de rearranjo frente às exigências impostas pelo novo cenário produtivo, poderia, por si só, minimizar o impacto sobre o gerenciamento e as práticas de recursos humanos. Mas, por mais forte que ele possa parecer, torna-se insuficiente ao se observarem alguns pontos que surgem da própria lógica de recursos humanos.
Um primeiro ponto que evidencia isso tem a ver com a própria trajetória dos recursos humanos, em especial no Brasil, fortemente influenciada e, por que não dizer, condicionada pela configuração social e produtiva existente. Muito já foi dito sobre essa evolução dos recursos humanos no Brasil, e a já clássica categorização em fases e/ou momentos históricos com características peculiares serve como referência ao entendimento dessa trajetória nem sempre linear. Sempre a reboque de ações e medidas de impacto estrutural, com pouca tradição de envolver-se na empresa como negócio, a gestão de recursos humanos, de forma análoga ao que ocorreu com o movimento sindical no Brasil, mas com timing diferenciado, acabou transformando-se em braço ou suporte operacional do quadro organizacional dominante, tendo atribuições normativas com pouca densidade estratégica.
Se isso foi um limitador - pois acabou deixando a atividade presa a marcos normativos e funcionais ou, quando muito, a uma lógica quase comportamental -, serviu também como elemento gerador de estudos com abordagem mais crítica a esse enfoque "quase" legalista imposto às práticas de recursos humanos. Com efeito, a proliferação, nos anos 1970 e 1980, de análises que observaram o mundo do trabalho acabou servindo como contraponto ao enfoque "manualesco" que era prática no gerenciamento de recursos humanos.8
A perspectiva crítica, naturalmente associada à dicotomia direita versus esquerda - que por muito tempo identificou abordagens favoráveis ou desfavoráveis, críticas ou passivas, ligadas ao universo do trabalho e da gestão -, voltada ao embate e quase enfrentamento entre o capital e o trabalho, e fortemente enraizada na tradição sociológica das relações de trabalho, perdeu grande parte de seu apelo com o colapso das ideologias ditas socialistas na década de 1990. Apelo esse agravado pela falta de perspectivas ou respostas objetivas, na acepção dos gestores, que dessem um norte ou direcionamento adequado ao gerenciamento de recursos humanos. Ou seja, a orfandade atingiu em cheio a trajetória dos recursos humanos quando faltou o sustentáculo crítico presente nas abordagens com enfoque sociológico das relações de trabalho.
Isso significa que os estudos ligados aos recursos humanos, dentro de uma tradição fortemente marcada pela ideologização ou, de maneira mais clara, por uma postura frontalmente contrária à "lógica organizacional", acabaram sendo tragados pela falência de um ideal que postulava a igualdade pela via "quase" revolucionária, ou fora dos limites do modo de produção capitalista. Ou seja, ao desnudar uma verdade até então intocável, ficou visível a falta de alternativas, de explicações convincentes no espaço proposto. Isso, em grande medida, acabou por fragilizar toda uma argumentação pautada no embate entre atores sociais.
Nesse quadro de crescente complexidade e de revisão de papéis, é visível uma "nova" lógica, que tende a esvaziar a discussão em torno de aspectos relacionados às relações de trabalho. Quando se observa uma falência do discurso argumentativo que propunha uma clivagem entre capital e trabalho pela simples oposição entre as partes ou pela via de argumentos mais pragmáticos, tais como os efeitos do trabalho sobre o indivíduo, emerge um discurso fortemente pautado por uma lógica objetiva, privilegiando resultados quase sempre individuais em detrimento dos coletivos, e de ações amplas e diluídas pelo conjunto.
Essa situação se torna ainda mais dramática quando as exigências colocadas atingem a gestão de recursos humanos em sua busca de legitimidade organizacional. Premida pelas mudanças quase conceituais de uma prática até então tida como intocável no campo das relações de trabalho, e com um quotidiano afeito à lógica da gestão de pessoal, acaba por ser forçada a demonstrar que pode resistir às reestruturações organizacionais, que tendem, quase sempre, a um enxugamento que atinge inicialmente áreas vistas como geradoras de despesas.
Entretanto, o que se observa na prática é um paradoxo. De um lado, a pressão para demonstrar alguma capacidade em ser inclusiva, isto é, estar de alguma forma ligada ao core business. De outro, a pressão da própria organização, com um discurso de valorização das pessoas que traz embutido um aumento da capacidade de trabalho, leia-se produtividade, nem sempre com resultados equilibrados entre as partes envolvidas.
Em meio a esse verdadeiro fogocruzado, surgem com muita força evidências da fragilidade da área de recursos humanos e sua difícil interação contemporânea com as relações de trabalho. O que se observa é que a falência de um discurso fortemente enraizado no embate capital-trabalho, com um papel de intermediação de interesses mediado pela gestão de recursos humanos, cede espaço à ênfase exclusiva na organização, mas com sinais contraditórios em direção a uma valorização do indivíduo como verdadeiro diferencial competitivo.
Isso acaba por impor um redirecionamento que significa simultaneamente uma readequação aos novos tempos e também a própria sobrevivência, tendo em vista a interminável busca da minimização de custos organizacionais pela via da eliminação daquilo que é considerado "supérfluo" ou, de maneira mais elaborada, incapaz de agregar qualquer valor à organização. Esse quadro impõe um novo debate, em patamares distintos e com uma dose de objetividade até então pouco usual em recursos humanos e relações de trabalho.
O que aconteceu, então, com a discussão em torno das relações de trabalho? Onde estão os "pingos nos is"? Um caminho em direção a uma explicação minimamente articulada pode sugerir, pelo quadro traçado, que os "is" são vários, tanto pela forte tradição democrática de recursos humanos em estar aberta a diferentes abordagens quanto pelas pressões ambientais e organizacionais. Como ponto de partida, pontuar os "is" significa identificar de forma sistematizada onde se encaixam e como se articulam às diferentes abordagens que agem sobre o espaço de recursos humanos. Isso pode ser observado de maneira mais objetiva no Quadro 1, que procura sistematizar, de forma simplificada, algumas possibilidades, dentro de uma linha que se propõe temporal para a inserção e o posicionamento das relações de trabalho no espaço da gestão de recursos humanos.
O Quadro 1, que vai do tradicional ao moderno passando por uma perspectiva intermediária, e do comportamental ao reflexivo/crítico passando pelo funcional, não se propõe engessar o conhecimento, mas sim dar um norte apropriado que permita identificar, dentro de uma perspectiva minimamente organizada, a inserção das relações de trabalho. E essa identificação já permite dizer que a própria explicação de cada um dos compartimentos existentes em grande medida explica as dificuldades da própria área.
De forma objetiva, entende-se nessa reflexão que a "abordagem comportamental" seria uma forma de enxergar a gestão de recursos humanos com forte ênfase no indivíduo e nos grupos e suas relações interpessoais visando o desempenho da organização. Essa abordagem atua basicamente em aspectos relacionados ao comportamento dos indivíduos. Por "abordagem funcional" se entendem as diferentes atividades que compõem a prática cotidiana de recursos humanos em uma organização no que se refere às diretrizes previamente definidas para atuação tática ou estratégica. Ou seja, atividades ligadas à pratica de recursos humanos em sua gestão cotidiana. Por "abordagem reflexiva/crítica" entende-se aquela que proporciona uma leitura que incorpora elementos "novos" na análise sobre gestão de recursos humanos, notadamente aqueles relacionados aos atores sociais em suas interações, e como se avaliam os embates ou controvérsias de interesses dentro de uma perspectiva mais subjetiva.
Por sua vez, "tradicional, intermediário e moderno" se referem à sua posição no tempo, sem nenhuma conotação negativa ou juízo de valor que eclipse sua aplicabilidade. Ou seja, o tradicional está mais afeito às práticas usuais em recursos humanos, o intermediário se refere à possibilidade de avançar os estudos até então tidos como "quase paradigmáticos", e o moderno pressupõe uma análise de fronteira do conhecimento na gestão de recursos humanos.
Novamente, é importante salientar que essa tipologia, que tem as desvantagens naturais de qualquer tentativa de modelagem e formatação, ainda mais quando não estão identificadas todas as abordagens possíveis (e impossíveis), serve como guia para tentar situar uma natural restrição a uma reflexão centrada somente nas relações de trabalho em uma moldura conceitual multifacetada e com diferentes possibilidades de abordagem.
Um segundo ponto de reflexão no debate deve estar ligado às inquietações sobre o que seria a gestão de recursos humanos dentro da tradição que norteia estudos com raízes ideologizadas. Seria ela então apenas um anteparo entre as contradições e os interesses diversos que direcionam o capital e o trabalho? Ou seria, conforme observado pelos funcionalistas, uma área voltada à reprodução operacional de uma práxis? Ou, em uma perspectiva racional pragmática, uma área que precisa somente demonstrar como se cria valor para a organização por meio das pessoas?
Essa discussão, ao que parece descolada dos debates atuais, traduz a própria formação dos gestores que atuam em recursos humanos e pode sinalizar para uma mudança de perfil e de formação. Ou seja, se até fins da década de 1980 a tradição de recursos humanos - de agir como um anteparo ao embate existente sustentado por uma ação de natureza assistencial e/ou comportamental, a partir da percepção de que esse setor não mais poderia ser um centro gerador de despesas - fez com que houvesse a inserção de profissionais com experiência em áreas de natureza técnica (produção, logística e finanças) na prática de recursos humanos, como gestores e responsáveis por reposicionar a área.
À luz do "preâmbulo" até aqui esboçado, um grande desafio contemporâneo que move a efetiva interação entre relações de trabalho e gestão de recursos humanos passa, inicialmente, pelo reconhecimento da diversidade de enfoques e perspectivas. Isso evita um erro bastante comum de pré-julgamento ou um posicionamento prévio que descarta as diferentes possibilidades. E exige uma leitura mais abrangente e menos determinista da realidade, o que pressupõe capacidade e rigor conceitual e metodológico mais apropriados.
Da mesma forma, o desafio atual é superar um quase preconceito a uma leitura com aporte sociológico na lógica dos recursos humanos. Quase como irmãos siameses, os recursos humanos e as relações de trabalho devem permanecer indissociáveis e interdependentes, pois uma dimensão não consegue sobreviver, academicamente e em termos operacionais, sem a outra. Quando se observa o grande mosaico constituído pelos recursos humanos no universo organizacional, isso fica visível e reforça a importância de um tratamento ampliado e que procure envolver as diferentes dimensões existentes, independentemente da perspectiva adotada.
Também, o reconhecimento de que os recursos humanos não são meros "recursos" - de natureza ferramental ou política, para atingir fins que transcendem o ideário cotidiano dos indivíduos - deve fazer parte de uma nova lógica. Essa perspectiva, aliás, em grande medida pode evidenciar um paradoxo frente ao novo papel dos recursos humanos. Ou seja, como garantir a integralidade do indivíduo sabendo que é imprescindível alcançar resultados e/ou metas que quase sempre deslocam o eixo dos interesses individuais para o interesse organizacional.
Independentemente da abordagem, ou na busca de uma síntese mais adequada, esta pensata tem a simples intenção de manter aceso um debate sobre a relevância das relações de trabalho, mas em um contexto diverso daquele de 20 anos atrás. O debate, longe de ser um mero revival, permanece atual e importantíssimo para buscar um caminho que recoloque a tradição e a relevância dos estudos ligados às relações de trabalho no seu devido lugar dentro da discussão sobre recursos humanos. E, por tabela, resgatar a legitimidade duramente atingida por uma área que parece à deriva.
Finalizando, os "is", tão bem identificados pela professora Rosa Maria Fischer, estão aí para ainda serem adequadamente pontuados. Pois isso significa não somente manter um debate em patamares consistentes, mas fundamentalmente assegurar que a perda de legitimidade e o conseqüente esvaziamento de sua identidade sejam revertidos. Cabe à comunidade envolvida no debate sobre recursos humanos e relações de trabalho avançar na discussão e procurar não cometer os erros passados. Erros que certamente têm forte relação com uma compreensão afeita a um modelo analítico restrito.
NOTAS
O autor agradece à professora Ana Paula Paes de Paula (UFMG) pelos comentários e reflexões, que ajudaram na formulação do argumento central deste artigo.
Pensata convidada.
Aprovada em 25.07.2005.
Allan Claudius Queiroz Barbosa
Professor adjunto IV da UFMG e coordenador do Núcleo Interdisciplinar sobre Gestão em Organizações Não-Empresariais (Nig.one) da UFMG. Doutor em Administração pela USP. Interesses de pesquisa nas áreas de gestão de recursos humanos e do trabalho, gestão de competências em organizações.
E-mail: allan@ufmg.br
Endereço: Rua Curitiba 832, sala 1204, Centro, Prédio da FACE/UFMG, Belo Horizonte - MG, 30170-120.
Referências bibliográficas
- 4 Em recente artigo publicado na RAE-revista de administração de empresas, Caldas et al desnudam a situação da área de Recursos Humanos a partir da produção acadêmica na década de 1990.
- Veja em CALDAS, M. P.; TONELLI, M. J.; LACOMBE, B. M. B.; TINOCO, T. Produção acadêmica em Recursos humanos no Brasil: 1991-2000. Revista de Administração de Empresas, v. 43, n. 1, p. 105-122, 2003.
- 5 Essa expressão é utilizada por Kurz, R. (O colapso da modernização São Paulo: Paz e Terra, 1992) para identificar os paí
- 6 Nas décadas de 1980 e 1990 diferentes autores contribuíram para esse importante debate. Por exemplo, J. Humphrey chama a atenção para o abandono da produção em larga escala e a opção por uma produção diferenciada (Novas formas de organização do trabalho na indústria: suas implicações para o uso e controle da mão de obra no Brasil. In: Seminário Internacional Padrões Tecnológicos e Políticas de Gestão: Comparações Internacionais. Anais São Paulo, mai.-ago. 1989.). Womack et al, com base em estudo do Massachusetts Institute of Technology, tratam do surgimento da chamada produção enxuta, desenvolvida pelos japoneses (A máquina que mudou o mundo São Paulo: Campus, 1992).
- Esse, aliás, é um dos aspectos importantes do modelo japonês de gestão, e R. Marx, ao analisar o trabalho em grupo na década de 1990, observa que os resultados alcançados por empresas automobilísticas japonesas nos anos 1980 são um importante fator que levou ao seu fortalecimento (Trabalho em grupos e autonomia como instrumentos da competição São Paulo: Atlas, 1998.
- 7 Segundo R. Antunes, as últimas décadas evidenciaram queda nas taxas de sindicalização em países como Estados Unidos, Japão, França, Itália, Alemanha, Holanda, Suíça, Reino Unido (Trabalho, reestruturação produtiva e algumas repercussões no sindicalismo brasileiro. In: ANTUNES, R. (Org.). Neoliberalismo, trabalho e sindicatos São Paulo: Boitempo, 1997). S. Williams observa que desde 1979, por exemplo, a Inglaterra teve uma substancial redução no número de sindicalizados, caindo de aproximadamente 13 milhões em 1979 para perto de 5 milhões em 1997 (The nature of some recent trade union modernization policies in the UK. British Journal of Industrial Relations, v. 35, n. 4, p. 495-514, 1997).
- T. Kochan também identifica isso para os Estados Unidos, chamando a atenção de que em 1986 os sindicatos representavam 20% dos empregados, enquanto na década de 1950 chegava a 35% esse percentual (The future of worker representation: an American perspective. Labour and Society, v. 13, n. 2, 1988).
- No caso italiano, P. Giovannini (El sindicato en Italia: una crisis de representación? Revista de Sociología, v. 32, p. 11-36, 1989) destaca que no final dos anos 1980 a crise do sindicato é
- 8 Uma longa tradição de estudos observando o mundo do trabalho e seus impactos na produção e organização serviu como referência e crítica, em última instância, de uma lógica de recursos humanos afeita a uma mera reprodução de administração de pessoal. De uma forma geral, essa tradição é herdeira e ao mesmo tempo parceira principalmente dos estudos de H. Braverman (Trabalho e capital monopolista Rio de Janeiro: Zahar, 1978),
- C. Dejours (A loucura do trabalho São Paulo: Cortez-Oboré, 1988),
- e Pagès et al (O poder das organizações São Paulo: Atlas, 1987).
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
10 Dez 2014 -
Data do Fascículo
Dez 2005