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Funções e posição da administração de pessoal

ARTIGOS

Funções e posição da administração de pessoal

Carlos José Malferrari

Professor-Adjunto da Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo, Departamento de Administração Geral e Relações Industriais

Resultados de inquérito realizado entre administradores de pessoal demonstram que sua posição na hierarquia ainda não é compatível com as funções que deveria exercer na emprêsa.

Nosso administrador de pessoal está procurando aperfeiçoar-se, fazer de sua profissão uma carreira e realizar funções compatíveis com a verdadeira posição que deveria ocupar dentro de uma emprêsa, industrial ou comercial. Mas terá que percorrer ainda um longo caminho para chegar a alcançar apenas parte dêsse objetivo.

Essas são algumas das conclusões a que podemos chegar pela análise dos resultados de um questionário respondido por administradores de pessoal no primeiro semestre de 1962, por meio do qual procuramos colhêr alguns dados que permitissem dar uma idéia da situação atual dêsses administradores.

O exame mais demorado dessa situação nos pareceu relevante, em primeiro lugar, porque, em nossos contatos pessoais com administradores de pessoal de grandes e pequenas firmas, temos notado sempre que aquêles demonstram um certo sentimento de frustração, causado pelo fato de que o prestígio de seu cargo é menor do que o de administradores de produção ou de vendas, por exemplo.

Em segundo lugar, porque temos também observado que entre nós a preocupação maior, tanto dos dirigentes de em prêsas, como dos ocupantes do cargo, continua a ser a de conhecimentos sôbre legislação trabalhista, bastando, para comprovar esta observação, a leitura dos anúncios em que se procuram diretores, gerentes, chefes, encarregados, ou funcionários de pessoal.

Ainda mais, observamos que a administração de pessoal nas pequenas e médias emprêsas inclui tarefas caracterizadas como perfeitamente rotineiras; (1 1 ) Preparação de folhas de pagamento, carteiras de trabalho, verificação de faltas e atrasos, avisos de penalidades e preparo da indenização por saída do empregado, são algumas das tarefas que essa administração exerce. ) e a das grandes emprêsas inclui tantas e tão variadas e desconexas atribuições que se chegou a afirmar que seria impossível encontrar alguém que reunisse tôdas as qualificações necessárias ao exercício da função.(2 2 ) Peter Drucker, Prática de Adminitração de Emprêsas, capítulo 16, Fundo de Cultura, 1961. )

Acrescentando a isso a opinião de estudiosos do assunto de que não se pode caracterizar um dirigente como administrador de pessoal, pois todos os chefes numa emprêsa devem ser, até certo ponto, administradores de pessoal, (3 3 ) Paul Pigors e Charles Myers, Personnel Administration, capítulo 1.º, McGraw-Hill Book Co., Inc., 1956. ) chegamos, logicamente, às indagações feitas por PETER DRUCKER: teria fracassado a administração de pessoal? Estaria ela, por falta de "status", sem poder sôbre o recurso humano da emprêsa? (4 4 ) Peter Drucker, op. cit. )

INVESTIGAÇÃO PRÁTICA DO PROBLEMA

Era evidente que, antes de chegarmos a qualquer conclusão sôbre o assunto, mister se fazia que conhecêssemos a realidade prática de maneira mais sistemática. Para tanto necessitávamos de conhecer as respostas a perguntas como: que faz realmente um administrador de pessoal? De que preparação necessita para exercer o cargo? A quem está subordinado? Quantas pessoas chefia, em média? Quais as suas possibilidades de acesso a outras posições na emprêsa? Qual o nível na hierarquia e de vencimentos da posição?

Essas indagações serviram de base para a elaboração de um questionário que foi enviado pelo correio aos membros da "Associação de Chefes de Pessoal" de S. Paulo. (5 5 ) À Associação de Chefes de Pessoal de São Paulo, sem cuja colaboração não nos teria sido possível realizar êste inquérito, ao Centro de Pesquisas e Publicações da Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo, pela assistência técnica prestada, e aos ex-alunos Milton Brusius, Renato Plentz e Flávio Roehe, pelo trabalho de elaboração, remessa e tabulação dos ques tionários, os nossos agradecimentos. )(6 6 ) Houve, talvez, alguma influência nos resultados obtidos, pois todos os sociação de classe e por isso é possível que tenham características ou atitude diferentes das dos seus colegas não associados. ) Tendo remetido 157 questionários em janeiro de 1962, recebemos 7 em devolução, por não terem sido encontrados os destinatários, e 53 respostas; em fevereiro de 1962 fizemos nova remessa, que resultou em mais 5 respostas. Tivemos, assim, um total de 58 respostas, que dá uma porcentagem de 38, 7%, índice que pode ser considerado excelente e é prova do interêsse que o assunto despertou.

Relataremos, a seguir, os resultados do inquérito realizado, segundo os diversos quesitos formulados. Para melhor interpretação dos dados, salientamos que as emprêsas a que pertencem os respondentes são, na maioria, de tamanho médio, (7 7 ) 6 das emprêsas a que pertencem nossos respondentes têm até 100 em pregados (horistas e mensalistas); 34 têm de 101 a 1.000; 7 de 1.001 a 5.000; 3 mais de 5.000. (Em 8 casos, não otivemos resposta sôbre êste item.) Consideramos de tamanho médio as emprêsa que têm entre 101 a 1.000 empregados. O fato de a maioria das emprêsas serem, neste inquérito, de tamanho médio, é explicável, pois inúmeras pequenas emprêsas não pertencem a nenhuma associação, nem têm departamento de pessoal definido e organizado. ) e estão divididas em diversos ramos. (8 8 ) 11 das emprêsas são indústrias metalúrgicas; 10 de produtos químicos em geral; 7 de serviços diversos; 4 indústrias farmacêuticas; e 4 de produtos gráficos. As demais pertencem a ramos diversos, como bebidas e refrigerantes (3), aparelhos de utilidade doméstica (3), indústria têxtil (2) etc. )

I) IDADE DOS ADMINISTRADORES DE PESSOAL

O Gráfico I nos dá uma idéia da idade dos administradores que nos responderam: mínima de 22 e máxima de 56 anos. Tanto a média aritmética como a mediana foram aproximadamente de 33 anos e meio, e a moda de 29 anos. Pode-se verificar, portanto, que nossos respondentes são elementos jovens, abaixo, provàvelmente, da idade média de dirigentes em outras posições. Por outro lado, não chegamos a encontrar nenhuma correlação entre a idade dos administradores de pessoal e os salários que percebiam, ou entre sua idade e o tamanho das emprêsas para as quais trabalhavam.


II) REMUNERAÇÃO DOS ADMINISTRADORES DE PESSOAL

A média dos salários dos respondentes caiu na classe de 56 a 70 mil cruzeiros (Gráfico II). Neste caso, o tamanho da emprêsa exerceu considerável influência, como seria de se esperar. Constatou-se, também, que, ao eliminarmos os sete que percebiam acima de 116 mil cruzeiros, a média de salários caía na classe de 41 a 55 mil cruzeiros, valôres bastante baixos em relação aos demais cargos da administração superior das emprêsas. Pode-se concluir, portanto, relacionando, de certa maneira, remuneração com posição na emprêsa, que a posição ocupada pelos administradores de pessoal, não é, de forma geral, tão elevada quanto se poderia desejar, ou, em outras palavras, está abaixo do nível de gerência das demais funções básicas da emprêsa (produção e finanças, por exemplo).


Influência preponderante nos salários foi a exercida pela instrução superior dos ocupantes do cargo. Assim, enquanto a média do grupo estava na classe de 56 a 70 mil cruzeiros, a média dos 19 que tinham instrução superior percebia de 86 a 100 mil cruzeiros. Êste dado, por si só, é bastante animador, pelo menos em relação à importância futura da função.

III) INSTRUÇÃO DOS ADMINISTRADORES DE PESSOAL

A Figura III-a evidencia a grande predominância de instrução secundária, o que não é estranho, pois deve ocorrer também para os administradores de emprêsas, em geral. A predominância de contadores pode ser talvez explicada se considerarmos que muitos dos administradores de pessoal começam como escriturários ou funcionários do departamento de contabilidade e finanças, cuidando desde logo da elaboração de fôlhas de pagamento, cálculos de descontos, seguros, aumentos etc., que podem fazer parte dêsse departamento. Por outro lado, a existência de muitos advogados deve ser explicada pela ênfase que ainda se dá na função a problemas legais e trabalhistas.


Em relação ao Quadro III-b, não deixa de impressionar a enorme variedade de tipos e níveis de cursos: procura-se tudo aquilo que ajude a conhecer alguma coisa de uma série enorme de funções. Neste quesito não se especificaram, infelizmente, de forma muito clara, os níveis dos diversos cursos freqüentados. Somos de opinião, baseados em nosso conhecimento pessoal, de que a maioria dêles deve ser exigido apenas nível de instrução secundária, mesmo incompleta, eram cursos noturnos e deviam durar, em média, de dois a quatro meses.


Considerando a situação atual da posição, acreditamos que cada um dêsses cursos deve ter tido sua utilidade, imediata ou não. Êsses cursos devem, por outro lado, ter provocado não poucas frustrações, pois sabemos que um dos problemas bastante encontrados pelos participantes é o de verificarem quão pouco podem aplicar o que aprenderam e como são pequenas as promoções e exíguos os aumentos em relação ao que seria justificado esperar pelo aproveitamento obtido.

IV) CARREIRA NA EMPRÊSA

Nota-se, pelo exame do Quadro IV-a, que grande parte dos respondentes entrou para a emprêsa a fim de exercer o cargo de administrador de pessoal. Outra parte, menor, ingressou na emprêsa em cargos de categoria inferior, como auxiliar e assistente. É interessante observar que ocupantes de outros cargos, como o de aprendiz de torneiro, visitador, enfermeira e "office-boy", também chegaram à chefia do departamento de pessoal, situação que podemos considerar atípica.


A Figura IV-b ressalta a importância do anúncio como meio de contratação eficaz, embora o contato direto, provàvelmente para cargos mais elevados na administração de pessoal, também se destaque pelo seu número.


O Quadro IV-c, por sua vez, mostra que a maioria está há pouco tempo na emprêsa, não tendo, portanto, estabilidade legal. Se combinarmos êsse item com o Quadro IV-a, notamos que os administradores que entraram para a emprêsa já como responsáveis pelo pessoal ali trabalham, em média, há dois anos e meio, ao passo que aquêles que iniciaram em outros cargos nela trabalham há mais de nove anos. Isso indica que a ascenção para o cargo é lenta e que a carreira não é fácil nesse setor.


V) POSIÇÃO DO CARGO NA EMPRÊSA

Procuramos, em seguida, estabelecer a posição atual do cargo na emprêsa, baseados nos títulos dos seus ocupantes, no número de subordinados e nas funções que lhes competem. Observando os Quadros V-a e V-b, notamos a preferência dada aos títulos de chefe de departamento e de seção, e de encarregado de departamento. Aparentemente, isto indicaria que grande importância é atribuída às funções de pessoal, ainda mais que o Quadro V-c informa que há subordinação direta do cargo aos mais altos da emprêsa.



Todavia, o Quadro V-b nos diz que, dos 50 respondentes, mais de dois terços têm um máximo de 5 subordinados, sendo evidente, portanto, que os mesmos não poderiam cuidar de tôdas as funções enumeradas no Quadro VI. Se a função de pessoal se acha subordinada diretamente a um cargo bastante elevado, com acesso ao mais alto nível hierárquico, isso se deve, muito provàvelmente, à preocupação dos altos dirigentes da emprêsa com problemas de disciplina, contrôle, promoções, salários, questões trabalhistas etc., que também fazem parte das funções do departamento de pessoal.


VI) FUNÇÕES DO ADMINISTRADOR DO PESSOAL

Torna-se evidente, ao analisarmos o Quadro VI, a miscelânea de funções, de níveis diversos, sem coesão e sem afinidade, exigindo diferentes tipos de formação profissional, técnica e humanística, que devem ser exercidas pelo administrador de pessoal. Por outro lado, nota-se o pequeno número de atribuições relativas às diretrizes gerais da emprêsa, inclusive às diretamente relacionadas com o pessoal. A fôlha de pagamento (que deve existir em tôdas as emprêsas) é feita no departamento de pessoal em 41 das 58 emprêsas. Em algumas, portanto, outras seções é que tratam do assunto - o que é uma variação da regra geral. Situação idêntica ocorre com as funções de treinamento e representação na Justiça do Trabalho e, em menor escala, com as de avaliação de cargos e de mérito e a de estabelecimento de planos de incentivos.

Nas grandes emprêsas, em virtude de serem exercidas no departamento de pessoal pràticamente tôdas as funções enumeradas no Quadro VI, a denominação de uso quase geral para êsse departamento é de "relações industriais".

CONCLUSÕES

Não teremos a pretensão de extrair dos resultados obtidos no inquérito conclusões definitivas. Todavia, por apontarem em direções específicas, êsses resultados podem ser utilizados para que sejam confirmadas algumas noções e definições do problema, em vários de seus aspectos.

Em primeiro lugar, verificamos que a posição da administração de pessoal não é ainda a que seria de desejar, se levarmos em conta que essa administração só atingirá seus mais importantes objetivos quando fôr desempenhada por dirigente que não só exerça as funções do departamento, mas também e principalmente participe da formulação de diretrizes nas diversas áreas que lhe estão afetas. Entendemos, portanto, que será bem sucedida a administração de pessoal que tratar da política de recrutamento e seleção de pessoal, da política de treinamento, promoção e incentivos, da política de assistência (médica e social) e de benefícios (como transporte, restaurante, clube e outros), da política trabalhista, da salarial (na pesquisa salarial, nos aumentos, nos dissídios, nos descontos, nos pagamentos) e da política de aconselhamento e comunicações.

Além disso, ocupará o administrador de pessoal seu lugar devido na hierarquia administrativa se participar das reuniões de gerência e diretoria que tratarem de outras diretrizes, de compras, vendas e fabricação, por exemplo, pois nessas reuniões terá também sempre que informar sôbre pessoas. Somente assim poderá ser determinada, de forma coordenada, a política de pessoal e a dos demais setores da emprêsa.

Não estamos com PETER DRUCKER quando diz que é impossível encontrar alguém que reúna todos os predicados necessários ao exercício de tôdas as funções atribuídas ao departamento de pessoal. (9 9 ) Peter Drucker, op. cit. ) DRUCKER, que nos parece mais pesaroso que pessimista, esquece-se de que as funções existem de fato e precisam ser desenvolvidas e aperfeiçoadas. Com elas é que um administrador de pessoal precisa realmente começar, seja para ingressar na carreira numa emprêsa, seja mesmo depois, quando procura alcançar os objetivos mais gerais e elevados da função, influenciando seus colegas da direção de forma a que cuidem devidamente dos problemas de pessoal.

Em segundo lugar, os resultados dizem que as probabilidades são maiores de haver melhor remuneração e acesso a posições mais elevadas em menor espaço de tempo quando o administrador de pessoal está preparado para o desempenho de têdas as funções do cargo e, mais ainda, se tem curso superior completo, de preferência ligado às ciências sociais.

Finalmente, o fato de estar colocada essa administração no nível hierárquico superior da organização lhe dá acesso fácil à alta direção da emprêsa. Se, além das qualificações técnicas exigidas para o exercício da função, tiver o administrador de pessoal capacidade de liderança e qualidades humanas, certamente estará mais perto de conseguir realizar seu objetivo, fazendo-se ouvir pela alta administração no sentido de que seja estabelecida uma verdadeira política de pessoal de que todos participem

  • 2) Peter Drucker, Prática de Adminitração de Emprêsas, capítulo 16, Fundo de Cultura, 1961.
  • 3) Paul Pigors e Charles Myers, Personnel Administration, capítulo 1.º, McGraw-Hill Book Co., Inc., 1956.
  • 1
    ) Preparação de folhas de pagamento, carteiras de trabalho, verificação de faltas e atrasos, avisos de penalidades e preparo da indenização por saída do empregado, são algumas das tarefas que essa administração exerce.
  • 2
    ) Peter Drucker,
    Prática de Adminitração de Emprêsas, capítulo 16, Fundo de Cultura, 1961.
  • 3
    ) Paul Pigors e Charles Myers,
    Personnel Administration, capítulo 1.º, McGraw-Hill Book Co., Inc., 1956.
  • 4
    ) Peter Drucker, op.
    cit.
  • 5
    ) À Associação de Chefes de Pessoal de São Paulo, sem cuja colaboração não nos teria sido possível realizar êste inquérito, ao Centro de Pesquisas e Publicações da Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo, pela assistência técnica prestada, e aos ex-alunos Milton Brusius, Renato Plentz e Flávio Roehe, pelo trabalho de elaboração, remessa e tabulação dos ques tionários, os nossos agradecimentos.
  • 6
    ) Houve, talvez, alguma influência nos resultados obtidos, pois todos os sociação de classe e por isso é possível que tenham características ou atitude diferentes das dos seus colegas não associados.
  • 7
    ) 6 das emprêsas a que pertencem nossos respondentes têm até 100 em pregados (horistas e mensalistas); 34 têm de 101 a 1.000; 7 de 1.001 a 5.000; 3 mais de 5.000. (Em 8 casos, não otivemos resposta sôbre êste item.) Consideramos de tamanho médio as emprêsa que têm entre 101 a 1.000 empregados. O fato de a maioria das emprêsas serem, neste inquérito, de tamanho médio, é explicável, pois inúmeras pequenas emprêsas não pertencem a nenhuma associação, nem têm departamento de pessoal definido e organizado.
  • 8
    ) 11 das emprêsas são indústrias metalúrgicas; 10 de produtos químicos em geral; 7 de serviços diversos; 4 indústrias farmacêuticas; e 4 de produtos gráficos. As demais pertencem a ramos diversos, como bebidas e refrigerantes (3), aparelhos de utilidade doméstica (3), indústria têxtil (2) etc.
  • 9
    ) Peter Drucker,
    op. cit.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jul 2015
    • Data do Fascículo
      Mar 1963
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