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La societé contre l'Etat

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Roberto Venosa

La societé contre l'Etat

Por Pierre Clastres. Paris, Editions de Minuit, 1974.

"Pendant que les espagnols envoyaient des comissions d'enquête pour rechercher si les indigènes avaient ou non une âme, ces derniers s'employaient à immerger des blancs prisionniers, afin de vérifier, par une surveillance prolongée, si leur cadavre était ou non sujet à la putréfation."

A obra de Clastres por si própria responde a estas questões. O que faremos aqui será delinear, na medida do possível, as partes das obra que julgamos apresentar um impacto decisivo no que se pretende entender como formações e processos organizacionais, em particular os que vivemos.

Logo de início, é preciso ressaltar o caráter pluridimensional da "agressão" de Clastres, o que quer dizer que, mesmo tendo como fio condutor o pressuposto de que para o estudo de "ce gens là sans foi, sans loi, sans roi... " é necessário abandonar o etnocentrismo ocidental dos estudos até hoje elaborados sobre a cultura e economia indígenas (evidentemente a generalização não é absoluta, o próprio autor salva, entre outros, Lévi-Strauss, Augé, Lawrence), em seu estudo, ele apresenta e explora diferentes elementos, procurando elaborá-los separadamente e de uma maneira pelo menos criativa.

Até que ponto e em que medida pode-se considerar os "não-civilizados" como constituintes de uma sociedade onde o poder não se encontra articulado? Pode-se entender o chefe-cacique - como embrião do Estado moderno? Por que razão consideramos avançadas as "civilizações" asteca, inca e maia?

A todas estas questões P.C. responde com sua proposta de uma revolução copérnica, o que, em última análise, significa um descentramento, uma virada, uma mudança de paradigma.. Assim, nos diz Clastres, as sociedades asteca, inca e maia não podem ser consideradas como mais avançadas que as outras sociedades indígenas. Se até um determinado momento elas foram vistas desta forma, isto se deve ao fato de se aproximarem mais das ditas sociedades "históricas", ou seja, da tipologia de civilização elaborada no "Ocidente maravilha".

O autor afirma, ainda, que o chefe - cacique - não pode ser considerado embrião do Estado moderno porque, se comparadas, as bases do poder nestas sociedades diferem daquelas que caracterizam o poder nas sociedades que experimentamos.

Nas palavras do autor: "(une) caractéristique décisive digne de retenir attention, (c'est que) aucun de ces caciques ne possède de pouvoir. On se trouve donc confronté à un énorme ensemble où les détenteurs de ce qu'ailleurs on nommerait pouvoir sont en fait sans pouvoir, où le politique se determine comme champ hors de toute coertion et de toute violence, hors de toute subordination hiérarchique, oú en un mot, ne se donne aucune relation de commandement-obéissance" (p. 11).

Revendo e refutando a classificação que, fundada na ausência de uma simbologia escrita dos bugres e numa economia pretensamente de subsistência, considera as sociedades indígenas como sociedades pouco elaboradas - pressuposto intrínseco ao evolucionismo - Clastres argumenta que a escrita está intimamente ligada ao poder na sua expressão contemporânea e que muitas sociedades indígenas produziram um excedente superior ao equivalente necessário para o consumo ordinário e finalmente propõe:

1. Não se pode dividir as sociedades em dois grupos, a saber, sociedades com poder e sociedades sem poder, uma vez que as bases do poder em cada uma destas sociedades são diversas.

2. O poder, na sua forma coercitiva, típico das sociedades "históricas", nada mais é que uma das múltiplas manifestações do poder.

3. Mesmo nas sociedades sem as instituições políticas hoje em dia vigentes, existe a ação política formulada em bases diferentes.

Quais são, então, as bases do poder nas chamadas sociedades sem história? Para P.C., as condições de exercício do poder nestas sociedades são as seguintes:

- o chefe é um pacificador;

- o chefe deve ser generoso;

- o chefe deve ser um bom orador;

- a poligamia é privilégio do chefe.

Por que pacificador? Segundo P.C., porque a irrupção de conflito desperta a concorrência para o posto. Daí a insistência do cacique numa vida de conflito regulado e segundo as tradições.

Por que generoso? Porque o chefe existe para servir à tribo e não para dela se servir. Assim, distribuir benesses é uma obrigação constante do chefe.

Por que bom orador? É obrigação do chefe, e não um direito, regalar a tribo com presentes e palavras. Segundo P.C., não é um direito simplesmente porque ninguém presta atenção ao que o chefe diz.

Assim, recusando o exercício do poder na sua expressão coercitiva, as sociedades "sem história" fundamentam o poder numa relação de troca: a tribo recebe presentes e palavras e fornece mulheres (!).

Ao final do segundo capítulo, fica a impressão de que o autor deu uma cambalhota - mocinho vira bandido, bandido vira mocinho - ou, se quiserem, sua exposição é coberta por certo maniqueísmo; mas uma vez que estas, reviravoltas têm-se tornado constantes neste campo de produção, é bem possível que o maniqueísmo esteja bem mais na ótica de quem lê, que na lapiseira Bic de quem escreveu.

A seguir, P.C. parte para o tratamento de temas específicos, tais como: a divisão sexual do trabalho nas sociedades indígenas e a utilização do mito ou a manipulação de um espaço sagrado. Principalmente neste segundo tema, o autor dá direito de cidadania a idéias sumamente relevantes. É interessante notar que nas sociedades indígenas a lenda tem uma função desmistificadora, quase que uma investida contra entidades que se instalam fora do espaço palpável: os deuses e seus milenares profetas (os chamanes). É claro que o tema da apropriação do espaço sagrado e, principalmente o capítulo sobre a tortura, não poderiam ser reduzidos a simplicidades, porém, para uma resenha, é preferível abandoná-los e ressaltar o capítulo que se intitula A sociedade contra o Estado, pois aí se concentram as propostas principais do autor.

Clastres não deixa passar despercebido que a distância entre a prática política indígena e a obediência branca é tal que pode ser bem difícil conceber - a não ser como imaginária ou fantástica - a possibilidade do exercício do poder nas bases por ele descritas. De qualquer forma, para uma antropologia (e uma teoria das organizações) sem reumatismos, o abandono do catálogo - ou seja, sociedades sem história, economia de subsistência, botucudos têm mentalidade de criança - teria um efeito pelo menos profilático.

Abrindo alas para o autor: "Tout se passe, en effect, comme si ces sociétés constituaient leur sphère politique en fonction d'une intuition qui leur tiendrait lieu de règle: à savoir que le pouvoir est en son essence coertion; que l'activité unificatrice de la fonction politique s'exercerait, non à partir de la structure de la société et conformément à elle, mais à partir d'un au-delà incontrôlable et contre elle; que le pouvoir en sa nature n'est qu'alibi furtif de la nature en son pouvoir. Loin donc de nous offrir l'image terne d'une incapacité à résoudre la question du pouvoir politique, ces sociétés nous étonnent par la subtilité avec laquelle elles l'ont posée et réglée. Elles ont très tôt pressenti que la transcendance du pouvoir recèle pour le groupe un risque mortel, que le principe d'une autorité extérieure et créatrice de sa propre légalité est une contestation de la culture elle-même; c'est l'intuition de cette menace qui a déterminé la profondeur de leur philosophie politique. Car, découvrant la grande parenté du pouvoir et de la nature, comme double limitation de l'univers de la culture, les sociétés indiennes ont choisi d'en être elles-mêmes les fondatrices, mais de manière à ne laisser apparaître le pouvoir que comme négativité aussitôt maîtrisée: elles l'instituent selon son essence (la négation de la culture), mais justemente pour lui dénier toute puissance effective. De sorte que la présentation du pouvoir tel qu'il est, s'offre à ces sociétés comme le moyen même de l'annuler" (p. 40).

E, finalmente: é possível uma conclusão sobre o texto? Pelo menos por enquanto, não. É possível uma perspectiva nova para o estudo dos processos organizacionais onde se privilegie mais a análise dos símbolos que nos organizam, os mecanismos perversos da instituição e a perversão institucional na maneira própria como esta se instala na consciência do agente e circunscreve sua ação? Talvez.

Clastres sugere o abandono da sempre à mão cristaleira de conceitos tradicionais. E, a nós, o que nos resta é aguardar a tradução dessa bem-vinda obra de Clastres, o qual, vítima de acidente automobilístico, faleceu em julho de 1977, perto de Paris.

  • 1 Lévi-Strauss, Claude. Race et histoire. Paris, Médiations, 1968.
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    Que interesse pode ter o estudo das organizações indígenas para a análise das organizações contemporâneas? Por que dar atenção a uma obra que, surgida nas franjas da antropologia e, como que possuída de um désir justiceiro, investe contra o estamento e a tradição antropológica?
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 1978
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