Acessibilidade / Reportar erro

Covid-19 e os impactos nas políticas de financiamento e investimento

Resumo

Objetivo:

Analisar como a Covid-19 tem impactado as políticas de financiamento, estrutura de capital e investimento das empresas brasileiras à luz das finanças comportamentais.

Originalidade/valor:

O estudo se debruçou sobre a literatura das finanças comportamentais, Teoria dos Prospectos, Teoria do Big Five e Teoria do Pecking Order, com o intuito de fundamentar e explicar as consequências das emoções implícitas nas decisões corporativas e os impactos nas organizações no momento de crise da Covid-19.

Design/metodologia/abordagem:

Foi utilizado um questionário com 26 perguntas distribuídas em três blocos: 1. decisões de investimentos, financiamentos e estrutura de capital tomadas no primeiro semestre de 2020; 2. dimensões de personalidade dos respondentes; 3. perfis sociodemográficos dos respondentes. Obtiveram-se 120 respostas, e aplicou-se o modelo econométrico mínimos quadrados ordinários para identificar a influência dos vieses nas decisões corporativas.

Resultados:

Os resultados encontrados evidenciaram que as decisões dos administradores têm sido influenciadas pelas heurísticas e pelos vieses, principalmente nas decisões de iniciação de novos projetos e captação de financiamento, pois identificou-se que o viés do excesso de confiança tem prevalecido nas decisões de investimento e financiamento. O estudo também demonstrou que as quedas nas vendas e as perdas na lucratividade das empresas brasileiras decorrentes da Covid-19 proporcionaram um comportamento arrojado nos administradores, já que eles buscaram reverter os impactos da pandemia.

Palavras-chave:
Covid-19; finanças comportamentais; investimentos; financiamentos; estrutura de capital

Abstract

Purpose:

To analyze how the Covid-19 has impacted the financing, capital structure, and investment policies of Brazilian companies from a behavioral finance perspective.

Originality/value:

The study focused on the behavioral finance literature, Prospect Theory, Big Five Theory, and Pecking Order Theory, in order to substantiate and explain the consequences of the emotions implicit in corporate decisions and their impacts on organizations during the Covid-19 crisis.

Design/methodology/approach:

A questionnaire was used, containing 26 questions spread over three sections: 1. investment, financing, and capital structure decisions made in the first half of 2020; 2. personality dimensions of the respondents; and 3. sociodemographic profiles of the respondents. A total of 120 responses was obtained and the ordinary least squares econometric model was applied to identify the influence of biases on corporate decisions.

Findings:

The results found showed that managers’ decisions have been influenced by heuristics and biases, especially decisions on starting new projects and raising funds, as it was found that overconfidence bias has prevailed in investment and financing decisions. The study also demonstrated that the decline in sales and lost profitability of Brazilian companies due to Covid-19 have led to bold behavior by managers, as they have sought to reverse the impacts of the pandemic.

Keywords:
Covid-19; behavioral finance; investment; financing; capital structure

INTRODUÇÃO

Em março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) formalizou que a propagação do coronavírus ou da coronavirus disease 2019 (Covid-19) já se encontrava em estágio de pandemia. As autoridades brasileiras iniciaram a criação de protocolos com o intuito de impedir a transmissão do vírus entre a população brasileira e, ainda, minimizar os impactos sociais e econômicos, com medidas de isolamento social e restrição de circulação de pessoas.

Trabalhos realizados por pesquisadores do meio acadêmico, em especial pela área da medicina, apontam para as consequências negativas nas funções cognitivas e na tomada de decisão devido ao isolamento social. Conforme Percudani et al. (2020)Percudani, M., Corradin, M., Moreno, M., Indelicato, A., & Vita, A. (2020). Mental health services in Lombardy during Covid-19 outbreak. Psychiatry Research, 288, 112980. https://doi.org/10.1016/j.psychres.2020.112980
https://doi.org/10.1016/j.psychres.2020....
, o isolamento social é prejudicial para a saúde mental, e a falta de expectativa futura pode promover medo, frustração, ansiedade e instabilidade mental. No mesmo sentido, Serafini et al. (2020)Serafini, G., Parmigiani, B., Amerio, A., Aguglia, A., Sher, L., & Amore, M. (2020). The psychological impact of Covid-19 on the mental health in the general population. QJM: An International Journal of Medicine, 113(8), 531-537. destacaram os sintomas de ansiedade, inquietação e incapacitação.

O isolamento social e a restrição de circulação de pessoas trouxeram também consequências para a economia global. As incertezas e a indefinição de futuro foram se agravando em razão, principalmente, da carência de clareza do real impacto no produto interno bruto (PIB) e na taxa de crescimento pós-pandemia, divulgados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Central do Brasil (Bacen).

Logo, espera-se que as empresas brasileiras, na tentativa de minimizar o impacto decorrente da Covid-19, tomem decisões de investimento, financiamento e estrutura de capital com o intuito de preservar a liquidez, diminuir o nível de alavancagem tanto financeira como operacional e remodelar unidades de negócios ou produtos.

Dadas a ineficiência e a anomalia de mercado, as finanças comportamentais afirmam que esses eventos são provenientes dos comportamentos dos investidores atuantes no mercado. Segundo Chaudhary (2013)Chaudhary, A. K. (2013). Impact of behavioral finance in investment decisions and strategies: A fresh approach. International Journal of Management Research and Business Strategy, 2(2), 85-92., as distorções nas funções cognitivas e nas emoções interferem na tomada de decisão. Já Jahanzeb (2012)Jahanzeb, A. (2012). Implication of behavioral finance in investment decision-making process. Information Management and Business Review, 4(10), 532-536. alega que o estudo das finanças comportamentais colabora para o entendimento das influências emocionais na tomada de decisão, além de proporcionar maneiras de resguardar de tais interferências.

Nesse mesmo contexto, as finanças comportamentais, por meio de alguns pilares da psicologia que estudam os impactos das emoções, explicam os comportamentos dos tomadores de decisões. A Teoria dos Prospectos explora esses comportamentos em relação ao risco envolvido. De acordo com essa teoria, o sentimento de perda propicia maior influência mental do que o sentimento de ganho, mesmo que seja na mesma proporção, além de causar comportamentos arrojados, já que se busca recuperá-la (Jahanzeb, 2012Jahanzeb, A. (2012). Implication of behavioral finance in investment decision-making process. Information Management and Business Review, 4(10), 532-536.; Famá et al., 2008Famá, R., Moraes Cioffi, P. L. de, & Coelho, P. A. R. (2008). Contexto das finanças comportamentais: Anomalias e eficiência do mercado de capitais brasileiro. REGE: Revista de Gestão, 15(2), 65-78.).

Ademais, as empresas brasileiras vêm sofrendo em decorrência dos impactos da pandemia, especialmente devido às perdas nas vendas e na lucratividade; logo, surgem algumas perguntas acerca das emoções dos administradores e como estas influenciam as decisões de investimentos, financiamento e manutenção da estrutura de capital. A Teoria do Big Five explora a relação entre os traços de personalidade e os vieses comportamentais, bem como tem sido aplicada em finanças para entender o processo de tomada de decisões conforme a personalidade do indivíduo (Faveri & Knupp, 2018Faveri, D. B., & Knupp, P. S. (2018). Finanças comportamentais: Relação entre traços de personalidade e vieses comportamentais. Revista de Administração e Contabilidade da Unisinos, 15(1), 18-30.).

Além do comportamento dos administradores, a estrutura de capital das empresas deve ser balizada para manter a continuidade dos negócios, e, dessa forma, a hierarquia das fontes deve ser respeitada para o financiamento das atividades (Myers & Majluf, 1984Myers, S. C., & Majluf, N. S. (1984). Corporate financing and investment decisions when firms have information that investors do not have. Journal of Financial Economics, 13(2), 187-221. https://doi.org/10.1016/0304-405X(84)90023-0
https://doi.org/10.1016/0304-405X(84)900...
). Futema et al. (2009)Futema, M. S., Basso, L. F. C., & Kayo, E. K. (2009). Estrutura de capital, dividendos e juros sobre o capital próprio: Testes no Brasil. Revista Contabilidade & Finanças, 20(49), 44-62. encontraram evidências nas empresas brasileiras quanto à preferência pelo uso de recursos próprios para financiar os investimentos internos.

De acordo com Leone e Guimarães (2013)Leone, R. J. G., & Guimarães, T. C. (2013). O comportamento financeiro durante e após a crise financeira de 2008 sob a ótica da teoria dos prospectos. Revista de Contabilidade do Mestrado em Ciências Contábeis da Uerj, 17(3), 119-140., as pesquisas no campo das finanças comportamentais no Brasil são limitadas, especialmente quando o ambiente em análise se encontra em recessão ou crise. Na literatura, os estudos de finanças comportamentais se concentram nas reações anormais dos mercados de capitais, principalmente quando oriundas das decisões irracionais dos investidores.

Desse modo, esta pesquisa busca responder à seguinte questão:

  • Como a pandemia do coronavírus tem impactado as políticas de financiamento, estrutura de capital e investimento das empresas brasileiras à luz das finanças comportamentais?

Este estudo é oportuno porque as empresas brasileiras ainda são impactadas pela pandemia do coronavírus, e até este momento não há clareza quanto à retomada econômica e ao afrouxamento das medidas de restrições de circulação. Com isso, as diretrizes de investimentos, financiamentos e da estrutura de capital podem ser influenciadas pelas emoções dos administradores devido ao ambiente de incerteza e irracionalidade. Este estudo colabora para a expansão dos estudos das finanças comportamentais ao investigar os impactos das emoções nas decisões corporativas, especialmente em momento de crise e sob a ótica do agente interno.

PLATAFORMA TEÓRICA E DELINEAMENTO DE HIPÓTESES

Decisões de investimento, financiamento e pecking order à luz de finanças comportamentais

Entre os trabalhos que investigaram as influências das finanças comportamentais nas decisões de investimentos, o de Chaudhary (2013)Chaudhary, A. K. (2013). Impact of behavioral finance in investment decisions and strategies: A fresh approach. International Journal of Management Research and Business Strategy, 2(2), 85-92. concluiu que as finanças comportamentais têm contribuído para precaver as estra­tégias de investimentos dos erros cognitivos. Jahanzeb (2012)Jahanzeb, A. (2012). Implication of behavioral finance in investment decision-making process. Information Management and Business Review, 4(10), 532-536. pressupõe que, embora as decisões irracionais não sejam identificadas em todos os agentes, os impactos causados por elas podem resultar em perdas descomunais. Pimenta e Ribeiro (2010)Pimenta, D. P., & Ribeiro, K. (2010). Finanças comportamentais: Um estudo sobre a confiabilidade das decisões dos investidores, analistas e profissionais de investimento à luz da metodologia Brier Score. Semead [Dissertação de Mestrado]. Universidade Federal de Uberlândia. identificaram que os perfis sociodemográficos em conjunto com o viés do excesso de confiança podem impactar as decisões de investimentos negativamente.

De acordo com Ramiah et al. (2015)Ramiah, V., Xu, X., & Moosa, I. A. (2015). Neoclassical finance, behavio- ral finance and noise traders: A review and assessment of the literature. International Review of Financial Analysis, 41, 89-100., as decisões de investimentos baseadas nas anomalias de mercados são aquelas que não seguem os fundamentos ou modelos econômicos e, ainda, seguem as tendências de mercado originadas nas más ou boas notícias. Ademais, os autores afirmam que as decisões de investimentos que não estão fundamentadas nas informações disponibilizadas ao mercado ou nos modelos econômicos podem ser categorizadas como decisões irracionais.

Leone e Guimarães (2013)Leone, R. J. G., & Guimarães, T. C. (2013). O comportamento financeiro durante e após a crise financeira de 2008 sob a ótica da teoria dos prospectos. Revista de Contabilidade do Mestrado em Ciências Contábeis da Uerj, 17(3), 119-140. sugerem que as pesquisas científicas têm o papel de identificar as influências das emoções na tomada de decisão de investimento e financiamento, além de tornarem os modelos de viabilidade econômica menos enviesados por meio dos inputs propiciados pelos estudos das finanças comportamentais. Bazerman (2004 como citado em Feitosa, 2010Feitosa, A. B. (2010). Excesso de confiança, optimismo e ancoragem em gestores da construção civil no Brasil: Estudo de caso da Camargo Correia [Dissertação de Mestrado, ISCTE Business School]. Instituto Universitário de Lisboa.) destacou que a introdução da modelagem financeira e das informações externas pode contribuir para a diminuição dos vieses nas decisões.

Os estudos de finanças comportamentais também têm contribuído recentemente para explicar as decisões de financiamento e de estrutura de capital, além de exporem as implicações dos vieses na tomada de decisão de financiamento e emissão de novas ações. Barberis e Thaler (2003)Barberis, N., & Thaler, R. (2003). A survey of behavioral finance. In G. M. Constantinides, M. Harris, & R. M. Stulz, Handbook of the economics of finance (v. 1, pp. 1053-1128). Elsevier. defendem que os vieses podem proporcionar decisões precipitadas pelos agentes internos, em especial no aumento de dívida para financiar os projetos internos, podendo até destruir valor para os acionistas.

Shefrin e Statman (2011)Shefrin, H., & Statman, M. (2011). Behavioral finance in the financial crisis: Market efficiency, Minsky, and Keynes. Santa Clara University. https://www.russellsage.org/sites/all/files/Rethinking-Finance/Shefrin%20Statman%2001272012.pdf
https://www.russellsage.org/sites/all/fi...
identificaram o uso do viés do excesso de confiança pelas instituições financeiras dos Estados Unidos, o que acarretou o aumento da alavancagem financeira dessas instituições e consequentemente a crise financeira de 2008. Ainda, Heaton (2002)Heaton, J. B. (2002). Managerial optimism and corporate finance. Financial Management, 31(2), 33-45. defende que os agentes internos no uso do viés do excesso de confiança não emitem novas ações, pois acreditam que as ações subavaliadas se converterão no seu valor de face, em acordo com os fluxos de caixas futuros. Segundo o autor, esse comportamento explicaria a Teoria da Hierarquia das Fontes (Pecking Order Theory).

Alguns autores encontraram evidências empíricas quanto ao uso da hierarquização das fontes internas de financiamento antes de buscarem recursos externos, em acordo com a teoria (Vasiliou & Daskalakis, 2009Vasiliou, D., & Daskalakis, N. (2009). Behavioral capital structure: Is the neoclassical paradigm threatened? Evidence from the field. The Journal of Behavioral Finance, 10(1), 19-32.; Futema et al., 2009Futema, M. S., Basso, L. F. C., & Kayo, E. K. (2009). Estrutura de capital, dividendos e juros sobre o capital próprio: Testes no Brasil. Revista Contabilidade & Finanças, 20(49), 44-62.; Barberis & Thaler, 2003Barberis, N., & Thaler, R. (2003). A survey of behavioral finance. In G. M. Constantinides, M. Harris, & R. M. Stulz, Handbook of the economics of finance (v. 1, pp. 1053-1128). Elsevier.). Os estudos de Myers e Majluf (1984)Myers, S. C., & Majluf, N. S. (1984). Corporate financing and investment decisions when firms have information that investors do not have. Journal of Financial Economics, 13(2), 187-221. https://doi.org/10.1016/0304-405X(84)90023-0
https://doi.org/10.1016/0304-405X(84)900...
foram os pioneiros na evidenciação do comportamento e preferência pelas fontes internas de financiamento, sendo esta originada a partir do estudo seminal de Modigliani e Miller (1958)Modigliani, F., & Miller, M. H. (1958). The cost of capital, corporation finance, and the theory of investment. American Economic Review, 48(3), 261-197.. Vale destacar que a Teoria da Hierarquia das Fontes considera as decisões enviesadas dos administradores, uma vez que não leva em conta os benefícios fiscais da dívida, conforme a Teoria do Trade-Off, bem como não se beneficia dos momentos de mercado para emissão de novas ações, em linha com a Teoria de Momento de Mercado (Barberis & Thaler, 2003Barberis, N., & Thaler, R. (2003). A survey of behavioral finance. In G. M. Constantinides, M. Harris, & R. M. Stulz, Handbook of the economics of finance (v. 1, pp. 1053-1128). Elsevier.).

No tocante às mudanças da estrutura de capital em momentos de crise, há alguns estudos que identificaram evidências empíricas quanto às alterações dessas estruturas decorrentes dos momentos de incertezas. Foram encontradas evidências robustas referente à mudança de estrutura de capital em momento de crise no mercado japonês (Danso et al., 2021Danso, A., Fosu, S., Owusu-Agyei, S., Ntim, C. G., & Adegbite, E. (2021). Capital structure revisited. Do crisis and competition matter in a Keiretsu corporate structure? International Journal of Finance & Economics, 26, 5073-5092.). Vieira (2013)Vieira, C. (2013). Impacto da crise no financiamento das empresas portuguesas [Dissertação de Mestrado]. Universidade do Porto. identificou um movimento de desalavancagem das empresas portuguesas após a crise de 2008, que alterou significativamente suas estruturas de capitais. Na mesma linha, Chatzinas e Papadopoulos (2018)Chatzinas, G., & Papadopoulos, S. (2018). Trade-off vs. pecking order theory: Evidence from Greek firms in a period of debt crisis. International Journal of Banking, Accounting and Finance, 9(2), 170-191. encontram evidências de mudança na estrutura de capital na crise financeira na Grécia de 2008 a 2014.

Segundo os achados de Leone e Guimarães (2013)Leone, R. J. G., & Guimarães, T. C. (2013). O comportamento financeiro durante e após a crise financeira de 2008 sob a ótica da teoria dos prospectos. Revista de Contabilidade do Mestrado em Ciências Contábeis da Uerj, 17(3), 119-140. e Ramiah et al. (2015)Ramiah, V., Xu, X., & Moosa, I. A. (2015). Neoclassical finance, behavio- ral finance and noise traders: A review and assessment of the literature. International Review of Financial Analysis, 41, 89-100., as finanças comportamentais têm o papel de prover premissas baseadas nos estudos dos comportamentos e das emoções dos administradores para ajustar os modelos econômicos utilizados nas análises de viabilidade de investimentos e financiamentos. Tanto Bazerman (2004 como citado em Feitosa, 2010Feitosa, A. B. (2010). Excesso de confiança, optimismo e ancoragem em gestores da construção civil no Brasil: Estudo de caso da Camargo Correia [Dissertação de Mestrado, ISCTE Business School]. Instituto Universitário de Lisboa.) quanto Ramiah et al. (2015)Ramiah, V., Xu, X., & Moosa, I. A. (2015). Neoclassical finance, behavio- ral finance and noise traders: A review and assessment of the literature. International Review of Financial Analysis, 41, 89-100. destacam que os agentes de mercados tendem a usar as informações disponibilizadas para adequar os modelos financeiros. Sendo assim, o estudo levantou a seguinte hipótese:
  • H1: As decisões de investimentos, financiamentos e estrutura de capital, quando formadas sem a utilização de modelos econômicos e informações disponibilizados no mercado, podem ser consideradas enviesadas.

Finanças comportamentais

Segundo Jahanzeb (2012)Jahanzeb, A. (2012). Implication of behavioral finance in investment decision-making process. Information Management and Business Review, 4(10), 532-536., as pesquisas no campo das finanças comportamentais surgiram entre os anos de 1953 e 1963, em que se exploravam os aspectos psicológicos por trás das decisões de investimentos. A ascensão das finanças comportamentais deu-se na década de 1970 com os artigos de Kahneman e Tversky que estudaram os comportamentos dos investidores sob as perspectivas das heurísticas e emoções (Jaiswal & Kamil, 2012Jaiswal, B., & Kamil, N. (2012). Gender, behavioral finance and the investment decision. IBA Business Review, 7(2), 8-22.).

De acordo com Jahanzeb (2012)Jahanzeb, A. (2012). Implication of behavioral finance in investment decision-making process. Information Management and Business Review, 4(10), 532-536. e Jaiswal e Kamil (2012)Jaiswal, B., & Kamil, N. (2012). Gender, behavioral finance and the investment decision. IBA Business Review, 7(2), 8-22., as finanças comportamentais estão alicerçadas nos ramos da psicologia, em que se estudam os comportamentos dos indivíduos por meio das heurísticas. As heurísticas estão divididas em sete principais sistemas cognitivos que promovem as decisões irracionais: representatividade, conservadorismo, ancoragem, perseverança, excesso de confiança, otimismo e disponibilidade.

Pimenta e Ribeiro (2010)Pimenta, D. P., & Ribeiro, K. (2010). Finanças comportamentais: Um estudo sobre a confiabilidade das decisões dos investidores, analistas e profissionais de investimento à luz da metodologia Brier Score. Semead [Dissertação de Mestrado]. Universidade Federal de Uberlândia. definem as heurísticas como métodos rudimentares desenvolvidos pelos seres humanos por meio das suas experiências habituais, e seu mau uso pode acarretar vieses ou decisões ilógicas. Além do mais, Yoshinaga et al. (2008)Yoshinaga, C. E., Oliveira, R. F. de, Silveira, A. D. M. da, & Barros, L. A. B. D. C. (2008). Finanças comportamentais: Uma introdução. REGE: Revista de Gestão, 15(3), 25-35. destacam que os vieses se originam nas escolhas irracionais dos indivíduos que são influenciados pelas experiên­cias passadas ou percepções errôneas de futuro.

Segundo Barberis e Thaler (2003)Barberis, N., & Thaler, R. (2003). A survey of behavioral finance. In G. M. Constantinides, M. Harris, & R. M. Stulz, Handbook of the economics of finance (v. 1, pp. 1053-1128). Elsevier., a heurística da representatividade introduz os vieses das escolhas ou dos julgamentos baseados nas caracte­rísticas do evento e nas experiências anteriores, e muitas delas são simplistas ou de senso comum. Leone e Guimarães (2013)Leone, R. J. G., & Guimarães, T. C. (2013). O comportamento financeiro durante e após a crise financeira de 2008 sob a ótica da teoria dos prospectos. Revista de Contabilidade do Mestrado em Ciências Contábeis da Uerj, 17(3), 119-140. definem a heurística da representatividade como sendo os meios pelos quais os indivíduos medem as probabilidades de causalidades dos eventos baseados em suas vivências anteriores.

Quanto à heurística da ancoragem, Yoshinaga et al. (2008)Yoshinaga, C. E., Oliveira, R. F. de, Silveira, A. D. M. da, & Barros, L. A. B. D. C. (2008). Finanças comportamentais: Uma introdução. REGE: Revista de Gestão, 15(3), 25-35. propõem que decisões são criadas partindo sempre de um indicador ou de uma estimativa inicial, e os provedores dessas definições realizam ajustes para adequar a estimativa, mas geralmente não alcançam o objetivo esperado. Na mesma linha, Leone e Guimarães (2013)Leone, R. J. G., & Guimarães, T. C. (2013). O comportamento financeiro durante e após a crise financeira de 2008 sob a ótica da teoria dos prospectos. Revista de Contabilidade do Mestrado em Ciências Contábeis da Uerj, 17(3), 119-140. esclarecem que a heurística da ancoragem refere-se às premissas primárias de cada indivíduo que servem como parâmetro de regulagem, todavia não são precisas.

Em relação à heurística do excesso de confiança, Jahanzeb (2012)Jahanzeb, A. (2012). Implication of behavioral finance in investment decision-making process. Information Management and Business Review, 4(10), 532-536. descreve como sendo o viés que influencia as decisões dos indivíduos, em razão de acreditarem que os seus julgamentos ou suas escolhas estão sempre certos, mas não estão. Segundo Yoshinaga et al. (2008)Yoshinaga, C. E., Oliveira, R. F. de, Silveira, A. D. M. da, & Barros, L. A. B. D. C. (2008). Finanças comportamentais: Uma introdução. REGE: Revista de Gestão, 15(3), 25-35., os indivíduos presumem que suas escolhas em momento de incertezas ou crises são verdades concretas, mas, de acordo com a heurística do excesso de confiança, essas escolhas não são concisas, visto que muitas delas estão ancoradas nos indicadores ou nas premissas iniciais.

Barberis e Thaler (2003)Barberis, N., & Thaler, R. (2003). A survey of behavioral finance. In G. M. Constantinides, M. Harris, & R. M. Stulz, Handbook of the economics of finance (v. 1, pp. 1053-1128). Elsevier. destacam as heurísticas de excesso de confiança e representatividade, em que a primeira contribui para decisões precipitadas e a segunda demonstra que os indivíduos medem as probabilidades de causalidades dos eventos com base em suas vivências prévias. Ainda, Jahanzeb (2012)Jahanzeb, A. (2012). Implication of behavioral finance in investment decision-making process. Information Management and Business Review, 4(10), 532-536. chama a atenção para os riscos assumidos nas decisões de financiamento. Dessa forma, o estudo levantou a seguinte hipótese:
  • H2: Os perfis sociodemográficos de porte da empresa ou cargo de ocupação têm uma correlação positiva com as decisões enviesadas de captação de financiamento, cancelamento de projetos e modificação da estrutura de capital.

Segundo Barberis e Thaler (2003)Barberis, N., & Thaler, R. (2003). A survey of behavioral finance. In G. M. Constantinides, M. Harris, & R. M. Stulz, Handbook of the economics of finance (v. 1, pp. 1053-1128). Elsevier., as decisões de financiamentos e de estrutura de capital, baseadas na Teoria da Hierarquia das Fontes, são consideradas enviesadas, visto que os administradores não levam em conta os benefícios fiscais da dívida e não se beneficiam dos preços altos para emitirem novas ações. Posto isso, o estudo levantou a seguinte hipótese:
  • H3: Há uma correlação positiva entre a hierarquização das fontes de financiamentos das empresas brasileiras e as decisões de seus administradores, principalmente quando estes apresentarem vieses da representatividade e ancoragem.

Teoria dos Prospectos

A Teoria dos Prospectos surgiu entre 1974 e 1979, nas pesquisas no campo da psicologia que estudavam os comportamentos dos agentes de mercado. Conforme Kahneman e Tversky (2013Kahneman, D., & Tversky, A. (2013). Prospect theory: An analysis of decision under risk. In L. C. Maclean, & W. T. Ziemba, Handbook of the fundamentals of financial decision making: Part I (pp. 99-127). World Scientific Publishing Company., p. 1) “a decisão realizada sob ambiente de risco pode ser vista como uma escolha entre prospectos ou apostas”. De acordo com Jahanzeb (2012)Jahanzeb, A. (2012). Implication of behavioral finance in investment decision-making process. Information Management and Business Review, 4(10), 532-536., a Teoria dos Prospectos conseguiu identificar uma relação oposta entre as percepções dos indivíduos para ganhos e perdas, além de inferir sobre a influência das perdas no grau de risco assumido nas decisões de investimentos.

Jahanzeb (2012)Jahanzeb, A. (2012). Implication of behavioral finance in investment decision-making process. Information Management and Business Review, 4(10), 532-536. descreve os cinco principais conceitos desenvolvidos a partir da Teoria dos Prospectos que contribuíram para a ascensão das finanças comportamentais. Os conceitos são: concepção, aversão ao arrependimento, perda da aversão, contabilização mental e autocontrole.

A concepção que trata do efeito da certeza é explicado como a grande diferença entre os pesos atribuídos a ganhos assegurados (certos) e a ganhos altamente prováveis (Kahneman et al., 1991Kahneman, D., Knetsch, J. L., & Thaler, R. H. (1991). The Endowment Effect, Loss Aversion, and Status Quo Bias. The Journal of Economic Perspectives, 5, 193-206.).

Já o conceito da aversão ao arrependimento surge quando os investidores tentam minimizar os impactos emocionais das perdas e das más escolhas, e, em consequência, o sentimento da perda pode induzir ao comportamento irracional. Dessa forma, o investidor está mais propenso a correr mais risco quando se encontra em momentos de perdas do que em momentos de ganhos, em que se tornam avesso ao risco (Jahanzeb, 2012Jahanzeb, A. (2012). Implication of behavioral finance in investment decision-making process. Information Management and Business Review, 4(10), 532-536.).

O comportamento de perda da aversão é tratado por Kahneman e Lovallo (1993)Kahneman, D., & Lovallo, D. (1993). Timid choices and bold forecast: A cognitive perspective on risk taking. Management Science, 39(1), 17-31. como redução marginal da utilidade dos ganhos. A função utilidade descreve o comportamento da relação de um valor financeiro esperado em determinada situação com um valor pessoal atribuído pelo investidor para esta mesma situação. A relação entre diversos e diferentes valores esperados e os seus respectivos valores atribuídos mostra, dentro da faixa de valores esperados, o comportamento do investidor perante o risco. A união dos diversos pontos estipulados engendra uma curva, que é a denominada função utilidade (Bell, 1988Bell, D. E. (1988). One-switch utility functions and a measure of risk. Management Science, 34, 1416-1424.).

O conceito da conta ou contabilização mental propõe que os indivíduos inconscientemente organizam suas finanças em um círculo vicioso, em que os ganhos são previamente destinados para as despesas (Jahanzeb, 2012Jahanzeb, A. (2012). Implication of behavioral finance in investment decision-making process. Information Management and Business Review, 4(10), 532-536.). Esse conceito é também relevante em momento de crise, especialmente para as sociedades mistas, pois os agentes internos costumam usar os orçamentos anuais como metas de gastos, ou seja, os recursos são despendidos mesmo com perdas em vendas ou retrações econômicas. Ainda, o conceito da contabilização mental está em linha com a heurística da ancoragem, já que as decisões são baseadas em referências iniciais.

Por último, o conceito do autocontrole sugere aos investidores que monitorem as suas emoções para que não ocasionem perdas ou mudanças irracionais na estratégia de investimentos. Jahanzeb (2012)Jahanzeb, A. (2012). Implication of behavioral finance in investment decision-making process. Information Management and Business Review, 4(10), 532-536. destaca que a autorregulação pode contribuir para minimizar as perdas e conservar o port­fólio. Pimenta e Ribeiro (2010)Pimenta, D. P., & Ribeiro, K. (2010). Finanças comportamentais: Um estudo sobre a confiabilidade das decisões dos investidores, analistas e profissionais de investimento à luz da metodologia Brier Score. Semead [Dissertação de Mestrado]. Universidade Federal de Uberlândia. concluíram que o excesso de confiança pode ser amenizado por meio do autocontrole e da autorregulação.

Leone e Guimarães (2013)Leone, R. J. G., & Guimarães, T. C. (2013). O comportamento financeiro durante e após a crise financeira de 2008 sob a ótica da teoria dos prospectos. Revista de Contabilidade do Mestrado em Ciências Contábeis da Uerj, 17(3), 119-140. identificaram as interferências dos vieses e das emoções em momentos de crise e concluíram que houve mudança significativa no comportamento dos agentes de mercado na perspectiva do conceito da contabilização mental e do viés da disponibilidade, devido principalmente às emoções de otimismo e pessimismo.

Teoria do Big Five (traços de personalidade)

De acordo com Faveri e Knupp (2018)Faveri, D. B., & Knupp, P. S. (2018). Finanças comportamentais: Relação entre traços de personalidade e vieses comportamentais. Revista de Administração e Contabilidade da Unisinos, 15(1), 18-30., a Teoria do Big Five surgiu em 1930 com os trabalhos do pesquisador Gordon Allport, que resultaram na identificação das cinco dimensões da personalidade. Gosling et al. (2003)Gosling, S. D., Rentfrow, P. J., & Swann Jr, W. B. (2003). A very brief measure of the Big-Five personality domains. Journal of Research in Personality, 37(6), 504-528. apontam para o fato de o modelo Big Five ter uma grande aceitação no meio acadêmico para medir as dimensões da personalidade.

Apesar de haver vários modelos complexos que utilizaram diversos fatores para medir a dimensão de cada personalidade, o modelo Big Five, mais simplificado, vem ganhando espaço principalmente no meio acadêmico pela facilidade de aplicação. O Big Five Inventory (BFI-10) surgiu a partir de um modelo de 44 itens. Rammstedt e John (2007)Rammstedt, B., & John, O. P. (2007). Measuring personality in one minute or less: A 10-item short version of the Big Five Inventory in English and German. Journal of research in Personality, 41(1), 203-212. identificaram que o modelo de dez itens, quando comparado com o modelo de 44 itens, permanecia válido e confiável para medir as dimensões de personalidade.

O modelo BFI-10 compreende cinco dimensões: intelecto/abertura, consciencialidade, afabilidade, estabilidade e extroversão (Anderson et al., 2011Anderson, J., Burks, S., DeYoung, C., & Rustichini, A. (2011). Toward the integration of personality theory and decision theory in the explanation of economic behavior [Unpublished manuscript]. Presented at the IZA workshop: Cognitive and non-cognitive skills.; Faveri & Knupp, 2018Faveri, D. B., & Knupp, P. S. (2018). Finanças comportamentais: Relação entre traços de personalidade e vieses comportamentais. Revista de Administração e Contabilidade da Unisinos, 15(1), 18-30.). O uso de perguntas-chave pode identificar a característica de cada dimensão, em que são definidas as linhas de pensamentos e sentimentos que auxiliam na categorização do comportamento humano (Anderson et al., 2011Anderson, J., Burks, S., DeYoung, C., & Rustichini, A. (2011). Toward the integration of personality theory and decision theory in the explanation of economic behavior [Unpublished manuscript]. Presented at the IZA workshop: Cognitive and non-cognitive skills.).

De acordo com Anderson et al. (2011)Anderson, J., Burks, S., DeYoung, C., & Rustichini, A. (2011). Toward the integration of personality theory and decision theory in the explanation of economic behavior [Unpublished manuscript]. Presented at the IZA workshop: Cognitive and non-cognitive skills., a Teoria do Big Five tem contribuído para identificar a característica dos traços de personalidades dos indivíduos. Por meio dessa teoria, determinam-se as linhas de pensamentos que auxiliam na definição do comportamento humano, e, sendo assim, o estudo levantou a seguinte hipótese:
  • H4: Há uma correlação positiva entre os perfis de personalidade avessos ao risco e os cancelamentos ou a captação de financiamento, com o intuito de preservar o caixa da empresa.

Anderson et al. (2011)Anderson, J., Burks, S., DeYoung, C., & Rustichini, A. (2011). Toward the integration of personality theory and decision theory in the explanation of economic behavior [Unpublished manuscript]. Presented at the IZA workshop: Cognitive and non-cognitive skills. também destacam que os perfis de personalidade extroversão e intelecto têm correlação positiva com decisões propensas ao risco, e, dessa forma, levanta-se a seguinte hipótese:
  • H5: Há uma correlação positiva entre os perfis de personalidade arrojados e a iniciação de novos projetos.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Este estudo descritivo buscou identificar as causas e os efeitos da pandemia da Covid-19 nas decisões corporativas, além da relação entre perfis de personalidades dos executivos com as estratégias de investimentos, financiamentos e mudança de estrutura de capital em tempos de crises. O procedimento de pesquisa utilizado foi survey, com abordagem quantitativa, por meio das técnicas estatísticas para medir as relações entre os perfis de personalidades e perfis sociodemográficos com as decisões enviesadas de investimentos, financiamentos e estrutura de capital.

A coleta de dados foi realizada via questionário virtual, disponibilizado de 15 de julho a 17 de agosto de 2020 nas redes sociais LinkedIn e Facebook, além do mail list da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac). A amostra foi formada por 120 respostas.

O questionário foi construído com 26 perguntas distribuídas em três blocos: 1. identificação das decisões de investimentos, financiamentos e mudança de estrutura de capital no primeiro semestre de 2020, com o propó­sito de investigar o uso de viés na tomada de decisão; 2. identificação dos cinco níveis das dimensões de personalidade dos respondentes a fim de relacioná-los com as decisões de investimentos, financiamento e estrutura de capital; e, por fim, 3. identificação dos perfis sociodemográficos com o intuito de verificar os riscos associados nas decisões de investimento, financiamento e estrutura de capital.

As decisões de investimentos e financiamentos das empresas foram levantadas por meio de três perguntas de investimentos, três perguntas de financiamentos e três perguntas de estrutura de capital, com o propósito de detectar o uso de viés nas decisões. Sendo assim, construíram-se perguntas fechadas, estruturadas e não disfarçadas. O estudo utilizou os vieses representatividade, ancoragem, excesso de confiança, concepção e aversão ao arrependimento.

No questionário, adotaram-se perguntas para identificar os gatilhos comportamentais com as probabilidades prováveis, possíveis e remotas para indicar o uso de viés ou não. De acordo com Pereira et al. (2010)Pereira, L. A. C., Macêdo, J. M. A., Libonati, J. J., & Lagioia, U. C. T. (2010). Reações de afeto no processo decisório gerencial das organizações: Uma abordagem a partir da Prospective Theory. Contabilidade Vista & Revista, 21(1), 131-155., o uso desses gatilhos na formulação de caso teórico ou pergunta de pesquisa pode auxiliar na identificação dos impactos emocionais no processo de tomada de decisão em um cenário de incerteza. Além disso, o uso de perguntas-chave pode identificar a característica de cada dimensão de personalidade, em que são definidas as linhas de pensamentos e sentimentos que ajudam na categorização do comportamento humano (Anderson et al., 2011Anderson, J., Burks, S., DeYoung, C., & Rustichini, A. (2011). Toward the integration of personality theory and decision theory in the explanation of economic behavior [Unpublished manuscript]. Presented at the IZA workshop: Cognitive and non-cognitive skills.). As perguntas de investimentos e financiamentos seguiram o padrão definido na Tabela 1.

Tabela 1
Políticas de investimentos e financiamentos

Com o intuito de identificar as probabilidades do uso de viés nas de­cisões internas de investimentos e financiamentos, classificaram-se as decisões como: prováveis, quando o respondente tomou a decisão sem utilizar os modelos de viabilidade econômica e as informações externas; possíveis, quando o respondente efetuou a decisão sem adotar modelos de viabilidade econômica, mas usou as informações disponibilizadas no mercado, ou, no caso de respostas com a utilização de modelos de viabilidade econômica, sem o uso de informações externas; e remotas, as outras variações de respostas.

Após o levantamento dos gatilhos e riscos associados ao ambiente de cada respondente, classificaram-se os vieses de acordo com as finanças comportamentais e a Teoria dos Prospectos. Utilizaram-se as combinações de respostas para identificar os possíveis vieses usados nas decisões. Os vieses foram usados como variáveis dependentes para fins de análises estatísticas, por meio dos quais se compararam as classificações encontradas com os perfis de personalidade e sociodemográfico dos respondentes, além das respostas voltadas para a estrutura de capital.

No intuito de mensurar os impactos financeiros e econômicos, em especial para a manutenção das políticas de estrutura de capital, o questionário contemplou perguntas-chave para identificar se as empresas disponibilizam políticas de estrutura de capital ou de governança corporativa que regulam as decisões ou mudanças na estrutura de capital delas.

Os resultados encontrados no questionário quanto às mudanças na estrutura de capital foram convertidos em proxy para as análises estatísticas, com o propósito de identificar as relações com os comportamentos irracionais dos executivos devido às influências da pandemia da Covid-19.

O governo brasileiro promoveu medidas de subsídio para auxiliar as empresas de médio e pequeno portes, exclusivamente para enfrentar as perdas de venda e lucratividade, como o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), com o propósito de financiar a falta de liquidez, a perda de venda e o cumprimento das obrigações com terceiros. O questionário considerou esse evento oportuno para identificar os riscos de liquidez e alavancagem, além de associá-los aos perfis de personalidades, dado que nessas empresas os sócios, diretores e gerentes possuem influência direta nas decisões de investimento, financiamento e estrutura de capital.

Como a hierarquização das fontes defende o uso de fontes internas antes de se buscarem recursos externos, foram aplicadas perguntas quanto à preferência dos respondentes para a utilização de recursos próprios ou do equilíbrio entre capital de terceiros e próprio.

Como o estudo buscou identificar os impactos nas decisões corporativas, utilizaram-se os dados coletados no questionário, especificamente quanto à estrutura de capital, para determinar a relação por meio do teste dos mínimos quadrados ordinários (MQO), entre os respondentes de acordo com o nível hierárquico e porte da empresa deles.

Conforme o trabalho de Rammstedt e John (2007Rammstedt, B., & John, O. P. (2007). Measuring personality in one minute or less: A 10-item short version of the Big Five Inventory in English and German. Journal of research in Personality, 41(1), 203-212. como citado em Faveri & Knupp, 2018Faveri, D. B., & Knupp, P. S. (2018). Finanças comportamentais: Relação entre traços de personalidade e vieses comportamentais. Revista de Administração e Contabilidade da Unisinos, 15(1), 18-30.), foi utilizado o modelo de Big Five para determinar as dimensões de personalidade dos respondentes da survey. Uma vez identificada a característica de personalidade dos respondentes, ela foi usada como proxy nas análises estatísticas, no intuito de identificar as relações com os comportamentos enviesados.

Devido à simplicidade e facilidade do modelo, selecionou-se o modelo BFI-10, em que as perguntas são representadas com as seguintes classificações: 1-2 representam a dimensão do intelecto; 3-4, a dimensão da consciencialidade; 5-6, a dimensão da afabilidade; 7-8, a dimensão da estabilidade/neuroticismo; e, por fim, 9-10, a dimensão da extroversão, conforme explanado na Tabela 2.

Tabela 2
Dimensões e características da personalidade

Cada pergunta do teste de personalidade disponibilizou cinco respostas para avaliar o nível de concordância em uma escala do tipo Likert de 5 pontos, sendo: 1 = discordo fortemente; 2 = discordo um pouco; 3 = neutralidade; 4 = concordo um pouco; e 5 = concordo fortemente.

A categorização dos perfis de personalidades dos respondentes se deu com o cálculo simples de subtração do escore encontrado nos conjuntos de perguntas, partindo sempre da pergunta par menos a pergunta ímpar. Uma vez identificados os resultados numéricos, foram classificados os resultados em uma faixa a partir de-4 (personalidade muito baixa), passando por 0, que representa o nível de neutralidade, até +4 (personalidade muito alta), ou seja, para cada conjunto de pergunta, os respondentes foram categorizados com a pontuação a partir de inferior ou igual a-2 (baixa), entre-1 e +1(moderada) e acima de +2 (alta).

Definição das variáveis independentes

Os dados levantados por meio do questionário referente aos perfis de personalidades e perfis sociodemográficos foram utilizados como variáveis independentes. Destaca-se o uso das seguintes variáveis: 1. cargo de ocupação, que indica a influência nas decisões, e 2. porte da empresa, que demonstra se as empresas de médio e pequeno portes tendem ao uso de vieses mais frequentes do que as de grande porte.

Os dados sociodemográficos também tiveram um papel importante na validação da amostra, mesmo que os requisitos de aleatoriedade e linearidade dos parâmetros tenham sido atingidos.

Modelos estatísticos

Neste estudo, adotou-se o modelo econométrico MQO com o propósito de analisar os efeitos das variáveis dependentes, além de testar as regressões com as variáveis independentes, considerando as demais condições não observadas como ceteris paribus. Portanto, o modelo busca correlacionar os paramentos das decisões enviesadas, o perfil de personalidade e o perfil sociodemográfico, com a finalidade de encontrar características dos eventos e inferir sobre as hipóteses do uso de decisões irracionais em momento de crise pelos administradores.

O estudo dividiu a população em três amostras, sendo a primeira para as decisões de cancelamento e postergação de investimentos, a segunda nas decisões de iniciação de investimentos e, por último, nas decisões de financiamento e mudança na estrutura de capital. Foram utilizados os níveis de significâncias estatísticas de 1%, 5% e 10% para fins de testes de regressão das variáveis dependentes e independentes por meio da ferramenta Gretl.

O estudo utilizou os pressupostos do modelo de regressão com o intuito de validar o modelo linear clássico dos MQO e a base estatística da população observada, considerando o nível de significância estatística de 5%.

Os testes de aderência da distribuição normal foram satisfeitos para as amostras de cancelamento de investimentos e captação de financiamento. Já os testes de heterocedasticidade foram conduzidos por meio do Teste de White, no qual os resíduos apresentaram-se homocedásticos para todas as amostras observadas. Quanto aos testes de multicolinearidade, não se encontraram fatores de inflações de variâncias (FIV) das variáveis selecionadas superiores a 10, o que aponta a inexistência de indicação de colinearidade. Por fim, realizaram-se os testes das variáveis Xs, a fim de verificar se são correlacionadas, nos quais não se identificou a correlação dessas variáveis, uma vez que não se observou significância estatística das amostras de cancelamento de investimentos, início de investimentos e captação de financiamento.

Apesar de o teste de aderência da distribuição normal para a amostra de início de investimento ter apresentado significância estatística ao nível de 5%, a qual indica uma distribuição anormal, o teste da heterocedasticidade dessa população se mostrou insignificante estatisticamente demonstrando que os resíduos são homocedásticos. Portanto, essa amostra preenche os requisitos estatísticos do modelo.

Desse modo, pode-se concluir que todos os modelos preencheram os requisitos das hipóteses de linearidade dos parâmetros, amostragem aleatória e sem problema de colinearidade.

ANÁLISES DOS RESULTADOS

Perfil sociodemográfico da população

As análises sociodemográficas identificaram as características pessoais e profissionais da população, além de capturarem as informações das empresas nas quais os respondentes atuam. A Tabela 3 apresenta os resultados dos perfis sociodemográficos encontrados.

Tabela 3
Caracterização das amostras

Análise do uso de viés nas decisões de investimentos

O estudo investigou o uso de viés nas decisões de investimentos quando houve cancelamento, postergação e iniciação de projetos. As hipóteses levantadas buscaram inferir a evidenciação do uso de viés quando os agentes internos não utilizaram análise de viabilidade econômica e as informações externas na avaliação desses projetos (H1). Ainda, buscou-se inferir as influências do cargo de ocupação e porte da empresa dos respondentes nas decisões corporativas (H2).

Na Tabela 4, encontra-se o resultado da regressão para a amostra que contemplou os respondentes que tomaram decisões de cancelamento ou postergação de investimentos; ao todo, foram 37 decisões. Apesar de o modelo utilizar todas as variáveis dos perfis sociodemográficos e de personalidades, foram indicadas somente as variáveis que apresentaram relação com a variável dependente Vies_Canc_Invest (viés de cancelamento de investimentos ou postergação). O método MQO mostrou-se robusto tanto para as análises de heterocedasticidade quanto para multicolinearidade.

Tabela 4
MQO usando as observações 1-120 (n = 37)

As análises substantivas sobre a amostra das decisões de cancelamento ou postergação de investimentos, que totalizaram 37 decisões, identificaram que 76% (28) dos respondentes não utilizaram os modelos de viabilidade econômica ou as informações externas, o que indica o uso de viés na tomada de decisão. Seguindo a metodologia de probabilidade do uso de viés nas decisões de investimentos, identificou-se, conforme a classificação provável, que 22% dos respondentes tomaram decisões enviesadas, entre as quais se destacam a representatividade, a concepção e o excesso de confiança.

Os achados estão em linha com o estudo de Bazerman (2004 como citado em Feitosa, 2010Feitosa, A. B. (2010). Excesso de confiança, optimismo e ancoragem em gestores da construção civil no Brasil: Estudo de caso da Camargo Correia [Dissertação de Mestrado, ISCTE Business School]. Instituto Universitário de Lisboa.), no qual se destaca a introdução de modelos lineares e informações externas para a diminuição dos vieses nas decisões. Já no trabalho de Rush e Melville (2014Rush, D., & Melville, N. (2014). Market value impacts of information systems around the world: A Monte Carlo investigation to reduce bias in international event studies. 20th Americas Conference on Information Systems, Savannah, GA, United States., p. 9), foram encontradas evidências do uso de modelos de multifatores com a diminuição de viés nos estudos empíricos. Dessa forma, os resultados encontrados, tanto no modelo estatístico como nas análises substantivas, podem evidenciar o uso de viés nas decisões de cancelamento ou postergação de investimentos no primeiro semestre de 2020 devido principalmente aos efeitos da pandemia da Covid-19, o que corrobora a H1, pois, no ambiente de pandemia, há dificuldade de tomada de decisões, já que as predições econômicas e as informações nesse período são demasiadamente enviesadas.

Adicionalmente, os resultados encontrados no modelo MQO da Tabela 4 identificaram que a variável independente cargo de ocupação teve uma correlação negativa estatisticamente significativa ao nível de 5%, resultado que rejeita a H2, já que se esperava encontrar uma influência dos diretores e administradores nas decisões de cancelamento e postergação de proje- tos. Isso sugere que a própria situação de incerteza encontrada em H1 já é determinante.

As variáveis independentes quanto aos perfis de personalidades que se mostraram significativas para a amostra foram a afabilidade e extroversão. Ambas as correlações foram negativas, o que indica que os tomadores de decisões de cancelamento e postergação dos investimentos atuaram para preservar o caixa da empresa, dado o momento de incerteza. Vale destacar que o perfil de personalidade da extroversão pode pender para o uso do viés de excesso de confiança, conforme os achados de Anderson et al. (2011)Anderson, J., Burks, S., DeYoung, C., & Rustichini, A. (2011). Toward the integration of personality theory and decision theory in the explanation of economic behavior [Unpublished manuscript]. Presented at the IZA workshop: Cognitive and non-cognitive skills..

Na Tabela 5, encontra-se o resultado da regressão para a amostra que considerou os respondentes que tomaram decisões de iniciação de investimentos (Vies_Inic_Invest) no primeiro semestre de 2020, um total de 47 decisões. O método MQO mostrou-se robusto para as análises de heterocedasticidade e multicolinearidade. Entretanto, o teste do qui-quadrado apresentou-se significativo, o que resultou na rejeição da hipótese nula, já que se constatou uma distribuição anormal. No entanto, devido à robustez dos testes dos pressupostos da regressão, não se descartou o modelo MQO para essa amostra.

Tabela 5
MQO usando as observações 1-120 (n = 47)

Os resultados encontrados no modelo MQO da Tabela 5 identificaram que as variáveis independentes cargo de ocupação e porte da empresa não apresentaram correlação estatisticamente significativa ao nível de 5%, o que resultou novamente na rejeição da H2 para as decisões de iniciação de projetos. Todavia, a variável do perfil de personalidade extroversão mostrou-se estatisticamente significativa ao nível de 10%, o que confirma a H5, na qual se previu a correlação positiva com o perfil arrojado expresso pelo excesso de confiança para os agentes internos que iniciaram projetos no período da pandemia. Esse resultado está em linha com os achados de Anderson et al. (2011)Anderson, J., Burks, S., DeYoung, C., & Rustichini, A. (2011). Toward the integration of personality theory and decision theory in the explanation of economic behavior [Unpublished manuscript]. Presented at the IZA workshop: Cognitive and non-cognitive skills..

A dispersão entre os perfis de personalidades extroversão e consciencialidade demonstra que as decisões de iniciação de novos projetos foram arrojadas para o período, já que a consciencialidade, que representa as decisões de autocontrole, apresentou uma correlação negativa com a decisão de iniciação de projeto neste período de incerteza.

Já as análises substantivas sobre a amostra identificaram que 53% (25) dos respondentes não utilizaram os modelos de viabilidade econômica ou informações externas, evidências de uso de viés nessas decisões. Os vieses com maior representatividade nas decisões de iniciação de projeto foram a aversão ao arrependimento, a concepção e o excesso de confiança.

Leone e Guimarães (2013)Leone, R. J. G., & Guimarães, T. C. (2013). O comportamento financeiro durante e após a crise financeira de 2008 sob a ótica da teoria dos prospectos. Revista de Contabilidade do Mestrado em Ciências Contábeis da Uerj, 17(3), 119-140. identificaram que os modelos de viabilidade econômica, quando ajustados com as premissas das finanças comportamentais, podem contribuir para a diminuição de viés nas análises de investimentos. Bazerman (2004 como citado em Feitosa, 2010Feitosa, A. B. (2010). Excesso de confiança, optimismo e ancoragem em gestores da construção civil no Brasil: Estudo de caso da Camargo Correia [Dissertação de Mestrado, ISCTE Business School]. Instituto Universitário de Lisboa.) identificou que a introdução de modelos lineares e informações externas nos modelos contribui para a diminuição dos vieses nas decisões. Assim sendo, os achados podem evidenciar o uso de viés nas decisões de iniciação de investimentos em acordo com a H1, quando há escolhas enviesadas.

Análise do uso de viés nas decisões de financiamento e estrutura de capital

O estudo também investigou o uso de viés nas decisões de financiamento (Vies_Finan), especialmente quando houve mudanças na estrutura de capital, captação e renovação de novas linhas de financiamento com o intuito de aumentar a liquidez das empresas. As hipóteses levantadas buscaram inferir a evidenciação do uso de viés quando houve correlação da hierarquização das fontes de financiamentos e o respondente apresentou características dos vieses da representatividade e ancoragem (H3). Também se espera que o perfil de personalidade avesso ao risco apresente uma correlação com as decisões de financiamento e estrutura de capital, de modo a preservar o caixa da empresa, conforme a H4.

Na Tabela 6, encontra-se o resultado da regressão para a amostra que contemplou os respondentes que tomaram decisões de financiamentos e mudanças da estrutura de capital no primeiro semestre de 2020, num total de 22 decisões.

Tabela 6
MQO usando as observações 1-120 (n = 22)

Os resultados encontrados no modelo MQO identificaram que a variável independente cargo de ocupação teve uma correlação estatisticamente significativa e negativa ao nível de 10%, resultado que, novamente, rejeita a H2, já que se esperava encontrar uma influência dos diretores e administradores nas decisões de captação e financiamentos dessas empresas. Por sua vez, as variáveis referentes aos perfis de personalidades “abertura e conscienciali­dade” mostraram significância estatística, no entanto ambas foram negativas, o que rejeitou a H4, já que tais perfis representam a prudência nas decisões para preservação do caixa. Quanto às variáveis independentes da hierarquização das fontes, o modelo identificou significância estatística para as variáveis meta de estrutura de capital, necessidade de capital de giro e Pronampe. Vale destacar que a variável Pronampe é decorrente do financiamento subsidiado pelo governo brasileiro para as empresas de pequeno porte, o que resultou em significância estatística evidenciando o risco de alavancagem dessas empresas no período estudado.

As análises substantivas sobre a amostra identificaram que 49% (21) dos respondentes não utilizaram os modelos de viabilidade econômica ou informações externas, o que indicou uso de viés na tomada de decisão, mesmo que o cenário econômico fosse de estresse. Em acordo com a metodologia de probabilidade do uso de viés nas decisões de financiamento, foi identificado que 12% dos respondentes tomaram decisões enviesadas conforme a clas­sificação provável, destacando-se a representatividade, a concepção e o excesso de confiança. Referente à hierarquização das fontes, 51% (22) dos respondentes afirmaram a preferência pelo uso de fontes internas de recursos antes de buscarem financiamento externo e quando há necessidade de recursos externos, e 49% dos respondentes respeitaram uma ordem de preferência, em acordo com a H3 (correlação positiva entre a hierarquização das fontes de financiamentos e decisões de seus administradores) e os achados de Barberis e Thaler (2003)Barberis, N., & Thaler, R. (2003). A survey of behavioral finance. In G. M. Constantinides, M. Harris, & R. M. Stulz, Handbook of the economics of finance (v. 1, pp. 1053-1128). Elsevier..

De acordo com Ramiah et al. (2015)Ramiah, V., Xu, X., & Moosa, I. A. (2015). Neoclassical finance, behavio- ral finance and noise traders: A review and assessment of the literature. International Review of Financial Analysis, 41, 89-100., as decisões financeiras que não estão fundamentadas nas informações disponibilizadas ao mercado ou nos modelos econômicos podem ser categorizadas como decisões irracionais ou comportamentais. Assunção (2017)Assunção, A. B. D. A. (2017). Ensaios experimentais dos efeitos da informação sobre vieses comportamentais [Tese de Doutorado, Centro de Ciências Sociais Aplicadas]. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. identificou que o uso da informação ou do próprio conhecimento dos efeitos dos vieses auxilia na diminuição desse erro cognitivo. Desse modo, os achados tanto no modelo estatístico como nas análises substantivas podem evidenciar o uso de viés nas decisões de financiamentos e mudanças da estrutura de capital, corroborando a H1 e a H3.

CONCLUSÃO

O estudo evidenciou os efeitos dos vieses sobre as decisões de investimento, financiamento e pecking order à luz das finanças comportamentais, além de se debruçar sobre as finanças comportamentais, a Teoria dos Prospectos e a Teoria do Big Five, com o intuito de explicar as consequências das emoções implícitas nas decisões corporativas e os impactos nas organizações.

Os achados deste estudo deixaram evidente que o ambiente de pandemia (Covid-19) e as incertezas quanto ao futuro promoveram decisões enviesadas pelos administradores das empresas brasileiras. Desse modo, este estudo proporcionou aos leitores a lucidez da influência das emoções nas decisões, além de alertá-los sobre as armadilhas do sistema cognitivo que impactam as decisões profissionais e pessoais.

A título de exemplo, a heurística da representatividade, conforme demonstrado no estudo, tem ocasionado decisões equivocadas devido às experiências adquiridas pelos administradores em crises antecedentes à Covid-19 que não podem ser empregadas como parâmetro para a tomada de decisão no cenário atual, já que a pandemia se diferencia de todas as crises anteriores. Agora, a heurística da ancoragem tem influenciado a tomada de decisão, posto que as bases iniciais utilizadas pelos administradores não consideraram todos os ajustes decorrentes da restrição da circularização de pessoas imposta pelas autoridades e a retomada da economia brasileira.

O papel da heurística de excesso de confiança se destacou entre todas, conforme os resultados estatísticos encontrados neste estudo, pois influenciou as escolhas dos administradores na iniciação de projetos e na captação de novos financiamentos. Essas decisões com o uso do excesso de confiança podem acarretar aumento da alavancagem financeira e investimento com perda de valor.

No tocante à Teoria dos Prospectos, o estudo demonstrou que as quedas nas vendas e as perdas na lucratividade das empresas vêm proporcionando comportamentos arrojados, já que se busca recuperá-las.

As evidências empíricas aqui apresentadas e os impactos da pandemia da Covid-19 têm influenciado as decisões corporativas. Esta pesquisa demonstrou os impactos dos vieses e dos perfis de personalidades nas políticas de financiamento, investimento e estrutura de capital, em especial para as decisões irracionais dos administradores com perfis arrojados para negociações.

O modelo metodológico introduzido neste estudo não só propiciou a viabilidade do estudo, como também a aplicação da abordagem de medição dos vieses por meio de perguntas e combinações-chave que possibilitaram a identificação das decisões enviesadas.

O estudo colaborou para a ampliação dos estudos das finanças comportamentais na investigação dos impactos das emoções nas políticas de investimentos e financiamentos e na mudança de estrutura de capital, especialmente em momento de crise. Também apresentou contribuições para os praticantes da contabilidade, das finanças e da economia para que possam se precaver dos efeitos emocionais nas decisões do dia a dia.

As limitações deste estudo foram originadas, principalmente, pelo ambiente de incertezas e instabilidades emocionais. Portanto, sugere-se a aplicação deste estudo em momento de expansão econômica no intuito de inferir os mesmos resultados encontrados nesta pesquisa.

REFERENCES

  • Anderson, J., Burks, S., DeYoung, C., & Rustichini, A. (2011). Toward the integration of personality theory and decision theory in the explanation of economic behavior [Unpublished manuscript]. Presented at the IZA workshop: Cognitive and non-cognitive skills.
  • Assunção, A. B. D. A. (2017). Ensaios experimentais dos efeitos da informação sobre vieses comportamentais [Tese de Doutorado, Centro de Ciências Sociais Aplicadas]. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
  • Barberis, N., & Thaler, R. (2003). A survey of behavioral finance. In G. M. Constantinides, M. Harris, & R. M. Stulz, Handbook of the economics of finance (v. 1, pp. 1053-1128). Elsevier.
  • Bell, D. E. (1988). One-switch utility functions and a measure of risk. Management Science, 34, 1416-1424.
  • Chatzinas, G., & Papadopoulos, S. (2018). Trade-off vs. pecking order theory: Evidence from Greek firms in a period of debt crisis. International Journal of Banking, Accounting and Finance, 9(2), 170-191.
  • Chaudhary, A. K. (2013). Impact of behavioral finance in investment decisions and strategies: A fresh approach. International Journal of Management Research and Business Strategy, 2(2), 85-92.
  • Danso, A., Fosu, S., Owusu-Agyei, S., Ntim, C. G., & Adegbite, E. (2021). Capital structure revisited. Do crisis and competition matter in a Keiretsu corporate structure? International Journal of Finance & Economics, 26, 5073-5092.
  • Famá, R., Moraes Cioffi, P. L. de, & Coelho, P. A. R. (2008). Contexto das finanças comportamentais: Anomalias e eficiência do mercado de capitais brasileiro. REGE: Revista de Gestão, 15(2), 65-78.
  • Faveri, D. B., & Knupp, P. S. (2018). Finanças comportamentais: Relação entre traços de personalidade e vieses comportamentais. Revista de Administração e Contabilidade da Unisinos, 15(1), 18-30.
  • Feitosa, A. B. (2010). Excesso de confiança, optimismo e ancoragem em gestores da construção civil no Brasil: Estudo de caso da Camargo Correia [Dissertação de Mestrado, ISCTE Business School]. Instituto Universitário de Lisboa.
  • Futema, M. S., Basso, L. F. C., & Kayo, E. K. (2009). Estrutura de capital, dividendos e juros sobre o capital próprio: Testes no Brasil. Revista Contabilidade & Finanças, 20(49), 44-62.
  • Gosling, S. D., Rentfrow, P. J., & Swann Jr, W. B. (2003). A very brief measure of the Big-Five personality domains. Journal of Research in Personality, 37(6), 504-528.
  • Heaton, J. B. (2002). Managerial optimism and corporate finance. Financial Management, 31(2), 33-45.
  • Jahanzeb, A. (2012). Implication of behavioral finance in investment decision-making process. Information Management and Business Review, 4(10), 532-536.
  • Jaiswal, B., & Kamil, N. (2012). Gender, behavioral finance and the investment decision. IBA Business Review, 7(2), 8-22.
  • Kahneman, D., Knetsch, J. L., & Thaler, R. H. (1991). The Endowment Effect, Loss Aversion, and Status Quo Bias. The Journal of Economic Perspectives, 5, 193-206.
  • Kahneman, D., & Lovallo, D. (1993). Timid choices and bold forecast: A cognitive perspective on risk taking. Management Science, 39(1), 17-31.
  • Kahneman, D., & Tversky, A. (2013). Prospect theory: An analysis of decision under risk. In L. C. Maclean, & W. T. Ziemba, Handbook of the fundamentals of financial decision making: Part I (pp. 99-127). World Scientific Publishing Company.
  • Leone, R. J. G., & Guimarães, T. C. (2013). O comportamento financeiro durante e após a crise financeira de 2008 sob a ótica da teoria dos prospectos. Revista de Contabilidade do Mestrado em Ciências Contábeis da Uerj, 17(3), 119-140.
  • Modigliani, F., & Miller, M. H. (1958). The cost of capital, corporation finance, and the theory of investment. American Economic Review, 48(3), 261-197.
  • Myers, S. C., & Majluf, N. S. (1984). Corporate financing and investment decisions when firms have information that investors do not have. Journal of Financial Economics, 13(2), 187-221. https://doi.org/10.1016/0304-405X(84)90023-0
    » https://doi.org/10.1016/0304-405X(84)90023-0
  • Percudani, M., Corradin, M., Moreno, M., Indelicato, A., & Vita, A. (2020). Mental health services in Lombardy during Covid-19 outbreak. Psychiatry Research, 288, 112980. https://doi.org/10.1016/j.psychres.2020.112980
    » https://doi.org/10.1016/j.psychres.2020.112980
  • Pereira, L. A. C., Macêdo, J. M. A., Libonati, J. J., & Lagioia, U. C. T. (2010). Reações de afeto no processo decisório gerencial das organizações: Uma abordagem a partir da Prospective Theory. Contabilidade Vista & Revista, 21(1), 131-155.
  • Pimenta, D. P., & Ribeiro, K. (2010). Finanças comportamentais: Um estudo sobre a confiabilidade das decisões dos investidores, analistas e profissionais de investimento à luz da metodologia Brier Score. Semead [Dissertação de Mestrado]. Universidade Federal de Uberlândia.
  • Ramiah, V., Xu, X., & Moosa, I. A. (2015). Neoclassical finance, behavio- ral finance and noise traders: A review and assessment of the literature. International Review of Financial Analysis, 41, 89-100.
  • Rammstedt, B., & John, O. P. (2007). Measuring personality in one minute or less: A 10-item short version of the Big Five Inventory in English and German. Journal of research in Personality, 41(1), 203-212.
  • Rush, D., & Melville, N. (2014). Market value impacts of information systems around the world: A Monte Carlo investigation to reduce bias in international event studies 20th Americas Conference on Information Systems, Savannah, GA, United States.
  • Serafini, G., Parmigiani, B., Amerio, A., Aguglia, A., Sher, L., & Amore, M. (2020). The psychological impact of Covid-19 on the mental health in the general population. QJM: An International Journal of Medicine, 113(8), 531-537.
  • Shefrin, H., & Statman, M. (2011). Behavioral finance in the financial crisis: Market efficiency, Minsky, and Keynes. Santa Clara University. https://www.russellsage.org/sites/all/files/Rethinking-Finance/Shefrin%20Statman%2001272012.pdf
    » https://www.russellsage.org/sites/all/files/Rethinking-Finance/Shefrin%20Statman%2001272012.pdf
  • Vasiliou, D., & Daskalakis, N. (2009). Behavioral capital structure: Is the neoclassical paradigm threatened? Evidence from the field. The Journal of Behavioral Finance, 10(1), 19-32.
  • Vieira, C. (2013). Impacto da crise no financiamento das empresas portuguesas [Dissertação de Mestrado]. Universidade do Porto.
  • Yoshinaga, C. E., Oliveira, R. F. de, Silveira, A. D. M. da, & Barros, L. A. B. D. C. (2008). Finanças comportamentais: Uma introdução. REGE: Revista de Gestão, 15(3), 25-35.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    19 Nov 2020
  • Aceito
    19 Fev 2021
Editora Mackenzie; Universidade Presbiteriana Mackenzie Rua da Consolação, 896, Edifício Rev. Modesto Carvalhosa, Térreo - Coordenação da RAM, Consolação - São Paulo - SP - Brasil - cep 01302-907 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista.adm@mackenzie.br