Acessibilidade / Reportar erro

A QUESTÃO DA COEXISTÊNCIA DE ESTRUTURAS DE GOVERNANÇA NA ECONOMIA DOS CUSTOS DE TRANSAÇÃO: EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS NA AVICULTURA DE CORTE PARANAENSE

GOVERNANCE STRUCTURE’S COEXISTENCE IN THE TRANSACTION COST ECONOMICS: EMPIRIC EVIDENCES ABOUT POULTRY CHAINS IN PARANÁ

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo entender os motivos pelos quais as cadeias de avicultura de corte do Paraná adotam diferentes estruturas de governança. De acordo com a capacidade de desenvolvimento de novos produtos, a indústria pode ser dividida entre as que inovam e as que imitam. Estas últimas podem ser subdividas em três grupos, em razão da estrutura de governança: as cooperativadas, as não-cooperativadas que exportam e as não-cooperativadas que não exportam. A partir de pesquisa de campo, mediante entrevistas semi-estruturadas com representantes de cada grupo, com apoio na literatura documentada e nos modelos econométricos da função demanda nacional e externa, analisaram-se os fatores que determinam a ocorrência dessa coexistência, consolidada ou não, e se discutiu o processo de expulsão de estruturas ineficientes no decorrer do tempo. Pode-se sustentar teoricamente que o mesmo sistema produtivo atenda a diferentes demandas, o que torna possível a existência de mais de um tipo de estrutura eficiente. A pesquisa de campo ratificou a discussão teórica e permitiu apontar a coexistência de diferentes estruturas de governança na avicultura de corte paranaense, graças às estratégias das empresas com relação aos mercados-alvo.

PALAVRAS-CHAVE
Custo de transação; estrutura de governança; estratégias; avicultura de corte; Paraná

ABSTRACT

The present article aims at understanding the reasons why the poultry slaughtering chains in Paraná have different governance structures. According to the capacity of developing new products, industry can be divided as: the ones that innovate and the ones that copy others. The latter ones can be subdivided into three groups, according to their governance structure, as follows: cooperative ones, non-cooperative ones that export and non-cooperative ones that do not export. The factors determining or contributing to the aforementioned coexistence were analyzed on the basis of a field research carried out through semi-structured interviews with each group representatives, documented literature and international and national demand function econometric models. We also discussed if, as time goes by, there is an expulsion process concerning the inefficient structures or a consolidated coexistence. It can theoretically have the same productive system meeting different demands, what allows the existence of more than one type of efficient structure. The field research ratified the theoretical discussion and permitted us to point that in Paraná different poultry slaughtering governance structures coexist due to strategies addressed to the target market used by that sector companies.

KEYWORDS
Transaction cost; governance structure; strategies; chicken industry; Paraná

1 INTRODUÇÃO

A cadeia de frango de corte experimentou, a partir da década de 1980, uma significativa transformação sustentada por ganhos de produtividade, pela abertura de novos mercados (exportador) e pela consolidação do sistema de organização da cadeia (maior integração dos elos da cadeia). Essa transformação resultou em um processo de reorganização do complexo agroindustrial a partir, principalmente, da redelimitação do espaço de articulação e coordenação de diferentes atividades, mediante a revisão da estrutura interna e espacial das atividades, a reconfiguração e/ou a ampliação das articulações com fornecedores, distribuidores e clientes, além da intensificação das articulações com concorrentes no mesmo domínio ou em domínios distintos (MAZALLI, 2000:46MAZALLI, L. O processo recente de reorganização agroindustrial: do complexo à organização em rede. São Paulo: Unesp, 2000.). A reorganização agroindustrial direcionou também as ações da cadeia avícola, que evoluiu em termos de sua competitividade internacional.

Os fatores que apoiaram o desenvolvimento da indústria foram: a proximidade das fontes de matéria-prima para ração, o amplo mercado consumidor e a iniciativa com potencial e capacidade empresarial “independente”. O primeiro fator refere-se a uma estratégia de localização relevante dessa indústria (MATOS, 1996:112MATOS, V. A. Estratégias empresariais no setor avícola: estudo comparativo de duas regiões produtoras. São Paulo, 1996. Tese (Doutorado em Economia) – Fundação Getúlio Vargas.). Isso impulsionou a expansão para o Paraná e Mato Grosso do Sul, em detrimento da participação de São Paulo na produção nacional.

Nesse processo, é interessante observar a dinâmica da indústria no Estado do Paraná, que teve um aumento significativo na participação da produção nacional: de 9,5% em 1980 para 20,8% em 2002. A indústria nesse estado é caracterizada pela convivência de diferentes categorias de empresas que se expressam por duas dinâmicas distintas: as empresas inovadoras e as imitadoras, estas últimas apresentando tamanhos e estruturas societárias diversificadas (IPARDES, 2002; SILVA e ZANATA, 2003SILVA, C. L. da; ZANATTA, A. F. Competitividade e estruturas de governança na cadeia de valor: uma análise da avicultura de corte paranaense. In: VALLADARES, Angelise (Org.). Tecnologia de Gestão em sistemas produtivos. Rio de Janeiro: Vozes, 2003.).

Dessa forma, a coexistência de estruturas de governança distintas numa mesma cadeia produtiva, em que os ativos não apresentam diferenças em termos de especificidade do sistema de produção do frango, uma vez que a tecnologia é bastante disseminada, coloca uma importante problemática para a Economia dos Custos de Transação (ECT). De acordo com os principais modelos da ECT, haveria uma convergência para as estruturas de governança mais eficientes, que suplantariam as mais ineficientes (WILLIAMSON, 1985___ . The economic institutions of capitalism. The Free Press, New York, 1985.).

O presente artigo tem como objetivo entender os motivos pelos quais as cadeias de frango do Paraná adotam diferentes estruturas de governança, com base na Economia dos Custos de Transação (ECT). Tem-se como hipótese que as estratégias de inserção em distintos mercados influenciam as configurações das estruturas de governança. Assim, procurou-se primeiramente identificar os fatores determinantes da demanda de frango no mercado nacional e internacional. Conhecidos tais fatores, buscou-se avaliar a influência deles na determinação das estruturas de governança para uma amostra significativa de empresas da avicultura paranaense.

Além desta seção, o artigo possui outras cinco. A segunda seção apresenta a metodologia de trabalho. A terceira discute teoricamente, à luz da nova economia institucional, a possibilidade de coexistência de estruturas de governança. Na quarta, caracterizaram-se as cadeias de frango-corte e as suas estratégias de comercialização presentes no Paraná. A quinta seção definiu as estruturas de governança, de acordo com as estratégias das cadeias de frango paranaense. A sexta seção apresenta as considerações finais e levanta novos problemas para discussão em futuros trabalhos.

2 METODOLOGIA

A metodologia de pesquisa do presente estudo baseia-se em dois pilares: abordagem quantitativa e qualitativa. A análise quantitativa procurou responder, a partir de um modelo econométrico, à questão sobre os fatores determinantes da demanda de frango (mercado nacional e internacional e a sua inter-relação). Para isso, foram utilizados dados secundários de preços de frango do mercado paranaense e nacional informados no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), originalmente oriundos do Departamento de Economia Rural da Secretaria de Estado do Abastecimento do Paraná (DERAL) e da Fundação Getúlio Vargas (dados nacionais), bem como dos valores internacionais de preço e quantidade, divulgados tanto pela Associação Brasileira de Exportadores de Frango (ABEF) quanto pela Food and Agriculture Organization (FAO). Por fim, as informações de índice de inflação, taxa de câmbio efetiva e renda real foram obtidas do IPEA.

A abordagem qualitativa foi realizada por meio de estudo de caso. De acordo com Yin (1989:23)YIN, R. Estudo de caso: planejamento e método. São Paulo: Bookman, 1989.,

Um estudo de caso é um método de investigação empírica que analise fenômenos contemporâneos, num contexto atual e real, em que as fronteiras entre tal contexto e tais fenômenos não são evidentes para o qual várias fontes de evidências são utilizadas.

Dessa forma, o pressuposto metodológico foi que o estudo de caso fornece um rico contexto para generalizações, como sugerido por Yin (1989)YIN, R. Estudo de caso: planejamento e método. São Paulo: Bookman, 1989., considerando que o fenômeno, nesse caso, são as diferentes formas de estruturas de governanças na cadeia de frango.

Essa abordagem qualitativa utilizou-se de fontes secundárias e primárias. As secundárias tratam da literatura documentada sobre estrutura de governança e custo de transação. A fonte primária foi recorrente de uma pesquisa de campo que buscou obter informações dos participantes das empresas dos diferentes grupos (inovadoras e imitadores) sobre os motivos de estabelecimento da atual estrutura de governança.

Para definir as empresas pesquisadas, inicialmente caracterizou-se a população de empresas paranaenses, segundo uma tipologia de quatro grupos, adaptada de Silva e Zanatta (2003)SILVA, C. L. da; ZANATTA, A. F. Competitividade e estruturas de governança na cadeia de valor: uma análise da avicultura de corte paranaense. In: VALLADARES, Angelise (Org.). Tecnologia de Gestão em sistemas produtivos. Rio de Janeiro: Vozes, 2003.. Dessa forma, os grupos estratégicos seriam:

  • 1) Empresas inovadoras: possuem integração da granja de avós, abate, industrialização e distribuição. Inovam em produtos e de forma marginal em processos. Nessa categoria, enquadram-se Sadia e Perdigão.

  • 2) Empresas imitadoras:

    • 2.1) cooperativas: imitadoras em termos de novos produtos, possuem integração da produção de ração, criação, abate e industrialização do frango; além disso, exportam pequena parte da produção. Nessa categoria, existem as seguintes: Cooperativa Agrícola Consolata (Copacol), Cooperativa Agroindustrial do Vale (CVALE) e Cooperativa Agroindustrial LAR.

    • 2.2) não-cooperativas e exportadoras: imitadoras em termos de novos produtos, exportam e integram criação, abate e industrialização de frango. Nessa categoria, enquadram-se Chapecó, Da Granja, Anhambi, Agrícola Jandelle, Comaves, Seara, Diplomata, Jaguafrangos.

    • 2.3) não-cooperativas e não-exportadoras: imitadoras em termos de novos produtos, não exportam e integram criação, abate, assim como a industrialização de frango. Nessa categoria, existem as seguintes empresas: Avícola Felipe, Parati, Pioneiros, Frango DM, Avícola Coreetuba, Averama, Coroaves, Seva, D’Codorna, Avebom, Gonçalves & Tortola e Avenorte

Vale observar que a distinção apresentada acima refere-se à inovação do produto (empanados, marinados, tipos de cortes etc.), e não ao sistema de produção do frango. O ingresso para produtos diferenciados é uma estratégia mais recente e não responsável por mudanças na estrutura de governança. A configuração atual das cadeias avícolas de corte é anterior à estratégia de diferenciação das empresas.

O estudo de caso foi realizado com duas empresas de cada um dos quatro grupos estabelecidos, as quais representam mais de 75% da produção paranaense de frango de corte. Dessa forma foram pesquisadas oito empresas.

O método de pesquisa utilizado foi a entrevista semi-estruturada. As questões das entrevistas estão apresentadas na seção 4. Com base nas informações levantadas e discutidas, buscou-se responder ao problema de pesquisa pela compreensão e interação dos dados teóricos, como também pela realidade da avicultura de corte paranaense.

3 ESTRUTURAS DE GOVERNANÇA EM SISTEMAS AGROINDUSTRIAIS

A existência de dinâmicas diferenciadas, inseridas na lógica interna da indústria avícola paranaense, traduz-se em um intricado quebra-cabeça teórico e de políticas públicas. Zylbersztajn (1995:137)___ . Estruturas de governança e coordenação do agribusiness: uma aplicação da nova economia das instituições. São Paulo, 1995. Tese (Livre-docência) – Faculdade de Economia e Administração, Universidade de São Paulo., respaldado pela ECT argumenta que

as estruturas de governança prevalecentes são resultado “otimizador” do alinhamento das características das transações e do ambiente institucional. Portanto, a otimização é encarada bem ao estilo neoclássico, significando a busca de eficiência.

As estruturas de governança são formas de relacionamento entre os agentes de uma determinada transação, e determinadas a partir dos atributos de transação. O mainstream da ECT, que tem Williamson (1985)___ . The economic institutions of capitalism. The Free Press, New York, 1985. como uma das principais referências, identifica três tipos de estrutura de governança (mercado, híbrida e hierárquica) que são definidas segundo os atributos da transação: especificidade do ativo, incerteza e freqüência.

Os ativos específicos são aqueles não-reempregáveis em outra atividade, ou por outro agente, a não ser com perda de valor. Quanto mais específico o ativo, mais a transação será internalizada na empresa via integração vertical. Klein, Crawford e Alchian (1978)KLEIN, B.; CRAWFORD,R.G.; ALCHIAN, A. A vertical integration, appropriable rents, and the competitive contracting process. The Jornal of Law & Economics, v. XXI, n. 2, out./dez. 1978. argumentam que, à medida que o ativo torna-se mais específico, o custo de contratação geralmente aumenta mais que o de integração vertical. A idéia básica é que a empresa surge em situações nas quais não se podem redigir bons contratos, e a alocação do controle de poder é importante (HART, 1997HART, O. Firms contracts and financial structure. Oxford/ USA: Clarendon Press, 1997.). Logo, a especificidade de ativos é considerada como um dos elementos centrais para explicar os custos de transação.

A segunda dimensão a ser considerada na análise das transações é a freqüência, repetição de uma mesma espécie de transação, cuja importância se dá pela diluição dos custos de adoção de mecanismos complexos por várias transações e pela formação da reputação recíproca por parte dos agentes. Esse conceito é também utilizado por Klein et al. e Kreps (apud AZEVEDO, 1996:26AZEVEDO, P. F. de. Integração vertical e barganha. São Paulo, 1996. Tese (Doutorado em Economia) – Faculdade de Economia e Administração, Universidade de São Paulo.), que consideram o custo de uma ação oportunista como sendo determinado pelo valor presente do fluxo futuro de recursos envolvidos na relação bilateral.

A terceira dimensão é a incerteza, que envolve o entendimento de que é impossível prever eventos futuros, ou seja, o arranjo contratual não pode fixar exante o preço, datas de entrega, qualidade e aceitação do bem transacionado, não existindo, portanto, contratos completos. Possibilita-se, assim, a ação oportunista de uma das partes, sendo os custos associados a essas ações os de transação.

À luz dessa linha teórica, pode-se argumentar que, “darwinisticamente”, a estrutura de governança eficiente deveria prevalecer como vencedora. Entretanto, um processo de expulsão das estruturas ineficientes pode ser longo até que se alcance o resultado. O tempo que levaria, para que isso acontecesse, dependeria de uma série de fatores, entre os quais a informação assimétrica ou incompleta, ou mesmo regras institucionais – formais ou informais – que privilegiassem determinadas estruturas.

A análise de Williamson (1985___ . The economic institutions of capitalism. The Free Press, New York, 1985. apud ZYLBERSZTAJN, 2000:23-28ZYLBERSZTAJN, D. Economia das organizações. In: ZYLBERSZTAJN, Décio; NEVES, Marcos Fava. Economia e gestão de negócios agroalimentares: indústria de alimentos, indústria de insumos, produção agropecuária, distribuição. São Paulo: Pioneira, 2000.) parte de uma perspectiva de estática comparativa, propondo um modelo que relaciona o nível de especificidade dos ativos e os custos dos modos de governança. O autor considera ser a decisão de como organizar os sistemas produtivos condicionada pela variação do grau de especificidade dos ativos envolvidos.

Analisando-se o gráfico 1, que demonstra uma relação entre especificidades de ativos e custos das formas de governança, verifica-se que as estruturas de governança estão distribuídas de três formas: duas extremas (hierarquia e mercado) e uma intermediária (a híbrida). Quanto maior a especificidade do ativo envolvido na transação, maior será o custo de seu monitoramento no mercado, possibilitando alteração do modo de governança em direção a uma forma híbrida, como acusa o ponto (A), em que os custos de monitoramento, via mercado, ficam maiores que os da forma híbrida. Na forma mista ou híbrida, verifica-se a existência de contratos possibilitando uma “quase verticalização” do sistema. Se os custos de monitoramento ficarem ainda mais altos, inviabilizando esse modo de governança, a transação força o sistema a ser gerido pelo modo hierárquico, como acusa o ponto (B), utilizando, necessariamente, a organização interna para coordená-lo.

GRÁFICO 1
CUSTOS DAS FORMAS DE GOVERNANÇA E NÍVEL DAS ESPECIFICIDADES DOS ATIVOS

Sendo:

  • m(k) = governança via mercado;

  • x(k) = governança via relação contratual (híbrida);

  • h(k) = governança via hierarquia.

A hierarquia está caracterizada pela organização interna (integração vertical). Para Williamson (1985)___ . The economic institutions of capitalism. The Free Press, New York, 1985., na sua utilização, ao incorporar uma transação, a empresa estará aumentando seu poder impositivo sobre a estrutura do sistema produtivo. A sua adoção ocorre quando os custos dessa organização forem inferiores aos obtidos via mercado, principalmente pelas características dos ativos específicos utilizados na cadeia. Quanto maior a especificidade dos ativos, maiores serão os prêmios pela adoção da hierarquia como modo de governança. A vantagem que esta possui perante a organização via mercado está na melhor capacidade de adaptação às mudanças nas condições do ambiente.

O tipo de contrato que vigora nesse modo é o relacional, no qual as transações são mais flexíveis, permitindo a possibilidade de renegociação contínua, em que os ajustes são permanentes e realizados de forma on-line e, nesse caso, o contrato original deixa de servir como base exclusiva para as negociações (MACNEIL apud JANK, 1996:35JANK, Marcos Sawaya. Competitividade do agribusiness brasileiro: discussão teórica e evidências no sistema carnes. São Paulo, 1996. Tese (Doutorado em Economia) – Faculdade de Economia e Administração, Universidade de São Paulo.). A adoção ou intensificação da forma hierárquica exige aumento nos custos burocráticos e reduz os incentivos aos agentes proporcionados pelo mercado (ZYLBERSZTAJN, 1995:141___ . Estruturas de governança e coordenação do agribusiness: uma aplicação da nova economia das instituições. São Paulo, 1995. Tese (Livre-docência) – Faculdade de Economia e Administração, Universidade de São Paulo.). Se esses custos forem maiores do que os benefícios proporcionados pelas outras formas de governança, tal situação viabiliza a adoção das estruturas de governança de mercado, ou híbridas.

Um dos trabalhos que utilizam a abordagem teórica de Williamson para estudar a avicultura é o de Menard (1996)MENARD, C. Cluster and hybrids, and other strange forms: the case of the french poultry industry. Journal of Institutional and theoretical economics, v. 152, 1996.. O autor examina as diferenças entre as estruturas de governança do frango convencional e o Label Rouge, que é criado em padrões de agricultura natural. A idéia-chave é que a forte dependência bilateral entre os produtores e indústria processadora requer uma coordenação estreita, mas não suficiente para a integração vertical. A explicação da dependência bilateral envolve a existência de ativos específicos, que criam uma condição de comportamento oportunista, já que os ativos não serão reutilizáveis sem uma grande perda.

Barzel (2001)BARZEL, Y. A measurement cost based theory of the firm. Washington/ USA: mimeo – University of Washington, 2001. argumenta que a abordagem de Williamson está contida num modelo teórico mais amplo, cuja informação é a variável geral que explica a existência de custos de transação. Para o autor, os custos de transação são os associados com a transferência, captura e proteção (manutenção) dos direitos. Considerando que uma transação envolve várias dimensões, e por isso é complexa, há custos de difícil mensuração.

Haverá custos de transação quando houver problemas de informação, independentemente da existência ou não de ativos específicos. Assim, mesmo que o grau de especificidade do ativo fosse muito elevado, não haveria necessidade de integração vertical se as regras iniciais de contratação fossem transparentes e a divisão da quase-renda, isto é, dos direitos de propriedade da renda gerada, bem definida. Porém, com uma grande variabilidade da renda gerada e uma dificuldade de mensuração haveria a possibilidade de captura dessa renda por uma das partes, o que implicaria em custos elevados de monitoramento e proteção dos direitos. Ou seja, quando o direito residual do ativo é compartilhado entre os participantes da relação, porém não de forma constante, há um esforço mútuo para capturar a maior parte possível dessa fração indefinida de renda. A maximização do valor líquido de um ativo, portanto, envolve a propriedade e o padrão de propriedade. O padrão de propriedade estará, dessa forma, definido pela variabilidade do valor dos ativos. Assim, a integração passa a ter um papel relevante na definição da estrutura de governança quando há uma situação de forte incerteza de informação e custos proibitivamente elevados para delinear direitos. De outro lado, quando os direitos são perfeitamente delineados e não há custo na obtenção de informação sobre o produto, o custo de transação relevante será zero. Vêse, portanto, que Barzel acrescenta mais um elemento à transação (aspecto informacional) que explicaria a definição da estrutura de governança.

O modelo de Williamson, segundo essa visão, é apenas uma parte da compreensão da real motivação à integração. Torna-se fácil assegurar os direitos sobre um ativo quando o fluxo de serviços que ele gera pode ser prontamente verificado, porque é relativamente simples impor uma cobrança proporcional com o nível de serviço transacionado. Quando o fluxo de serviço é conhecido e constante, não há custos para se assegurarem os direitos sobre os ativos. Se o fluxo for variável, mas previsível, os direitos também são assegurados. Naturalmente, a variabilidade pode reduzir o valor dos ativos, mas não necessariamente afetam a certeza da posse dos direitos. Todavia, com o fluxo de renda dos direitos transacionados, sujeito a flutuações randômicas, e ambas as partes podendo tirar proveito disso, então, a delineação sobre os direitos é problemática.

Dessa forma, considerando o mesmo grau de especificidade do ativo, a abordagem de Barzel (2001)BARZEL, Y. A measurement cost based theory of the firm. Washington/ USA: mimeo – University of Washington, 2001. pode sugerir um importante argumento para a coexistência de diferentes estruturas de governança em uma cadeia produtiva: a dificuldade de mensuração da informação. Isso significa que, ao contrário da visão williamsoniana, quando se considera a mesma especificidade de ativos numa cadeia produtiva, a coexistência de estruturas de governança não seria apenas transitória. Tampouco significa que estaríamos no ponto indiferença entre uma estrutura de governança ou outra, como em A ou B no gráfico 1, anteriormente citado, mas que haveria, isto sim, uma região de indiferença no espaço de uma ou outra situação, em razão da dificuldade de mensuração da informação nas diferentes cadeias produtivas. Ou seja, apesar de um mesmo grau de especificidade dos ativos, as condições de incerteza ou de dificuldade de mensuração levariam à coexistência de estruturas de governança diferenciadas.

Joskow (1993)JOSKOW, P. Asset specificity and the structure of vertical relationships: empirical evidence. IN: WILLIAMSON, O. E.; WINTER, S. G. (Org.). The nature of the firm: origins, evolution, and development. Oxford/ USA: Oxford University Press, 1993. p. 117-137. vai além, argumentando que a abordagem de Williamson, cujo papel dos ativos específicos é determinante na escolha da estrutura de governança, acabou concentrando a atenção dos estudos empíricos devido à sua capacidade de instrumentalização. O autor, no entanto, argumenta que não há uma teoria geral unificada. Há diversas características econômicas que vão influenciar as decisões de as firmas integrarem ou não.

Nessa linha de argumentação, há o trabalho de Muris, Scheffman, Spiller (1992)MURIS, T.; SCHEFFMAN, D. T.; SPILLER, P. Strategy and transaction costs: the organization of distribuition in the carboneted soft drink industry. Journal of Economics & Management Strategy. v. 1, n. 1, spring 1992.. Esses autores observaram que os investimentos em ativos específicos na indústria de refrigerantes nos EUA foram importantes para a configuração inicial da estrutura de governança das firmas. A mudança da estrutura, que ocorreu no decorrer do tempo de contratação do canal de distribuição à integração vertical, deve-se às modificações na configuração do mercado.

Jacobides e Hitt (2004)JACOBIDES, M. G.; HITT, L. M. Losing sight of the forest for the trees? Productive capabilities and gains from trade as drivers of vertical scope. Working Paper WP 2004/04. London Business School, June, 2004. admitem que as diferentes capacitações produtivas (conhecimento específico das empresas) determinam a integração. Isto é, as empresas têm diferentes capacitações em cada parte da cadeia de valor; e essas capacidades relativas influenciam sua própria decisão, assim como para outros, se eles serão integrados ou especializados. Entre as empresas, se as capacitações são diferentes, resultando em diferentes produtividades, a tendência seria a especialização, caso contrário à integração. Assim, tais autores incluem mais um elemento para a definição da estrutura de governança.

Desse modo, não havendo modificações na especificidade do ativo produtivo, as empresas adotaram como estratégia uma estrutura de governança mais complexa, em razão da necessidade de um maior grau de informação regional da demanda e das suas capacitações produtivas. Assim, pode-se ter o mesmo sistema produtivo atendendo a diferentes demandas, o que torna possível a existência de mais de um tipo de estrutura eficiente.

Esse argumento permite que se estruture uma hipótese a respeito da cadeia de avicultura de corte no Estado do Paraná, ou seja, a coexistência de distintas estruturas de governança eficientes teria como cerne a questão estratégica de cada grupo de empresas de atender a diferentes mercados. Por isso, a próxima seção irá caracterizar a cadeia de frango e os mercados atendidos.

4 A CADEIA DE FRANGO E AS ESTRATÉGIAS DE COMERCIALIZAÇÃO

A cadeia de frango pode ser dividida em três etapas: produção, industrialização e distribuição e consumo (MENDES e SALDANHA, 2004MENDES, A. A.; SALDANHA, É. S. P. B. A cadeia produtiva de carne de aves no Brasil. In: MENDES, A. A.; NÄÄS, I. A.; MACARI, M. Produção de frangos de corte. Campinas: FACTA, 2004. p. 1 a 22.). A etapa de produção inicia-se com a importação de avós, já que a linhagem genética ainda é pouco desenvolvida no Brasil. Essas avós irão estruturar o avozeiro, que servirá de base para desenvolvimento de matrizes. Essas matrizes entrarão em processo de procriação e desenvolvimento do feto em incubadoras. Quando formado, o pinto de um dia será enviado ao criador de frangos. Nesse processo de criação e incubação dos fetos, há um conjunto de insumos químicos, farmacêuticos e equipamentos adequados ao processo. A criação de frangos envolve o processo de crescimento a partir de rações elaboradas (premix) com base em soja e milho. Após a criação, que dura cerca de 42 dias (UBA, 2002UNIÃO BRASILEIRA DE AVICULTURA (UBA). Relatório Anual 2002. Brasília, 2002.), o frango será abatido na fase de industrialização. O domínio vertical da cadeia, por meio da relação dos criadores pelos abatedores em contratos de longo prazo, reduz o risco em várias etapas produtivas e traz mais vantagens que os arranjos polares – mercado ou integração (PEREIRA e CSILLAG, 2003PEREIRA, S. C. F.; CSILLAG, J. M. Cadeias de suprimentos: considerações sobre o modelo de gestão e de avaliação de desempenho de uma cadeia de frango de corte no Brasil. In: ENCONTRO NACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO (27, 2003: Atibaia, São Paulo). Anais.... Atibaia: ANPAD, 2003.).

A partir do abate do frango, inicia-se a industrialização, permitida pela linha de fabricação, já estruturada de forma contínua com esse intuito. O frango abatido pode ser direcionado para venda, após ser embalado, ou ser separado em partes nobres (frango de corte). Após ser separado, o frango é embalado e encaminhado para comercialização. Outra possibilidade é o frango em pedaços ser encaminhado para mais um processamento, para se prepararem pratos rápidos ou embutidos (marinados ou empanados). Essa possibilidade agrega maior valor ao preço do frango e permite iniciar um processo de diferenciação do produto por intermédio da qualidade associada à marca, questão de difícil conquista em mercados de oligopólio competitivo como o de frango in natura (inteiro ou em pedaços).

A última etapa envolve distribuição e consumo. Há duas formas de comercialização: no mercado interno ou no mercado externo. Cada uma engloba as seguintes possibilidades de venda: direto para o atacado, e deste para a pequena revenda, feira e açougue, ou pelo distribuidor, que canaliza para supermercados e pequenas revendas; e venda direta para grandes clientes, como supermercados (LIBARDI e SHOOR, 2004LIBARDI, D.; SHOOR, H. Comercialização de frangos e derivados. In: MENDES, A. A.; NÄÄS, I. A.; MACARI, M. Produção de frangos de corte. Campinas: FACTA, 2004.). No caso das exportações, antes de o produto chegar ao atacado, distribuidor ou grandes varejistas (supermercados), pode ser negociado por meio de traders (comercializadores do mercado internacional) ou diretamente. Salienta-se, contudo, que não há significativa exportação de produtos processados, apenas de frangos inteiros ou de corte.

Assim, o nível de informações necessárias para tomada de decisões das empresas se torna mais complexo à medida que se avança do mercado nacional ao internacional, e da produção de frango inteiro à produção de processados.

No Estado do Paraná, inseridas na cadeia frango, podem-se destacar três estratégias bastante distintas de produção e comercialização: produção de frango e mercado nacional; produção de frango e mercados nacional e internacional; e produção de frango e processados no mercado nacional e internacional. Baseando-se na tipologia apresentada na seção 2, podem-se relacionar os grupos de empresas com estratégia de produção e comercialização como a seguir:

  • a) Produção de frango destinada apenas ao mercado nacional: estratégia adotada principalmente pelo grupo de imitadoras não-cooperativas e não-exportadoras; porém, se lhes convier, todas as demais empresas têm capacidade de participar desse mercado bastante concorrencial, que é caracterizado por um oligopólio com franja competitiva. Nele, empresas informais concorrem com as formais, basicamente via preços, já que o frango é um produto homogêneo. Há poucas barreiras à entrada, de modo que muitas empresas entram e saem do mercado ao sabor dos movimentos de preços.

  • b) Produção de frango destinada ao mercado nacional e internacional: estratégia adotada pelo grupo de empresas inovadoras, imitadoras cooperativas e não-cooperativas e exportadoras. O avanço ao mercado internacional implica em dificuldades. A estratégia do mercado internacional traz riscos vinculados à informação, o que incrementa os custos de governança. A segurança alimentar e a rastreabilidade estão cada vez mais presentes nas relações internacionais, e impõem um estreitamento entre os segmentos da cadeia produtiva, visando à garantia da qualidade do produto. A exportação ocorre mediante contratos estabelecidos pelas suas próprias tradings. Há uma tendência de exportar com marca própria, porém, isso coexiste com a exportação de commodities.

  • c) Produção de frango processado destinado ao mercado nacional e internacional: estratégia adotada principalmente pelo grupo de empresas inovadoras, com forte ascensão das imitadoras cooperativas e não-cooperativas exportadoras. A competição acirrada entre as empresas na comercialização do frango tem levado as de maior porte, por meio da produção de produtos processados derivados da carne de frango, a adotarem a estratégia de diferenciação. A venda de produtos processados com marca é uma forma de modificar o padrão de concorrência, permitindo uma melhor margem de comercialização. A adoção dessa política poderia levar a questionar se não seria ela a indutora de uma nova estrutura de governança. Isto é, se o fato de a empresa estar investindo em produtos processados não exigiria um investimento específico que explicasse a configuração de uma estrutura de governança mais complexa. Isso seria verdade, se essa estrutura fosse, hoje, distinta daquela apresentada pelas empresas, quando elas apenas comercializavam o frango congelado. A estrutura mais complexa passou a ser observada no momento em que as empresas passaram a abranger mercados maiores do que o regional, inicialmente com o frango congelado e, posteriormente, também com os processados.

Vale observar que a concorrência predatória é um dos fatores determinantes no redirecionamento da produção de frango inteiro para os produtos processados. Enquanto a legislação permite apenas 8% de água no produto, há empresas que acrescentam até 20% de água. Desse modo, empresas de menor escala de produção concorrem com as grandes.

Outro ponto a considerar é o alto ritmo de crescimento da atividade de produção e comercialização de frango. Além do crescimento da produção, houve também significativo aumento das exportações, principalmente, a partir de 1999, com a desvalorização cambial. A produção de 1990 a 2003 cresceu 9% ao ano, enquanto as exportações, principalmente, pós 1994 (Plano Real), cresceram 16% ao ano. Em 2003, as exportações já representavam mais de 30% do destino da produção brasileira (dados fornecidos pela Associação Brasileira de Exportadores de Frango – ABEF).

Diante desse contexto competitivo, e tendo como pressuposto que as estruturas de governança são influenciadas pelas estratégias de direcionamento de comercialização, deve-se avaliar que fatores são determinantes na demanda desses diferentes mercados. Considerando a existência de três tipos de estratégias de comercialização, acima mencionados, faz-se necessário definir as funções demandas de cada mercado a fim de correlacioná-las com os tipos de estruturas de governança.

As funções demandas do mercado nacional e internacional foram estimadas por uma regressão do tipo LN-LN, em que o coeficiente representa a elasticidade da variável exógena (preço, por exemplo) com a variável endógena (quantidade demandada, por exemplo). A série histórica utilizada em todas as regressões foi anual e de 1990 a 2003 (14 observações). Com o preço externo em dólares americanos e o preço interno em reais, os valores foram em moeda constante de 2003. A transformação dos valores de nominais para reais considerou a taxa de câmbio efetiva deflacionada pelo INPC, sendo base 100 em 1995, para os preços externos e o índice de inflação do INPC, com base 100 em 1993, para os preços internos. Tais deflatores estão disponíveis no banco de dados do IPEA (2004)IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas. IPEAdata. Disponível em <http://www.ipea.gov.br>. Acesso em: jun. 2004.
http://www.ipea.gov.br...
.

Determinou-se a função demanda do mercado interno em razão da renda média real e preço de exportação com taxa de câmbio real. Notou-se que a quantidade demandada é explicada em torno de 94% por esses variáveis, além de não existir autocorrelação entre elas (validação do teste DW) e de existir significância (teste t de Student e teste F). Observa-se que a demanda interna é inelástica ao preço de exportação. É válido ressaltar que a função confirma o argumentado anteriormente, já que um aumento no preço de exportação tenderia a reduzir a quantidade de demanda internamente, isso porque estaria associado ao aumento do preço interno.

Equação 1:

(1) ln q int ̂ = 32 , 01 0 , 0000 + 5 , 2471 ln Re nda 0 , 0000 0 , 3004 ln Pext 0 , 0006 F = 120 , 18 DW = 1 , 74 R 2 ajustado = 94 , 8 %
  • Onde: qint= quantidade produzida pelos fabricantes brasileiros

  • Renda = renda média real base 2003 (disponível no IPEA)

  • Pext= preço em dólares americanos, constante de 2003

Apesar de apresentar alto poder de explicação, inseriu-se a variável exógena preço interno real. Ao incluir essa variável, observa-se que houve um aumento na explicação do comportamento da quantidade interna demandada (de 94% para 96% de poder de explicação) e que ainda não há presença de autocorrelação entre as variáveis, além de cumprir com os testes de significância (teste T de Student e F). Contudo, a ausência de autocorrelação encontra-se no limite. A demanda é inelástica tanto para o preço interno quanto para o externo (de exportação) reais.

Fez-se um teste de correlação dos preços internos e externos, considerando os valores nominais. Nota-se uma correlação média (a partir de dados de 1994 a 2003) em torno de 66%. A correlação ser positiva significa que um aumento no preço para exportação implica em um aumento do preço do mercado interno. Todavia, esse preço não é determinado por outras variáveis que não a dinâmica do mercado e, por isso, não há uma função que o possa explicar suficientemente para validá-lo estatisticamente.

Salienta-se que ao fazer esse mesmo teste de correlação com preços reais, há baixa presença de correlação entre os preços interno e externo, ou seja, em torno de 25% no mesmo período. Explica-se tal fenômeno pelo preço de o mercado interno ter como referência o preço do mercado externo e não ser exatamente determinado por ele. Há no preço interno, portanto, o comportamento expectativa que se determina mais por valores nominais e tendências do que por valores reais.

Equação 2:

(2) ln q ̂ int = 25 , 96 0 , 0003 + 4 , 591 ln Re nda 0 , 0000 0 , 3055 ln Pext 0 , 0002 0 , 2716 ln P int 0 , 0401 F = 115 , 17 DW = 1 , 90 R 2 ajustado = 96 , 3 %
  • Onde: qint= quantidade produzida pelos fabricantes brasileiros

  • Renda = renda média real base 2003 (disponível no IPEA)

  • Pext= preço em dólares americanos, constante de 2003

  • Pint= preço em reais constante de 2003

Em ambas as equações, não se pode deixar de notar uma elasticidade de renda superior a 1%. Os dados para estimar a função demanda foram de 1990 a 2003, quando efetivamente houve um forte aumento do consumo de frango em razão do maior poder aquisitivo da população e do aumento do consumo mundial, dinamizado principalmente pela China. Isso fez com que pequenos aumentos da renda inserissem uma importante parcela da população no consumo desse bem e, portanto, fosse interpretado, na equação, como um bem superior. Realmente o aumento do consumo em função da renda pode ser até um nível de renda, enquanto não houver acesso a substitutos suficiente, mas a tendência é de perda de importância da variável renda na determinação da quantidade demandada (IPARDES, 2002).

Assim, a estratégia de realização de parte das vendas no mercado internacional permite que as empresas ajustem seus preços às quantidades produzidas menos as exportadas. Com o crescimento da demanda internacional, particularmente em momentos de elevação da taxa cambial, as empresas, que têm o foco no mercado nacional, aproveitam os interstícios do mercado para crescer. Há, de certa forma, uma complacência das empresas que estão direcionando o seu produto para o mercado internacional em permitir essa expansão, o que não ocorre em momentos de retração da demanda internacional.

O mercado internacional para produtores brasileiros já apresenta uma demanda elástica. A equação 3 permite identificar que a elasticidade preçodemanda por exportação de produtos brasileiros é 1,15% (em módulo). A função tem um alto poder explicativo, já que 87% do comportamento da demanda, por produto brasileiro exportado, pode ser explicado pela evolução do seu preço, e atende aos testes F e T de Student para garantir a significância do modelo. É muito provável que a inclusão da renda mundial melhorasse a capacidade explicativa da função, contudo, tal teste não foi realizado.

Equação 3:

(3) ln qext BR = 14 , 02 0 , 0000 1 , 1556 ln Pext BR 0 , 0000 F = 36 , 11 R 2 = 86 , 6 %
  • Onde: qextBR= quantidade exportada pelos fabricantes brasileiros

  • PextBR= preço em dólares americanos, constante de 2003

Outra importante relação é avaliar o comportamento da demanda mundial de carne de frango. Utilizando os dados de 1990 a 2003, com informações de nominais de preço e em dólares americanos, pode-se avaliar um comportamento similar à função demanda externa do produto brasileiro. A função explica em torno de 85% do comportamento da quantidade demanda mundial dessa carne e atende aos testes de significância. A elasticidade preço demanda é 2,01 contra 1,15 do produto brasileiro. Esse fato mostra um pequeno poder de mercado adquirido pelo produto brasileiro, que pode estar relacionado à confiabilidade externa e permite a algumas empresas adotarem estratégias de definição da marca no mercado mundial, ainda que de forma incipiente.

(4) ln qext mundo = 15 , 76 0 , 0000 2 , 0908 ln Pext mundo 0 , 0002 F = 39 , 48 R 2 = 85 , 3 %
  • Onde: qextmundo= quantidade produzida pelos fabricantes brasileiros

  • Pextmundo= preço em dólares americanos, disponível na FAO

A relação entre os dois mercados (nacional e internacional) pode ser observada pelas equações 1, 2 e 3. O preço no mercado internacional é uma variável exógena. Apesar de o Brasil ser o segundo maior exportador de frango, as empresas brasileiras são tomadoras de preço (veja, por exemplo, a alta elasticidade do preço). No mercado brasileiro, as empresas também são tomadoras de preço e a demanda é inelástica ao preço do mercado externo. Todavia, por ser esse preço elástico no mercado internacional, qualquer alteração naquele mercado afeta significativamente o mercado brasileiro. As empresas que não exportam têm suas estratégias sujeitas ao comportamento do mercado externo e, de certa forma, ao do mercado de processados. Diante disso, esse aumento de complexidade e dificuldade de acesso à informação (leia-se mercados) levaria a diferentes estruturas de governança na cadeia.

As empresas que inovam (líderes de mercado) e, em sua maioria, as demais imitadoras que exportam, direcionam seus produtos in natura para o mercado externo e, no interno, concorrem pelos processados, que possui outro padrão de concorrência e uma demanda mais inelástica, se comparado aos in natura, e menos dependente da dinâmica de preços internacionais. Aliado a isso, há um desinteresse dos exportadores em competir no mercado brasileiro de frango inteiro. As principais razões são: alta volatilidade de preço1 1 Pode-se definir um indicador relativo da volatilidade como a variação percentual nas diferenças dos preços médios entre o período t e t-1. Ou seja, pt - pt-1 funcionam como uma medida da volatilidade dos preços. Assim, a volatilidade será definida como ((pt - pt-1)/ pt)*100 (Gráfico 2), ratificando que o insumo (frango vivo) é menos volátil que um dos primeiros produtos finais (frango congelado), havendo problema de informação e custo de governança no elo de distribuição e consumo da cadeia. Isso corrobora com o argumento de Barzel (2001) e Joskow (1993), discutido na seção anterior, no que se refere à questão de haver outros fatores determinantes da integração vertical, já que tal incerteza poderia ser um fator incisivo para Williamson direcionar a alteração da estrutura de governança para redução de tal incerteza. (Gráfico 2), forte competição e, ainda, algumas vezes desleal, como o caso da quantidade de água acima da permitida.

GRÁFICO 2
ÍNDICE DE VOLATILIDADE DOS PREÇOS MÉDIOS DO FRANGO: VIVO E CONGELADO (1994 A 2004)

As empresas inovadoras têm como foco estratégico o mercado de produtos processados, embora tenham capacidade produtiva para uma atuação nas demais alternativas de comercialização. Essa escolha se deve à característica do mercado de processados, ou seja, maior valor agregado possível pela alta elasticidade de renda e baixa elasticidade de preço. As empresas imitadoras que exportam (cooperativas e não-cooperativas) não conseguem, contudo, ter a mesma capacitação produtiva para concorrer no mercado de processados, e elas têm, dessa forma, o mercado de frango nacional e internacional como foco estratégico. Mas, com isso, atuam em um mercado cuja volatilidade do preço internacional faz variar a rentabilidade das empresas, já que há uma forte correlação entre a quantidade de demanda no mercado nacional e o preço internacional, o que leva essas empresas a diversificarem o direcionamento da produção para o mercado nacional e internacional, a fim de reduzirem seus riscos. Já as empresas imitadoras que não exportam ficam à mercê do preço internacional e são vulneráveis às estratégias de comercialização dos demais grupos. Essas imitadoras se mantêm rentáveis ao se aproveitarem dos interstícios de mercado deixados pelos demais competidores, que não consideram o mercado nacional de frango como foco estratégico (Quadro 1).

QUADRO 1
ESTRATÉGIAS DE COMERCIALIZAÇÃO POR TIPO DE GRUPO ESTRATÉGICO

Tais questões direcionam para a validação da hipótese explicitada na segunda seção. A fim de consolidar a discussão, realizou-se uma pesquisa de campo como uma amostra representativa, definida na seção 2, para avaliar os motivos que levam as empresas a integrarem e adotarem diferentes estruturas de governança.

5 ESTRUTURAS DE GOVERNANÇA E ESTRATÉGIAS DAS CADEIAS AVÍCOLAS DO PARANÁ

Com a finalidade de caracterizar as estruturas de governança para cada um dos quatro grupos estratégicos, foi realizada uma pesquisa de campo a partir da aplicação de um questionário semi-estruturado, com posterior análise qualitativa das informações coletadas. Como esclarecido na seção 2, as empresas pesquisadas representam mais de 75% da produção paranaense e estão localizadas nas regiões oeste, sudoeste e norte do Paraná, que tradicionalmente concentram a atividade da avicultura de corte paranaense (IPARDES, 2002).

As questões abordaram informações dos determinantes das relações contratuais, buscando caracterizar as estruturas de governança adotadas em cada grupo estratégico. As questões envolveram os atributos tratados no mainstream, bem como demais elementos relevantes para estudo das estruturas de governança abordados na seção 3, quais sejam:

  • a) Objeto do contrato: produto ou serviço transacionado.

  • b) Tipo de contrato: curto prazo, longo prazo ou integração vertical.

  • c) Natureza da transação: formal ou informal.

  • d) Variáveis contratuais: preço, produtividade, prazo de entrega, qualidade, forma de entrega, tipo de pagamento.

  • e) Quebra de contrato: se já houve e/ou se pode ocorrer.

  • f) Informação para decisão: no mercado internacional, valores e condições indicados por associações ou por empresas da região.

  • g) Freqüência da transação: esporádica, diária ou contínua.

  • h) Venda do produto: possibilidade de venda a outro cliente com mesmo preço, ou com deságio, ou exportar ou não vender.

  • i) Poder de barganha: do cliente, do fornecedor ou distribuído.

A seguir será relatado o resultado da pesquisa, posicionando os grupos de empresas perante as variáveis expostas anteriormente, a fim de identificar os motivos de determinação das estruturas de governança.

5.1 CARACTERÍSTICAS DAS TRANSAÇÕES POR GRUPOS ESTRATÉGICOS

Para identificar o produto transacionado é importante definir a sua tecnologia de produção. O processo de produção do frango é conhecido; sua tecnologia, disponível e relativamente consolidada. A tecnologia presente no abate e processamento refere-se aos bens de produção e das genéticas. Essa tecnologia é, portanto, comprada, não sendo desenvolvida pelas empresas. Mesmo a genética, importante ativo específico e determinante para o incremento da produtividade alcançada por essa atividade, é comprada por meio de contratos de longo prazo.

Para se ter noção da relevância da genética no processo de incremento da produtividade, é válido ressaltar que, em 1980, a conversão alimentar (quantidade, em quilos, de ração para cada quilo de carne de frango) era 2,05, valor reduzido para 1,83 em 2002. Isso tornou possível reduzir a idade de um frango para o abate, de 49 dias em 1980, para 42 dias em 2002 (UBA, 2002UNIÃO BRASILEIRA DE AVICULTURA (UBA). Relatório Anual 2002. Brasília, 2002.). Segundo Mendes e Saldanha (2004:2)MENDES, A. A.; SALDANHA, É. S. P. B. A cadeia produtiva de carne de aves no Brasil. In: MENDES, A. A.; NÄÄS, I. A.; MACARI, M. Produção de frangos de corte. Campinas: FACTA, 2004. p. 1 a 22. “os índices de produtividade no país (Brasil) sempre foram similares ou superiores aos obtidos pela avicultura mundial”. Isso torna a especificidade dos ativos na etapa produtiva de frango não-processado similar em todas as empresas.

A diferença tecnológica determinada na classificação das empresas em inovadoras e imitadoras está relacionada à capacidade de desenvolvimento de novos produtos e processos. As empresas inovadoras desenvolvem novos produtos para o mercado interno basicamente com inovações incrementais de produtos e com adaptações de processos. Para o mercado externo não há ações de inovações, em razão de a comercialização ser concentrada em exportação de frango inteiro ou em partes (commodities). Contudo, essas ações de inovações não caracterizam tecnologia dominada e forte barreira à entrada, pois os processos são facilmente imitados pelas demais empresas.

Em entrevista com um representante das empresas imitadoras e cooperativas, afirmou-se que a tecnologia de desenvolvimento de novos produtos se restringe a um laboratório de análise em que se decompõe o produto para avaliar sua composição e compreender como fabricá-lo. A inovação de diferentes cortes de frango, realizada pelas empresas inovadoras, também é facilmente copiada, posto que depende apenas de algumas adaptações do processo produtivo. Por exemplo, a engorda de frangos é uma tecnologia disseminada e realizada por contratos de longo prazo estabelecidos com vários criadores. Em todos os casos, as abatedoras fornecem o pinto e a ração, como também remuneram os criadores, a partir de cláusulas contratualmente estabelecidas.

A integração também se justifica pela maior capacidade de atender às diferentes demandas do mercado internacional. O premix (ração elaborada) é um elemento que define a engorda e, dependendo do mercado a ser atingido, devem ser acrescidos (ou suprimidos) elementos. Por exemplo, no premix do frango destinado ao mercado argentino deve ser acrescido betacaroteno para que a coloração demandada seja adquirida.

Ao serem questionadas porque continuam inovando, já que esses investimentos não estabelecem fortes barreiras à entrada, as empresas inovadoras se posicionaram argumentando que a contrapartida está em ter, sob a ótica do consumidor, os seus produtos em vanguarda e de aumentar a sua carteira de produtos. Além disso, ao imitarem as demais empresas, não desenvolvem todos os produtos, apesar de a tecnologia estar disponível, pois, ao se agregar mais valor ao produto, há que se consolidar a marca. A marca parece ser um ativo específico importante, apesar da baixa especificidade, por ser empregável em qualquer gama de produtos da empresa, e um dos elementos estratégicos que faz as empresas inovadoras aumentarem as suas carteiras. Vale observar que, depois de produzida a imitação é difícil de esta ser contida; porém, para o desenvolvimento de um novo processo ou produto há que se ter capacitação produtiva.

Diante dessas constatações, pode-se afirmar que a cadeia, desde compra de pintos-avós até o abate, é constituída de ativos com alta especificidade no que se refere à tecnologia, não sendo reempregáveis em outra atividade. Contudo, esta é disponível no mercado. A tecnologia de processamento também é disponível, apesar de apenas algumas empresas participarem dessa etapa, por decisão estratégica, como visto em pesquisa de campo, mesmo esta etapa contando com baixa especificidade. As empresas não participantes argumentam o alto custo do investimento em ativos específicos, especialmente marca e necessidade de economia de escopo – processar outras carnes – em contrapartida ao limitado benefício (demanda ainda em expansão e pequena para abrigar novos competidores).

Normalmente, as empresas que processam o fazem para qualquer tipo de carne, tendo maior flexibilidade de produto e produção. Essa é a capacitação produtiva referenciada no Quadro 1 que argumenta ser um importante diferencial para as empresas inovadoras no processo de definição da estrutura de governança, corroborando com os argumentos de Jacobides e Hitt (2004)JACOBIDES, M. G.; HITT, L. M. Losing sight of the forest for the trees? Productive capabilities and gains from trade as drivers of vertical scope. Working Paper WP 2004/04. London Business School, June, 2004..

Ao mesmo tempo, as empresas inovadoras apontaram como importante ativo estratégico, apesar da baixa especificidade, o domínio da distribuição (com frota terceirizada). A integração dessa etapa no mercado interno permite que essas empresas dominem os canais de distribuição, o que é fundamental em todo o processo, e se consolide como importante barreira à entrada de outros competidores. Esse argumento, por outro lado, aponta a estratégia de comercialização e domínio da informação de demanda como ponto relevante para definição da estrutura de governança, conforme atribuído por Muris, Scheffman e Spiller (1992)MURIS, T.; SCHEFFMAN, D. T.; SPILLER, P. Strategy and transaction costs: the organization of distribuition in the carboneted soft drink industry. Journal of Economics & Management Strategy. v. 1, n. 1, spring 1992. no exemplo da indústria de refrigerantes.

Para definição do tipo de contrato, avaliou-se principalmente a questão da freqüência da transação, a qual não é diferente entre os grupos de empresas: são transações diárias e contínuas que estabelecem pagamentos, não se tratando de uma etapa verticalizada, por cobrança. Pode-se colocar como exceção nesse comentário a comercialização de pintos-avós, normalmente mensal, já que em sua maioria são importados. Já existem, entretanto, alternativas internas – Agroceres e Cobb – para a compra de pintos-avós. Há um relacionamento e contrato de longo prazo com os fornecedores desse tipo de produto, em razão da importância e do comprometimento da genética com a eficiência produtiva alcançada na cadeia.

A questão da quebra contratual mostrou-se como um dos principais motivos que levam à integração, segundo os entrevistados. Esse argumento mostrase contrário à relevância maior da especificidade de ativos na teoria da economia dos custos de transação.

A facilidade de aquisição da tecnologia indicaria que o domínio dela não seria um motivo suficiente para integração, segundo os preceitos teóricos discutidos na seção 3. Ao serem questionadas, em entrevista, as empresas apontaram que a integração é uma decisão estratégica, visando ao domínio do processo produtivo e não do ativo, em razão da importância relativa da capacitação produtiva para o direcionamento estratégico de mercado.

A capacitação necessária se refere ao volume produzido pela empresa e ao mercado ao qual ela atende, além de um maior controle sanitário e de resíduos. Estes últimos têm uma importante função estratégica, ao diminuir as incertezas com relação aos problemas de barreiras não-tarifárias. As empresas que exportam, independentes de serem inovadoras ou imitadoras, integram pelo menos o processo de desenvolvimento das matrizes, desenvolvimento dos pintos e abate (Quadro 2). Essas etapas são integradas para garantir o fluxo contínuo de produção, fundamental para alcançar a produtividade e custo compatível para competir nos mercados nacional e, principalmente, internacional.

QUADRO 2
ESTRUTURAS DE GOVERNANÇA POR GRUPO ESTRATÉGICO/ ESTRATÉGIA DE COMERCIALIZAÇÃO E POR ETAPA DO PROCESSO FABRICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO NA CADEIA AVÍCOLA DE CORTE DO PARANÁ

Assim, a necessidade de minimizar as incertezas de produção é um dos principais motivos estratégicos de verticalização nos pontos em que o fluxo da cadeia não pode parar. No que não é integrado, há incertezas em razão de poderem ocorrer e já terem ocorrido, em algumas situações, quebras de contrato. Isso se caracterizou como algo interessante e intrigante, já que mostra a fragilidade dos contratos e da capacidade de manter o fluxo de produção e informação, caso não se adotasse uma atitude estratégica, como a integração.

A redução da incerteza tornou-se, portanto, a despeito da teoria, um atributo tão ou mais relevante que a especificidade do ativo para determinar a integração em algumas etapas da cadeia. A incerteza (ou imprevisibilidade) reflete na possibilidade de mensuração da variabilidade da renda, uma vez que não se podem estimar as contingências futuras, conforme visto em Barzel (2001)BARZEL, Y. A measurement cost based theory of the firm. Washington/ USA: mimeo – University of Washington, 2001. na seção 3. Estar preparado para um crescimento das restrições tarifárias, que podem afetar as exportações, ou para uma doença inesperada, são razões mais do que suficientes para a adoção da rastreabilidade, que permite uma melhor coordenação da cadeia.

Uma outra variável que pode produzir incertezas é o poder de barganha nas relações contratuais. De maneira genérica, o poder de barganha na compra dos pintos-avós é distribuído entre as partes. Já no caso da engorda, entre produtor (fornecedor) e abatedouro (cliente), este poder de barganha é do cliente. Na etapa de comercialização há importante diferença estratégica. As empresas inovadoras têm maior poder de barganha que as demais com os pontos de venda, como supermercados, por terem maior variedade de produtos para negociar. O produto delas não pode faltar no supermercado. Isso permite que elas negociem melhores preços e condições de pagamento, embora sejam os grandes varejistas que determinam os preços. Cabe argumentar também que as empresas imitadoras cooperativas e as não-exportadoras e não-cooperativas transacionam apenas frango de corte e frango inteiro (commodities), o que minimiza também o poder de barganha desses grupos estratégicos. As cooperativas passam a ter um pouco mais de poder em razão de ter outros produtos para negociar, fruto da diversidade da atividade associativista, e não de estratégia no mercado avícola. As empresas imitadoras não-cooperativas e exportadoras adotam perfil similar ao das inovadoras, porém têm menor gama de produtos relacionados com aves, o que diminui relativamente seu poder de barganha.

O grau de informação utilizado depende do mercado em que a empresa atende. As empresas inovadoras, que exportam parte significativa da sua produção, utilizam-se de informações do mercado de bolsa de valores e internacional, bem como as referenciadas por associações de classes (por exemplo, UBA). Já as empresas imitadoras e cooperativas, que exportam parte da produção e cuja maior parcela está direcionada para o mercado nacional – o que torna o Paraná maior produtor, porém apenas o terceiro maior exportador (UBA, 2002UNIÃO BRASILEIRA DE AVICULTURA (UBA). Relatório Anual 2002. Brasília, 2002.) – utilizam-se de valores e condições praticados por competidores da região. Bastante interessante foi o posicionamento das empresas imitadoras que não são cooperativas, mas que exportam. Embora tenham uma estrutura produtiva e de comercialização similar à das inovadoras, utilizam-se apenas de dados locais para decidir. Ou seja, o grau de informação, apesar de atuarem de forma e em mercados compatíveis, é menor para as empresas que imitam do que para as que inovam.

Isso pode corroborar a importância relativa dada à informação para apoiar a explicação desse elemento na definição estratégica de integração das empresas inovadoras e na sua capacidade de competir, como argumentou Barzel (2001)BARZEL, Y. A measurement cost based theory of the firm. Washington/ USA: mimeo – University of Washington, 2001.. Mesmo tendo estrutura de governança similar, as empresas imitadoras que exportam e não são cooperativas poderiam ter maior condição competitiva se obtivessem maior grau de informação para tomada de decisão. Este pode ser um dos fatores que mostram a diferença de eficiência produtiva apesar da existência de governança tão similar entre as cooperativas e as não-cooperativas exportadoras. Dessa forma, relacionam-se os argumentos de capacitação produtiva com grau de informação para justificar a eficiência da estrutura de governança.

Já as empresas que imitam e não exportam adotam padrão de informação similar ao das cooperativas, que se concentram no mercado interno; ou seja, avaliam condições praticadas por competidores da região. Essas empresas, contudo, apontaram também observar as referências das associações de classes (como a UBA). Assim, ocorre o processo contrário das não-cooperativas e exportadoras; ou seja, há informação sem haver capacitação produtiva. Isso reforça a idéia de pluralidade de fatores para determinação das estruturas de governança. O Quadro 3 apresenta as características das transações acima tratadas por grupos estratégicos.

QUADRO 3
CARACTERÍSTICAS DAS TRANSAÇÕES POR TIPO DE GRUPO ESTRATÉGICO

Como se pode observar, à luz da teoria e da pesquisa de campo, além dos tradicionais atributos de custo de transação (especificidade dos ativos, incertezas e freqüência), existem outros fatores importantes para definição das estruturas de governança, como grau de informação e direcionamento de mercado. A seguir, discutir-se-ão as estruturas de governança, conforme esses novos atributos de transação tratados no caso em questão.

5.2 ESTRUTURA DE GOVERNANÇA E DIRECIONAMENTO DE MERCADO

A partir das informações concedidas em pesquisa de campo e discutidas na seção 5.1, permite-se comparar as estruturas de governança adotadas. Podese observar que há uma convergência entre estratégias de mercado e estrutura de governança.

As empresas inovadoras são as mais integradas, tendo como objetivo uma melhor coordenação do sistema. A integração se associa à melhor capacidade de implantação de novas tecnologias, de previsibilidade (redução de incertezas), adequação às exigências da demanda futura (capacitação produtiva) e manutenção da credibilidade da marca (expressa pela preocupação com o controle sanitário e de resíduos). No que se refere às empresas imitadoras não-cooperativas e exportadoras, há uma tendência de copiar a estrutura de governança das inovadoras. A principal diferença está no canal de distribuição, e isso ocorre mais por falta de capacitação produtiva, como ressaltado na seção 5.1.

A dimensão local de mercado das empresas cooperativas e não-exportadoras pode ser um impedimento para que elas avancem no processamento, pois tal mercado requer uma estratégia nacional, tendo em vista a demanda restrita nos mercados locais. O (custo) investimento necessário para tal estratégia é maior que o benefício, devido à incerteza de realização do produto no mercado. Dessa forma, a concentração em commodities reflete uma alta dependência em relação ao mercado internacional (função demanda 2). O crescimento e a retração na participação no mercado nacional dependeriam, portanto, da demanda das empresas líderes no mercado internacional. Quando houvesse uma retração inesperada no mercado internacional, as empresas líderes se voltariam para o mercado nacional, mesmo vendendo com deságio de preço, levando à perda de market-share das empresas imitadoras (e vice-versa).

O domínio da etapa de ração é estratégico, e um dos motivos determinantes para as cooperativas adentrarem no mercado de avicultura de corte. A estrutura associativa existente, com bom canal de informação, já que detém a produção da soja e do milho, principais componentes das rações, estimulou as cooperativas a buscarem maior agregação de valor e, portanto, a entrada no mercado avícola. Tal motivação ainda não estimulou o avanço para os processados (marinados e empanados) por não considerarem uma alternativa por ora rentável, já que não possuem capacitação produtiva para tal. Em entrevista, os representantes das empresas imitadoras cooperativas argumentaram que a demanda ainda é pequena para estimular novos competidores, e que para se estabelecer nesse mercado a capacitação depende de significativos investimentos.

Assim, a adoção de estruturas de governança diferenciada por parte das cooperativas está associada à sua estrutura societária (SILVA e ZANATTA, 2003SILVA, C. L. da; ZANATTA, A. F. Competitividade e estruturas de governança na cadeia de valor: uma análise da avicultura de corte paranaense. In: VALLADARES, Angelise (Org.). Tecnologia de Gestão em sistemas produtivos. Rio de Janeiro: Vozes, 2003.) e ao mercado que estrategicamente atendem (frango inteiro e de corte), por não determinarem rentabilidade mínima para competir em um novo mercado (processados – marinados e empanados) que, eventualmente, motivem a alteração de sua estrutura de governança.

As empresas que não exportam não integram algumas etapas produtivas por terem menor preocupação com o fluxo contínuo de produção e de informação, relatado como importante motivo para as exportadoras tornarem verticais alguns processos produtivos, posto que sua produção depende de quantidade de insumos disponíveis no mercado (contratos de curto prazo), além de atenderem apenas ao mercado nacional, com demanda inelástica. Ou seja, as flutuações no custo e a falta de insumo não são tão significativas aos padrões relativos dessas empresas para tornarem atraente a integração vertical dessas etapas, principalmente o incubatório. Além disso, a variabilidade de preço do produto final não será resolvida pela integração das etapas produtivas, mas pelo ingresso no mercado internacional (dependência da demanda interna ao preço internacional – funções 1 e 2), o que implica em investimentos significativos para incremento da escala de produção.

Tais questões justificam a tendência de existência de três tipos de estrutura de governança:

  • a) estrutura mais integrada (da produção à distribuição) das inovadoras por atenderem ao mercado de processados e ao internacional, necessitando a garantia dos fluxos produtivos e de comercialização;

  • b) estrutura das cooperativas, com prioridade de integração das etapas produtivas e direcionamento para o mercado de frango in natura;

  • c) estrutura menos integrada daquelas que imitam e não exportam. Como explicitado na seção 5.1, há indícios de que as imitadoras, que não são cooperativas e exportam, tenderiam à estrutura de governança das empresas inovadoras, porém sem a mesma estrutura, por terem grau de informação diferenciado e menor capacidade competitiva.

Trata-se, assim, de diferentes estruturas de governança, oriundas de opções estratégicas de mercados e de graus de informações diferentes da decisão, a despeito de terem a mesma tecnologia de produção (especificidade dos ativos) para o abate do frango. Contudo, essas diferenças (de informação e estratégia de mercado) são condicionadas pelas capacitações produtivas de cada grupo estratégico.

6 CONCLUSÕES E PROPOSTA DE NOVOS TRABALHOS

O objetivo deste artigo foi entender os motivos pelos quais as cadeias de frango de corte no Paraná adotam diferentes estruturas de governança. A ECT aponta para a tendência de existir apenas uma estrutura de governança: a que seria mais eficiente. Porém, como discutido, pôde-se observar que as diferenças de estruturas de governança na cadeia de frango estariam relacionadas a outros atributos adicionais ao principal do mainstream (especificidade dos ativos).

Ao contrário de analisar apenas a especificidade do ativo para avaliar a tendência de se obterem um alto custo de governança e uma estrutura mais hierárquica, os grupos estratégicos definem suas estruturas de governança considerando:

  • a) mercados aos quais as empresas atendem (tamanho e grau de informação necessária, tipo do produto, quantidade de competidores e consumidores) e seu inter-relacionamento (dependência dos diferentes mercados atendidos com a mesma tecnologia de produção);

  • b) maior relevância dos graus de incerteza a partir das exigências da demanda de garantia da segurança alimentar e rastreabilidade.

A primeira questão é estratégica para a empresa, por definir em que mercado deseja participar. Sua decisão seguramente estará limitada às suas capacitações, como o domínio de recursos. Entretanto, a empresa irá avaliar o custo (investimento) e o benefício (retorno do capital) em razão das características daquele mercado (tamanho – quantidade transacionada – e quantidade/poder dos competidores e consumidores). Dessa forma, podem haver empresas com a mesma tecnologia de produção que atendam a diferentes mercados, por decisões estratégicas. As particularidades de cada mercado podem fazer com que ambas continuem sobrevivendo com estratégias diferenciadas, o que permitiria, também, a coexistência de estruturas de governança. Tal fato pode ser exemplificado com os grupos das empresas inovadoras e o das cooperativas.

O inter-relacionamento dos mercados pode ser um dos condicionantes para que as empresas consigam sobreviver sem adotar estratégias iguais. Ao participarem de mercados diferenciados, por mais que estes sejam fortemente interrelacionados, estarão em padrões de concorrência diferentes. Assim, com mercados fortemente inter-relacionados, atendidos pela mesma tecnologia de produção até o abate, haverá maiores possibilidades de competição e de estratégias para as empresas. Desse modo, pode-se viabilizar a coexistência de estruturas de governança, como o caso exemplificado das empresas inovadoras e das imitadoras que não são cooperativas e não exportam. Há forte inter-relação dos mercados domésticos e internacionais, porém cada uma consegue sobreviver com estratégias e estruturas de governança diferentes, devido à forte relação entre os mercados e, portanto, às alternativas de comercialização que abrem espaço para os dois grupos estratégicos competirem.

O segundo elemento é o grau de incerteza, considerado por Williamson (1985)___ . The economic institutions of capitalism. The Free Press, New York, 1985. e toda teoria da economia dos custos de transação como fator relevante para determinação do tipo de estrutura de governança. Contudo, ressalta-se uma maior relevância para esse elemento, tendo por base os resultados obtidos em pesquisa de campo. Essa variável é relevante em todos os grupos estratégicos, por exemplo, para terem estrutura de governança híbrida da criação dos frangos e para a integração do abate em razão da necessidade de garantia de rastreabilidade e de segurança alimentar.

Há, dessa forma, outros motivos que não a especificidade dos ativos como determinante do tipo de estrutura de governança.

Sugere-se como proposta de novos trabalhos o estudo da mesma atividade em outros países, a fim de avaliar se a questão regional interfere também na determinação do tipo de estrutura de governança. Ainda como proposição, sugere-se, também, o estudo de outro mercado, como a soja, por exemplo, pela sua relevância econômica para o Brasil, ou algum mercado com fortes laços de interrelação na cadeia, como o automobilístico, para se verificar quais outros motivos podem particularizar a eficiência da estrutura de governança teorizada por Williamson. Por fim, sugere-se avaliar o mercado de avicultura de corte de São Paulo e comparar com o do Paraná, visto que naquele estado ainda existem estruturas de governança de criação do frango via mercado.

  • 1
    Pode-se definir um indicador relativo da volatilidade como a variação percentual nas diferenças dos preços médios entre o período t e t-1. Ou seja, pt - pt-1 funcionam como uma medida da volatilidade dos preços. Assim, a volatilidade será definida como ((pt - pt-1)/ pt)*100 (Gráfico 2), ratificando que o insumo (frango vivo) é menos volátil que um dos primeiros produtos finais (frango congelado), havendo problema de informação e custo de governança no elo de distribuição e consumo da cadeia. Isso corrobora com o argumento de Barzel (2001) e Joskow (1993), discutido na seção anterior, no que se refere à questão de haver outros fatores determinantes da integração vertical, já que tal incerteza poderia ser um fator incisivo para Williamson direcionar a alteração da estrutura de governança para redução de tal incerteza.

REFERÊNCIAS

  • AZEVEDO, P. F. de. Integração vertical e barganha São Paulo, 1996. Tese (Doutorado em Economia) – Faculdade de Economia e Administração, Universidade de São Paulo.
  • BARZEL, Y. A measurement cost based theory of the firm Washington/ USA: mimeo – University of Washington, 2001.
  • HART, O. Firms contracts and financial structure Oxford/ USA: Clarendon Press, 1997.
  • INSTITUTO PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL. Análise da competitividade da cadeia agroindustrial de carne de frango no Estado do Paraná (relatório técnico). Curitiba: Ipardes/ IBQP/ Paraná Tecnologia, 2002.
  • IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas. IPEAdata. Disponível em <http://www.ipea.gov.br>. Acesso em: jun. 2004.
    » http://www.ipea.gov.br
  • JACOBIDES, M. G.; HITT, L. M. Losing sight of the forest for the trees? Productive capabilities and gains from trade as drivers of vertical scope. Working Paper WP 2004/04. London Business School, June, 2004.
  • KLEIN, B.; CRAWFORD,R.G.; ALCHIAN, A. A vertical integration, appropriable rents, and the competitive contracting process. The Jornal of Law & Economics, v. XXI, n. 2, out./dez. 1978.
  • JANK, Marcos Sawaya. Competitividade do agribusiness brasileiro: discussão teórica e evidências no sistema carnes. São Paulo, 1996. Tese (Doutorado em Economia) – Faculdade de Economia e Administração, Universidade de São Paulo.
  • JOSKOW, P. Asset specificity and the structure of vertical relationships: empirical evidence. IN: WILLIAMSON, O. E.; WINTER, S. G. (Org.). The nature of the firm: origins, evolution, and development. Oxford/ USA: Oxford University Press, 1993. p. 117-137.
  • LIBARDI, D.; SHOOR, H. Comercialização de frangos e derivados. In: MENDES, A. A.; NÄÄS, I. A.; MACARI, M. Produção de frangos de corte Campinas: FACTA, 2004.
  • MATOS, V. A. Estratégias empresariais no setor avícola: estudo comparativo de duas regiões produtoras. São Paulo, 1996. Tese (Doutorado em Economia) – Fundação Getúlio Vargas.
  • MAZALLI, L. O processo recente de reorganização agroindustrial: do complexo à organização em rede. São Paulo: Unesp, 2000.
  • MENARD, C. Cluster and hybrids, and other strange forms: the case of the french poultry industry. Journal of Institutional and theoretical economics, v. 152, 1996.
  • MENDES, A. A.; SALDANHA, É. S. P. B. A cadeia produtiva de carne de aves no Brasil. In: MENDES, A. A.; NÄÄS, I. A.; MACARI, M. Produção de frangos de corte Campinas: FACTA, 2004. p. 1 a 22.
  • MURIS, T.; SCHEFFMAN, D. T.; SPILLER, P. Strategy and transaction costs: the organization of distribuition in the carboneted soft drink industry. Journal of Economics & Management Strategy v. 1, n. 1, spring 1992.
  • PEREIRA, S. C. F.; CSILLAG, J. M. Cadeias de suprimentos: considerações sobre o modelo de gestão e de avaliação de desempenho de uma cadeia de frango de corte no Brasil. In: ENCONTRO NACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO (27, 2003: Atibaia, São Paulo). Anais.... Atibaia: ANPAD, 2003.
  • SILVA, C. L. da; ZANATTA, A. F. Competitividade e estruturas de governança na cadeia de valor: uma análise da avicultura de corte paranaense. In: VALLADARES, Angelise (Org.). Tecnologia de Gestão em sistemas produtivos Rio de Janeiro: Vozes, 2003.
  • UNIÃO BRASILEIRA DE AVICULTURA (UBA). Relatório Anual 2002. Brasília, 2002.
  • WILLIAMSON, O. E . Markets and hierarchies: analysis and antitrust implications. New York: Free Press, 1975.
  • ___ . The economic institutions of capitalism. The Free Press, New York, 1985.
  • ___ . Mechanisms of governance New York: Oxford University Press, 1996.
  • YIN, R. Estudo de caso: planejamento e método. São Paulo: Bookman, 1989.
  • ZYLBERSZTAJN, D. Economia das organizações. In: ZYLBERSZTAJN, Décio; NEVES, Marcos Fava. Economia e gestão de negócios agroalimentares: indústria de alimentos, indústria de insumos, produção agropecuária, distribuição. São Paulo: Pioneira, 2000.
  • ___ . Estruturas de governança e coordenação do agribusiness: uma aplicação da nova economia das instituições. São Paulo, 1995. Tese (Livre-docência) – Faculdade de Economia e Administração, Universidade de São Paulo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    2005

Histórico

  • Recebido
    19 Dez 2004
  • Aceito
    28 Jan 2005
Editora Mackenzie; Universidade Presbiteriana Mackenzie Rua da Consolação, 896, Edifício Rev. Modesto Carvalhosa, Térreo - Coordenação da RAM, Consolação - São Paulo - SP - Brasil - cep 01302-907 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista.adm@mackenzie.br