À BEIRA DO LEITO
MEDICINA FARMACÊUTICA
Como colaborar na implantação da farmacovigilância em nosso país?
Sonia Dainesi
Além da tradicional definição de farmacovigilância, que fala do acompanhamento dos eventos adversos a medicamentos após a sua colocação no mercado, e da também clássica referência ao caso da talidomida, na década de 60 do século passado, vale acrescentar que o desafio daqueles que trabalham nesta área é, na verdade, investigar e documentar, em termos epidemiológicos e socioeconômicos, se o perfil de segurança obtido nos estudos clínicos, em populações rigorosamente selecionadas, ainda é válido quando o medicamento é utilizado na prática clínica1.
Sistemas regulatórios eficientes e transparentes são inquestionavelmente necessários para proteger os pacientes, no que tange ao controle e acompanhamento dos medicamentos disponíveis no mercado. Entretanto, dada a complexidade do tema, a ativa participação de todos os profissionais de saúde é absolutamente essencial. Torna-se clara, por exemplo, a necessidade de uma cultura que encoraje a divulgação dos erros, falhas, eventos adversos, etc., em vez de escondê-los2. A grande importância que hoje têm as questões ligadas à farmacovigilância provavelmente reflete o que acontece no mundo de negócios como um todo. O Ato Sarbanes-Oxley, divulgado nos EUA, em 2002, recomenda os valores que devem nortear a governança corporativa: senso de justiça (fairness), transparência (disclosure), conformidade geral (compliance) e prestação responsável de contas (accountability), temas muito próximos à farmacovigilância3.
Algumas estratégias bem sucedidas estão já implementadas em quase todos os países, como o Relato Espontâneo de Suspeita de Reação Adversa. Ações complementares vêm sendo sugeridas e implementadas, como por exemplo, implantação dos hospitais-sentinela, busca e detecção precoce de sinais, monitoramento dos recolhimentos de medicamentos (recalls) nacionais e internacionais, revisão contínua da legislação e das bulas dos medicamentos comercializados, etc. No Brasil, a agência regulatória (ANVISA) vem trabalhando na implementação de todas essas estratégias e os resultados são reconhecidos por todos. Outras estratégias podem ser utilizadas para aumentar a notificação, tais como: ênfase na educação de residentes e jovens médicos, além dos próprios graduandos de medicina; introdução de links eletrônicos para facilitar o relato pela internet; adequado feedback aos relatores por meio de comunicações personalizadas ou boletins periódicos, etc.4
Finalmente, as pessoas são mais propensas a confiar e cooperar com determinados programas - independentemente de seus benefícios - se e/ou quando um processo "razoável" é seguido durante este percurso. O processo razoável responde a uma necessidade básica humana: todos nós, à parte nossos papéis, queremos ser valorizados como seres humanos e tratados com respeito à nossa inteligência. Queremos que nossas idéias sejam avaliadas seriamente. E certamente queremos entender o racional por trás de específicas decisões5. Três princípios devem servir como guia nessas situações: envolvimento (engagement), explicação (explanation) e clareza de objetivos (expectation clarity). Ressalta-se que um processo razoável não é obrigatoriamente uma decisão de consenso, nem um exercício de democracia. Ele persegue as melhores idéias, tendo surgido de um ou de muitos. Um processo razoável constrói confiança e comprometimento; estes, por sua vez, produzem cooperação voluntária e esta alavanca a performance, levando as pessoas além do seu dever, por meio da divisão de conhecimentos e da sua criatividade5. Estes princípios podem e devem ser aplicados quando da introdução ou reforço do tópico farmacovigilância, seja pelas agências regulatórias, pela indústria ou pela academia.
Somente contando com um processo "razoável" e com a colaboração de todos os profissionais de saúde, poder-se-á garantir a qualidade e a segurança dos medicamentos que utilizamos. "A eterna farmacovigilância é o preço da liberdade" é um lema que seguramente ajudaria a evitar a ocorrência de outros desastres como o caso da talidomida6.
Referências
1. Talbot JCC, Nilsson BS. Pharmacovigilance in the pharmaceutical industry. J Clin Pharmacol 1998, 45:427-31.
2. Peachey J. From pharmacovigilance to pharmacoperformance. Drug Safety 2002, 25:399-405.
3. Andrade A, Rossetti JP. Governança corporativa: Atlas; São Paulo; 2004.
4. Barnes J. Challenges for pharmacovigilance in the new millenium. Inpharma 1999; 1211: 20-1.
5. Kim WC, Mauborgne R. Fair process: managing in the knowledge economy. Harvard Business Review 1997; July-Aug, p. 65-75.
6. Routledge P. 150 Years of pharmacovigilance. Lancet 1998; 351: 1200-1.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
24 Ago 2005 -
Data do Fascículo
Ago 2005