Resumo
O índice de pobreza multidimensional (IPM) foi desenvolvido pelo Oxford Poverty & Human Development Initiative (Ophi) em 2010. O IPM é constituído com indicadores de saúde, educação e padrão de vida. O conceito de multidimensionalidade está ancorado na teoria da pobreza e desenvolvimento humano elaborada pelo economista indiano Amartya Sen na década de 80. A metodologia utilizada para a modelagem deste estudo baseia-se em Alkire e Foster — AF (2011) e analisa a incidência e a intensidade da pobreza. O objetivo deste trabalho centra-se na aplicação do IPM ao estado de Minas Gerais, Brasil, e utiliza a Pesquisa por Amostra de Domicílios produzida pela Fundação João Pinheiro (FJP) em 2009, 2011 e 2013. Os resultados indicam que o IPM é relativamente baixo, sendo 0,0329 (2009), 0,0226 (2011) e 0,0155 (2013), indicando que há uma tendência de redução ao longo dos anos.
Palavras-chave:
índice de pobreza multidimensional; incidência; intensidade; Minas Gerais; Brasil.
Abstract
The multidimensional poverty index (MPI) was developed by the Oxford Poverty & Human Development Initiative (Ophi) in 2010. The MPI is established on indicators of health, education and standard of living. The concept of multidimensionality is anchored on the theory of poverty and human development elaborated by the indian economist Amartya Sen in the 1980s. The methodology used for the modeling of this study is based on Alkire and Foster - AF (2011) and analyzes the incidence and intensity of poverty. The purpose of this paper focuses on the application of the MPI in the state of Minas Gerais, Brazil and uses the Household Sample Survey produced by João Pinheiro Foundation (FJP) in 2009, 2011 and 2013. The results indicate that the MPI is relativaly low, 0.0329 (2009), 0.0226 (2011) and 0.0155 (2013), indicating there is a tendency for decreasing along the years.
Keywords:
multidimensional poverty index; incidence; intensity; Minas Gerais; Brazil
Resumen
El índice de pobreza multidimensional (IPM) fue desarrollado por el Oxford Poverty & Human Development Initiatiave (Ophi) en 2010. El IPM es establecido con los indicadores de salud, educación y nivel de vida. El concepto de multidimensionalidad está anclado en la teoría de la pobreza y el desarrollo humano elaborada por el economista indio Amartya Sen, en la década de los 1980. La metodología utilizada para la modelaje deste estudio basase en Alkire y Foster - AF (2011) y analiza la incidencia y la intensidad de la pobreza. El propósito de este trabajo centrase en la aplicación del IPM en el estado de Minas Gerais, Brasil y utiliza la Encuesta de Hogares por Muestreo producida por la Fundación João Pinheiro (FJP) en 2009, 2011 y 2013. Los resultados indican que el IPM es relativamente bajo siendo 0.0329 (2009), 0.0226 (2011) y 0,0155 (2,013), lo que indica que hay una tendencia de disminución a lo largo de los años.
Palabras clave:
índice de pobreza multidimensional; incidencia; intensidad; Minas Gerais; Brazil
1. Introdução
A análise da pobreza a partir de uma perspectiva multidimensional é relevante no Brasil, uma vez que existem algumas políticas e programas relativamente bem-sucedidos direcionados à superação da pobreza, que são política e economicamente sustentáveis e não correm o risco de solução de continuidade.1 1 Na década de 1990, programas de transferência de renda foram implementados no Brasil e, em 1996, o primeiro programa já era difundido em todo o país. Em 2000 e 2001, foram criados os programas Vale Gás, Bolsa Escola, Bolsa Alimentação e Cartão Alimentação. Três anos depois, eles foram unificados no Programa Bolsa Família. Em 2011, foi lançado o programa federal Brasil sem Miséria, que incorporou o Bolsa Família. Do ponto de vista da renda, a pobreza entre as famílias participantes do programa foi erradicada. Para mais informações, acesse: <www.mds.gov.br/falemds/perguntas-frequentes/superacao-da-extrema-pobreza%20>. Realisticamente falando, entretanto, surgiram novos desafios que vão além dos objetivos da redução pragmática da pobreza: agora é crucial promover a mobilidade social dos estratos da população com baixos níveis socioeconômicos e trabalhar para a quebra da pobreza intergeracional. Assim, a medida unidimensional da pobreza, baseada apenas na renda, mostrou-se insuficiente para captar as diversas necessidades dos mais pobres, que emergem em várias dimensões, incluindo saúde, educação, emprego etc. De acordo com essa perspectiva, a configuração para medir a multidimensionalidade da pobreza tornou-se parte do escopo das políticas sociais no país, com a concomitante introdução de uma nova agenda de políticas sociais.
O programa Brasil sem Miséria (Brasil sem Miséria — 2011 a 2014 — 1o ciclo) adotou o conceito multidimensional de pobreza como estratégia para melhor compreender os objetivos propostos pelas políticas sociais e, assim, reabriu o debate sobre a necessidade de repensar os limites de programas sociais que combatem a pobreza. Nessa direção, os estados de São Paulo e Minas Gerais também começaram a utilizar esse novo conceito e, em particular, Minas Gerais aprofundou sua aplicação nas políticas incorporadas no Programa Travessia2 2 O Governo do Estado de Minas Gerais no Brasil estabeleceu um programa de redução da pobreza em todo o estado chamado Travessia, com foco na pobreza multidimensional e utiliza a medida de Alkire Foster. Até 2014, O Travessia implementou um índice de pobreza multidimensional (IPM) em 132 dos seus municípios. O objetivo do programa é “promover a inclusão social e econômica das populações mais pobres e vulneráveis por meio da articulação de políticas públicas territoriais”. Para mais informações, acesse: <www.ophi.org.uk/policy/national-policy/brazil-mpi/>. (2007-2014). O ressurgimento dessa abordagem em níveis nacional e subnacional e considerações sobre sua adaptabilidade requerem uma análise mais cuidadosa do conceito de pobreza multidimensional, a fim de alcançar resultados maximizados nesses novos programas sociais.
Esse artigo propõe uma análise inicial da pobreza e outros indicadores sociais na América Latina, no Brasil e no estado de Minas Gerais, destacando as mudanças relevantes na última década. O argumento é que, nos casos do Brasil e de Minas Gerais, essas mudanças ocorreram em um contexto de importante reestruturação do sistema de proteção social. O artigo apresenta uma breve revisão da conceituação e metodologia sobre a medição da pobreza multidimensional e uma análise empírica de um estudo de caso do estado de Minas Gerais com medição da incidência, intensidade e índice de pobreza multidimensional (IPM). Esse estudo inclui a modelagem de um IPM para 11 regiões administrativas do estado, bem como para áreas urbanas e rurais. Para atingir esses objetivos, o presente estudo utilizou a metodologia de modelagem baseada no IPM global proposto por Alkire e Foster (2011)ALKIRE, Sabina et al. Multidimensional poverty index 2011: brief methodological note. Oxford: Oxford Poverty and Human Development Initiative, 2011. Available at:<Available at:http://ophi.org.uk/wp-content/uploads/MPI_2011_Methodology_Note_4-11-2011_1500.pdf
>. Accessed on: 23 Nov. 2016.
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e os dados da Pesquisa por Amostra de Domicílios de 2009, 2011 e 2013 para o estado de Minas Gerais (PAD-MG).
2. O conceito de pobreza multidimensional
A questão da pobreza é um fenômeno amplamente discutido na literatura, mas reconhecer a pobreza como um fenômeno multidimensional é contra-hegemônico e inovador. A medição multidimensional expande o escopo das análises de pobreza e constitui um meio avançado e alternativo para medir e explicar a pobreza. Segundo Battiston e colaboradores (2009:2), diferentes perspectivas teóricas voltadas para o bem-estar dos indivíduos têm contribuído com abordagens distintas para a pobreza multidimensional:
Nos últimos anos, um consenso surgiu entre aqueles que estudam e fazem políticas relacionadas com o bem-estar de um indivíduo: a pobreza é melhor entendida como um fenômeno multidimensional. No entanto, as visões diferem entre os analistas em relação às dimensões relevantes e sua importância relativa. Os bem-estaristas enfatizam a existência de imperfeições de mercado ou incompletude e a falta de correlação perfeita entre dimensões relevantes de bem-estar (Atkinson, 2003; Bourguignon e Chakravarty, 2003; Duchos e Araar, 2006), que focalizam um único indicador da renda como pouco satisfatório. Os não bem-estaristas apontam para a necessidade de se afastar do espaço das utilidades para um espaço diferente e geralmente mais amplo, onde múltiplas dimensões são instrumentalmente e intrinsecamente importantes. Entre os não bem-estaristas, há duas vertentes principais: a abordagem das necessidades básicas e a abordagem da capacidade (Duclos e Araar, 2006). A primeira abordagem, baseada na teoria da justiça de Rawl, enfoca um conjunto de bens primários que são elementos constitutivos do bem-estar e considerados necessários para uma vida boa (Streetent et al., 1981). A segunda abordagem, defendida por Sen (1992), argumenta que o espaço relevante de bem-estar deve ser o conjunto de funções (ou resultados) que o indivíduo é capaz de alcançar. Esse conjunto é referido como o conjunto de recursos “refletindo a liberdade da pessoa de levar um tipo de vida ou outro” {Sen, 1992:40}.
Pode-se comparar a reconhecida tradição da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) como abordagem das necessidades básicas insatisfeitas (NBI) (Feres e Mancero, 2001FERES, Carlos; MANCERO, Xavier. Enfoques para la medición de la pobreza:breve revisión de la literatura. Santiago do Chile: Cepal, 2001. (Serie estudios estadísticos y prospectivos).) com a perspectiva atual de Alkire e Foster (2011)ALKIRE, Sabina et al. Multidimensional poverty index 2011: brief methodological note. Oxford: Oxford Poverty and Human Development Initiative, 2011. Available at:<Available at:http://ophi.org.uk/wp-content/uploads/MPI_2011_Methodology_Note_4-11-2011_1500.pdf
>. Accessed on: 23 Nov. 2016.
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que concebe o índice de pobreza multidimensional (IPM).
A NBI, de acordo com a teoria de Codes (2008)CODES, Luiza. A trajetória do pensamento científico sobre a pobreza: em direção a uma visão complexa. Brasília, DF: Ipea, 2008. (Textos para discussão, n. 1332)., é uma “abordagem multifacetada da pobreza” com quesitos de classificação bidimensional: i) o consumo do agregado familiar, tais como comida, abrigo, vestuário etc.; e ii) a prestação de serviços coletivos como saúde social, educação, transporte público, saneamento e acesso à cultura. A visão da NBI é um contraponto à perspectiva monetarista baseada apenas na renda insuficiente. Enquanto métodos baseados em renda ou consumo, individualizam o lar pobre de acordo com sua capacidade de adquirir todos os bens e serviços necessários para satisfazer suas necessidades básicas, por sua vez, o método da NBI define se o domicílio pode efetivamente atender a essas necessidades, pesquisando produtos realmente consumidos. Dessa forma, considera-se que uma unidade é pobre se não atinge o limiar correspondente às lacunas de necessidades básicas (Mideplan, 2002MIDEPLAN. Ministerio de Planificación y Cooperación Chile. Síntesis de los principales enfoques, métodos y estrategias para la superación de la pobreza. Santiago do Chile: Cepal/Eclac, 2002.).
O método de abordagem da NBI é uma transferência do conceito de pobreza de um indivíduo para a ideia de recursos mínimos para uso coletivo disponível nas comunidades locais em sua totalidade, ou, segundo Codes (2008)CODES, Luiza. A trajetória do pensamento científico sobre a pobreza: em direção a uma visão complexa. Brasília, DF: Ipea, 2008. (Textos para discussão, n. 1332)., “enfatiza os recursos mínimos exigidos pelas comunidades locais e não necessidades de sobrevivência e eficiência de indivíduos e famílias”. As limitações e complexidades de medição da pobreza multifacetada presentes na NBI encontram sua otimização no IPM, com uso do domicílio como única unidade de análise, e cria critérios de mensuração simplificados e parcimoniosos. O IPM baseia-se na visão de Amartya Sen (2000), que considera a pobreza um fenômeno multidimensional que afeta as pessoas de várias formas e sua mensuração deve observar diferentes privações dos indivíduos.
Nesse sentido, a visão de desenvolvimento humano e social amplia a análise do fenômeno da pobreza para produzir uma nova abordagem crítica e sensível à realidade social, constituindo uma inovação saudável, mas trazendo consigo desafios conceituais e empíricos com a indução de um novo cronograma direcionado para um amplo processo político e institucional de transformação social.
Esse artigo enfoca a análise de Sen (2000), baseada no conceito de pobreza binomial, e introduz parâmetros ancorados nos princípios de justiça social. Além disso, Sen trabalha com um novo conceito de bem-estar, indicando que a pobreza não está mais circunscrita aos meios e recursos que os indivíduos possuem, mas sim à liberdade de escolha do indivíduo em relação ao seu propósito na vida. O enfoque de Sen sobre a pobreza baseia-se em dois conceitos inter-relacionados: i) funcionamentos, que estão associados aos estados e ações que os indivíduos gostariam de adotar em suas vidas; e ii) capacidades, referem-se a se uma pessoa pode ou não exercer sua liberdade de escolha em relação aos diferentes caminhos da vida. Portanto, funções relevantes podem variar de coisas elementares, como ser adequadamente nutrido, possui boa saúde, viver sem o medo de contrair doenças evitáveis e de enfrentar a morte prematura, para realizações mais complexas, como ser feliz, possuir autoestima e participar da vida comunitária. Intimamente relacionado com o conceito de funcionamento está o conceito de capacidade de fazer escolhas. Isso representa as várias combinações de funções (estados e ações) que uma pessoa pode executar. A habilidade, portanto, é um conjunto de vetores de funcionamentos, refletindo a liberdade da pessoa para lidar com um tipo de vida ou outra. Assim, a perspectiva de uma abordagem multidimensional inovadora da pobreza, que enfoque os dilemas do consenso e a complexidade de como ela é medida, exige formas inovadoras de intervenção na política social. Isso leva à difícil questão sobre qual seria a melhor escolha a ser tomada em face da pobreza, considerando que a estratégia de mensuração é um modo interdependente de intervenção e requer a diversificação de políticas e programas para ampliar seu impacto.
A nova perspectiva da abordagem multidimensional da pobreza, dado o consenso dos dilemas e a complexidade de sua mensuração, exige formas inovadoras de intervenção das políticas sociais. No entanto, há um grande desafio: definir a melhor escolha pública para combater a pobreza, considerando que essa estratégia de mensuração é uma intervenção interdependente que demanda a diversificação de políticas e programas para uma expansão de impacto. Assim, é importante considerar a plasticidade da perspectiva multidimensional da pobreza, uma vez que requer um novo escopo de políticas públicas. O binômio opção-oportunidade induz uma reconfiguração das políticas públicas, com atenção especial às políticas inseridas na perspectiva social. Em outras palavras, existe uma demanda iminente associada à sua efetividade de que as políticas sociais incorporem as múltiplas dimensões do desenvolvimento: econômico, social, político, ambiental e cultural, para proporcionar aos indivíduos as condições de satisfação e bem-estar sustentável.
A análise da pobreza em uma visão multidimensional, contextualizada e customizada aos aspectos constituintes de cada sociedade com suas múltiplas dimensões estruturais, pode fornecer um modelo abrangente para a direção dos propósitos e objetivos das políticas públicas/sociais. Então, a questão principal é o papel estratégico da transição de um conceito unidimensional de pobreza, eminentemente econômico, adotado por várias organizações multilaterais e governos, para uma perspectiva multidimensional focada na estruturação das dimensões sociais da vida humana. Ou seja, em última análise, a configuração simples de um diagnóstico multidimensional da pobreza pode contribuir significativamente para (re)projetar o propósito das políticas sociais gerando uma mudança estrutural em seu alcance e abrangência, bem como alterando sua concepção de efetividade. Assim, há uma intenção latente, com essa nova conceituação da pobreza, de gerar impacto na (des)canonização das políticas sociais com superação dos seus pressupostos emergenciais para surgimento de uma nova ética embasada no desenvolvimento humano e sustentável.
Há como identificar essa evolução do pensamento social-institucional a partir dos anos 90, por meio do Relatório de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) que transfere o foco da análise da pobreza para o foco do desenvolvimento humano. Na visão do PNUD, o desenvolvimento humano é caracterizado pela expansão das escolhas do processo individual. A partir dessa perspectiva, o desenvolvimento humano é a expansão das escolhas, e na pobreza há uma negação de oportunidades elementares e de escolhas mais básicas que interferem na conquista de uma vida longa, saudável e criativa (PNUD, 2010PNUD. Human development report by Ophi presented the MPI of Brazil. Santiago del Chile: Regional Bureau for Latin American and the Caribbean, 2010.). Deve-se notar que a disseminação desse novo paradigma do conceito de pobreza tem sido progressivamente aceita no mundo e o uso de parâmetros conceituais e mensuráveis de pobreza multidimensional vem influenciando, cada vez mais, o desenho e a implementação de políticas sociais. Especialmente no Brasil e no contexto latino-americano, a expressão dessas tendências pode ser observada, principalmente, por meio da reconfiguração dos sistemas de proteção social.
3. Pobreza de renda na América Latina e no Brasil
No contexto da desigualdade econômica, a pobreza é produzida pela lógica da exploração econômica implementada pelo modo de produção capitalista, que cria condições estruturais para uma distribuição desigual da renda. O Brasil e os outros países da América Latina são afetados por uma dinâmica econômica estruturalmente injusta que concentra a riqueza nas mãos de poucas pessoas em detrimento da maioria da população.
Segundo a Cepal (Eclac, 2016ECLAC (CEPAL). Social panorama of Latin America. Santiago do Chile: Nacion Unidas, Division de Desarrollo Social, 2013. Available at: <Available at: http://www.eclac.org
>. Accessed on: 10 Dec. 2016.
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:13), a desigualdade é uma característica histórica e estrutural das sociedades latino-americanas e caribenhas que se manteve e se reproduziu mesmo em tempos de crescimento e prosperidade econômica:
Nos últimos anos, a desigualdade caiu em um contexto político em que os governos da região deram alta prioridade aos objetivos de desenvolvimento social e promoveram ativamente políticas redistributivas e inclusivas. Apesar desse progresso, ainda existem altos níveis de desigualdade, conspirando contra o desenvolvimento e colocando uma barreira considerável à erradicação da pobreza, à expansão da cidadania, ao exercício dos direitos e à governança democrática.
O progresso citado anteriormente foi impulsionado por uma melhora relativa na renda salarial entre os setores de renda mais baixa devido a políticas ativas, como a formalização do emprego e aumentos reais do salário mínimo, realizados em vários países.
Em específico, a magnitude da pobreza de renda na América Latina diminuiu, embora em ritmo mais lento do que o desejado, mais ainda com 27,9% (164 milhões) da população latino-americana vivendo na pobreza e 11,5% (68 milhões) na faixa de pobreza extrema em 2013 (gráfico 1).
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil possui uma área geográfica de 8.515.767 km2, com uma população de 201.032.714 milhões (estimativa de 2013) e um Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 2.523 trilhões (estimativa de 2014). O país é dividido em cinco regiões (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste), 27 estados e 5.570 municípios (figura 1).
Apesar da posição de renda privilegiada do Brasil em comparação com o mundo (cerca de 80% dos países do mundo têm renda per capita menor que a do Brasil), o país continua apresentando uma tendência de altos níveis de desigualdade em termos de distribuição de renda, bem como de pobreza. Assim, fica claro que o Brasil não é um país pobre, mas enfrenta o desafio histórico de lidar com o mal-estar da injustiça social, que exclui uma parcela significativa de sua população com acesso, apenas, a condições mínimas de vida.
O Brasil possui acentuada estratificação social entre seus estados. As áreas mais pobres são as regiões Norte e Nordeste, enquanto as regiões mais ricas estão localizadas no Sul e Sudeste. As últimas regiões detêm aproximadamente 45% do total da população do país e apresentam o menor percentual de pessoas pobres. Assim, é plausível dizer que existe uma considerável divisão social no Brasil, como mostra a figura 2, segundo a incidência da pobreza de renda (a proporção da população abaixo de US$ 1,25 por dia) e a razão do hiato da pobreza (intensidade de pobreza considerando a linha de pobreza de US$ 1,25 (PPP) por dia) para 2011.
Recentemente, o Brasil tem testemunhado mudanças nessa situação social como resultado de uma redução sistemática da pobreza extrema, como demonstrado na figura 3. Na última década, o governo incrementou políticas sociais focalizadas de combate à pobreza extrema e alcançou resultados importantes, mantendo-se assim bem abaixo das metas dos objetivos de desenvolvimento do milênio (ODMs).
Regiões brasileiras — proporção de pobres e intensidade da pobreza conforme a linha de pobreza de US$ 1,25 (PPP) por dia, 2011
Proporção da população (%) com renda domiciliar per capita abaixo da linha internacional da pobreza de US$ 1,25 PPP por dia
Além dos avanços significativos nas políticas sociais nas últimas décadas no país, também é importante destacar as contribuições dos aspectos macroeconômicos para a redução sistemática da pobreza e da desigualdade de renda. Por outro lado, essa política tem limitações, apesar de aumentar a renda da população mais vulnerável e contribuiu pouco para a melhoria da qualidade dos serviços públicos básicos, como saúde e educação, especialmente nas regiões mais carentes do país.
Desde que a economia brasileira foi estabilizada pelo Plano Real em 1994, observa-se uma tendência no país de redução das vulnerabilidades sociais com inclusão produtiva, apesar da ocorrência de crises econômicas cíclicas nesse período. No entanto, se por um lado houve estabilidade econômica e controle da inflação em relação ao período anterior de 1985 a 1993, por outro lado, ainda persistiram altos níveis de desemprego, baixas taxas de crescimento econômico, altas taxas de juros e até mesmo contratação de empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI) durante o período de governo (1995 a 2002).
O governo contribuiu diretamente para alcançar os ODMs com políticas sociais amplamente direcionadas para tais metas. Entre essas ações, pode-se citar o Programa Bolsa Família, um programa de transferência condicional de renda que atualmente beneficia 14 milhões de famílias brasileiras, combatendo, inequivocamente, a fome e a pobreza, e contribuindo para a melhoria do nível educacional e de saúde da população (especialmente mulheres grávidas e crianças). Outras medidas foram adotadas para alcançar os ODMs e os resultados foram positivos. Nesse período do novo governo (2003 a 2010), houve maior crescimento econômico, ampliação dos empregos formais com redução da informalidade, um aumento significativo do salário mínimo acima da inflação, bem como a retomada dos investimentos públicos por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e empresas estatais.
Tendências macroeconômicas, como o controle da inflação, as reduções das taxas de juros e a geração de empregos, associadas regularmente ao crescimento econômico, são fatores determinantes para o bem-estar e proteção social da população, especialmente para os estratos populacionais com baixos níveis socioeconômicos. No entanto, em períodos em que havia uma associação clara entre o crescimento econômico e as políticas de distribuição de renda, bem como a expansão da proteção social para os grupos populacionais mais vulneráveis, ocorreram ciclos virtuosos de queda da pobreza e desigualdade de renda no país. Nesse sentido, a geração de bem-estar contínuo e sistemático da população é cada vez mais interdependente do binômio desenvolvimento econômico/sistema de proteção social.
3.1 Indicadores sociais para o Brasil, a região Sudeste e o estado de Minas Gerais
Segundo o IBGE (2014)IBGE. Pesquisas sobre população. Brasília, DF: IBGE, 2014. Available at: <Available at: http://www.ibge.gov.br
>. Accessed on: 20 Nov. 2016.
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, Minas Gerais (figura 4) é o segundo estado mais populoso do Brasil (19.962.000 em 2011 e 20.590.000 na estimativa de 2013), tem o terceiro maior PIB do país (US$ 159.718 bilhões em 2012) e é o quarto maior estado por área (587.000 km2). Minas Gerais está localizada na região Sudeste do Brasil, que também contém os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo (figura 1). Faz fronteira com os estados da Bahia (norte), Goiás (noroeste), Mato Grosso do Sul (extremo oeste), São Paulo e Rio de Janeiro (sul) e Espírito Santo (leste). O estado possui 853 municípios divididos em 10 regiões administrativas, onde aproximadamente 80% dos municípios podem ser considerados de pequeno porte, com até 20 mil habitantes.
Numa perspectiva comparativa, existem desigualdades e semelhanças entre o Brasil, a região Sudeste e Minas Gerais (Ipea, 2011IPEA. A década inclusiva (2001-2011): desigualdade, pobreza e políticas de renda. Rio de Janeiro, 2012. (Comunicado do Ipea, n. 155).). Especificamente, a pobreza extrema vem diminuindo no Brasil e sua taxa agora está quase abaixo de 5%. A mortalidade infantil também se reduziu, mas as taxas continuam acima do padrão internacional recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A escolaridade média indica taxas abaixo da Argentina e do Chile3 3 A média de anos de estudo em 2010 no Chile e na Argentina, de acordo com <http://pt.db-city.com> (acesso em: 15 fev. 2018), foi de 9,8 e 9,4, respectivamente. na América Latina e abaixo do padrão internacional. Nos últimos anos, os níveis de desemprego caíram no Brasil, na região Sudeste e em Minas Gerais, com taxas inferiores a 10%. No caso do acesso a água potável e eletricidade, mostram-se próximo de 100% (quadro 1).
4. As transformações relevantes no sistema de proteção social do Brasil
Como resultado da promulgação da Constituição de 1988, o Brasil adotou um novo paradigma de políticas sociais baseadas em direitos sociais. Isso levou a uma mudança radical em relação à visão tradicional da assistência social estabelecida até aquele momento e à implementação de vários programas sociais com desenhos inovadores. Três décadas depois, podemos observar uma importante redução da pobreza e um impacto positivo nas desigualdades sociais. Cabe ressaltar que os resultados estão associados aos efeitos do crescimento econômico, ocorridos principalmente na última década.
O Sistema de Proteção Social no Brasil, sob a Constituição de 1988, vem expandindo sua cobertura para a população vulnerável por meio da criação de políticas e programas que visam promover uma maior inclusão social no país. No entanto, os critérios para medir a pobreza eram tradicionalmente restritivos e só levavam em conta aspectos financeiros, e uma abordagem multidimensional mais abrangente não se aplicava. A partir de 2011 em diante, por meio de Programas de Combate à Pobreza, o governo brasileiro adotou o princípio da pobreza multidimensional, reconfigurou os critérios de elegibilidade e triagem para acesso ao portfólio de programas sociais, conduzindo a novos desafios no desenho e implementação de políticas sociais. Na mesma direção e com base na contribuição dos programas de equidade social, o estado de Minas Gerais implementou uma série de iniciativas e inovações, complementando assim os programas federais. Consequentemente, adotou uma abordagem mais focada em questões sociais do estado. Assim, este estudo propõe contribuir analítica e metodologicamente para complementar as capacidades administrativas e gerenciais do governo nacional e do estado de Minas Gerais, bem como para a aplicação e divulgação do uso do IPM. O principal objetivo aqui é fornecer informações adicionais sobre o tema em questão, de modo a maximizar o impacto das políticas sociais que levem ao desenvolvimento humano e social sustentável das populações-alvo.
Atualmente, existem robustos esforços institucionais para a incorporação da análise multidimensional da pobreza com o objetivo de implementar políticas sociais integradas e intersetoriais. Recentemente, estudos emergentes de pobreza multidimensional produziram novas formas de análise e estabeleceram uma nova base para a intervenção integral, principalmente na área de extrema pobreza. Nessa direção, o governo federal lançou o Programa Brasil Sem Miséria4 4 Mais informações podem ser encontradas em: <www.mds.gov.br>. no final de 2011 e alguns estados, como Minas Gerais, adotaram essa estratégia por um período mais longo com o Programa Travessia.5 5 Mais informações podem ser encontradas em: <www.sedese.mg.gov.br> ou <www.scribd.com/doc/66796279/Caderno-Travessia>. Embora ambos os programas adotem a focalização na pobreza multidimensional, apenas o programa de Minas Gerais usa o IPM Global do Ophi/Universidade de Oxford/PNUD6 6 Em 2010, o Relatório de Desenvolvimento Humano do PNUD do Ophi apresentou o MPI do Brasil: <http://hdr.undp.org/en>. como uma estratégia para analisar a situação das populações pobres e definir quais tipos de programas sociais a serem adotados.
Esta estratégia visa a inclusão e promoção social dos pobres e, a partir de então, o IPM tornou-se um importante instrumento no desenvolvimento de políticas públicas voltadas à redução da pobreza no país e no estado. A premissa por trás do uso de um índice para diagnosticar a pobreza é que “está relacionada com várias outras variáveis econômicas e sociais e que, ao compreender essas relações e trajetórias, pode ser possível formular melhores políticas para reduzir a prevalência da pobreza” (Foster, 2007FOSTER, James. A report on Mexican multidimensional poverty measurement. Oxford: Oxford Poverty and Human Development Initiative , 2007. (Ophi Working Papers, n. 40). Available at: <Available at: http://www.ophi.org.uk>
. Accessed on: 15 Oct. 2016.
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:3).
5. Medição da pobreza multidimensional
Neste estudo, a incidência, intensidade e índice de pobreza multidimensional são medidos usando a metodologia de Alkire e Foster (2011). O método Alkire Foster (AF) é uma maneira de medir a pobreza multidimensional que leva em consideração os diferentes tipos de privação que os indivíduos podem experimentar ao mesmo tempo, como a falta de educação ou emprego, problemas de saúde e condições de vida. Esses perfis de privação são analisados para identificar quem é pobre e depois usados para construir um Índice de Pobreza Multidimensional (IPM).
A maneira mais comum de medir a pobreza é calcular a porcentagem da população que é pobre, conhecida como a taxa de incidência (H). Uma vez que essa população é identificada, o método AF gera uma classe única de medidas de pobreza (Mα) que vai além da simples taxa de incidência. Três medidas nessa classe são as mais relevantes:
-
Taxa de contagens per capita ajustada (M0), também conhecida como IPM: essa medida reflete a incidência da pobreza (a percentagem da população que é pobre) e a intensidade da pobreza (a percentagem de privações sofridas por cada pessoa ou agregado familiar, em média). M0 é calculado multiplicando a incidência (H) pela intensidade (A), M0 = H x A.
-
Diferença da pobreza ajustada (M1): essa medida reflete a incidência, intensidade e profundidade da pobreza. A profundidade da pobreza é a média do gap (G) entre o nível de privação que os pobres experimentam e o limite de pobreza, M1 = H x A x G.
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Diferença quadrática da pobreza ajustada (M2): essa medida reflete a incidência, intensidade e profundidade da pobreza, bem como a desigualdade entre os pobres (capturada pela diferença quadrática, S), M2 = H x A x S.
M0 pode ser calculado com dados ordinais e cardinais, e é por isso que é mais usado. Por sua vez, são necessários dados cardinais para calcular M1 e M2.7 7 Extraído de: <http://ophi.org.uk/research/multidimensional-poverty/alkire-foster-method/>. Acesso em: 15 fev. 2018 do método Alkire Foster.
Para atingir os objetivos propostos, usaremos a expertise para medir o IPM em vários países, inclusive o Brasil, que já foi desenvolvido e aplicado pelo OPHI. O objetivo deste trabalho será construir o IPM do estado de Minas Gerais, a fim de apresentar uma análise mais desagregada desse índice. Contará com a metodologia de Alkire e Foster (2011)ALKIRE, Sabina; SANTOS, M. Emma. Acute multidimensional poverty: a new index for developing countries. Oxford: Oxford Poverty and Human Development Initiative, 2011. (Ophi Working Papers, n. 38). Available at: <Available at: http://www.ophi.org.uk
>. Accessed on:10 Oct. 2016.
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e dados da Pesquisa por Amostra de Domicílios realizada pela Fundação João Pinheiro (FJP). Assim, a análise considerará o IPM desagregado por: i) regiões administrativas (Noroeste, Norte, Rio Doce, Zona da Mata, Triângulo Mineiro, Alto Paranaíba, Centro-Oeste, Jequitinhonha/Mucuri, Região Sul, Central e Metropolitana de Belo Horizonte;8
8
A estratificação geográfica adotada para o PAD-MG 2011 é essencialmente a mesma da edição de 2009. A Região Metropolitana de Belo Horizonte foi incluída na classificação geográfica das 10 regiões administrativas (totalizando 11 regiões).
e ii) áreas urbanas/rurais.
A metodologia para o cálculo da pobreza multidimensional é um meio de medir a pobreza, adicionando dados apropriados que são tanto cardinais como ordinais, o que é importante, uma vez que muitas variáveis relacionadas com a pobreza são de natureza ordinal. Essa metodologia se destaca devido a várias propriedades desejáveis em um índice de pobreza.
5.1 O corte da pobreza (identificação do pobre do IPM) 9 9 Extraído de: <www.ophi.org.uk/wp-content/uploads/MPI_2011_Methodology_Note_4-112011_1500.pdf?79d835 in 10/05/2014> do Multidimensional poverty index 2011: breve nota metodológica. Autores: Sabina Alkire, José Manuel Roche, Maria Emma Santos e Suman Seth.
Cada pessoa recebe uma pontuação de privação de acordo com suas privações nos indicadores do componente. O escore de privação para cada pessoa é calculado tomando uma soma ponderada das privações experimentadas, de modo que a pontuação de privação para cada pessoa fique entre 0 e 1. Em outras palavras, analisa-se se uma pessoa está entre 0% e 100%. Uma vez que isso é calculado, uma pessoa é identificada como pobre se ela for privada em x% dos indicadores ponderados. A pontuação aumenta à medida que aumenta o número de privações da pessoa. Além disso, a pontuação atinge o máximo de 1 quando a pessoa é privada em todos os 10 indicadores. Uma pessoa que não é privada em nenhum indicador recebe uma pontuação igual a 0. Formalmente:
onde I 1 = 1 se o domicílio é privado no indicador i e I 1 = 0 em caso contrário, e w i é o peso ligado ao indicador i com 10 10 Note que na notação desta nota metodológica, os pesos dos indicadores somam um. Isso difere da notação utilizada em Alkire e Foster (2011), onde os pesos dos indicadores somam o número total de indicadores considerados, denotados d. No entanto, a etapa de identificação aqui é equivalente ao documento original.
Um segundo ponto de corte ou limiar é usado para identificar os pobres multidimensionais, que na metodologia de Alkire-Foster é chamado de corte da pobreza. O limite de pobreza é a parcela de privações (ponderadas) que uma família deve ter para ser considerada pobre e a denotamos por k.11
11
Novamente, essa notação difere dos trabalhos de Alkire e Foster (2011), onde é definido como o número de privações que alguém deve experimentar para ser considerado pobre. A notação é consistente ao longo dessa nota metodológica e equivalente ao artigo original.
Alguém é considerado pobre se seu escore de privação for igual ou maior que o limite de pobreza, isto é, se c
i ≥ k. No IPM Global, uma pessoa é identificada como pobre se tiver uma pontuação de privação igual ou superior a 1/3. Em outras palavras, a privação de uma pessoa deve ser pelo menos um terço dos indicadores (ponderados) a serem considerados pobres em IPM.12
12
Os agregados familiares com uma pontuação de privação entre 1/5 e 1/3 são considerados “vulneráveis” devido à sua proximidade ao limite de pobreza.
Para aqueles cuja pontuação de privação está abaixo do limite de pobreza, mesmo que seja diferente de zero, sua pontuação é substituída por um “0” e quaisquer privações existentes não são consideradas nas “contagens per capita censuradas”. Referimo-nos a esse importante passo como censurar as privações dos não pobres (Alkire e Foster, 2011ALKIRE, Sabina; FOSTER, James. Counting and multidimensional poverty measurement. Journal of Public Economics, Oxford, v. 95, n. 7-8, p. 476-487, 2011., Alkire Foster e Santos, 2011ALKIRE, Sabina; SANTOS, M. Emma. Acute multidimensional poverty: a new index for developing countries. Oxford: Oxford Poverty and Human Development Initiative, 2011. (Ophi Working Papers, n. 38). Available at: <Available at: http://www.ophi.org.uk
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).
Para diferenciar o escore de privação original do censurado, usamos a notação c i (k) para o escore censurado de privação. Note que, quando c i ≥ k, então c i (k) = c i , mas se c i < k, então c i (k) = 0. c i (k) é a pontuação de privação dos pobres.
5.2 Calculando o IPM (agregação)
Seguindo a estrutura da medida de contagens per capita ajustada (Mo) de Alkire e Foster (2011)ALKIRE, Sabina; SANTOS, M. Emma. Brazil country briefing. Oxford: Oxford Poverty and Human Development Initiative, 2010. (Country Briefings, Brazil). Available at: <Available at: http://www.ophi.org.uk
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, o IPM combina duas informações-chave importantes: (1) a proporção ou incidência de pessoas (dentro de uma dada população), cuja parcela de privações ponderadas seja K ou mais e (2) a intensidade de sua privação, que se refere à proporção média de privações (ponderadas) que os indvíduos experimentam. Formalmente, o primeiro componente é chamado de taxa de contagens per capita multidimensional (H):
Aqui, q é o número de pessoas que são multidimensionais pobres e n é a população total. O segundo componente é chamado de intensidade (ou amplitude) da pobreza. É a pontuação média de privação de pessoas multidimensionalmente pobres e pode ser expressa como:
onde a pontuação de privação censurada do indivíduo i e q é o número de pessoas que são multidimensionalmente pobres.13 13 Note-se que a fórmula de A difere de Alkire e Foster (2011) porque não contém o número de indicadores em seu denominador. Isso porque já está incluído no escore de privação pois é uma soma ponderada das privações de cada pobre, onde os pesos dos indicadores somam 1. O IPM é o produto de ambos:
Outra característica atraente desse método é a possibilidade de criar índices de decomposição que são calculados de uma maneira específica. Por exemplo, dado que a pobreza é avaliada para cada indivíduo separadamente e depois adicionada é possível desagregar o índice por localização. Além disso, é possível desagregar esse número por áreas geográficas: estados, regiões, urbano/rural etc. Como resultado, podemos avaliar quantas pessoas são privadas, separadamente, nesse aspecto específico. Como Alkire e Santos (2011ALKIRE, Sabina; SANTOS, M. Emma. Acute multidimensional poverty: a new index for developing countries. Oxford: Oxford Poverty and Human Development Initiative, 2011. (Ophi Working Papers, n. 38). Available at: <Available at: http://www.ophi.org.uk
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:9) explicam, “a metodologia de Alkire e Foster não especifica dimensões, indicadores, execuções, pesos ou cortes sendo flexível e pode se adaptar a vários contextos. O IPM Global, em contraste, tem dimensões, indicadores, pesos e cortes específicos”.
5.3 Dimensões e indicadores
O IPM é baseado na perspectiva abordada por Amartya Sen (2000), que considera a pobreza um fenômeno multidimensional que afeta as pessoas de várias maneiras e que a medição da pobreza deve investigar as diferentes privações experimentadas pelos indivíduos. Assim, o IPM Global mede o fenômeno da pobreza de acordo com três dimensões: educação, saúde e padrão de vida e 10 indicadores, que são mostrados na figura 5. Cada dimensão é igualmente ponderada. Cada indicador dentro de uma dimensão é igualmente ponderada e esses pesos são mostrados entre parênteses no diagrama. Em outras palavras, esse índice apresenta uma capacidade analítica que “reflete as dificuldades das pessoas em serviços muito rudimentares e necessidades humanas básicas em 104 países” (Alkire e Santos, 2010ALKIRE, Sabina; SANTOS, M. Emma. Brazil country briefing. Oxford: Oxford Poverty and Human Development Initiative, 2010. (Country Briefings, Brazil). Available at: <Available at: http://www.ophi.org.uk
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:7) a partir de uma perspectiva comparada.
Essa metodologia revela-se interessante dadas sua flexibilidade e capacidade de adaptação a diferentes contextos culturais e nacionais. Por exemplo, o México, a Colômbia, o Butão e as Filipinas adotaram medidas multidimensionais oficiais de combate à pobreza e cada uma delas foi adaptada ao contexto cultural e político específico daqueles países. Também permite uma perspectiva comparada e análise que pode ser dividida em territórios ou regiões geográficas, a fim de indicar onde e por que a população é pobre. Permite a decomposição por indicadores e possui um método estatístico fácil e consistente, entre várias outras vantagens
5.4 Banco de dados e variáveis
Os dados utilizados para modelagem do IPM são extraídos da Pesquisa de Amostra de Domicílios para o estado de Minas Gerais produzida pela Fundação João Pinheiro e coletados para 2009, 2011 e 2013 em parceria com o Banco Mundial. O objetivo estratégico da produção de tal informação social é fortalecer o desenvolvimento social e econômico do estado. Nesse sentido, ter informações detalhadas sobre a população, bem como suas características, ações e posicionamentos no sistema de estratificação social e de mercado, torna-se crucial para o desenvolvimento, monitoramento e avaliação de políticas públicas que, por sua vez, contribui para uma melhora, cada vez mais, do processo de alocação de recursos públicos (Minas Gerais, 2009MINAS GERAIS . Pesquisa de amostra domiciliar do estado de Minas Gerais. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2009. Available at: <Available at: http://www.fjp.mg.gov.br
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). A amostra da pesquisa foi composta por 18 mil domicílios em 308 municípios de Minas Gerais e é representativa dos seguintes extratos: urbano versus rural; Região Metropolitana de Belo Horizonte versus número de áreas metropolitanas; Belo Horizonte versus outros municípios; regiões administrativas e mesorregiões. As informações foram distribuídas nas seções completas da ala: Seção A_ Domicílio; Seção B_ Perfil Residente; Seção C_ Educação; Seção D_ Saúde; Sessão E_ Trabalho; Seção F _ Rendimentos; Seção G_ Gastos Individuais; e Seção K_ Juventude.14
14
Mais informações podem ser encontradas em: <www.fjp.mg.gov.br/index.php/pesquisa-de-amostra-por-domicilios>.
A definição de dimensões, indicadores, critérios de privação e pesos atribuídos ao IPM para o estado de Minas Gerais é semelhante à metodologia adotada por Alkire e Foster (2011)ALKIRE, Sabina; SANTOS, M. Emma. Acute multidimensional poverty: a new index for developing countries. Oxford: Oxford Poverty and Human Development Initiative, 2011. (Ophi Working Papers, n. 38). Available at: <Available at: http://www.ophi.org.uk
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. Para este estudo, no entanto, alguns ajustes foram feitos em relação aos critérios e indicadores de privação (por exemplo, proxies), devido às características específicas do banco de dados ou à necessidade de adaptá-los ao padrão atual de privação encontrado na população mineira (quadro 2).
O cálculo do IPM simplifica e operacionaliza uma análise multifacetada da pobreza, uma vez que um agregado familiar é considerado pobre se seu conjunto de privações for igual ou superior a 33% do total.
A sistematização, o processamento e a análise de dados para a escolha de dimensões e indicadores são passos metodológicos importantes para a calibração adequada do IPM e foram realizados com o uso de softwares estatísticos como o SPSS e o Stata.
6. Resultados e discussão
A proposta inicial deste estudo é realizar uma análise do IPM no estado de Minas Gerais. Assim, seu objetivo é desenvolver um estudo desagregado da pobreza multidimensional em regiões e áreas urbanas/rurais. Minas Gerais possui 12 regiões administrativas de planejamento15 15 A região central inclui a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). No entanto, a RMBH foi separada na atual divisão de regiões administrativas e a PAD-MG (2009 e 2011) leva isso em consideração. Além disso, na estratificação amostral da PAD-MG, o Vale do Jequitinhonha e o Vale do Mucuri são analisados em conjunto. A combinação dessas duas regiões não é problemática, já que ambas possuem indicadores sociais semelhantes. onde o governo aplica políticas públicas de acordo com as demandas e necessidades da população. Entre essas regiões e nas áreas urbanas/rurais, existem diferenças sociais significativas. Assim, essas análises podem contribuir para o direcionamento de políticas sociais específicas.
Os principais resultados para 2009 indicam que a proporção da população pobre é de 8,33%, com uma intensidade significativa de 39,94%. Em outras palavras, Minas Gerais teve, de acordo com esses resultados, cerca de 1,65 milhão de pobres multidimensionais em 2009.16 16 O estudo escolheu 2010 como o ano de referência, uma vez que tinha uma medição mais precisa do que os dados estimados de 2009. Assim, a população residente do estado de Minas Gerais era de 19.853.322 milhões (IBGE, 2014).
O IPM de Minas Gerais (IPM_MG) observado na escala de 0 a 1 é de 0,032, ou 3,2%, o que é relativamente baixo (figura 6). Para 2011,17 17 Para 2011, a população de Minas foi de 19.962.000 milhões (IBGE, 2014): <http://pt.db-city.com/Pa%C3%ADs--M%C3%A9dia-de-anos-de-escolaridade>. os resultados são melhores, com uma incidência de 6,06%, com aproximadamente 1,21 milhão de pessoas (menos 440 mil pessoas que 2009), uma intensidade de 37,37%, e o IPM_MG é da ordem de 0,023 (2,3%). Para 2013 os resultados são ainda melhores, com uma incidência de 4,25%, intensidade de 36,42% e um IPM de 0,0155 (1,5%). Assim, há uma pobreza significativa em Minas Gerais, mas a tendência é de redução. No entanto, a mudança mais importante está na incidência (proporção), que interfere positivamente nos resultados do IPM. A intensidade da pobreza também diminuiu de 2009 para 2011, o que leva a uma melhoria adicional do IPM.
Para uma melhor calibração do IPM, é importante compreender a contribuição de cada dimensão e indicador na pobreza total. Assim, observamos na figura 7que os anos de escolaridade agregam cerca de 40% nos três anos de análise. Esse indicador é o que mais contribui para a pobreza multidimensional em Minas Gerais. A combinação dos dois indicadores relacionados com educação (anos de estudo e frequência escolar) contribui com mais da metade do IPM (53,5%, 56,62% e 61,56% em 2009, 2011 e 2013, respectivamente). Portanto, essas privações específicas ilustram a relevância das ações no campo da educação. Entre 2009 e 2011, a contribuição relativa do indicador Frequência Escolar e Acesso a Cuidados Médicos aumentou, enquanto os outros indicadores permaneceram praticamente estáveis ou mostraram uma ligeira redução. De 2011 a 2013, a contribuição relativa da Eletricidade apresentou um forte aumento e a contribuição relativa dos indicadores. Acesso a Cuidados Médicos e Combustível para cozinhar diminuiu consideravelmente, enquanto a contribuição relativa dos demais indicadores não apresentou variações expressivas.
A figura 8ilustra a desagregação da pobreza multidimensional por regiões administrativas em Minas Gerais. Os maiores índices de pobreza em 2009 se encontravam nas regiões do Rio Doce, Norte e Jequitinhonha/Vale do Mucuri. Para 2013, os maiores índices estão nas regiões Noroeste, Jequitinhonha/Vale do Mucuri, Central e Zona da Mata. No entanto, os resultados mostram uma redução sistemática e generalizada da pobreza multidimensional em Minas Gerais entre 2009 e 2013 em termos de incidência, intensidade e índice, corroborando a importante tendência de superação da extrema pobreza no estado.
A mudança do IPM_MG mostrada na figura 8é, principalmente, devido à redução na proporção de pobreza. A figura 9 mostra que, enquanto a intensidade (A) permanece praticamente inalterada, a proporção (H) diminui consideravelmente. Além disso, pode-se observar também (figura 11) que as regiões mais pobres tiveram as melhorias mais significativas, levando a um melhor resultado global e a uma menor discrepância entre as regiões administrativas no IPM de 2013.
Os resultados obtidos pela abordagem IPM são semelhantes aos encontrados no índice de desenvolvimento humano (IDH) de Minas Gerais. O estado é dividido entre regiões ricas e multidimensionalmente pobres. As visualizações espaciais dos resultados são mostradas na figura 10, captando os contrastes sociais entre regiões administrativas e destacando quais foram as principais mudanças alcançadas entre 2009 e 2013. Áreas com cores mais intensas representam as regiões com a situação mais crítica de pobreza multidimensional.
Claramente, os resultados desagregados do IPM mostram variações significativas entre a incidência, intensidade e índice de pobreza multidimensional indicando as regiões prioritárias e quais requerem uma melhor implementação de políticas sociais visando maximização dos resultados.
A figura 11ilustra a relação entre intensidade e incidência por regiões. Assim, é possível identificar a posição de cada região, bem como a mudança em suas posições de 2009 a 2013. Conforme observado anteriormente, há um menor grau de dispersão entre as regiões. O que mais se destaca é a mudança na região do Rio Doce, que reduziu significativamente a incidência e a intensidade. Outro aspecto que também se destaca, ainda que negativamente, são as regiões da Zona da Mata e do Triângulo Mineiro, que apresentaram uma mudança menos significativa do que as regiões mais pobres. Esses são bons exemplos que demonstram como a tendência da pobreza multidimensional pode se alterar rapidamente ao longo do tempo.
Estas transformações dependem da trajetória e do foco das políticas sociais. Um dos impactos mais importantes, em termos de incidência de redução multidimensional da pobreza, está relacionado com os efeitos dos programas de transferência de renda. Os programas de transferência de renda no Brasil e, consequentemente, em Minas Gerais estão focalizados nas regiões mais pobres, como o Rio Doce, e o impacto da distribuição em larga escala afeta diretamente essa população. Estima-se que, de 2001 a 2011, a renda dos 10% mais pobres aumentou 550% mais que a renda dos 10% mais ricos (Ipea, 2012IPEA. A década inclusiva (2001-2011): desigualdade, pobreza e políticas de renda. Rio de Janeiro, 2012. (Comunicado do Ipea, n. 155).). Esse cenário representa um progresso substancial em relação à desigualdade e atuou com um importante determinante da redução da pobreza no país, que se deveu, principalmente, à expansão das transferências de renda na área da assistência social, como o Bolsa Família. Esses programas são eficazes no combate à pobreza e à desigualdade porque contribuem para o acesso da população à educação e à saúde, e incentivam a qualificação profissional, resultando em maior acesso ao mercado de trabalho. Assim, juntamente com o crescimento econômico e outros fatores, como o aumento real do salário mínimo, os programas de transferência de renda vêm desempenhando um papel fundamental na luta contra a pobreza extrema (Campello e Neri, 2013CAMPELLO, Tereza; NERI, Marcelo. Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania. Rio de Janeiro: Ipea, 2013.).
Como mostra a figura 12, com a decomposição de indicadores e a identificação de sua contribuição relativa para a formação da pobreza multidimensional é possível identificar por regiões administrativas, quais áreas têm maior urgência e demanda por investimento público. Ao se decompor por regiões administrativas, a fim de identificar a contribuição relativa da região para o IPM, observa-se uma forte contribuição para o índice dos anos de escolaridade, seguido de frequência escolar e acesso aos cuidados médicos. Outro ponto relevante é que a contribuição relativa dos indicadores representa poucas mudanças entre as regiões, indicando que, na maioria dos casos, as regiões enfrentam desafios sociais semelhantes (figura 12). Ainda é importante destacar, que nas regiões mais pobres (por exemplo, Jequitinhonha/Mucuri e Norte), a participação relativa de serviços mais básicos, como esgoto (saneamento) e tratamento do lixo, é maior.
Inicialmente, há a necessidade de fortalecer as políticas sociais voltadas à educação, com ênfase na melhoria da frequência escolar, no desempenho acadêmico e na qualidade da educação. Posteriormente, investir em ações que melhorem o acesso aos cuidados de saúde e ao tratamento de resíduos resultaria em uma melhoria mais significativa da qualidade de vida da população em Minas Gerais. Esses desafios devem influenciar a concepção e implementação de políticas sociais, para que se tornem mais eficazes e inovadoras em termos de focalização nos problemas e contribuam para mudanças mais rápidas no bem-estar da população mais pobre.
Deve-se notar que o Programa Travessia (2007 a 2014), que se constituiu no programa mais relevante de Minas Gerais para promoção à inclusão social e produtiva da população pobre e socialmente vulnerável, foi orientado pelo IPM. A principal diferença do programa foi o projeto Porta a Porta, que utilizou o domicílio como unidade de análise e apontou as necessidades de cada família com identificação das privações em municípios e comunidades que seriam invisíveis à análise de outros indicadores. O Triângulo Mineiro, por exemplo, é considerado uma região com bom nível de desenvolvimento, mas também existem algumas cidades com níveis inaceitáveis de pobreza. Com esste projeto e o IPM, torna-se possível identificar privações nesses locais.
Em termos comparativos, a pobreza multidimensional tem características distintas e diferentes quando se olha para as áreas urbanas e rurais do estado. Todos os resultados são piores em áreas rurais do que em áreas urbanas (figura 13). Isso é compatível com outros indicadores e índices que reforçam a crença, já amplamente difundida, de que o fortalecimento das políticas governamentais nas áreas rurais é fundamental para a redução da pobreza.
O atual governo (2015 a 2018) vem demonstrando constante investimento e continuidade institucional em termos de políticas sociais de combate à pobreza. Nesse sentido, o Diagnóstico Multidimensional da Pobreza Rural aplicado, recentemente, a 229 municípios do estado de Minas Gerais com o objetivo de identificar a pobreza rural nos municípios dos territórios do norte, Mucuri, Alto, Médio e Baixo Jequitinhonha e Vale do Rio Doce contribuiu para a definição do público-alvo da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social (Sedese); bem como a elaboração do Plano de Desenvolvimento do Vale do Jequitinhonha (PDVJ) com foco nas áreas mais vulneráveis de Minas Gerais e superação dos níveis de privação da população residente. O objetivo do PDVJ é implementar estratégias e ações para orientar o Governo do Estado de Minas Gerais com vistas ao desenvolvimento dos territórios do Alto e Médio/Baixo Jequitinhonha. Essa região compreende 59 municípios, com uma população de 770 mil pessoas, 38% residentes em áreas rurais e uma economia correspondente a apenas 1,3% do PIB do estado.
Finalmente, é interessante desenvolver uma análise comparativa entre o estado de Minas Gerais e o Brasil em termos de índices unidimensionais (monetários) e multidimensionais. O padrão de análise longitudinal da situação de pobreza permite um diagnóstico em termos de sua evolução temporal. No entanto, deve-se notar que as diferenças entre os índices ocorrem devido ao uso de diferentes bases de dados, estando as informações disponíveis em anos diferentes para o Brasil e Minas Gerais; bem como ao uso de critérios distintos para a seleção de vários componentes dos índices e definições de níveis de cortes de pobreza, entre outros. Nesse sentido, o painel apresentado na figura 14 só cumpre a função de identificar tendências genéricas para melhorar a compreensão da situação recente da pobreza em níveis estadual e nacional.
Comparativamente, pode-se notar uma pequena diferença entre o Brasil e Minas Gerais em relação ao IPM e outras medidas de pobreza (figura 14). As medições nacionais datam de 2006 a 2013 e as de Minas Gerais datam de 2009 a 2013. O percentual do IPM no Brasil foi de 1,7% e 1,9% em 2006 e 2013, respectivamente. No entanto, em Minas Gerais, nos anos de 2009 e 2013, a medida do IPM foi de 3,2% e 1,55%, respectivamente. Assim, pode-se inferir que, em média, a pobreza multidimensional é mais pronunciada em Minas Gerais em comparação com o Brasil (exceção para 2013), mas está assumindo uma tendência de redução sistemática em contraste com o aumento de 2013 no país, principalmente devido à redução da proporção de pobres (H). Até certo ponto, isso poderia ser indicativo de um impacto maior das políticas que combatem a pobreza em Minas Gerais do que no Brasil.
Ao utilizar o índice unidimensional e monetário para fins de comparação, observa-se que em Minas há uma tendência de estabilidade da extrema pobreza (U$ 1,25 por dia) e significativa redução da pobreza (U$ 2,00 por dia) entre os anos de 2009 e 2011 (dados para 2013 não estão disponíveis), enquanto para o Brasil a redução e a relativa estabilidade da pobreza estão presentes no ano de 2012.
A partir da análise dos dados da pobreza unidimensional e multidimensional, pode-se inferir também que o estado de Minas Gerais está progredindo de forma mais significativa na redução da proporção de pobres sem alterar a condição dos extremamente pobres. Isso pode ser explicado pela relativa estabilidade do indicador de intensidade de pobreza multidimensional. Uma dedução interessante que pode ser extraída desses resultados poderia ser que as políticas sociais em Minas Gerais são eficazes, mas precisam ser mais focadas nos mais pobres.
Nos últimos anos analisados para o Brasil (unidimensional para 2012 e multidimensional para 2013), há uma tendência de aumento, tanto da pobreza extrema como da pobreza, com relativa estabilidade da intensidade da pobreza multidimensional, indicando um processo de agravamento da situação de pobreza da população brasileira.
7. Considerações finais
Dada esta visão geral, por que o governo deveria usar a medição multidimensional da pobreza? Em nossa opinião, o uso de uma análise multidimensional da pobreza é benéfico porque contribui para uma melhor implementação das políticas sociais focalizadas na população mais pobre e também transcende a abordagem limitada ao acesso, apenas, aos recursos financeiros. A identificação de cada dimensão e cada indicador de privação contribui para a elaboração de políticas sociais específicas por parte dos governos, que seriam mais eficientes na solução dos problemas destacados aqui. Por isso, a análise multidimensional da pobreza realizada no estado de Minas Gerais é uma importante estratégia para orientar a concepção e implementação de políticas sociais com maior probabilidade de alcance de resultados mais efetivos. Devido a uma compreensão mais abrangente da natureza multidimensional da pobreza e a subsequente identificação de territórios particularmente vulneráveis, o Estado poderia desenvolver políticas sociais focalizadas com melhor aplicação dos recursos públicos.
A expectativa é ampliar a estratégia de análise multidimensional da pobreza para os demais estados brasileiros, atingindo assim todo o território do Brasil. Nesse contexto, propõe-se o desenvolvimento de políticas sociais mais assertivas, com impacto efetivo nos indicadores de pobreza. Isto é, o enfrentamento da pobreza na perspectiva multidimensional implica necessariamente numa ampliação do espectro das políticas de enfrentamento da pobreza para além do aumento da renda, com a implementação de políticas de saúde, educação e acesso aos bens sociais (padrão de vida). Isso contribuiria para uma visão inovadora e flexível de combate à pobreza com uma pluralidade de intervenções em diferentes campos das condições socioeconômicas das populações vulneráveis.
Outro aspecto relevante da análise multidimensional da pobreza é a possibilidade de incorporar outras dimensões e indicadores ligados às diversas áreas sociais, como segurança, meio ambiente, moradia etc, que também contribuem para a situação de pobreza da população. Dessa forma, é viável e interessante costumizar a mensuração da pobreza multidimensional, possibilitando a construção de um diagnóstico situacional mais próximo da realidade social das populações vulneráveis. Até certo ponto, essa estratégia poderia contribuir para um uso mais eficaz dos escassos recursos financeiros dos estados e municípios mineiros e brasileiros. Além disso, pode-se avançar para análises de pobreza multidimensional por gênero, faixa etária, estratos sociais, entre outros, bem como para identificação das características de pobreza aguda ou crônica que transformam essa perspectiva analítica em um instrumento amplo e preciso para medir a pobreza.
Em suma, há uma série de alternativas para o uso dessa análise inovadora da pobreza que pode contribuir, em muito, para a implementação de políticas sociais mais eficazes. No entanto, os resultados aqui apresentados requerem uma análise mais precisa, juntamente com o debate público (participação social) sobre a escolha de dimensões e indicadores para medir os componentes da pobreza multidimensional. A partir do conhecimento adquirido em termos de participação social, particularmente com as considerações e crenças da sociedade sobre o conceito de pobreza multidimensional, seria possível obter uma definição mais clara da pobreza e uma medida mais próxima da realidade social.
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1
Na década de 1990, programas de transferência de renda foram implementados no Brasil e, em 1996, o primeiro programa já era difundido em todo o país. Em 2000 e 2001, foram criados os programas Vale Gás, Bolsa Escola, Bolsa Alimentação e Cartão Alimentação. Três anos depois, eles foram unificados no Programa Bolsa Família. Em 2011, foi lançado o programa federal Brasil sem Miséria, que incorporou o Bolsa Família. Do ponto de vista da renda, a pobreza entre as famílias participantes do programa foi erradicada. Para mais informações, acesse: <www.mds.gov.br/falemds/perguntas-frequentes/superacao-da-extrema-pobreza%20>.
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2
O Governo do Estado de Minas Gerais no Brasil estabeleceu um programa de redução da pobreza em todo o estado chamado Travessia, com foco na pobreza multidimensional e utiliza a medida de Alkire Foster. Até 2014, O Travessia implementou um índice de pobreza multidimensional (IPM) em 132 dos seus municípios. O objetivo do programa é “promover a inclusão social e econômica das populações mais pobres e vulneráveis por meio da articulação de políticas públicas territoriais”. Para mais informações, acesse: <www.ophi.org.uk/policy/national-policy/brazil-mpi/>.
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3
A média de anos de estudo em 2010 no Chile e na Argentina, de acordo com <http://pt.db-city.com> (acesso em: 15 fev. 2018), foi de 9,8 e 9,4, respectivamente.
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4
Mais informações podem ser encontradas em: <www.mds.gov.br>.
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5
Mais informações podem ser encontradas em: <www.sedese.mg.gov.br> ou <www.scribd.com/doc/66796279/Caderno-Travessia>.
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6
Em 2010, o Relatório de Desenvolvimento Humano do PNUD do Ophi apresentou o MPI do Brasil: <http://hdr.undp.org/en>.
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7
Extraído de: <http://ophi.org.uk/research/multidimensional-poverty/alkire-foster-method/>. Acesso em: 15 fev. 2018 do método Alkire Foster.
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8
A estratificação geográfica adotada para o PAD-MG 2011 é essencialmente a mesma da edição de 2009. A Região Metropolitana de Belo Horizonte foi incluída na classificação geográfica das 10 regiões administrativas (totalizando 11 regiões).
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9
Extraído de: <www.ophi.org.uk/wp-content/uploads/MPI_2011_Methodology_Note_4-112011_1500.pdf?79d835 in 10/05/2014> do Multidimensional poverty index 2011: breve nota metodológica. Autores: Sabina Alkire, José Manuel Roche, Maria Emma Santos e Suman Seth.
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10
Note que na notação desta nota metodológica, os pesos dos indicadores somam um. Isso difere da notação utilizada em Alkire e Foster (2011), onde os pesos dos indicadores somam o número total de indicadores considerados, denotados d. No entanto, a etapa de identificação aqui é equivalente ao documento original.
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11
Novamente, essa notação difere dos trabalhos de Alkire e Foster (2011), onde é definido como o número de privações que alguém deve experimentar para ser considerado pobre. A notação é consistente ao longo dessa nota metodológica e equivalente ao artigo original.
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12
Os agregados familiares com uma pontuação de privação entre 1/5 e 1/3 são considerados “vulneráveis” devido à sua proximidade ao limite de pobreza.
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13
Note-se que a fórmula de A difere de Alkire e Foster (2011) porque não contém o número de indicadores em seu denominador. Isso porque já está incluído no escore de privação pois é uma soma ponderada das privações de cada pobre, onde os pesos dos indicadores somam 1.
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14
Mais informações podem ser encontradas em: <www.fjp.mg.gov.br/index.php/pesquisa-de-amostra-por-domicilios>.
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15
A região central inclui a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). No entanto, a RMBH foi separada na atual divisão de regiões administrativas e a PAD-MG (2009 e 2011) leva isso em consideração. Além disso, na estratificação amostral da PAD-MG, o Vale do Jequitinhonha e o Vale do Mucuri são analisados em conjunto. A combinação dessas duas regiões não é problemática, já que ambas possuem indicadores sociais semelhantes.
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16
O estudo escolheu 2010 como o ano de referência, uma vez que tinha uma medição mais precisa do que os dados estimados de 2009. Assim, a população residente do estado de Minas Gerais era de 19.853.322 milhões (IBGE, 2014).
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17
Para 2011, a população de Minas foi de 19.962.000 milhões (IBGE, 2014): <http://pt.db-city.com/Pa%C3%ADs--M%C3%A9dia-de-anos-de-escolaridade>.
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38
{Versão traduzida}
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
May-Jun 2018
Histórico
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Recebido
25 Set 2015 -
Aceito
06 Abr 2018