Open-access Complicações dos transplantes pulmonares na tomografia computadorizada: ensaio iconográfico

Resumo

Transplantes pulmonares são procedimentos progressivamente mais realizados em todo o mundo como opção para tratamento de doenças pulmonares em estágio terminal. Apesar dos avanços laboratoriais, da técnica cirúrgica e da seleção de doadores e receptores, a mortalidade nesses procedimentos ainda é significativa, em razão de complicações típicas dos pacientes transplantados. Este trabalho consiste em uma revisão da literatura acerca do tema, ilustrando as complicações abordadas por meio de imagens de tomografia computadorizada.

Unitermos:
Transplante de pulmão; Complicações pós-operatórias; Tomografia computadorizada multidetectores.

Abstract

Lung transplantation is becoming increasingly more common as an alternative treatment for end-stage lung disease. Despite advances in laboratory testing, surgical technique, and donor/recipient selection, lung transplantation is still associated with significant mortality, due to postoperative complications. This paper consists of a brief review of postoperative complications in lung transplant recipients, illustrating those complications with computed tomography images.

Keywords:
Lung transplantation; Postoperative complications; Multidetector computed tomography.

INTRODUÇÃO

O transplante pulmonar (TP) começou a ser realizado com sucesso a partir da década de 80, atualmente permitindo maior sobrevivência e qualidade de vida para portadores de variadas doenças pulmonares crônicas em estágio terminal(1,2). No Brasil, os TPs são realizados por seis equipes localizadas em três Estados da federação (São Paulo, Rio Grande do Sul e Ceará), tendo ocorrido um aumento de 50% no número de procedimentos entre 2013 e 2018(3).

O TP bilateral e por técnica sequencial, atualmente, é mais realizado que o transplante unilateral, em razão de melhores taxas de sobrevivência(1,4). Entretanto, a mortalidade cresce ao longo do tempo após o procedimento, nos primeiros seis meses por complicações infecciosas, e após esse período por disfunção crônica do enxerto (DCE)(1,5-8).

Apesar dos avanços das técnicas cirúrgicas e dos tratamentos imunossupressores, as complicações ainda são frequentes e, por isso, os pacientes submetidos a TP necessitam de seguimento clínico periódico, incluindo a realização de exames de função pulmonar e de imagem(4). Os achados dos exames de imagem são o objeto de estudo deste ensaio, organizados conforme a ordem temporal costumeira de aparecimento em achados imediatos (nas primeiras 24 horas), intermediários (após as primeiras 24 horas e até dois meses após) e tardios (após dois meses do procedimento).

COMPLICAÇÕES IMEDIATAS (PRIMEIRAS 24 HORAS)

Figuram entre as complicações imediatas dos TPs a formação de coleções pleurais agudas (pneumotórax, hemotórax, derrame pleural e empiema), a rejeição hiperaguda e a incompatibilidade de tamanho entre o doador e o receptor(1).

As complicações pleurais são muito frequentes no pós- operatório, sendo o derrame pleural encontrado em praticamente todos os pacientes (Figura 1A), tendendo a resolução em cerca de duas semanas. Sua transformação em empiema deve ser suspeitada caso a coleção persista por mais de um mês(1,4). O pneumotórax também figura entre as complicações pleurais mais comuns(1,2,4,5) (Figura 1B).

Figura 1
Complicações pleurais agudas após o TP. A: Moderado derrame pleural bilateral (setas). B: Pneumotórax bilateral (cabeças de setas).

A rejeição hiperaguda é uma reação imunomediada fulminante aos antígenos presentes no enxerto pulmonar. Nos tempos atuais, essa condição é rara graças aos avanços nas testagens pré-transplante, entretanto, sua ocorrência determina alta letalidade. Na imagem, a rejeição hiperaguda se manifesta como opacidades pulmonares difusas e sinais de edema pulmonar(6).

A respeito da incompatibilidade de tamanho entre o doador e o receptor, sabe-se que a utilização tanto de pulmões muito grandes quanto muito pequenos para o receptor pode comprometer os resultados após o procedimento, no primeiro caso determinando restrição ventilatória, e no último, persistência de coleções pleurais e hiperinsuflação pulmonar(1,2,4,5).

COMPLICAÇÕES INTERMEDIÁRIAS (APÓS AS PRIMEIRAS 24 HORAS ATÉ DOIS MESES APÓS O PROCEDIMENTO)

A disfunção primária do enxerto - termo que hoje substitui as nomenclaturas de edema de isquemia-reperfusão e resposta de reimplantação - consiste em uma apresentação de hipóxia e opacidades pulmonares sem origem cardiogênica após as primeiras 24 horas do TP, com pico em 72 horas e tendência a se resolver espontaneamente após o 10º dia(1,4,6). Observam-se espessamento de septos interlobulares e opacidades parenquimatosas peri-hilares distribuídas preferencialmente nos campos pulmonares inferiores. A persistência desse achado após o tempo esperado de resolução espontânea e/ou melhora radiológica expressiva com o uso de corticoides devem levantar a possibilidade de rejeição aguda(6).

Entre as complicações intermediárias do TP, é necessária atenção especial para a detecção de infecções pulmonares, principal causa de mortalidade dos pacientes nesse período (Figura 2)(1). Os pacientes submetidos a TP são mais suscetíveis ao desenvolvimento de pneumonias no enxerto pulmonar por diversos fatores, como o comprometimento do reflexo de tosse, da função mucociliar e da drenagem linfática no pós-operatório, além do próprio contexto de imunossupressão(1,2,7). Mais da metade das infecções pulmonares pós-transplante é de origem bacteriana (especialmente Staphylococcus aureus e Pseudomonas aeruginosa), todavia, outros patógenos também são relevantes, como os virais (citomegalovírus) e os fúngicos (Aspergillus sp.)(1,4,7). As manifestações de imagem dessas infecções são variadas, não sendo geralmente possível determinar, apenas pela tomografia computadorizada (TC), o patógeno responsável neste grupo de pacientes(8). Vale reforçar que as complicações infecciosas não estão restritas ao período intermediário, muitas vezes se estendendo ao período tardio, sendo as infecções virais as mais prevalentes, principalmente decorridos seis meses. Outros patógenos, como as micobacterioses atípicas, também podem ser encontradas de forma mais rara no período tardio(8,9).

Figura 2
Pneumonia no pós-operatório de TP. TC demonstra múltiplos focos de consolidação com broncogramas aéreos nos lobos inferiores (círculos).

Deiscência brônquica é outra complicação que se manifesta nesse período intermediário após o TP e afeta até 10% dos pacientes transplantados(7). Embora o padrão ouro para seu diagnóstico seja por broncoscopia, os exames de imagem podem sugerir indiretamente a ocorrência de deiscência ao demonstrarem um novo ou persistente pneumotórax, ou ainda sinais de pneumomediastino e enfisema subcutâneo (Figura 3)(5,7).

Figura 3
Sinais de vazamento de ar pós-transplante na TC. A: Enfisema da parede torácica à esquerda (setas). B: Pequeno pneumotórax bilateral (setas). C: Pequeno pneumomediastino (círculo). D: Deiscência brônquica (setas indicam a descontinuidade da parede brônquica).

O tromboembolismo pulmonar, por sua vez, ainda é uma complicação comum, muitas vezes associada a trombose venosa profunda(7). A angiografia por TC (angio-TC) do tórax auxilia no diagnóstico desses casos, permitindo a identificação de falhas de enchimento e aumentos de calibre das artérias pulmonares, além de alterações secundárias ao infarto parenquimatoso (Figura 4)(1,4,7).

Figura 4
Tromboembolismo pulmonar. Falhas de enchimento na artéria pulmonar direita (círculos).

COMPLICAÇÕES TARDIAS (APÓS DOIS MESES DO PROCEDIMENTO)

Entre as complicações tardias pode ser observada a formação de estenoses brônquicas e vasculares nos locais de anastomose do enxerto.

A estenose brônquica é definida como o estreitamento fixo da luz brônquica e é a complicação de vias aéreas mais comum entre os pacientes transplantados, presente em até 24% dos casos (Figura 5A)(2,4,5,7). Fatores que podem aumentar o risco do desenvolvimento de estenoses são a ocorrência de infecções ou de rejeição do enxerto, bem como a técnica de anastomose brônquica utilizada(4,7).

Figura 5
Estenoses brônquicas e vasculares. A: Reconstrução coronal de TC em projeção de intensidade mínima mostra estreitamento focal no brônquio principal esquerdo e na origem do brônquio superior esquerdo (setas). B: Angio-TC de tórax demonstra leves estenoses focais nas artérias pulmonares (setas).

As estenoses vasculares, por sua vez, menos frequentes, podem determinar hipertensão arterial e hipoxemia persistente por envolvimento das artérias pulmonares(7). A angio-TC de tórax pode auxiliar no estabelecimento desse diagnóstico, permitindo a identificação do ponto de estreitamento e/ou tortuosidade arterial (Figura 5B)(4,7).

A complicação tardia que mais impacta na sobrevivência a longo prazo após TP é a DCE, termo que abriga os fenótipos de síndrome de bronquiolite obliterante (SBO) e síndrome restritiva do enxerto (SRE)(10). O diagnóstico da DCE consiste fundamentalmente na detecção de redução irreversível do volume expiratório forçado no 1º segundo em mais de 20% em relação ao valor de base do paciente, e seu desenvolvimento está relacionado ao desequilíbrio entre respostas autoimunes, inflamatórias e processos de reparo tecidual(10). A SBO é a forma mais comum de DCE, presente em quase 50% dos pacientes cinco anos após o TP, manifestando-se na TC conforme a gravidade do quadro, desde exames inicialmente normais, progredindo com a demonstração de áreas de aprisionamento aéreo (Figura 6). Já a SRE tem pior prognóstico e sua característica mais marcante é a distorção arquitetural, notadamente nos lobos superiores(7,10). Também é digno de nota a disfunção do enxerto reversível com terapia com azitromicina, cuja aparência tomográfica é semelhante à SBO, mas sua reversibilidade ao uso do medicamento levanta debate na literatura quanto à sua inclusão no espectro de DCE(7,10).

Figura 6
Disfunção crônica do enxerto após cinco anos de TP. Na fase inspiratória, o exame parece normal, mas no estudo expiratório, notam-se sinais de aprisionamento aéreo predominante nos campos pulmonares superiores.

A pneumonia em organização, por sua vez, pode estar associada ou não à DCE em até quase 30% dos pacientes e exibindo padrão tomográfico semelhante aos pacientes não transplantados(1).

Merece atenção, ainda, o desenvolvimento de malignidades como complicação tardia dos TPs, uma vez que o próprio estado de imunossupressão do paciente aumenta o risco de desenvolvimento de neoplasias(11). A doença linfoproliferativa pós-transplante (DLPT) é a mais referida malignidade, muitas vezes relacionada a infecção pelo vírus Epstein-Barr, e o risco relativo de seu desenvolvimento no contexto dos TPs é de 58,6(11,12). A literatura reporta quadros precoces de DLPT até cerca de um mês após a realização do transplante, podendo se expressar como múltiplos nódulos pulmonares, consolidações, espessamento de septos interlobulares, derrames pleurais e linfonodomegalias mediastinais(1,2). A tomografia por emissão de pósitrons associada a TC com fluordesoxiglicose-18 tem sensibilidade de 85% e especificidade de 90% para o diagnóstico da doença (Figura 7)(13). Todavia, as malignidades pós-transplante não se restringem à DLPT, sendo também reportada maior incidência de cânceres de pele (especialmente dos tipos não melanoma) e de outros órgãos - mormente do pulmão e do trato gastrointestinal(11,14) - entre os pacientes submetidos a TP.

Figura 7
DLPT. A: TC demonstra opacidades parenquimatosas arredondadas esparsas com broncogramas aéreos de permeio (círculos). B,C: PET/CT demonstra captação de FGD-18 pelas lesões pulmonares, bem como por linfonodomegalia paratraqueal direita (cabeça de seta).

É importante frisar que a recorrência da doença primária pulmonar que motivou o transplante pode ser observada entre os pacientes transplantados em qualquer período pós-procedimento(1).

CONCLUSÃO

As complicações relacionadas aos TPs acometem os pacientes em momentos distintos da vida após o transplante. Enquanto as coleções pleurais e a rejeição aguda, por exemplo, manifestam-se imediatamente ao procedimento, complicações vasculares e das vias aéreas surgem entre os períodos intermediários e tardios após o TP, juntamente com as infecções respiratórias e recidiva da doença pulmonar primária. A DCE e as malignidades, por sua vez, são mais típicas do período tardio. Essa evolução temporal das complicações está resumida na Figura 8.

Figura 8
Resumo das principais complicações pós-operatórias dos TPs ao longo do tempo.

Considerando o progressivo aumento da realização de TP em nosso meio, o conhecimento de suas complicações pelo radiologista contribui para o diagnóstico precoce de agravos e para a redução da mortalidade pós-operatória.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2023

Histórico

  • Recebido
    22 Nov 2021
  • Aceito
    21 Fev 2022
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