Acessibilidade / Reportar erro

Cateterização venosa central guiada por ultrassom - abordagem "Syringe-Free"

Resumo

Justificativa e objetivos:

A cateterização venosa central da veia jugular interna é um procedimento invasivo feito frequentemente e associado a morbilidade significativa e até mesmo mortalidade. Os métodos guiados por ultrassonografia têm demonstrado uma melhoria do sucesso desse procedimento e são recomendados por várias sociedades científicas, incluindo a American Society of Anesthesiologists. O objetivo deste artigo é descrever uma abordagem inovadora de cateterização venosa central guiada por ultrassonografia no nível da veia jugular interna.

Técnica:

Os autores descrevem técnica ecoguiada inovadora de cateterização venosa central da veia jugular interna, baseada numa abordagem oblíqua - a abordagem Syringe-Free. Essa técnica permite uma progressão imediata do fio-guia ao longo do lúmen venoso e manter uma visualização ecográfica em tempo real e contínua.

Conclusões:

A técnica descrita acrescenta à técnica oblíqua tradicional a possibilidade de, com um único operador, conseguir uma punção venosa central com visualização ecográfica contínua e em tempo real associada à inserção do fio-guia sem necessidade de afastamento do transdutor de ultrassonografia do campo de punção.

PALAVRAS-CHAVE
Ultrassonografia; Intervenção; Veias jugulares; Cateterização; Veia central; Canulação da veia jugular interna; Abordagem oblíqua

Abstract

Background and objectives:

Central venous catheterization of the internal jugular vein is a commonly performed invasive procedure associated with a significant morbidity and even mortality. Ultrasound-guided methods have shown to improve significantly the success of the technique and are recommended by various scientific societies, including the American Society of Anesthesiologists. The aim of this report is to describe an innovative ultrasound-guided central line placement of the internal jugular vein.

Technique:

The authors describe an innovative ultrasound-guided central line placement of the internal jugular vein based on an oblique approach - the "Syringe-Free" approach. This technique allows immediate progression of the guide wire in the venous lumen, while maintaining a real-time continuous ultrasound image.

Conclusions:

The described method adds to the traditional oblique technique the possibility of achieving a continuous real-time ultrasound-guided venipuncture and a guide wire insertion that does not need removing the probe from the puncture field, while having a single operator performing the whole procedure.

KEYWORDS
Ultrasonography; Interventional; Jugular veins; Catheterization; Central venous; Internal jugular vein cannulation; Oblique view

Introdução

A inserção de cateter venoso central (CVC) é um procedimento invasivo comumente feito não apenas em anestesiologia, mas também em várias especialidades, que variam da oncologia à emergência médica.11 Lennon M, Zaw NN, Popping DM, et al. Procedural complications of central venous catheter insertion. Minerva Anestesiol. 2012;78:1234-40.

A técnica tradicional de referência anatômica para a colocação de cateter venoso central, embora valiosa, tem sido associada a uma série de complicações relacionadas ao procedimento, tais como punção ou canulação arterial, lesão venosa, pneumotórax e hemotórax.22 Bowdle A. Vascular complications of central venous catheter placement: evidence-based methods for prevention and treatment. J Cardiothorac Vasc Anesth. 2014;28:358-68.,33 Wu S, Ling Q, Cao L, Wang J, Xu M, Zeng W. Real-time two-dimensional ultrasound guidance for central venous cannulation. Anesthesiology. 2013;118:361-75. Comparativamente, os métodos guiados por ultrassom têm mostrado algumas vantagens; por exemplo, redução do número de punção ou canulação arterial acidental, menor incidência de pneumotórax, taxas mais altas de sucesso e relações custo-benefício favoráveis.11 Lennon M, Zaw NN, Popping DM, et al. Procedural complications of central venous catheter insertion. Minerva Anestesiol. 2012;78:1234-40.,44 Yoshida H, Kushikata T, Kitayama M, et al. Time-consumption risk of real-time ultrasound-guided internal jugular vein cannulation in pediatric patients: comparison with two conventional techniques. J Anesth. 2010;24:653-5.

5 Calvert N, Hind D, McWilliams RG, et al. The effectiveness and cost-effectiveness of ultrasound locating devices for central venous access: a systematic review and economic evaluation. Health Technol Assess. 2003;7:1-84.
-66 Rupp SM, Apfelbaum JL, Blitt C, et al. Practice guidelines for central venous access: a report by American Society of Anesthesiologists Task Force on Central Venous Access. Anesthesiology. 2012;116:539-73. Seu uso é, portanto, recomendado por diversas sociedades científicas, incluindo a Sociedade Americana de Anestesiologistas.66 Rupp SM, Apfelbaum JL, Blitt C, et al. Practice guidelines for central venous access: a report by American Society of Anesthesiologists Task Force on Central Venous Access. Anesthesiology. 2012;116:539-73.

7 Lamperti M, Bodenham AR, Pittiruti M, et al. International evidence-based recommendations on ultrasound-guided vascular access. Intensive Care Med. 2012;38:1105-17.

8 National Institute for Health and Clinical Excellence. The clinical effectiveness and cost effectiveness of ultrasound locating devices for the placement of central venous lines. Technology appraisal report 49; 2002. Available at: http://www.nice.org.uk/TA49
http://www.nice.org.uk/TA49...
-99 Troianos CA, Hartman GS, Glas KE, et al. Special articles: guidelines for performing ultrasound guided vascular cannulation: recommendations of the American Society of Echocardiography and the Society of Cardiovascular Anesthesiologists. Anesth Analg. 2012;114:46-72.

Entre os anestesiologistas, o local selecionado com mais frequência para o acesso central é a veia jugular interna (VJI). As técnicas descritas incluem as abordagens ultrassonográficas transversais e longitudinais tradicionais, bem como a abordagem oblíqua opcional,1010 Rose JS, Bair AE. Vascular access. In: Ma OJ, Mateer JR, editors. Emergency ultrasound. 1st ed. New York: McGraw-Hill Professional; 2002. p. 349-60.

11 Weiner MM, Gerald P, Mittnacht AJ. Ultrasound-guided vascular access: a comprehensive review. J Cardiothorac Vasc Anesth. 2013;27:345-60.

12 Yamauchi M, Sasaki H, Yoshida T, et al. Ultrasound-guided supraclavicular central venous catheterization in patients with malignant hematologic diseases. J Anesth. 2012;26:775-8.
-1313 Phelan M, Hagerty D. The oblique view: an alternative approach for ultrasound-guided central line placement. J Emerg Med. 2009;37:403-8. para a qual diferentes variantes foram ilustradas, especialmente as técnicas: oblíqua medial, oblíqua lateral e transversal medial.1313 Phelan M, Hagerty D. The oblique view: an alternative approach for ultrasound-guided central line placement. J Emerg Med. 2009;37:403-8.

14 DiLisio R, Mittnacht A. The "medial-oblique" approach to ultrasound-guided central venous cannulation - maximize the view, minimize the risk. J Cardiothorac Vasc Anesth. 2012;26:982-4.
-1515 Ho AM, Ricci CJ, Ng CS, et al. The medial-transverse approach for internal jugular vein cannulation: an example of lateral thinking. J Emerg Med. 2012;42:174-7. Os métodos guiados por ultrassom mencionados compartilham o fato de que o operador pode confirmar a localização do vaso pela aspiração de sangue. Porém, posteriormente, o operador precisa desconectar a seringa para passar o fio-guia através da agulha ou passá-lo através de um dispositivo de seringa e fio-guia. Independentemente do método usado, essa exigência aumenta a possibilidade de deslocamento da agulha (com todas as implicações associadas, como punção arterial, exteriorização da ponta da agulha do lúmen venoso e lesão do nervo). Além disso, esse procedimento requer a presença de um segundo operador para a obtenção de uma imagem ultrassonográfica contínua desde a punção da pele até a inserção completa do fio-guia.

Este artigo descreve uma inovadora colocação de CVC guiada por ultrassom em VJI, com base na abordagem oblíqua, mas que requer apenas um único operador e fornece imagem ultrassonográfica contínua e em tempo real. Esse procedimento é viável com o uso da abordagem variante medial-lateral com o fio-guia adaptado para a agulha desde o início do procedimento.

Técnica

O paciente é colocado em posição de Trendelenburg a 15° com uma ligeira rotação da cabeça para o lado oposto ao do operador. Recomendamos colocar a tela do ultrassom desse lado, de modo que o operador possa olhar diretamente para a tela dentro do mesmo campo de visão usado para avançar a agulha. A técnica asséptica para a preparação é obrigatória. Além disso, a sonda linear de alta frequência e o respectivo cabo devem ser isolados com uma luva estéril apropriada. O fio-guia é adaptado à agulha de punção antes de se iniciar o procedimento (fig. 1).

Figura 1
Fio-guia adaptado à agulha de punção desde o início do procedimento.

Como descrito por Phelan e Hagerty,1313 Phelan M, Hagerty D. The oblique view: an alternative approach for ultrasound-guided central line placement. J Emerg Med. 2009;37:403-8. para que a artéria carótida e a veia jugular interna sejam visualizadas, a sonda é colocada em um plano transversal ao pescoço no nível do esterno e da cabeça clavicular do músculo esternocleidomastóideo (ECM). Quando comparada com a artéria carótida, a VJI geralmente parece não ser pulsátil, é maior e mais superficial, tem uma parede mais fina e é mais facilmente comprimida. É imperativo posicionar corretamente a sonda, de modo a que as estruturas do lado direito da imagem ultrassonográfica correspondam ao mesmo lado do paciente. Quando a imagem descrita é obtida, a sonda deve ser girada 45° em sentido horário ou anti-horário (se o destino for a VJI direita ou esquerda, respectivamente) para conseguir uma orientação oblíqua. A cateterização é executada nessa posição, na qual os vasos emergem como estruturas hiperecoicas ovoides cobertas pelo músculo ECM. A pele é perfurada com a agulha (adaptada ao fio-guia) na borda cefálica lateral da sonda e é avançada em plano em direção à VJI. Isso permite uma observação completa da trajetória da agulha. Além disso, a orientação céfalo-caudal da agulha vai beneficiar a progressão subsequente do fio-guia. Assim que a agulha penetra no lúmen do vaso, o fio-guia é introduzido sob visualização ultrassonográfica direta e contínua (fig. 2). Quando a introdução e a progressão corretas do fio forem confirmadas, a agulha é removida e o procedimento completado de forma tradicional.

Figura 2
Abordagem Syringe-Free e imagem ultrassonográfica correspondente. CA, artéria carótida; IJV, veia jugular interna; * *, fio-guia; ↑ ↑ ↑, agulha.

Vantagens

Essa técnica inclui as vantagens reconhecidas da abordagem oblíqua (visualização tanto da artéria quanto da veia, bem como da agulha inteira) e, ao mesmo tempo, permite uma visualização contínua de todo o procedimento, o que aumenta potencialmente sua segurança. Além disso, essa visualização contínua é obtida sem a necessidade de um segundo operador, pois não precisa que alguém desconecte a seringa antes que a inserção do fio-guia esteja concluída. Todas as outras diferentes técnicas descritas anteriormente feitas por um único operador exigiam esse período crítico de interrupção da imagem ultrassonográfica porque o operador precisava largar a sonda do ultrassom para ficar com uma das mãos livre para desconectar a seringa e inserir o fio-guia subsequentemente. Com a abordagem Syringe-Free isso não acontece, porque o fio-guia é adaptado à agulha de punção desde o início. Além disso, o médico está no controle de todo o processo e pode corrigir em tempo real, conforme necessário, a posição da ponta da agulha, o alinhamento e a progressão do fio. As complicações associadas com a essa etapa, como a progressão cefálica do fio ou perfuração da parede posterior ou medial da VJI, são, portanto, reduzidas.

O cateterismo de VJI com esse método foi usado com sucesso no ano passado. Foi feito pelos autores, que usam regularmente o ultrassom em anestesia regional e cateterismo venoso central.

Limitações

Essa técnica tem algumas limitações. Na maioria dos casos, a artéria carótida está localizada na mesma trajetória que a agulha, o que poderia levar à ideia de que existe um risco maior de puncionar a artéria carótida. No entanto, a agulha é inserida em plano e em um nível superficial que, em teoria, permite rastrear facilmente a agulha. No entanto, é obrigatório que essa técnica seja executada por um operador experiente com prática no manejo e na interpretação das imagens ultrassonográficas para obter uma observação contínua da ponta da agulha. Se essas condições forem respeitadas, o risco de punção da artéria carótida é minimizado e a confirmação por aspiração de sangue torna-se desnecessária, pois o operador será capaz de visualizar a entrada da agulha no lúmen da VJI. Além disso, com base em sua experiência, os autores descobriram que o lúmen da agulha se enche de sangue após a punção venosa. Deve-se notar que, em pacientes com hipovolemia, a execução da técnica é mais desafiadora devido ao menor diâmetro da VJI. Para os usuários novatos ou não especialistas em ultrassom, o aparelho de ultrassom pode dar uma falsa sensação de segurança e a visualização constante da agulha e de sua ponta pode não acontecer. Portanto, a principal limitação do procedimento descrito está associada ao nível de experiência do operador no manejo do utrassom.

Os autores descobriram outro desafio na implantação dessa técnica que diz respeito ao fato de que nem todos os conjuntos de cateterização venosa central fornecem uma conexão estável entre o canhão da agulha e a unidade de distribuição do fio-guia. Os autores costumam usar o conjunto de cateterismo venoso central Certofix® Duo (B-Braun, Melsungen AG, Alemanha), cujo distribuidor do fio-guia pode ser conectado adequadamente à agulha. Assim, a técnica pode ser aplicada sem dificuldade. Porém, se essa conexão não for segura, a abordagem Syringe-Free não é recomendada.

Conclusões

Os autores sugerem a abordagem Syringe-Free para a colocação de CVC guiado por ultrassom, que supera as vantagens já descritas da técnica oblíqua,1313 Phelan M, Hagerty D. The oblique view: an alternative approach for ultrasound-guided central line placement. J Emerg Med. 2009;37:403-8. pois permite imagem ultrassonográfica contínua em tempo real e um único operador para a sua execução. Agora, é imperativo que evidências sejam fornecidas através de estudos prospectivos randomizados sobre o benefício dessa técnica, principalmente no que diz respeito à segurança, à taxa de sucesso e ao tempo de execução.

References

  • 1
    Lennon M, Zaw NN, Popping DM, et al. Procedural complications of central venous catheter insertion. Minerva Anestesiol. 2012;78:1234-40.
  • 2
    Bowdle A. Vascular complications of central venous catheter placement: evidence-based methods for prevention and treatment. J Cardiothorac Vasc Anesth. 2014;28:358-68.
  • 3
    Wu S, Ling Q, Cao L, Wang J, Xu M, Zeng W. Real-time two-dimensional ultrasound guidance for central venous cannulation. Anesthesiology. 2013;118:361-75.
  • 4
    Yoshida H, Kushikata T, Kitayama M, et al. Time-consumption risk of real-time ultrasound-guided internal jugular vein cannulation in pediatric patients: comparison with two conventional techniques. J Anesth. 2010;24:653-5.
  • 5
    Calvert N, Hind D, McWilliams RG, et al. The effectiveness and cost-effectiveness of ultrasound locating devices for central venous access: a systematic review and economic evaluation. Health Technol Assess. 2003;7:1-84.
  • 6
    Rupp SM, Apfelbaum JL, Blitt C, et al. Practice guidelines for central venous access: a report by American Society of Anesthesiologists Task Force on Central Venous Access. Anesthesiology. 2012;116:539-73.
  • 7
    Lamperti M, Bodenham AR, Pittiruti M, et al. International evidence-based recommendations on ultrasound-guided vascular access. Intensive Care Med. 2012;38:1105-17.
  • 8
    National Institute for Health and Clinical Excellence. The clinical effectiveness and cost effectiveness of ultrasound locating devices for the placement of central venous lines. Technology appraisal report 49; 2002. Available at: http://www.nice.org.uk/TA49
    » http://www.nice.org.uk/TA49
  • 9
    Troianos CA, Hartman GS, Glas KE, et al. Special articles: guidelines for performing ultrasound guided vascular cannulation: recommendations of the American Society of Echocardiography and the Society of Cardiovascular Anesthesiologists. Anesth Analg. 2012;114:46-72.
  • 10
    Rose JS, Bair AE. Vascular access. In: Ma OJ, Mateer JR, editors. Emergency ultrasound. 1st ed. New York: McGraw-Hill Professional; 2002. p. 349-60.
  • 11
    Weiner MM, Gerald P, Mittnacht AJ. Ultrasound-guided vascular access: a comprehensive review. J Cardiothorac Vasc Anesth. 2013;27:345-60.
  • 12
    Yamauchi M, Sasaki H, Yoshida T, et al. Ultrasound-guided supraclavicular central venous catheterization in patients with malignant hematologic diseases. J Anesth. 2012;26:775-8.
  • 13
    Phelan M, Hagerty D. The oblique view: an alternative approach for ultrasound-guided central line placement. J Emerg Med. 2009;37:403-8.
  • 14
    DiLisio R, Mittnacht A. The "medial-oblique" approach to ultrasound-guided central venous cannulation - maximize the view, minimize the risk. J Cardiothorac Vasc Anesth. 2012;26:982-4.
  • 15
    Ho AM, Ricci CJ, Ng CS, et al. The medial-transverse approach for internal jugular vein cannulation: an example of lateral thinking. J Emerg Med. 2012;42:174-7.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    07 Set 2014
  • Aceito
    29 Set 2014
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org