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Bem-estar ocupacional em anestesiologistas: sua relação com a metodologia educacional

Chegou o momento! Está na hora de os anestesiologistas acordarem para a necessidade premente da satisfação no trabalho e de um saldo positivo na vida. Por meio de várias iniciativas do Comitê de Bem-Estar Profissional da Federação Mundial de Sociedades de Anestesiologistas (WFSA), do Comitê de Saúde Ocupacional da Sociedade Americana de Anestesiologistas (ASA) e da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA) e da Confederação Latino-Americana de Sociedades de Anetesiología (Clasa), as sociedades de anestesia em todo o mundo estão tentando criar uma consciência sobre a questão crucial do bem-estar no trabalho.

Com o atual interesse em Weingology, a ciência que estuda o bem-estar, um termo cunhado pelos autores em um capítulo anterior sobre o bem-estar ocupacional, o presente editorial é uma tentativa do Comitê de Bem-Estar Profissional da WFSA de se identificar com o bem-estar ocupacional. Na segunda seção deste editorial discutimos o papel das metodologias educacionais na redução do estresse e promoção do bem-estar no trabalho.

O bem-estar ocupacional pode ser definido como um estado de grande satisfação e realização no trabalho. É caracterizado por um compromisso de trabalho positivo e disponibilidade de recursos adequados para lidar com as situações estressantes. Uma integração harmoniosa do trabalho com a vida pessoal que fornece um bom equilíbrio e a satisfação pessoal pode levar a um bem-estar geral aprimorado.

No entanto, está ficando extremamente difícil oferecer um ambiente de trabalho que seja completamente livre de estresse físico e mental. A exposição a agentes físicos como radiação e lasers, ruídos e gases anestésicos no centro cirúrgico, risco de exposição a infecções/contaminações e o trabalho em ambientes hostis podem causar estresse e afetam o bem-estar ocupacional.

Alguns dos fatores mais estressantes percebidos pelos próprios anestesiologistas são: falta de controle sobre a jornada de trabalho, vida familiar prejudicada, aspectos médicos e jurídicos, problemas de comunicação e problemas clínicos. Outros fatores também relatados são: normas de trabalho, tratamento de pacientes críticos, tratamento de crises, lidar com a morte, problemas relacionados ao padrão (organizacional) do trabalho, responsabilidades administrativas, conflitos pessoais, conflitos nas relações profissionais e conflitos fora do ambiente de trabalho. Entre os residentes de anestesiologia, algumas das principais preocupações são manejar pacientes críticos, lidar com as mortes dos pacientes e equilibrar a vida pessoal com as exigências profissionais.

A falta de bem-estar no trabalho pode se manifestar como falta de interesse pelo trabalho, absenteísmo, insatisfação, baixa qualidade do trabalho, possibilidade de erro médico (que pode ocorrer por negligência e resultar em problemas judiciais). Todas essas situações denigrem a imagem do profissional e às vezes podem resultar em abandono da carreira, aposentadoria precoce e, em casos extremos, processos cíveis ou criminais que podem até levar ao suicídio.

Fracasso em manter um relacionamento saudável com os filhos, perturbação da vida familiar, abuso de substâncias, depressão, deficiência mental e física são algumas das consequências sociais. Além disso, vale mencionar aqui o fato de que não apenas os fatores externos, mas os mecanismos individuais de enfrentamento e os traços de personalidade também determinam a resposta ao estresse de diferentes indivíduos quando estão diante de situações estressantes similares. Os traços de personalidade primários como idealismo, perfeccionismo, timidez, insegurança, instabilidade emocional e incapacidade de relaxar podem enfraquecer a capacidade de lidar com o estresse. Fatores negativos como estratégias inadequadas ou falta de estratégias para lidar com o estresse, expectativas decepcionantes/experiências negativas, apoio insuficiente devido à falta de relações sociais/parcerias, falta de gratidão do paciente pelos cuidados médicos prestados e riscos de litígio também podem afetar nosso bem-estar ocupacional.

Assim, o que precisamos no nível individual é o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento que funcionem bem. Temos de nos treinar para identificar os fatores estressantes no trabalho. O passo seguinte pode ser o de identificar as áreas que podem ser modificadas para atenuar os efeitos do estresse. O desenvolvimento de aspectos positivos do trabalho durante o ensino de anestesiologia também pode contribuir para a formação de um futuro anestesiologista motivado e saudável.

Como resultado de muitos fatores, incluindo as altas tensões encontradas em sala de operação, as consequências emocionais debilitantes de estar envolvido em uma catástrofe no período perioperatório, o aumento da fadiga de longas horas de trabalho e uma miríade de fatores de personalidade muitas vezes encontrados em médicos que escolhem a anestesiologia como uma especialidade, os anestesiologistas estão em alto risco de esgotamento físico e mental. Sem mecanismos de enfrentamento em vigor, de natureza tanto pessoal quanto institucional, o médico com esgotamento não reconhecido está em risco de suicídio e abuso de agentes farmacêuticos como forma de automedicação. Apesar das fortes evidências de que o esgotamento acarreta grandes prejuízos para os anestesiologistas em todo o mundo, uma pesquisa anterior da WFSA feita pelo Comitê de Bem-Estar Médico sobre as sociedades nacionais de anestesiologia indicou que poucas tinham tomado medidas ainda que mínimas para desenvolver métodos de intervenção ativa para quebrar o ciclo de mal-estar de seus membros em risco.

O primeiro passo na promoção do bem-estar entre os anestesiologistas é obter o reconhecimento de que existe um problema. A abnegação é um grande problema que impede médicos individuais de procurarem ajuda, bem como o medo de serem rotulados como fracos ou incapazes pelos colegas. No entanto, uma negação significativa também existe em colegas que não estão dispostos a reconhecer ou relatar um colega médico em apuros. Para que a comunidade médica possa lidar eficazmente com o médico debilitado, precisamos deixar de lado as atitudes de julgamento e entender que a intervenção ativa não só irá ajudar o médico em risco, mas também os pacientes que estão sendo tratados por esse médico. Fechar os olhos diante de um médico em necessidade é uma violação direta de nosso juramento de não permitir que nossos pacientes sejam prejudicados. A literatura médica está repleta de relatos sobre a erosão da segurança do paciente e aumentos de erros médicos associados a médicos debilitados e com esgotamento. Para que a comunidade anestesiológica abrace essa necessidade de relatar sem julgamento o médico debilitado uma mudança de atitude é necessária dentro de nossas comunidades médicas e são necessários dentro de nossas instituições protocolos estruturados que permitam uma comunicação confidencial, com uma intervenção rápida e eficaz para promover o bem-estar.

O outro passo fundamental para impedir que os médicos entrem no círculo vicioso do esgotamento, suicídio e vício é torná-los autoconscientes e internamente perceptivos das tensões a que são submetidos. Ensinar técnicas de enfrentamento para atenuar o impacto das tensões sobre o bem-estar emocional pode ser fundamental para evitar que um indivíduo deslize para o fundo do poço da depressão e do esgotamento. Técnicas sobre como comer e beber adequadamente, fazer exercício físico, ter bons hábitos de sono e manter um equilíbrio social com a família e amigos contribuirão para evitar que o mal-estar destrua a vida do anestesiologista.

A característica-chave necessária para evitar que um anestesiologista adicto faça parte da estatística de mortalidade é um processo ativo de reabilitação apoiado pela comunidade médica. Como curadores médicos, quem seria melhor para estar no comando de nosso próprio bem-estar? Uma vez que a reabilitação tenha ocorrido, dependendo da forma do vício, o anestesiologista pode retornar à profissão médica em anestesiologia ou ser treinado novamente em alguma outra área. O ponto-chave é que a formação e especialização do anestesiologista não precisam ser perdidas, e sim usadas e talvez redirecionadas para o benefício tanto do anestesiologista quanto da sociedade.

Dessa forma, a Comissão Mista Americana - Sentinel Event Alert - solicita maior atenção à prevenção da fadiga e suas consequências (síndrome do esgotamento profissional [burnout], dependência química, tendências suicidas etc.) entre os trabalhadores da saúde e sugerem ações específicas para as organizações de saúde com o objetivo de mitigar esses riscos. O objetivo do Sentinel Event Alert é abordar os efeitos e riscos de um dia prolongado de trabalho, bem como o efeito cumulativo de muitos dias de horas prolongadas de trabalho. O Alerta da Comissão Mista faz uma série de recomendações para as organizações de assistência a saúde, tais como faculdades de medicina, centros de formação médica, hospitais públicos e privados, sociedades nacionais e regionais, instituições de seguros e outros. As recomendações específicas incluem:

  1. Avaliar os riscos relacionados à fadiga, tais como horas além do plantão, turnos consecutivos de trabalho e níveis na equipe;

  2. Examinar os registros quando os pacientes são transferidos ou encaminhados de um cuidador para outro, momento de risco que é agravado pela fadiga;

  3. Solicitar a contribuição da equipe para planejar uma escala de trabalho que minimize o potencial para a fadiga e proporcionar oportunidades para que a equipe expresse suas preocupações sobre a fadiga;

  4. Criar e implantar um plano de controle da fadiga que inclua estratégias científicas para combatê-la, como conversações, atividades físicas, consumo estratégico de cafeína e cochilos;

  5. Educar a equipe sobre bons hábitos de sono e os efeitos da fadiga na segurança dos pacientes cirúrgicos;

  6. Determinar os riscos relacionados à fadiga, tais como turnos consecutivos de trabalho e níveis da equipe;

  7. Examinar os processos quando os pacientes são transferidos ou encaminhados de um cuidador para outro, um momento de risco que é agravado pela fadiga;

  8. Solicitar a contribuição da equipe para projetar uma escala de trabalho que minimize o potencial para a fadiga e proporcionar oportunidades para que a equipe expresse suas preocupações sobre a fadiga;

  9. Criar e implantar um plano de controle da fadiga que inclua estratégias científicas para combatê-la, como entabular conversações, praticar atividades físicas, consumo estratégico de cafeína e cochilos curtos;

  10. Educar os funcionários sobre bons hábitos de sono e os efeitos da fadiga na segurança dos pacientes cirúrgicos.

O Comitê Profissional da WFSA recomenda altamente a leitura do e-livro (baixado gratuitamente a partir de home pages da Federação Mundial de Sociedades de Anestesiologistas (WFSA), da Confederação Latino-Americana de Sociedades de Anestesiologistas (Clasa) e da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA).

Para concluir, precisamos ser mais agressivos na formatação da educação médica quanto aos riscos de saúde ocupacional dos médicos, especificamente dos anestesiologistas, que podem prejudicar a sua saúde e o seu bem-estar. Além disso, tem sido bem documentado que esses riscos para os anestesiologistas podem representar sérias consequências para a segurança do paciente cirúrgico.

As políticas nacionais para prevenir e lidar com a síndrome de burnoute patologias relacionadas no profissional de saúde também devem ser desenvolvidas por meio de programas de educação continuada em medicina.

Recommended references

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    Torchiaro GC. Evaluation of anesthesiologists occupational well-being around the world. In: Neto GFD, editor. Occupational wellbeing in anaesthesiologists. Rio de Janeiro: Sociedade Brasi- leira de Anestesiologia (SBA); 2014, 978-85-98632-24-7.
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    Health care worker fatigue and patient safety; 2011, December 14.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2015
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