Acessibilidade / Reportar erro

Anestesia para paciente portadora de múltiplas afecções endócrinas: relato de caso

Anestesia para paciente portadora de múltiples afecciones endocrinas: relato de caso

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O insulinoma é o tumor endócrino pancreático mais comum. Pode estar associado a neoplasias endócrinas múltiplas (NEM). Relatou-se o caso de paciente com distúrbios endócrinos múltiplos que, no entanto, não se enquadram em síndromes (NEM) já conhecidas e com particularidades clínico-anestésicas que influenciaram no manuseio de sua anestesia. RELATO DO CASO: Paciente feminina, 23 anos, apresentando hipoglicemias de difícil controle associadas à doença de Cushing e prolactinoma, sem sintomas compressivos hipofisários e com estudos de tireóide e de paratireóides sem alterações. A investigação laboratorial encontrou massa retroperitoneal de etiologia desconhecida que, relacionada à situação clínica, levou a hipótese de insulinoma. Relatava ainda ser testemunha de Jeová. A proposta terapêutica era biópsia da massa por videolaparoscopia e enucleação do insulinoma. Ao exame: obesa, dentes protrusos, Mallampati 3 e sintomas de apnéia obstrutiva do sono. Nos exames laboratoriais, o resultado relevante foi o hematócrito de 58%. Recebeu midazolam (7,5 mg) e clonidina (200 µg) via oral como medicação pré-anestésica. A indução anestésica foi realizada com fentanil (150 µg), clonidina (90 µg), propofol (150 mg) e pancurônio (8 mg), sendo realizada a intubação traqueal sem problemas. Foram estabelecidos acesso venoso central e monitoração invasiva da pressão. Mantida infusão de glicose 5% com eletrólitos e monitorada a glicemia capilar a cada 30 minutos, que não acusou episódios de hipoglicemia durante a intervenção cirúrgica. Manteve-se hemodinamicamente estável mesmo durante o pneumoperitônio. No pós-operatório apresentou episódios de hipoglicemia que motivaram sua reoperação. CONCLUSÕES: A singularidade do caso está na conjunção de múltiplas endocrinopatias e de particularidades do manuseio cirúrgico-anestésico. A exérese do insulinoma deve ser monitorada no intra-operatório para que se evitem ressecções incompletas do tumor. A multiplicidade dos desafios em um só paciente exige do anestesiologista o conhecimento de cada obstáculo e suas interações, traçando estratégias para contorná-los.

DOENÇAS; Endócrina: insulinoma; hipoglicemia; síndrome endócrina múltipla; doença de Cushing; prolactinoma; policitemia


JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: El insulinoma es un tumor endocrino pancreático más común. Pude estar asociado a neoplasias endocrinas múltiples (NEM). Se ha relatado el caso de paciente con disturbios endocrinos múltiplos que, sin embargo, no se encuadra en síndromes (NEM) ya conocidas, y con particularidades clínico anestésicas que influyeron en el manejo de su anestesia. RELATO DEL CASO: Paciente femenina, 23 años, con hipoglicemias de difícil control asociadas a la enfermedad de Cushing y prolactinoma, sin síntomas compresivos hipofisarios, y con estudios de tiroides y de paratiroides sin alteraciones. La investigación laboratorial encontró masa retroperitoneal de etiología desconocida que, relacionada con la situación clínica, conllevó a la hipótesis de insulinoma. Decía que era testigo de Jeová. La propuesta terapéutica era biopsia de la masa por videolaparoscopía y enucleación del insulinoma. Cuando se le hizo el examen, se le encontró obesa, con dientes protuberantes, Mallampati 3 y síntomas de apnea obstructiva del sueño. En los exámenes laboratoriales, el resultado relevante fue el hematócrito de 58%. Recibió midazolan (7,5 mg) y clonidina (200 µg) vía oral, como medicación preanestésica. La inducción anestésica fue realizada con fentanil (150 µg), clonidina (90 µg), propofol (150 µg) y pancuronio (8 mg), siendo realizada la intubación traqueal sin problemas. Se establecieron el acceso venoso central y el monitoreo invasivo de la presión. Se mantuvo infusión de glicosis al 5% con electrolitos y se monitoreó la glicemia capilar a cada 30 minutos, que no mostró episodios de hipoglicemia durante la operación. Se mantuvo hemodinámicamente estable incluso durante el neumoperitoneo. En el postoperatorio presentó episodios de hipoglicemia, que motivaron su reoperación. CONCLUSIONES: La singularidad del caso está en la conjunción de las múltiples endocrinopatías y de particularidades del manoseo quirúrgico-anestésico. La exéresis del insulinoma debe ser monitoreada en el intraoperatorio para que se eviten resecciones incompletas del tumor. La multiplicidad de los desafíos en un solo paciente exige del anestesiólogo el conocimiento de cada obstáculo y sus interacciones, trazando estrategias para solucionarlos.


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Insulinoma is the most common pancreatic endocrine tumor and it can be associated with multiple endocrine neoplasia (MEN). This is a report on a patient with multiple endocrine abnormalities, who did not fulfill the criteria of known syndromes (MEN) and the clinical-anesthetic particularities that influenced the anesthetic management. CASE REPORT: A 23-year old female patient with episodes of hypoglycemia difficult to control, associated with Cushing's disease and prolactinoma without symptoms of pituitary compression and with normal thyroid and parathyroid. Investigation found a retroperitoneal mass of unknown origin which in face of the clinical presentation raised the hypothesis of insulinoma. The patient also referred to be a Jehovah's Witness. Biopsy of the mass by videolaparoscopy and enucleation of the insulinoma were proposed. On physical exam the patient was overweight, had protruding teeth, she was classified as Mallampati 3 and had symptoms of sleep apnea. Laboratorial exams revealed hematocrit 58%. Pre-anesthetic medication consisted of oral midazolam (7.5 mg) and clonidine (200 µg). Fentanyl (150 µg), clonidine (90 µg), propofol (150 mg) and pancuronium (8 mg) were used for anesthetic induction and she was intubated without intercurrences. Central venous access and invasive blood monitoring were instituted. Intravenous infusion of D5W with electrolytes was instituted and capillary glucose levels were monitored every 30 minutes, which did not demonstrate any episodes of hypoglycemia during the surgery. The patient remained hemodynamically stable even during the pneumoperitoneum. She developed postoperative episodes of hypoglycemia, which motivated the re-operation. CONCLUSIONS: This case is unique due to the presence of multiple endocrine abnormalities and the particularities of the surgical-anesthetic management. Intraoperative monitoring is mandatory during removal of an insulinoma to avoid incomplete tumor resection. Multiple challenges in one patient demand the knowledge, by the anesthesiologist, of each obstacle and its interactions in order to devise strategies to control them.

DISORDERS; Endocrine: insulinoma; hypoglycemia; multiple endocrine syndrome; Cushing's disease; prolactinoma; polycythemia


INFORMAÇÃO CLÍNICA

Anestesia para paciente portadora de múltiplas afecções endócrinas. Relato de caso* * Recebido do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ), Rio de Janeiro, RJ

Anestesia para paciente portadora de múltiples afecciones endocrinas. Relato de caso

Renato Toledo MacielI; Fátima Carneiro Fernandes, TSAII; Leonel dos Santos Pereira, TSAIII

IME3 do CET/SBA Bento Gonçalves, HUCFF-UFRJ

IICo-Responsável pelo CET/SBA Bento Gonçalves, Professora Adjunta, Doutora em Anestesiologia, UFRJ

IIIChefe do Serviço de Anestesiologia do HUCFF-UFRJ; Co-Responsável pelo CET/SBA Bento Gonçalves; Professor Adjunto, Doutor em Anestesiologia, UFRJ

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dra. Fátima Carneiro Fernandes Av. Sernambetiba, 2930/304, Bloco 4 – Barra da Tijuca 22620-172 Rio de Janeiro, RJ E-mail: toledomaciel@hotmail.com

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O insulinoma é o tumor endócrino pancreático mais comum. Pode estar associado a neoplasias endócrinas múltiplas (NEM). Relatou-se o caso de paciente com distúrbios endócrinos múltiplos que, no entanto, não se enquadram em síndromes (NEM) já conhecidas e com particularidades clínico-anestésicas que influenciaram no manuseio de sua anestesia.

RELATO DO CASO: Paciente feminina, 23 anos, apresentando hipoglicemias de difícil controle associadas à doença de Cushing e prolactinoma, sem sintomas compressivos hipofisários e com estudos de tireóide e de paratireóides sem alterações. A investigação laboratorial encontrou massa retroperitoneal de etiologia desconhecida que, relacionada à situação clínica, levou a hipótese de insulinoma. Relatava ainda ser testemunha de Jeová. A proposta terapêutica era biópsia da massa por videolaparoscopia e enucleação do insulinoma. Ao exame: obesa, dentes protrusos, Mallampati 3 e sintomas de apnéia obstrutiva do sono. Nos exames laboratoriais, o resultado relevante foi o hematócrito de 58%. Recebeu midazolam (7,5 mg) e clonidina (200 µg) via oral como medicação pré-anestésica. A indução anestésica foi realizada com fentanil (150 µg), clonidina (90 µg), propofol (150 mg) e pancurônio (8 mg), sendo realizada a intubação traqueal sem problemas. Foram estabelecidos acesso venoso central e monitoração invasiva da pressão. Mantida infusão de glicose 5% com eletrólitos e monitorada a glicemia capilar a cada 30 minutos, que não acusou episódios de hipoglicemia durante a intervenção cirúrgica. Manteve-se hemodinamicamente estável mesmo durante o pneumoperitônio. No pós-operatório apresentou episódios de hipoglicemia que motivaram sua reoperação.

CONCLUSÕES: A singularidade do caso está na conjunção de múltiplas endocrinopatias e de particularidades do manuseio cirúrgico-anestésico. A exérese do insulinoma deve ser monitorada no intra-operatório para que se evitem ressecções incompletas do tumor. A multiplicidade dos desafios em um só paciente exige do anestesiologista o conhecimento de cada obstáculo e suas interações, traçando estratégias para contorná-los.

Unitermos: DOENÇAS; Endócrina: insulinoma; hipoglicemia; síndrome endócrina múltipla; doença de Cushing; prolactinoma; policitemia.

RESUMEN

JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: El insulinoma es un tumor endocrino pancreático más común. Pude estar asociado a neoplasias endocrinas múltiples (NEM). Se ha relatado el caso de paciente con disturbios endocrinos múltiplos que, sin embargo, no se encuadra en síndromes (NEM) ya conocidas, y con particularidades clínico anestésicas que influyeron en el manejo de su anestesia.

RELATO DEL CASO: Paciente femenina, 23 años, con hipoglicemias de difícil control asociadas a la enfermedad de Cushing y prolactinoma, sin síntomas compresivos hipofisarios, y con estudios de tiroides y de paratiroides sin alteraciones. La investigación laboratorial encontró masa retroperitoneal de etiología desconocida que, relacionada con la situación clínica, conllevó a la hipótesis de insulinoma. Decía que era testigo de Jeová. La propuesta terapéutica era biopsia de la masa por videolaparoscopía y enucleación del insulinoma. Cuando se le hizo el examen, se le encontró obesa, con dientes protuberantes, Mallampati 3 y síntomas de apnea obstructiva del sueño. En los exámenes laboratoriales, el resultado relevante fue el hematócrito de 58%. Recibió midazolan (7,5 mg) y clonidina (200 µg) vía oral, como medicación preanestésica. La inducción anestésica fue realizada con fentanil (150 µg), clonidina (90 µg), propofol (150 µg) y pancuronio (8 mg), siendo realizada la intubación traqueal sin problemas. Se establecieron el acceso venoso central y el monitoreo invasivo de la presión. Se mantuvo infusión de glicosis al 5% con electrolitos y se monitoreó la glicemia capilar a cada 30 minutos, que no mostró episodios de hipoglicemia durante la operación. Se mantuvo hemodinámicamente estable incluso durante el neumoperitoneo. En el postoperatorio presentó episodios de hipoglicemia, que motivaron su reoperación.

CONCLUSIONES: La singularidad del caso está en la conjunción de las múltiples endocrinopatías y de particularidades del manoseo quirúrgico-anestésico. La exéresis del insulinoma debe ser monitoreada en el intraoperatorio para que se eviten resecciones incompletas del tumor. La multiplicidad de los desafíos en un solo paciente exige del anestesiólogo el conocimiento de cada obstáculo y sus interacciones, trazando estrategias para solucionarlos.

INTRODUÇÃO

Os pacientes com doenças endócrino-metabólicas são desafios para o anestesiologista no que concerne ao preparo pré-operatório e à vigilância durante e após o ato anestésico-cirúrgico. Este é o relato de caso de paciente jovem, testemunha de Jeová, que foi submetida à videolaparoscopia, portadora de insulinoma, prolactinoma e doença de Cushing, com massa adrenal de etiologia desconhecida.

A particularidade desse caso reside no fato de apresentar múltiplos fatores que, aliados, interferem em vários órgãos e sistemas, influenciando seu manuseio anestésico.

A literatura internacional destaca o manuseio perioperatório das neoplasias endócrinas múltiplas em alguns artigos e revisões que foram usados para comparações no presente caso, apesar de a paciente não se enquadrar em nenhuma classificação dessas doenças, já que não havia comprometimento de tireóides ou paratireóides. Foi realçada a abordagem do paciente com insulinoma, já que esse era o principal motivo da intervenção cirúrgica naquela ocasião.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 23 anos, 1,63 m, 103 kg, IMC = 38,76 kg.m-², internada devido a sucessivos episódios de hipoglicemia atribuídos ao insulinoma em cabeça de pâncreas e por apresentar massa retroperitoneal próxima à glândula adrenal esquerda de etiologia desconhecida, mas com estudo negativo para feocromocitoma. A proposta cirúrgica era ressecção do tumor pancreático e biópsia da massa por videolaparoscopia.

Apresentava ainda macroadenoma hipofisário produtor de prolactina e ACTH, com clássicos estigmas de hipercortisolismo, tais como: obesidade centrípeta, giba, acantose nigricans, estrias violáceas, hipertensão arterial, pele acnéica e hirsutismo (Figura 1). Não havia sintomas de compressão de qualquer par craniano. O estudo laboratorial das paratireóides era normal. História de epilepsia, cujas crises se confundiam com os episódios de hipoglicemia. Por convicção religiosa rejeitava hemotransfusão.


A via aérea foi classificada como Mallampati 3, apresentando também como fatores complicadores para a ventilação e intubação os dentes protrusos, o pescoço curto e sintomas sugestivos de apnéia obstrutiva do sono (Figura 2).


Em uso de captopril, bromocriptina, verapamil e valproato. Exames de sangue dentro dos limites de normalidade, exceto por um hematócrito de 58%, com dosagens de eritropoetina e gasometria arterial normais. Na avaliação pré-operatória o estado físico foi considerado como ASA III, recebendo midazolam 7,5 mg e clonidina 200 µg, por via oral, como medicação pré-anestésica.

Admitida na sala cirúrgica em Ramsay 3, sendo estabelecidos acesso venoso periférico e monitoração inicial com cardioscópio (DII e V5), oxímetro de pulso e pressão arterial não-invasiva. Posteriormente, cateterizou-se a veia subclávia direita com cateter dupla luz 7F, técnica de Seldinger e a artéria radial para registro da PAM. Após oxigenação seguiu-se a indução com fentanil 150 µg, clonidina 90 µg, propofol 150 mg e pancurônio 8 mg. A intubação foi sem intercorrências, com visualização Cormack-Lehane 1. A manutenção da anestesia foi feita com N2O/O2/isoflurano em sistema circular com ventilação controlada mecânica.

Verificou-se a glicemia capilar a cada 30 minutos e os valores variaram entre 79 e 129 mg.dL-1. Mantida infusão de solução glicosada a 5% e eletrólitos com fluxos titulados de acordo com o resultado dos exames. Não houve episódios de hipoglicemia. Os cirurgiões optaram por não abordar a massa retroperitoneal.

Ao final do procedimento, o bloqueio neuromuscular foi revertido e a paciente extubada sem intercorrências. Hematócrito final era de 47%. Encaminhada ao CTI acordada, com SpO2 de 98% com nebulização com O2 a 5 L.min-1.

Como apresentasse novos episódios de hipoglicemia, foi reoperada, tendo sido ressecados outros insulinomas pancreáticos, porém continuou sem controle absoluto dos episódios hipoglicêmicos durante seu acompanhamento.

DISCUSSÃO

Revisões sobre a conduta anestésica em pacientes com endocrinopatias isoladas são freqüentes 1,2. Ao contrário, a abordagem de múltiplas afecções glandulares no mesmo indivíduo é menos comum, impondo ao anestesiologista trabalhar com as particularidades de cada situação acumuladas no mesmo paciente 3.

Nenhuma das várias formas de neoplasias endócrinas múltiplas descritas se encaixa no caso em questão, pois o estudo das funções tireoideana e paratireoideana era normal 3.

O insulinoma é um tumor das células beta pancreáticas, produtoras de insulina, que pode causar hipoglicemia grave 3,4 associada a concentrações elevadas de um subproduto da secreção de insulina endógena, o peptídeo C 5. As manifestações hipoglicêmicas estão ligadas à exacerbação da atividade do sistema nervoso simpático levando à taquicardia, palpitações e/ou diaforese. Em relação ao sistema nervoso central, a diminuição da glicemia secundária a hiperinsulinemia determina sintomas que variam desde cefaléia até convulsões. Amiúde quadros de confusão mental são confundidos com doenças psiquiátricas retardando o diagnóstico e tratamento 6.

O jejum aumenta o risco de hipoglicemia no pré-operatório, daí recomendar-se a administração de glicose a 5% ou a 10% desde a noite anterior à intervenção 5-7. A infusão pode ser mantida durante o procedimento ou interrompida 2 a 3 horas antes da incisão cirúrgica 5,7. O uso de "pâncreas artificial" que, pela monitoração da glicemia, é capaz de infundir insulina ou glicose, já foi utilizado nessas circunstâncias 8, mas de uso limitado pelo seu custo elevado.

A monitoração freqüente da glicemia é necessária durante a ressecção do insulinoma 9. Manifestações de hipoglicemia como taquicardia e sudorese podem ser interpretadas como plano superficial de anestesia e o retardo em tratá-la determinar, em casos extremos, lesão do sistema nervoso central 10. A maior liberação de insulina coincide com os períodos de manipulação do tumor 3,6. Para manter níveis seguros de glicose sangüínea sugerem-se medidas a cada 10 ou 15 minutos 7,9. No caso apresentado, a glicemia foi aferida a cada 30 minutos o que foi, aparentemente, adequado. Sinais de hiperatividade simpática, sobretudo após a manipulação tumoral, justificam novas dosagens da glicemia para afastar o risco de hipoglicemia grave.

A técnica anestésica deve utilizar agentes que reduzem o metabolismo cerebral e, portanto, o consumo de oxigênio. A manutenção da normocarbia é aconselhada 3. Os anestésicos inalatórios têm a propriedade de reduzir a liberação de insulina, sendo vantajosos, teoricamente, nesses pacientes. Essa superioridade ainda não foi clinicamente provada 11.

Doze por cento dos pacientes são reoperados 12, provavelmente por se tratarem de tumores múltiplos ou muito pequenos 7. Portanto, torna-se necessário saber no intra-operatório se a exérese foi completa. Logo após a retirada do tumor, a glicemia tende a subir 5, não representando sucesso cirúrgico 13. O uso da ultra-sonografia intra-operatória também é pouco acurado 14. A dosagem de insulina, após o cateterismo seletivo de veias pancreáticas e o estímulo arterial com cálcio para liberação do hormônio, parece ser um método fidedigno para a localização de tumor residual na sala cirúrgica 7,15. O caso apresentado foi representativo da necessidade de reintervenção a despeito da confirmação histopatológica do insulinoma.

A doença de Cushing, causada por produção excessiva de ACTH e hiperestimulação do córtex adrenal, leva a alterações metabólicas, hemodinâmicas, respiratórias, imunológicas e hematológicas 1,16. Hirsutismo, obesidade centrípeta, acne e giba são sinais ectoscópicos freqüentes.

A elevação acentuada do cortisol agrega atuação mineralocorticóide às suas ações metabólicas. Em decorrência da retenção de sódio expande-se o volume circulante e aumenta a eliminação de potássio, contribuindo para o desequilíbrio hidro-eletrolítico e hipertensão arterial. Esta possui outros mecanismos fisiopatológicos que envolvem ainda a reatividade vascular e a produção de prostaglandinas justificando alterações como a hipertrofia ventricular que resultam em disfunção diastólica e aumento do consumo de oxigênio miocárdico 16,17. Embora a pressão arterial estivesse controlada com medicação, a opção pela clonidina como medicação pré-anestésica visou garantir o equilíbrio pressórico intra-operatório. Entretanto a flutuação glicêmica também ficou afetada exigindo maior cuidado com sua monitoração.

Intolerância à glicose ocorre em pelo menos 60% dos pacientes com síndrome de Cushing, com vários casos de diabetes mellitus franco 16,18. Atualmente, apesar de não se ter conhecimento de trabalho científico que agrupe todos os tipos de pacientes, é crescente a evidência de que o controle da glicemia intra-operatória através da infusão venosa de insulina reduz a morbidade e a mortalidade de pacientes cirúrgicos 19,20. Nessa paciente, em particular, o controle glicêmico e metabólico era imperativo, pois ela era portadora de afecções endócrinas que apesar de atuarem de maneiras opostas podiam alterar significativamente sua sobrevida.

A apnéia obstrutiva do sono é mais freqüente em pacientes com Cushing, decorrendo da obesidade e/ou da miopatia que a acompanha e pode ser agravada pela medicação pré-anestésica 21-23. Portanto, a probabilidade de haver uma via aérea difícil, seja para a ventilação ou intubação traqueal era maior 24.

Osteoporose, presente em até 50% dos pacientes com hipercortisolismo, associada à hiperprolactinemia, que reduz a densidade óssea, aumentam o risco de fraturas na manipulação e posicionamento na mesa cirúrgica 16,25.

O hematócrito elevado do pré-operatório representava risco pela hiperviscosidade poder se conjugar com estase sanguínea e favorecer eventos tromboembólicos, principalmente em paciente sob pneumoperitônio, cujo fluxo venoso já está reduzido em membros inferiores 26,27. Em contraposição, o hematócrito elevado numa paciente testemunha de Jeová permitiu dispensar técnicas especiais para evitar transfusões sangüíneas, já que o potencial de sangramento do procedimento cirúrgico era pequeno.

O acesso venoso periférico, nesses pacientes, pode ser difícil pela combinação de obesidade e alterações de pele 1,16. Eles são também mais suscetíveis a sangramento 6 e o cateterismo de veia profunda permite monitorar a saturação e a pressão venosa central (PVC), embora essa última não se correlacione com o volume diastólico final do ventrículo esquerdo nem com a melhora do débito cardíaco após infusão de volume 28,29. A presença do pneumoperitônio eleva a PVC, diminuindo sua importância como parâmetro para nortear a reposição volêmica 26.

A opção pelo cateterismo da artéria radial teve como objetivo não só monitorar a pressão arterial de forma contínua como também facilitar a coleta seriada de sangue numa doente passível de complicações cardiológicas, hipovolemia e alterações eletrolíticas.

O sucesso na abordagem de pacientes com endocrinopatias está estreitamente vinculado à manutenção do equilíbrio da função endócrina e das repercussões sistêmicas que as oscilações podem causar. A associação de múltiplas doenças, como nesse caso, multiplicaram os problemas a serem contornados.

Apresentado em 26 de março de 2006

Aceito para publicação em 18 de dezembro de 2007

  • 01. Breivik H Perianaesthetic management of patients with endocrine disease. Acta Anaesthesiol Scand, 1996;40:1004-1015.
  • 02. Graham G, Unger B, Coursin D Perioperative management of selective endocrine disorders. Int Anesthesiol Clin, 2000;38:31-67.
  • 03. Grant F Anesthetic considerations in the multiple endocrine neoplasia syndromes. Curr Opin Anaesthesiol, 2005;18:345-352.
  • 04. Suffecool SL Anesthetic management for insulinoma resection. Contemp Anesth Pract, 1980;3:11-17
  • 05. Arens JF Issues in the anesthetic management of cancer patients. ASA Refresher Courses Anesthesiol, 2004;32:1-7.
  • 06. Roizen MF, Fleisher LA Anesthetic Implications of Concurrent Diseases, em: Miller RD - Miller's Anesthesia, 6th Ed, Philadelphia, Elsevier, 2005;1017-1049
  • 07. Nakagawa M, Sasakuma F, Kishi Y et al. A successful monitoring for intraoperative calcium stimulation test in complete resection of pancreatic insulinoma. Anesth Analg, 2001; 93:239-240.
  • 08. Pulver JJ, Cullen BF, Miller DR et al. Use of the artificial beta cell during anesthesia for surgical removal of an insulinoma. Anesth Analg, 1980; 59:950-952.
  • 09. Muir JJ, Endres SM, Offord K et al. Glucose management in patients undergoing operation for insulinoma removal. Anesthesiology, 1983; 59:371-375.
  • 10. van Heerden JA, Edis AJ, Service FJ The surgical aspects of insulinomas. Ann Surg, 1979;89:677-682.
  • 11. Diltser M, Camu F Glucose homeostasis and insulin secretion during isoflurane anesthesia in humans. Anesthesiology, 1988; 68:880-886.
  • 12. Thompson GB, Service FJ, van Heerden JA et al. Reoperative insulinomas, 1927-1992: an institutional experience. Surgery, 1992;114:1196-1206.
  • 13. Tutt GO, Edis AJ, Service FJ et al. Plasma glucose monitoring during operation for insulinoma: a critical reappraisal. Surgery, 1980;88:351-356.
  • 14. Correnti S, Liverani A, Antonini G et al. Intraoperative ultrasonography for pancreatic insulinoma. Hepatogastroenterology, 1996;43:207-211.
  • 15. Aoki T, Sakon M, Ohzato H et al. Evaluation of preoperative and intraoperative arterial stimulation and venous sampling for diagnosis and surgical resection of insulinoma. Surgery, 1999; 126:968-973.
  • 16. Nemergut EC, Dumont AS, Barry UT et al. Perioperative management of patients undergoing transsphenoidal pituitary surgery. Anesth Analg, 2005;101:1170-1181.
  • 17. Sugihara N, Shimizu M, Shimizu K et al. Disproportionate hypertrophy of the interventricular septum and its regression in Cushing´s syndrome:report of three cases. Intern Med, 1992; 31:407-413.
  • 18. Smith M, Hirsch NP Pituitary disease and anaesthesia. Br J Anaesth, 2000;85:3-14.
  • 19. Krinsley J Perioperative glucose control. Curr Opin Anesthesiol, 2006;19:111-116.
  • 20. Ljungqvist O, Nygren J, Soop M et al. Metabolic perioperative management: novel concepts. Curr Opin Crit Care, 2005;11: 296-299.
  • 21. Machado C, Yamashita AM, Togeiro SMGP et al. Anestesia e apnéia obstrutiva do sono. Rev Bras Anestesiol, 2006;56:669-678.
  • 22. Loadsman JA, Hillman DR Anaesthesia and sleep apnoea. Br J Anaesth, 2001;86:254-266.
  • 23. Shipley JE, Schteingart DE, Tandon R Sleep architecture and sleep apnea in patients with Cushing´s disease. Sleep, 1992;15:514-518.
  • 24. Benumof JL Obesity, sleep apnea, the airway, and anesthesia. ASA Refresher Courses Anesthesiol, 2002;30:27-40.
  • 25. Klibanski A, Neer RM, Beitins IZ et al. Decreased bone density in hyperprolactinemic women. N Engl J Med, 1980; 303: 1511-1514.
  • 26. Joris JL Anesthesia for Laparoscopic Surgery, em: Miller RD Miller's Anesthesia, 6th Ed, Philadelphia, Elsevier, 2005;2285-2306.
  • 27. Jorgensen JO, Lalak NJ, North L et al. Venous stasis during laparoscopic cholecystectomy. Surg Laparosc Endosc, 1994;4: 128-133.
  • 28. Kumar A, Anel R, Bunnell E et al. Pulmonary artery occlusion pressure and central venous pressure fail to predict ventricular filling volume, cardiac performance, or the response to volume infusion in normal subjects. Crit Care Med, 2004;32:691-699.
  • 29. Michard F, Boussat S, Chemla D et al. Relation between respiratory changes in arterial pulse pressure and fluid responsiveness in septic patients with acute circulatory failure. Am J Respir Crit Care Med, 2000;162:134-138.
  • Endereço para correspondência
    Dra. Fátima Carneiro Fernandes
    Av. Sernambetiba, 2930/304, Bloco 4 – Barra da Tijuca
    22620-172 Rio de Janeiro, RJ
    E-mail:
  • *
    Recebido do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ), Rio de Janeiro, RJ
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Mar 2008
    • Data do Fascículo
      Abr 2008

    Histórico

    • Aceito
      18 Dez 2007
    • Recebido
      26 Mar 2006
    Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
    E-mail: bjan@sbahq.org