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Efeitos farmacocinéticos e clínicos de duas concentrações de bupivacaína no bloqueio do plexo braquial via axilar

Resumo

Introdução:

O risco de intoxicação sistêmica pelo uso da bupivacaína é um problema persistente e torna seu estudo farmacocinético fundamental para a segurança da anestesia regional. São escassas as evidências sobre a influência de diferentes concentrações no pico plasmático desse fármaco. O presente estudo compara duas concentrações de bupivacaína para estabelecer como a concentração afeta o pico plasmático desse fármaco no bloqueio do plexo braquial via axilar. Também se compararam latência e analgesia pós-operatória.

Métodos:

Foram randomizados 30 pacientes. No Grupo 0,25%, injetaram-se 10 mL de bupivacaína 0,25% por nervo. No Grupo 0,5%, injetaram-se 5 mL de bupivacaína 0,5% por nervo. Amostras de sangue periférico foram colhidas durante as duas primeiras horas após o bloqueio. Para análise das amostras, usou-se a cromatografia líquida de alta frequência acoplada ao espectrômetro de massas.

Resultados:

O pico plasmático ocorreu 45 minutos após o bloqueio, sem diferença entre os grupos nos tempos avaliados. O pico plasmático (média ± DP) foi 933,97 ± 328,03 ng.mL−1 no Grupo 0,25% e 1.022,79 ± 253,81 ng.mL−1 no Grupo 0,5% (p = 0,414). O Grupo 0,5% apresentou menor latência com relação ao Grupo 0,25% (10,67 ± 3,71 × 17,33 min ± 5,30; respectivamente; p = 0,004). Nenhum paciente apresentou dor nas primeiras quatro horas após o bloqueio.

Conclusão:

Para o bloqueio do plexo braquial via axilar, não foi detectada diferença no pico plasmático de bupivacaína apesar do uso de diferentes concentrações, com a mesma massa de anestésico local. A concentração influenciou inversamente a latência.

PALAVRAS-CHAVE
Bupivacaína; Plexo braquial; Farmacocinética; Anestesia regional

Abstract

Introduction:

The risk of systemic bupivacaine toxicity is a persistent problem, which makes its pharmacokinetic study fundamental for regional anesthesia safety. There is little evidence of its influence on plasma peak at different concentrations. The present study compares two bupivacaine concentrations to establish how the concentration affects this drug plasma peak in axillary brachial plexus block. Postoperative latency and analgesia were also compared.

Methods:

30 patients were randomized. In the 0.25% Group, 0.25% bupivacaine (10 mL) was injected per nerve. In the 0.5% Group, 0.5% bupivacaine (5 mL) was injected per nerve. Peripheral blood samples were collected during the first 2 h after the blockade. For sample analyses, high performance liquid chromatography mass spectrometry was used.

Results:

Plasma peak occurred 45 min after the blockade, with no difference between groups at the assessed time-points. Plasma peak was 933.97 ± 328.03 ng.mL−1 (mean ± SD) in 0.25% Group and 1022.79 ± 253.81 ng.mL−1 in 0.5% Group (p = 0.414). Latency was lower in 0.5% Group than in 0.25% Group (10.67 ± 3.71 × 17.33 min ± 5.30, respectively, p = 0.004). No patient had pain within the first 4 h after the blockade.

Conclusion:

For axillary brachial plexus block, there was no difference in bupivacaine plasma peak despite the use of different concentrations with the same local anesthetic mass. The concentration inversely influenced latency.

KEYWORDS
Bupivacaine; Brachial plexus; Pharmacokinetics; Regional anesthesia

Introdução

O sucesso da prática da Anestesia Regional (AR) está diretamente relacionado à evolução do conhecimento e ao desenvolvimento dos Anestésicos Locais (AL). Apesar dos esforços para aumentar sua segurança, um problema persistente na prática clínica é a intoxicação sistêmica por anestésico local (LAST).11 Liu SS, Ortolan S, Sandoval MV, et al. Cardiac arrest and seizures caused by local anesthetic systemic toxicity after peripheral nerve blocks: should we still fear the reaper? Reg Anesth Pain Med. 2016;4:5-21.,22 Vasques F, Behr AU, Weinberg G, et al. A review of local anesthetic systemic toxicity cases since publication of the American Society of Regional Anesthesia Recommendations: to whom it may concern. Reg Anesth Pain Med. 2015;40:698-705. O rápido aumento dos níveis plasmáticos de AL acarreta complicações neurológicas e cardíacas devastadoras, a intoxicação sistêmica por AL é responsável por um terço das mortes ou dos danos cerebrais durante a prática da anestesia regional.33 Dillane D, Finucane BT. Local anesthetic systemic toxicity. Can J Anaesth. 2010;57:368-80.,44 Lee LA, Posner KL, Cheney FW, et al. Complications associated with eye blocks and peripheral nerve blocks: an ASA closed-claims analysis. Reg Anesth Pain Med. 2008;33:416-22. Com relação ao tipo de AR, o bloqueio nervoso periférico pode requerer um maior volume de AL, com maior risco de LAST quando comparado com um bloqueio peridural.11 Liu SS, Ortolan S, Sandoval MV, et al. Cardiac arrest and seizures caused by local anesthetic systemic toxicity after peripheral nerve blocks: should we still fear the reaper? Reg Anesth Pain Med. 2016;4:5-21.,55 Auroy Y, Narchi P, Messiah A, et al. Serious complications related to regional anesthesia: results of a prospective survey in France. Anesthesiology. 1997;87:479-86.,66 Mulroy MF. Systemic toxicity and cardiotoxicity from local anesthetics: incidence and preventive measures. Reg Anesth Pain Med. 2002;27:556-61.

A disseminação do uso do ultrassom na prática clínica proporcionou a redução de ocorrência de complicações relacionadas aos bloqueios periféricos, principalmente devido à diminuição de punção vascular inadvertida.77 Choi S, Mccarthney CJ. Evidence base for the use of ultrasound for upper extremity blocks: 2014 update. Reg Anesth Pain Med. 2016;41:242-50.,88 Abrahams MS, Aziz MF, Fu RF, et al. Ultrasound guidance compared with electrical neurostimulation for peripheral nerve block: a systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Br J Anaesth. 2009;102:408-17. Além disso, para aprimorar a segurança da prática da anestesia regional, sociedades de anestesia em todo o mundo recomendam o uso de doses mínimas necessárias e estipulam doses máximas de AL a serem empregadas nos bloqueios periféricos.99 Rosenberg PH, Veering BT, Urmey WF. Maximum recommended doses of local anesthetics: a multifactorial concept. Reg Anesth Pain Med. 2004;29:564-75. Entretanto, as recomendações das doses máximas de AL não são uniformes entre as diferentes sociedades, o que demonstra uma lacuna na compreensão sobre a farmacocinética desses fármacos.99 Rosenberg PH, Veering BT, Urmey WF. Maximum recommended doses of local anesthetics: a multifactorial concept. Reg Anesth Pain Med. 2004;29:564-75. Além disso, vários são os fatores que podem influenciar o pico plasmático de AL, como a vascularização do local de infusão e a capacidade de ligação dos AL aos tecidos.99 Rosenberg PH, Veering BT, Urmey WF. Maximum recommended doses of local anesthetics: a multifactorial concept. Reg Anesth Pain Med. 2004;29:564-75.

Surpreendentemente, os dados relativos ao efeito de diferentes concentrações de AL nos níveis plasmáticos desses fármacos são escassos e conflitantes até agora. Contudo, compreender a farmacocinética desses compostos químicos é essencial para prevenir complicações.1010 Cohen LS, Rosenthal JE, Horner DW, et al. Plasma levels of lidocaine after intramuscular administration. Am J Cardiol. 1972;29:520-23.1212 Morrison LM, Emanuelsson BM, McClure JH, et al. Efficacy and kinetics of extradural ropivacaine: comparison with bupivacaine. Br J Anaesth. 1994;72:164-9.

O presente estudo foi conduzido para avaliar essa relação, em particular para o bloqueio do plexo braquial via axilar. Assim, o presente estudo fornece uma análise dos perfis farmacocinéticos de duas concentrações de bupivacaína obtidos após o bloqueio do plexo braquial via axilar. A massa total de anestésico local foi mantida, apesar das diferentes concentrações usadas, para avaliar o efeito dessas diferentes concentrações no pico plasmático desse fármaco. Como objetivo secundário, o tempo de latência e a analgesia pós-operatória foram avaliados em ambos os grupos.

Materiais e método

Fez-se ensaio clínico prospectivo e randomizado, no centro cirúrgico do Setor de Cirurgia da Mão e Membro Superior em um Hospital Universitário Quaternário. Os procedimentos anestésicos foram iniciados em janeiro de 2014, após aprovação pelo Comitê de Ética e Pesquisa Institucional, parecer nº 288.461. Os critérios de inclusão foram: pacientes candidatos à cirurgia eletiva de antebraço distal e mão com indicação de bloqueio do plexo braquial para anestesia e analgesia, entre 18 e 65 anos, estado físico (ASA I ou II) conforme a Sociedade Americana de Anestesiologia, Índice de Massa Corpórea (IMC) menor do que 35 kg.m−2 e termo de consentimento livre, esclarecido e informado assinado. Os critérios de não inclusão foram: comprometimento cognitivo, infecção no sítio/local de punção do bloqueio, coagulopatia, história de alergia à bupivacaína.

Metodologia clínica

Uma vez preenchidos os critérios para participação no estudo, os pacientes foram randomizados para os grupos bupivacaína 0,25% e bupivacaína 0,5%, segundo um programa de computador com números randômicos, consideraram-se blocos de dez casos.

A concentração de 0,25% foi usada por ser a menor concentração efetiva para o bloqueio do plexo braquial via axilar.1313 Takeda A, Ferraro LH, Rezende AH, et al. Minimum effective concentration of bupivacaine for axillary brachial plexus block guided by ultrasound. Rev Bras Anestesiol. 2015;65:163-9. A concentração de 0,5% foi usada por ser a maior concentração de bupivacaína usada em nosso serviço.

Foi explicada ao paciente a diferença entre a sensação tátil e dolorosa, para maior exatidão das informações. Monitoração de rotina para procedimento cirúrgico com eletrocardioscópio, esfigmanômetro e oxímetro de pulso foi feita. Obteve-se acesso venoso em membro superior contralateral ao procedimento cirúrgico, exclusivo para coleta de amostras sanguíneas.

O bloqueio do plexo braquial foi feito com paciente em decúbito dorsal horizontal, pela via axilar, por anestesista único experiente, com auxílio do ultrassom (S Series, Fujifilm Sonosite, Seattle, USA) com o objetivo de padronizar o tempo de bloqueio, definido como o intervalo entre a inserção da agulha na pele e o fim da injeção do AL. Dessa forma, esse tempo não influenciaria o tempo de latência dos grupos. A assepsia da pele foi feita com solução alcoólica de clorexidina. Após visibilização dos nervos do plexo braquial, foi feita injeção do AL em cada um dos nervos identificados nessa via, a saber, radial, ulnar, mediano e musculocutâneo. Para o Grupo 0,25%, foram injetados 10 mL de bupivacaína a 0,25% (Cristália Produtos Químicos, São Paulo, Brasil) em cada nervo, total de 40 mL por paciente. Para o Grupo 0,5%, foram injetados 5 mL de bupivacaína a 0,5% (Cristália Produtos Químicos, São Paulo, Brasil) em cada nervo, total de 20 mL por paciente.

Um anestesiologista, que não estava presente durante a injeção e que não conhecia a concentração e o volume de anestésico usado, avaliou os bloqueios nervosos segundo função motora, sensibilidade térmica e sensibilidade dolorosa.

Para avaliação da função motora foi usada a escala de Bromage modificada (tabela 1).1414 O’Donnell BD, Iohom G. An estimation of the minimum effective anesthetic volume of 2% lidocaine in ultrasound-guided axillary brachial plexus block. Anesthesiology. 2009;111:25-9.,1515 Ferraro LH, Takeda A, dos Reis Falcão LF, et al. Determination of the minimum effective volume of bupivacaine 0.5% for ultrasound-guided axillary brachial plexus block. Rev Bras Anestesiol. 2014;64:49-53. Os músculos avaliados foram: os flexores dos dedos (nervo mediano), extensores dos dedos (nervo radial), adutor do primeiro dedo (nervo ulnar) e bíceps (nervo musculocutâneo).

Tabela 1
Teste motor e sensitivo1414 O’Donnell BD, Iohom G. An estimation of the minimum effective anesthetic volume of 2% lidocaine in ultrasound-guided axillary brachial plexus block. Anesthesiology. 2009;111:25-9.,1515 Ferraro LH, Takeda A, dos Reis Falcão LF, et al. Determination of the minimum effective volume of bupivacaine 0.5% for ultrasound-guided axillary brachial plexus block. Rev Bras Anestesiol. 2014;64:49-53.

A avaliação da sensação térmica foi feita com gaze e álcool, testou-se a sensibilidade dos dermátomos inervados pelos nervos ulnar, mediano, radial e musculocutâneo.

A avaliação da sensação dolorosa do membro superior foi feita com teste de pinprick com agulha 23G, testou-se a sensibilidade dos dermátomos dos nervos ulnar, mediano, radial e musculocutâneo.

Essa avaliação ocorreu a cada cinco minutos até 30 minutos após o bloqueio. Nesse período, se não fosse obtida anestesia cirúrgica, era feita injeção complementar de bupivacaína guiada por ultrassom, distal à axila, e o paciente era excluído do protocolo.

Definiu-se anestesia cirúrgica como uma escala motora menor ou igual a dois, com a ausência de sensação de frio e pinprick nos dermátomos estudados e, ainda, se não havia necessidade de complementação anestésica durante o procedimento.

O término da injeção da solução de AL foi considerado o momento zero para avaliação da taxa de sucesso do bloqueio. O tempo de latência foi definido como o intervalo de tempo entre o momento zero e o momento em que a anestesia cirúrgica era obtida.

Durante o procedimento cirúrgico, os pacientes receberam 0,05 mg.kg−1 de midazolan para sedação.

Após o procedimento cirúrgico, o paciente era admitido na sala de recuperação pós-anestésica, onde permanecia por quatro horas para avaliar a necessidade de complementação analgésica.

Metodologia laboratorial

Amostras de sangue venoso eram colhidas antes do bloqueio, a cada 15 min durante a primeira hora e a cada 30 min na segunda hora após o bloqueio, através de uma cânula exclusiva. Inicialmente, colhiam-se 5 mL que eram desprezados, para evitar qualquer tipo de contaminação da coleta anterior. Depois, colhiam-se mais 5 mL, que eram armazenados em dois tubos de EDTA. Os tubos de EDTA eram centrifugados a 3.500×g por 10 min, para obtenção do plasma sanguíneo. O plasma obtido foi armazenado em tubos criogênicos em freezer de temperatura – 80 ºC até a análise.

Para a análise, foi usado o cromatógrafo de aparelho de High Performance Liquid Cromatography (HPLC) marca Shimadzu (Kioto, Japão) acoplado ao espectrômetro de massas da marca Bruker, modelo Amazon (EUA) com fonte de ionização por eletrospray1616 Gaskell SJ. Electrospray: principles and practice. J Mass Spectrom. 1997;32:677-88. e sistema de espectrometria de massas sequenciais (MS/MS).

Após a obtenção do íon precursor, foi obtido fragmento proveniente da dissociação do íon precursor através do processo de dissociação induzido por colisão. Fez-se o monitoramento de dados de HPLC-MS/MS do padrão interno (triptofano) e do padrão de bupivacaína. Foram feitas análises no modo positivo no modo MS/MS com a seleção dos íons moleculares 289 m/z ⇒140.1 m/z, bupivacaína. A metodologia foi validada de acordo com as recomendações internacionais da Food and Drug Administration.1717 FDA – Food and Drug Administration. Guidance for Industry, Analytical Procedures and Methods Validation for Drugs and Biologics. Available from: http://www.fda.gov/downloads/drugs/guidancecomplianceregulatoryinformati on/guidances/ucm386366.pdf [accessed March 2014].
http://www.fda.gov/downloads/drugs/guida...

Análise estatística

O objetivo deste estudo foi avaliar a diferença nos níveis plasmáticos máximos obtidos após o bloqueio do plexo braquial via axilar guiado por ultrassom com duas concentrações diferentes de bupivacaína e manutenção da massa infundida. Para calcular o tamanho da amostra necessária para revelar essa diferença, foram considerados os seguintes pressupostos: 1) Hipótese nula: H0: P0 25 max = P0 5 max; Hipótese alternativa Ha: P0 25 max > P0 5 max, onde P0 25 max = Pico de plasma obtido no Grupo de 0,25% e P 0,5% = Pico de plasma obtido no Grupo de 0,5%; 2) Teste para a comparação de dois meios de amostras independentes com um desvio padrão conhecido (teste t de Student); 3) Nível de significância de 5% (α = 0,05); 4) Poder da amostra – 80% (1 – β = 0,80).

Considerando a diferença de aproximadamente 40% obtida na literatura para injeção intramuscular, o tamanho da amostra foi calculado como 14 pacientes por grupo. Considerando uma taxa de perda de aproximadamente 10% durante a coleta e análise, o número de amostras foi aumentado para 32 pacientes. Todas as análises foram feitas com SPSS (v 18,0) e Minitab (v 16).

O teste de Shapiro-Wilk foi usado para verificar se os dados analisados eram normalmente distribuídos. Para as variáveis quantitativas com distribuição normal, usou-se o teste t de Student. A Anova foi usada para analisar a variância entre as variáveis quantitativas. O nível de significância adotado foi de 5% (α < 0,05) e os testes com nível descritivo inferior a 5% (p < 0,05) foram considerados significativos.1818 Conover WJ. Practical nonparametric statistics. 2ª ed. NewYork: Wiley; 1980. p. 493.

Resultados

Foram selecionados 35 0 pacientes para o estudo. Três não preencheram os critérios de inclusão e foram excluídos e foram randomizados 32 pacientes. Não ocorreu dificuldade na visibilização do plexo braquial via axilar pelo ultrassom. Dois pacientes, um de cada grupo, foram excluídos do protocolo por falha do bloqueio; 30 pacientes completaram o protocolo até análise das amostras (fig. 1). As características demográficas desses pacientes estão apresentadas na tabela 2.

Figura 1
Fluxograma clínico do estudo.

Tabela 2
Dados demográficos dos pacientes

O tempo para o bloqueio foi de 192 ± 28 segundos para o Grupo 0,5% e 204 ± 32 segundos para o Grupo 0,25% (p = 0,462); não influenciou a mensuração do tempo de latência. Entretanto, a latência dos bloqueios do Grupo bupivacaína a 0,5% foi estatisticamente menor do que a do Grupo bupivacaína a 0,25% (tabela 3). Além disso, não foi observada diferença na duração dos procedimentos cirúrgicos (tabela 3).

Tabela 3
Latência dos bloqueios e tempo cirúrgico por grupo

Em todos os pacientes nos quais foi atingido bloqueio cirúrgico, os procedimentos cirúrgicos ocorreram sem intercorrências. Durante o bloqueio, não foi observada punção intravascular inadvertida, o que poderia prejudicar a avaliação dos resultados. Além disso, não foram observados sintomas leves ou graves de intoxicação sistêmica por anestésico local (p. ex.; zumbido, formigamento perioral ou convulsões). Além disso, com relação à analgesia pós-operatória, nenhum paciente referiu dor até quatro horas após o bloqueio. Todos os pacientes receberam alta no mesmo dia do procedimento e não houve caso de readmissão hospitalar.

Com relação ao estudo farmacocinético, as doses usadas de bupivacaína, em mg.kg–1, foram semelhantes entre os grupos, não interferiram nos resultados obtidos (Grupo 0,25% – 1,33 ± 0,19; Grupo 0,5% – 1,32 ± 0,19; p = 0,826). As concentrações plasmáticas de bupivacaína após o bloqueio do plexo braquial via axilar para os Grupos 0,5% e 0,25% estão demonstradas na tabela 4 e figura 2. Não houve diferença entre as concentrações plasmáticas de anestésico em qualquer dos tempos. O pico plasmático, para ambos os grupos, ocorreu 45 minutos após o bloqueio. A concentração máxima média de bupivacaína foi de 933,97 ± 328,03 ng.mL−1 para o Grupo 0,25% e de 1.022,79±253,81 ng.mL−1 para o Grupo 0,5%.

Tabela 4
Resultados das comparações da concentração de bupivacaína plasmática em cada ponto de tempo após o bloqueio

Figura 2
Distribuição das médias e desvios-padrão das concentrações plasmáticas de bupivacaína por grupo em diferentes momentos após o bloqueio.

As diferentes concentrações do AL usadas não afetaram a rapidez com que foi atingido o pico plasmático (tabela 4 e fig. 2).

Discussão

A concentração plasmática de AL depende da dose administrada, da taxa de absorção sistêmica, da distribuição tecidual e da eliminação do fármaco. A diminuição da absorção sistêmica de AL aumenta a sua margem de segurança na prática clínica. A dose de AL é a variável mais manipulada pelo médico durante a prática clínica. O médico pode definir a dose total a ser administrada e se o fármaco é administrado numa solução mais concentrada ou mais diluída. O presente estudo teve como objetivo verificar a relação entre a concentração de AL e seu pico plasmático. Apesar da diferença de concentrações de bupivacaína entre os grupos, os resultados do presente estudo mostraram que o nível plasmático máximo obtido foi semelhante.

Esses resultados são semelhantes aos de estudo prévio que não conseguiu encontrar uma diferença no nível máximo de AL na anestesia peridural quando a massa foi mantida constante.1212 Morrison LM, Emanuelsson BM, McClure JH, et al. Efficacy and kinetics of extradural ropivacaine: comparison with bupivacaine. Br J Anaesth. 1994;72:164-9. Assim, esse resultado aumenta a evidência de que é a dose total de AL que regula a farmacocinética do fármaco.1919 Cuvillon P, Nouvellon E, Ripart J, et al. A comparison of the pharmacodynamics and pharmacokinetics of bupivacaine, ropivacaine (with epinephrine) and their equal volume mixtures with lidocaine used for femoral and sciatic nerve blocks: a double-blind randomized study. Anesth Analg. 2009;108:641-9.,2020 Hashizume Y, Yamaguchi S, Mishio M, et al. Pediatric caudal block with mepivacaine, bupivacaine or a mixture of both drugs: requirement for postoperative analgesia and plasma concentration of local anesthetics. J Clin Anesth. 2001;13:30-4.

Uma possível explicação seria que quando se usa o fármaco mais concentrado a área de superfície disponível para absorção é menor, o que resultaria numa absorção sistêmica igual à do fármaco numa concentração mais baixa, mas com uma área de superfície disponível para absorção maior. Pode-se sugerir que a área de superfície disponível para absorção desempenha um papel importante no pico plasmático de AL, neutraliza o efeito da diferença nas concentrações. Essa constatação é demonstrada pelo mesmo pico de concentração plasmática e pelo mesmo padrão de concentração plasmática ao longo do tempo em ambos os grupos, apesar das diferentes concentrações. Além disso, uma possível diferença na osmolaridade entre as soluções poderia resultar em diferentes níveis plasmáticos máximos entre os grupos. As osmolaridades das soluções usadas neste estudo foram de 293 mOsmoL.L−1 para a bupivacaína a 0,25% e 239 mOsmoL.L−1 para a bupivacaína a 0,5%. No entanto, a diferença na osmolaridade entre os grupos não influenciou o pico plasmático.

Em estudo anterior, Cohen et al. demonstraram que uma porção das soluções mais concentradas poderia precipitar quando injetado em tecido com Ph > 6,9. As soluções com menores concentrações não mostraram essa precipitação.1010 Cohen LS, Rosenthal JE, Horner DW, et al. Plasma levels of lidocaine after intramuscular administration. Am J Cardiol. 1972;29:520-23. As soluções usadas no presente estudo apresentaram o mesmo pH. No entanto, uma limitação do estudo foi não avaliar se essa precipitação também ocorreu com a bupivacaína em maior concentração na via axilar, o que diminuiria a disponibilidade do fármaco para absorção.

Além disso, outro resultado interessante do presente estudo foi que a latência para bloqueio foi menor para o Grupo 0,5% do que para o grupo bupivacaína 0,25%. Uma possível explicação para esse resultado é que quando a área de superfície disponível para troca é limitada, a concentração de AL torna-se o principal determinante do período de latência. Estudo anterior determinou que o volume mínimo de AL necessário para envolver os nervos no bloqueio do plexo braquial axilar é de aproximadamente 3,5 Ml.2121 Harper GK, Stafford MA, Hill DA. Minimum volume of local anaesthetic required to surround each of the constituent nerves of the axillary brachial plexus, using ultrasound guidance: a pilot study. Br J Anaesth. 2010;104:633-6. No presente estudo, o volume infundido mais baixo foi de 5 mL por nervo. Portanto, o volume injetado por nervo foi maior do que o volume mínimo necessário para envolver toda a estrutura nervosa em ambos os grupos. Portanto, o volume usado foi suficiente para circundar toda a superfície de troca neural, sem diferença entre os grupos quanto a esse fator. Nesse caso, a concentração torna-se provavelmente o fator mais importante relacionado à velocidade de passagem transmembrana quando a área de superfície é a mesma. Isso explicaria o menor período de latência no grupo bupivacaína 0,5%.

A duração do bloqueio motor e sensitivo não pôde ser avaliada devido à natureza ambulatorial do serviço. Apesar dessa diferença de latência de bloqueio, a analgesia pós-operatória até quatro horas foi a mesma entre os grupos, mostrou que o uso de diferentes concentrações não alterou a analgesia durante esse período.

Em relação aos sintomas de LAST, estudo anterior demonstrou que, após infusão intravenosa de bupivacaína, os pacientes apresentaram sintomas leves de toxicidade (ou seja, formigamento na boca, tontura e zumbido) com concentrações plasmáticas que variaram entre 1.000 e 2.000 ng.mL−1. A infusão foi feita a uma taxa de 10 mg.min−1 até uma dose máxima de 150 mg ou até os primeiros sintomas aparecerem.2222 Scott DB, Lee A, Fagan D, et al. Acute toxicity of ropivacaine compared with that of bupivacaine. Anesth Analg. 1989;69:563-9. Embora o pico de bupivacaína plasmática observado em alguns pacientes no presente estudo também tenha atingido valores entre 1.000 e 2.000 ng.mL−1 para ambos os grupos, esse efeito ocorreu após 45 min de infusão perineural e nenhum paciente apresentou sintomas de LAST. Esses resultados são semelhantes aos estudos anteriores da farmacocinética da bupivacaína durante o bloqueio do plexo braquial axilar,2323 Vainionpää VA, Haavisto ET, Huha TM, et al. A clinical and pharmacokinetic comparison of ropivacaine and bupivacaine in axillary plexus block. Anesth Analg. 1995;81:534-8.,2424 Freysz M, Beal JL, D’Athis P, et al. Pharmacokinetics of bupivacaine after axillary brachial plexus block. Int J Clin Pharmacol Ther Toxicol. 1987;25:392-5. que observaram níveis plasmáticos máximos dentro desse intervalo sem que nenhum dos doentes apresentasse sintomas de toxicidade por AL.2323 Vainionpää VA, Haavisto ET, Huha TM, et al. A clinical and pharmacokinetic comparison of ropivacaine and bupivacaine in axillary plexus block. Anesth Analg. 1995;81:534-8. A velocidade com que o nível plasmático máximo é atingido altera, provavelmente, os efeitos sistêmicos da toxicidade. Além disso, o tempo necessário para alcançar o pico de concentração plasmática no presente estudo foi semelhante ao relatado por outros autores que descreveram o perfil farmacocinético da bupivacaína durante o bloqueio do plexo braquial via axilar. Essa descoberta enfatiza que um episódio de LAST é mais provável de ocorrer durante a primeira hora após o bloqueio, independentemente da concentração usada. Como todos os pacientes foram sedados durante o procedimento cirúrgico, qualquer consciência de sintomas leves de LAST foi limitada.

Conclusão

Este estudo teve como objetivo aumentar o conhecimento da farmacocinética de AL para aumentar a segurança da prática da AR. Este estudo mostra que não há diferença nos níveis plasmáticos máximos de bupivacaína, apesar do uso de diferentes concentrações e volumes, uma vez que a massa de AL foi constante. No entanto, a concentração desempenhou um papel importante na determinação do período de latência desse bloqueio, influenciou inversamente o período de latência.

  • Financiamento
    Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Agradecimentos

Agradecemos ao financiamento da Fapesp (subsídio nº 2012/02514-9) e da Agência Brasileira de Inovação para apoio na aquisição de LC-MS/MS.

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2018

Histórico

  • Recebido
    7 Dez 2016
  • Aceito
    4 Set 2017
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