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Povos indígenas e eleições no Brasil (2014, 2018 e 2022): violências históricas e insurgências atuais 1 1 Para replicação dos dados: https://doi.org/10.7910/DVN/VNXXF8

Indigenous peoples and elections in Brazil (2014, 2018 and 2022): historical violence and current insurgencies

Resumo:

O movimento indígena no Brasil, nos últimos anos, tem se organizado para pleitear e ocupar os espaços de representatividade democrática, instaurando uma nova era: a insurgência para demarcar a política brasileira. Com esse contexto, o presente artigo tem como objetivo identificar as candidaturas autodeclaradas indígenas nos pleitos eleitorais de 2014, 2018 e 2022 para, então, analisar as possíveis causas que impulsionaram o aumento dessas candidaturas nesses três pleitos eleitorais. A pesquisa, em perspectiva qualitativa - com enfoque exploratório descritivo - reúne sete dimensões analíticas, cujos dados foram obtidos na Base de Dados Abertos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os principais resultados sinalizam que o aumento das candidaturas autodeclaradas indígenas pode estar associado a cinco causas principais: o fortalecimento do movimento indígena nas últimas três décadas; o acesso desses povos às políticas públicas educativas voltadas à equidade e à diversidade étnico-racial; o contexto político após o impeachment de Dilma Rousseff; a instrumentalização política por partidos de direita e de extrema-direita; a forte presença das mulheres indígenas, sobretudo nas eleições de 2022.

Palavras-chave:
povos indígenas; insurgências; violações de direitos; eleições; democracia representativa

Abstract:

The indigenous movement has organized in recent years to contest and occupy spaces of democratic representation in Brazil, initiating a new era of insurgency to “demarcate” Brazilian politics. Given this context, this article seeks to identify self-declared indigenous candidacies in the 2014, 2018 and 2022 elections and to analyze the likely causes for the increase of such candidacies in this period. The research was qualitative, descriptive, and exploratory, organized around seven analytical dimensions of data obtained from the Open Database of the Brazilian Supreme Electoral Court (TSE). The results suggest that five factors explained the increase in indigenous candidacies: the strengthening of the indigenous movement over the last three decades; the access of indigenous people to public educational policies aimed at equity and ethno-racial diversity; the political context after Dilma Rousseff’s impeachment; political instrumentalization by right-wing parties; and the strong presence of indigenous women, especially in the 2022 elections.

Keywords:
indigenous peoples; insurgencies; rights violations; elections; representative democracy

Resumen:

En los últimos años, el movimiento indígena en Brasil se ha organizado para disputar y ocupar espacios de representación democrática, inaugurando una nueva era: la insurgencia para demarcar la política brasileña. En este contexto, el objetivo de este artículo es identificar las candidaturas autodeclaradas indígenas en las elecciones de 2014, 2018 y 2022 y, analizar las posibles causas del aumento de estas candidaturas en estas tres elecciones. La investigación, desde una perspectiva cualitativa - con un enfoque exploratorio descriptivo - reúne siete dimensiones analíticas, cuyos datos se obtuvieron de la Base de Datos Abierta del Tribunal Superior Electoral (TSE). Los principales resultados indican que el aumento de las candidaturas autodeclaradas indígenas puede estar asociado a cinco causas principales: el fortalecimiento del movimiento indígena en las últimas tres décadas; el acceso de estos pueblos a las políticas públicas de educación orientadas a la equidad y a la diversidad étnico-racial; el contexto político posterior al impeachment de Dilma Rousseff; la instrumentación de candidaturas indígenas por partidos de la extrema derecha; y la fuerte presencia de mujeres indígenas, especialmente en las elecciones de 2022.

Palabras clave:
pueblos indígenas; insurgencias; violaciones de derechos; elecciones; democracia representativa

Introdução

A participação do movimento indígena e indigenista no processo de elaboração e de aprovação da Constituição de 1988 foi determinante para a construção de um novo cenário na relação entre o Estado brasileiro e os povos indígenas (Baniwa, 2012BANIWA, Gersem. A conquista da cidadania indígena e o fantasma da tutela no Brasil contemporâneo. In: RAMOS, A. R. (org.). Constituições nacionais e povos indígenas. Belo Horizonte, BH: Editora UFMG, 2012. p. 207-227.; Cunha, 2018CUNHA, Manuela Carneiro da. Índios na Constituição. Novos Estud. CEBRAP, São Paulo, v. 37, n. 3, p. 429-443, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.25091/S01013300201800030002 Acesso em: 13 out. 2022.
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; Fernandes, 2015FERNANDES, Pádua. Povos indígenas, segurança nacional e a Assembleia Nacional Constituinte: as Forças Armadas e o capítulo dos índios da Constituição brasileira de 1988. Revista Insurgência, Brasília, v. 1, n. 2, p. 142-175, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.26512/insurgncia.v1i2.18881. Acesso em: 27 set. 2022.
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). Contudo, alguns segmentos dessa relação continuam avançando lentamente, por exemplo, a baixa presença de candidaturas indígenas eleitas aos cargos de maior poder político no âmbito da democracia representativa em nível estadual e federal (Oliveira; Souza Lima, 2022OLIVEIRA, Bruno Pacheco; SOUZA LIMA, Antônio Carlos de. Pleitos eleitorais e cidadania indígena no Brasil: o presente e o futuro. In: DE PAULA, L. R.; VERDUM, R.; SOUZA LIMA, A. C. de. Participação política em eleições: desafios técnicos e políticos no processo eleitoral brasileiro de 2022. 1. ed., Rio de Janeiro: Mórula, 2022.). Diante dessa conjuntura política, a presente pesquisa discorre sobre o tema da participação de candidaturas autodeclaradas indígenas na política nacional, no período de 2014, 2018 e 2022. A escolha por esse recorte temporal tem como base as mudanças recentes no processo de inscrição dos candidatos, sobretudo no ano de 2014, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) introduziu a categoria “raça/cor” na inscrição eleitoral (TSE, 2022Tribunal Superior Eleitoral - TSE. Portal de dados abertos do TSE. 2022. Disponível em: Disponível em: https://dadosabertos.tse.jus.br/ . Acesso em: 20 nov. 2022.
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). Logo, o debate científico produzido a partir de dados oficiais sobre essa categoria configura como algo recente na literatura científica nacional.

Sobre a participação de candidaturas indígenas nas eleições, Oliveira e Souza Lima (2022)OLIVEIRA, Bruno Pacheco; SOUZA LIMA, Antônio Carlos de. Pleitos eleitorais e cidadania indígena no Brasil: o presente e o futuro. In: DE PAULA, L. R.; VERDUM, R.; SOUZA LIMA, A. C. de. Participação política em eleições: desafios técnicos e políticos no processo eleitoral brasileiro de 2022. 1. ed., Rio de Janeiro: Mórula, 2022. enfatizam que esse debate foi constituído por uma série de dados dispersos em trabalhos e obras específicas; além do esforço de ONGs e movimentos sociais que conseguiram mapear a participação indígena nos pleitos eleitorais dos anos anteriores. Na pesquisa “A cor dos eleitos: determinantes da sub-representação política dos não brancos no Brasil”, Campos e Machado (2015, p. 142)CAMPOS, Luiz Augusto; MACHADO, Carlos. A cor dos eleitos. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 16, p. 121-151, 2015. salientam uma série de questões fundamentais que nos ajudaram a pensar esta pesquisa, principalmente: a) a baixa representatividade de grupos não brancos na política nacional; b) a pouca literatura específica sobre essa temática, ao contrário do tema de gênero e política que dispõe de mais referenciais; c) a argumentação de que a baixa representatividade dos candidatos não brancos perpassa as “dinâmicas sociológicas da discriminação racial no Brasil”. Apesar desses autores abordarem, prioritariamente, a baixa representatividade da população negra na política, essa obra pode agregar lentes interpretativas no caso das candidaturas indígenas (Campos; Machado, 2015CAMPOS, Luiz Augusto; MACHADO, Carlos. A cor dos eleitos. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 16, p. 121-151, 2015.).

As vivências da população negra, dos povos indígenas e afro-indígenas assemelham-se no caráter discriminatório da sociedade brasileira que se reflete, como em diversos setores, na política eleitoral (Campos; Machado, 2015CAMPOS, Luiz Augusto; MACHADO, Carlos. A cor dos eleitos. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 16, p. 121-151, 2015.; Barbieri et al., 2022BARBIERI, Catarina Helena Cortada; MARDEGAN, Ivan Osmo; MARIN, Juliana Fabbron; FERREIRA, Luã; RAMOS, Luciana de Oliveira; DUTRA, Nathalia; SANT’ANNA, Wania. Dinheiro, raça e eleições: uma análise do financiamento eleitoral de candidaturas negras. São Paulo: FGV Direito SP, 2022.). Nesse sentido, referenciar trabalhos sobre raça e eleições pode agregar perspectivas epistemológicas para pensarmos os atravessamentos que caracterizam as candidaturas indígenas. Entretanto, não é o propósito desta pesquisa limitar-se a generalizar os elementos comparativos das experiências vivenciadas por esses grupos sociais. Ao contrário, com essas experiências pretendemos ilustrar que, em um panorama mais amplo, esses grupos encontram-se em um contexto similar de exclusão política, perpetrado por um modelo de sociedade que pauta o racismo estrutural enquanto ferramenta para resguardar privilégios da branquitude. Para isso, o racismo estrutural, como aponta Almeida (2021)ALMEIDA, Silvio. Racismo estrutural. São Paulo, SP: Editora Jandaíra, 2021., estabelece o poder e a supremacia de uma raça sobre a outra e, portanto, estabelece categorias entre os grupos sociais como forma de domínio e controle social, político e econômico.

Uma das funções do racismo estrutural consiste em perpetuar as desigualdades e marginalizar as etnias, subjugando-as em uma sociedade que, ao longo de sua história, tem sido estruturada para alijar, nesse contexto, os povos indígenas do sistema social, político e econômico. Por um lado, a força dessa estrutura é refletida nas estatísticas, revelando que “a política nacional é majoritariamente branca” (Campos; Machado, 2015CAMPOS, Luiz Augusto; MACHADO, Carlos. A cor dos eleitos. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 16, p. 121-151, 2015., p. 150). Por outro lado, essa estrutura destaca a baixa representatividade dos povos indígenas na composição da política brasileira, uma vez que o país ficou trinta e um anos sem nenhuma representação indígena no âmbito da política federal. O primeiro indígena eleito na esfera federal foi o deputado Mário Juruna. Eleito pelo estado do Rio de Janeiro, o seu mandato aconteceu no período de 1983 até 1987 vinculado ao Partido Democrático Trabalhista (PDT). A eleição do deputado federal Mário Juruna, na visão de Keyla Pataxó, efetivou-se no objetivo de representar, sobretudo, duas pautas: os interesses dos povos indígenas e as questões da agenda ambiental (Conceição, 2022).

Após mais de três décadas sem candidaturas indígenas eleitas nos pleitos eleitorais federais, dois fenômenos foram determinantes para pensarmos esta pesquisa. O primeiro deles diz respeito à eleição da primeira mulher indígena ao cargo de deputada federal no ano de 2018, Joênia Wapichana que, exitosa como candidata pela Rede e Sustentabilidade, foi eleita pelo estado de Roraima (Guajajara; Alarcon; Pontes, 2022GUAJAJARA, Sônia Bone; ALARCON, Daniela Fernandes; PONTES, Ana Lucia de Moura. Entrevista com Sonia Guajajara: o movimento indígena frente à pandemia da COVID-19. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 27, n. 11, p. 4125-4130, 2022.). O segundo, os dados do TSE indicaram um crescimento da participação de pessoas autodeclaradas indígenas disputando processos eleitorais estaduais e federais nas últimas eleições. Diante desses dois fenômenos, uma questão apresenta-se interessante para esta pesquisa: quais são as possíveis causas que podem ter contribuído para o aumento de candidaturas autodeclaradas indígenas nos pleitos eleitorais de 2014, 2018 e 2022, no âmbito estadual e federal?

A formulação dessa questão é constituída, também, com base na polarização política apresentada no resultado das eleições de 2022, quando o número de dez candidaturas autodeclaradas indígenas foi eleito neste pleito eleitoral (TSE, 2022Tribunal Superior Eleitoral - TSE. Portal de dados abertos do TSE. 2022. Disponível em: Disponível em: https://dadosabertos.tse.jus.br/ . Acesso em: 20 nov. 2022.
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). Por um lado, entre essas candidaturas destacam-se Sônia Guajajara e Célia Xakriabá, as quais possuem relação direta com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e promoveram uma forte oposição ao governo federal de Jair Bolsonaro. Por outro lado, Hamilton Mourão e Silvia Waiãpi, também eleitos, defenderam e apoiaram o governo e as pautas políticas de Jair Bolsonaro. Nesse sentido, analisar a configuração das candidaturas indígenas, desde a ótica da Ciência Política, é importante para compreendermos a complexidade desse debate, especialmente quando os dados do TSE apontam para um crescimento no número de candidaturas autodeclaradas indígenas, com base no critério “raça/cor”. Para isso, a pesquisa estabeleceu o objetivo de identificar as candidaturas autodeclaradas indígenas nos pleitos eleitorais de 2014, 2018 e de 2022 para, então, analisar as possíveis causas que impulsionaram o aumento dessas candidaturas nesses três pleitos eleitorais.

A disputa política de indígenas nos pleitos eleitorais dos últimos anos não significa que essa participação seja uma novidade por si só. Ao analisarmos as eleições municipais, conforme discutido por De Paula (2020)DE PAULA, Luis Roberto. A participação indígena em eleições municipais no Brasil (1976 a 2016): uma sistematização quantitativa preliminar e alguns problemas de investigação. In: VERDUM, R; DE PAULA, L. R. (orgs.). Antropologia da Política Indígena: experiências e dinâmicas de participação e protagonismo indígena em processos eleitorais municipais (Brasil-América Latina). Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Antropologia, 2020. p. 21-107. em uma pesquisa que discorre sobre os dados de participação de indígenas na política municipal de 1976 a 2016, é possível identificar que essa participação existe há bastante tempo no país. Contudo, ao observarmos o histórico da agenda de trabalho da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, doravante APIB, é possível perceber que a pauta da participação em processos eleitorais tem ganhado maior centralidade nos últimos anos. A atuação da APIB, instância de referência do movimento indígena no Brasil, consiste em aglutinar as organizações regionais e nacionais. Logo, a APIB atua, também, com a finalidade de mobilizar os povos e as suas respectivas organizações contra as ameaças e agressões aos direitos indígenas. Seguindo essa linha de trabalho, em 2017, a APIB lançou uma carta aos povos indígenas intitulada “Por um Parlamento cada vez mais indígena”, dando destaque ao seguinte trecho:

Nos últimos anos os povos indígenas do Brasil têm enfrentado fortes pressões que têm se intensificado em todos os espaços de poder do Estado. No parlamento, têm prevalecido em todos os seus níveis, os interesses de grupos majoritariamente contrários aos direitos dos povos indígenas. Tendo em vista que é no parlamento o lugar onde se constrói regramentos legais que vinculam toda a sociedade, faz-se necessário enxergarmos esse espaço como estratégico para o empoderamento dos nossos povos e conseguir que de forma efetiva as nossas lutas e pautas sejam evidenciadas e transformadas em instrumentos de resistência e de poder nesse contexto acentuado de correlação de forças e de ataques permanentes aos direitos indígenas (APIB, 2017Articulação dos Povos Indígenas do Brasil - APIB. Carta aos povos indígenas do Brasil: por um parlamento cada vez mais indígena. 2017. Disponível em: Disponível em: https://apiboficial.org/2017/01/ . Acesso em: 14 dez. 2022.
https://apiboficial.org/2017/01/...
).

Em 2020 a APIB lançou a “Campanha Indígena”, com site4 4 Para mais informações acessar: https://campanhaindigena.info/. exclusivo, cujo objetivo é dar visibilidade e apoio às candidaturas indígenas. É importante destacar que a iniciativa da “Campanha Indígena” foi suprapartidária, ou seja, não restringiu a participação pela legenda partidária, mas buscou apoiar indígenas pela trajetória de luta e defesa dos direitos de seus povos. Ao longo da campanha foi feito o chamado “parente vota em parente”, no sentido de ressaltar a necessidade de indígenas de diferentes regiões votarem e apoiarem nomes de outros indígenas. No âmbito do processo eleitoral de 2022, também foi feito o chamado de “Aldear a Política com a bancada do cocar”, em uma eleição de grande polarização. Desse modo, o site da “campanha indígena” se posicionou a favor do candidato Lula (PT), em oposição ao candidato Bolsonaro (PL) e destacou a importância de “Aldear a Política” com a presença de indígenas.

Assim, o movimento indígena “Aldear a Política com a bancada do cocar”, de acordo com Andrade (2023)ANDRADE, Francisca Marli Rodrigues de. Educação do campo e aldeamento curricular: outra universidade é possível? Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 17, n. 3, p. 242-257, 2023., nasce do entendimento e da compreensão da necessidade de representatividade física e ancestral dos povos indígenas na política brasileira. Portanto, os princípios desse movimento revelam, entre outros aspectos, a organização da força política das mulheres indígenas de todo o Brasil, bem como, os seus anseios por representar os seus povos e territórios em primeira pessoa. Entretanto, é relevante pontuar que as candidaturas autodeclaradas indígenas nem sempre têm como origem as demandas dos movimentos e dos territórios. Por isso, é importante compreender, também, o perfil dessas candidaturas em uma perspectiva histórica, principalmente em um país com forte trajetória de perseguição, de violências e violações, de assassinatos e atos que caracterizam o genocídio dos povos originários.

Em conformidade com o objetivo da pesquisa, o presente artigo está organizado em quatro seções. A primeira, introdução, apresenta a questão e o objetivo da pesquisa, focalizando atenção nos elementos que descrevem o contexto de participação de pessoas indígenas nas disputas eleitorais no Brasil. A segunda seção versa sobre as violências históricas impostas aos povos indígenas e, em paralelo a isso, as lutas sociais organizadas por esses povos no cenário brasileiro. No âmbito dessas lutas, a segunda seção ressalta, ainda, a participação do movimento indígena para conformar a política nacional, apresentando os elementos metodológicos da pesquisa - com destaque às categorias analíticas, às bases de dados utilizadas e ao marco teórico adotado. A terceira seção volta-se aos resultados da pesquisa, centralizando a discussão na associação das candidaturas indígenas à luta contra o racismo estrutural e à participação das mulheres no projeto de aldear a política com a bancada do cocar. A última seção - quarta - tece algumas considerações finais e, portanto, enfatiza cinco possíveis causas do aumento do número de candidaturas indígenas nos pleitos eleitorais de 2014, 2018 e 2022, entre outros temas sinalizados nessa parte do artigo.

Povos indígenas: violências históricas e as lutas atuais

Evidenciados o objetivo e a questão de pesquisa que moveram esta discussão, não é possível falar sobre candidaturas indígenas no Brasil sem apontar para um histórico de violência e violação de direitos aos quais esses povos foram e vêm sendo submetidos. Nessa conjuntura, desde o início da colonização até os dias atuais, os povos indígenas criaram e inovaram em estratégias de sobrevivência, sendo as mobilizações sociais e políticas importantes aliadas na luta para conquistar direitos e tentar desnaturalizar a violência. No passado recente, o período de 1964 a 1985 no Brasil - que corresponde a duas décadas de Ditadura Militar - trouxe resultados devastadores para os povos indígenas,5 5 Adotamos a terminologia “Povos Indígenas” em acordo com a Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) - Povos Indígenas e Tribais. sendo marcado pela intensa violação de direitos humanos. Entre essas violações podemos citar: assassinatos; aldeias dizimadas; remoção forçada de seus territórios; transmissão intencional de doenças; sequestros de crianças; recrutamento para trabalho forçado; perseguição ao movimento indígena; e forte política de assimilação cultural, em um processo nítido de genocídio e etnocídio (Cabral; Morais, 2020CABRAL, Rafael Lamera Giestra; MORAIS, Vitória Larissa Dantas. Os povos indígenas brasileiros na ditadura militar: tensões sobre desenvolvimento e violação de direitos humanos. Direito e Desenvolvimento, João Pessoa, v. 11, n. 1, p. 106-122, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.26843/direitoedesenvolvimento.v11i1.1218 Acesso em: 13 nov. 2022.
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; Calheiros, 2015CALHEIROS, Orlando. No tempo da guerra: algumas notas sobre as violações dos direitos dos povos indígenas e os limites da justiça de transição no Brasil. Re-vista Verdade, Justiça e Memória, Rio de Janeiro, n. 9, p. 1-11, 2015.; Osowski, 2017OSOWSKI, Raquel. O marco temporal para demarcação de terras indígenas, memória e esquecimento. Mediações, Londrina, v. 22, n. 2, p. 320-246, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.5433/2176-6665.2017.2v22n2p320 Acesso em: 27 set. 2022.
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).

Com a finalização da Ditadura Militar no Brasil, os atos que caracterizam o crime de genocídio dos povos indígenas persistem. Contudo, o período de redemocratização marca um novo horizonte para esses povos, com a possibilidade de ter seus direitos garantidos constitucionalmente. Na perspectiva de Baniwa (2012)BANIWA, Gersem. A conquista da cidadania indígena e o fantasma da tutela no Brasil contemporâneo. In: RAMOS, A. R. (org.). Constituições nacionais e povos indígenas. Belo Horizonte, BH: Editora UFMG, 2012. p. 207-227., antes da aprovação da Constituição Federal de 1988 - doravante CF - os povos indígenas viviam um regime governamental tutelar, através do Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Posteriormente, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) - dentro desse regime tutelar - desenvolveu um projeto de “integração e assimilação cultural”, o qual tinha como objetivo o apagamento étnico cultural dos povos indígenas por meio da dominação e controle pelo aparato estatal (Baniwa, 2012BANIWA, Gersem. A conquista da cidadania indígena e o fantasma da tutela no Brasil contemporâneo. In: RAMOS, A. R. (org.). Constituições nacionais e povos indígenas. Belo Horizonte, BH: Editora UFMG, 2012. p. 207-227.; Fernandes, 2015FERNANDES, Pádua. Povos indígenas, segurança nacional e a Assembleia Nacional Constituinte: as Forças Armadas e o capítulo dos índios da Constituição brasileira de 1988. Revista Insurgência, Brasília, v. 1, n. 2, p. 142-175, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.26512/insurgncia.v1i2.18881. Acesso em: 27 set. 2022.
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). Para confrontar essa realidade, os povos indígenas, a partir de uma ampla mobilização social, conseguiram incluir no texto da CF de 1988 artigos que resguardam os seus direitos fundamentais.

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

Art. 232 Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo (Brasil, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm . Acesso em: 12 out. 2022.
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).

A CF de 1988 apresenta-se como um marco fundamental para a efetivação legal dos direitos dos povos indígenas - inclusive os direitos políticos -, uma vez que o artigo 231 reconhece direitos mais centrais e o artigo 232 legitima a luta e organização em prol desses direitos (Brasil, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm . Acesso em: 12 out. 2022.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/co...
). Contudo, na prática cotidiana, esses povos ainda são vítimas de constantes ameaças, violências e violações de direitos humanos, as quais não se limitam ao período de colonização e da Ditadura Militar; ao contrário, fazem parte da configuração cotidiana do Brasil atual (Cerqueira; Ferreira; Bueno, 2021CERQUEIRA, Daniel; FERREIRA, Helder; BUENO, Samira (orgs.). Atlas da Violência. São Paulo, SP: IPEA, FBSP, 2021. Disponível em: https://dx.doi.org/10.38116/riatlasdaviolencia2021 Acesso em: 17 nov. 2022.
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; CPT, 2022COMISSÃO PASTORAL DA TERRA - CPT. Conflitos no Campo Brasil 2021. Goiás, GO. 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.cptnacional.org.br/publicacoes-2/destaque/6001-conflitos-no-campobrasil-2021 . Acesso em: 20 out. 2022.
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).6 6 Desde 2016, quando ocorre o Impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, o país entra em um processo de redução de orçamentos para programas de desenvolvimento no campo, somado à omissão do Estado na garantia de direitos e mediação de conflitos. Isso leva a invasões de territórios, conflitos, violências etc. (CPT, 2022). Assassinatos de lideranças, invasões de territórios, grilagem, mineração ilegal, ameaças e desassistências são algumas das mais variadas formas em que aparecem esses dados nas pesquisas (CIMI, 2022CONSELHO INDÍGENA MISSIONÁRIO - CIMI. Relatório: violência contra povos indígenas no Brasil - dados 2021. Brasília: CIMI, 2022. Disponível em: Disponível em: https://cimi.org.br/2022/08/relatorioviolencia2021/ . Acesso em: 20 out. 2022.
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). Esse cenário de violência contra os povos indígenas ocorreu e ocorre durante todos os governos, o que ressalta o argumento de que “o Estado brasileiro age com base em paradigmas coloniais, que constituem o alicerce de sustentação das relações políticas, sociais e jurídicas, que foram se desenvolvendo com os povos indígenas no país, desde o início do processo de colonização da América” (Assirati; Moreira, 2019ASSIRATI, Maria Augusta; MOREIRA, Luís Gustavo Guerreiro. O estado anti-indígena: da colônia ao novo golpe. Tensões Mundiais, Fortaleza, v. 15, n. 29, p. 97-118, 2019., p. 99).

Para exemplificar esse argumento, lembremos que nos anos de governo do Partido dos Trabalhadores (2003 - 2016) expandiram-se as políticas públicas de direitos sociais, as quais foram extensivas aos povos indígenas (Baniwa, 2019BANIWA, Gersem. Educação escolar indígena no século XXI: encantos e desencantos. Rio de Janeiro, RJ: Mórula/ Laced, 2019.; Souza Lima, 2016SOUZA LIMA, Antônio Carlos de. (org.). A educação superior de indígenas no Brasil: balanços e perspectivas. Rio de Janeiro, RJ: Editora e-papers. 2016.). Contudo, isso não significou que a violência contra essa população deixasse de existir. Como exemplo disso, citamos a lentidão com processos demarcatórios, assassinatos, invasões territoriais, a construção da usina de Belo Monte - que levou os indígenas a uma série de manifestações de grandes proporções -, uma assídua articulação da bancada ruralista no congresso nacional, entre outras questões (Assirati; Moreira, 2019ASSIRATI, Maria Augusta; MOREIRA, Luís Gustavo Guerreiro. O estado anti-indígena: da colônia ao novo golpe. Tensões Mundiais, Fortaleza, v. 15, n. 29, p. 97-118, 2019.). Nessa linha de pensamento, devemos ressaltar que o cenário de violência foi intensificado na gestão de Michel Temer (2016-2018) e de Jair Bolsonaro (2019-2022), ampliando a necropolítica nas seguintes ramificações do poder:

  • pela atuação da FUNAI - um órgão indigenista que foi alvo de queixas por sua forma de assistência negligente e omissa na era do governo Bolsonaro (Veron; Guimarães, 2020);

  • pela falta de demarcação de territórios (Araújo Silva, 2018ARAÚJO SILVA, Elizângela Cardoso de. Povos indígenas e o direito à terra na realidade brasileira. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 133, p. 480-500, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0101-6628.155. Acesso em: 21 nov. 2022.
    https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
    ; Osowski, 2017OSOWSKI, Raquel. O marco temporal para demarcação de terras indígenas, memória e esquecimento. Mediações, Londrina, v. 22, n. 2, p. 320-246, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.5433/2176-6665.2017.2v22n2p320 Acesso em: 27 set. 2022.
    https://doi.org/https://doi.org/10.5433/...
    ) e pela constante invasão de territórios já demarcados por fazendeiros, garimpeiros e mineradores (Santos, 2020SANTOS, Gilberto. Governo Bolsonaro: o retorno da velha política genocida indígena. Revista da ANPEGE, Dourados, v. 16, n. 29, p. 426-457, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.5418/ra2020.v16i29.12527. Acesso em: 21 set. 2022.
    https://doi.org/https://doi.org/10.5418/...
    );

  • pelos assassinatos de lideranças indígenas, de ambientalistas e de defensores dos direitos humanos (Cerqueira; Ferreira; Bueno, 2021CERQUEIRA, Daniel; FERREIRA, Helder; BUENO, Samira (orgs.). Atlas da Violência. São Paulo, SP: IPEA, FBSP, 2021. Disponível em: https://dx.doi.org/10.38116/riatlasdaviolencia2021 Acesso em: 17 nov. 2022.
    https://doi.org/https://dx.doi.org/10.38...
    ), entre outras.

Todas as situações descritas colocam-nos diante daquilo que Achille Mbembe (2018)MBEMBE, Achille. Necropolítica. Arte & Ensaios, Rio de Janeiro, n. 32, p. 123-151, 2018. nos apresenta como necropolítica, a qual é construída nas mais altas esferas do poder político e econômico a partir de interesses diversos, sendo que a soberania do Estado é utilizada para definir quem pode viver e quem deve morrer. De forma mais explícita, a necropolítica concretiza-se a partir da lógica da racialização para definir “quem importa e quem não importa, quem é ‘descartável’ e quem não é” (Mbembe, 2018MBEMBE, Achille. Necropolítica. Arte & Ensaios, Rio de Janeiro, n. 32, p. 123-151, 2018., p. 41). Dentro dessa lógica de imposição da morte e do extermínio, desde o início da invasão das Américas até os dias atuais, a morte e a violência foram preponderantes na história dos povos indígenas.

Principalmente nos últimos anos, as violações dos direitos dos povos indígenas apresentaram-nos várias situações complexas, entre elas a atuação do Estado brasileiro que defendeu os interesses do mercado enquanto produzia a normalização da violência, utilizando, para isso, o aparato estatal para fortalecer o racismo estrutural (Cerqueira; Ferreira; Bueno, 2021CERQUEIRA, Daniel; FERREIRA, Helder; BUENO, Samira (orgs.). Atlas da Violência. São Paulo, SP: IPEA, FBSP, 2021. Disponível em: https://dx.doi.org/10.38116/riatlasdaviolencia2021 Acesso em: 17 nov. 2022.
https://doi.org/https://dx.doi.org/10.38...
; Santos, 2020SANTOS, Gilberto. Governo Bolsonaro: o retorno da velha política genocida indígena. Revista da ANPEGE, Dourados, v. 16, n. 29, p. 426-457, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.5418/ra2020.v16i29.12527. Acesso em: 21 set. 2022.
https://doi.org/https://doi.org/10.5418/...
). Nesse cenário, para defender os projetos e as perspectivas “desenvolvimentistas” - poluição, desmatamento, contaminação e morte da diversidade - o racismo estrutural foi fortalecido, sistematicamente, nos distintos espaços da sociedade. Nas palavras de Silvio Almeida (2021, p. 32)ALMEIDA, Silvio. Racismo estrutural. São Paulo, SP: Editora Jandaíra, 2021., “o racismo é uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam”.

Para os povos indígenas, as desvantagens criadas em todos os segmentos sociais são intensificadas no âmbito das instituições políticas, com a finalidade de resguardar os privilégios da branquitude em detrimento das violações, violências e morte dos povos que foram racializados. Desse modo, concordamos com Almeida (2021)ALMEIDA, Silvio. Racismo estrutural. São Paulo, SP: Editora Jandaíra, 2021. quando pontua que o racismo estrutural se revela como processo histórico e político. Em outras palavras, o racismo estrutural “entende que as instituições são apenas a materialização de uma estrutura social ou de um modelo de socialização que tem o racismo como um dos seus componentes orgânicos. Dito de modo mais direto: as instituições são racistas porque a sociedade é racista” (Almeida, 2021ALMEIDA, Silvio. Racismo estrutural. São Paulo, SP: Editora Jandaíra, 2021., p. 47).

O racismo imposto aos povos indígenas, historicamente, funciona para normalizar todos os tipos de violações e violências, algo que coloca em questionamento a atuação das instituições, a aplicabilidade dos marcos jurídicos nacionais e internacionais voltados à proteção dos direitos humanos e à criminalização de atos genocidas. Na tentativa de desnaturalizar essas violências e violações, o movimento indígena brasileiro tem se organizado nas últimas três décadas com forte presença no processo de elaboração da CF de 1988 (Cunha, 2018CUNHA, Manuela Carneiro da. Índios na Constituição. Novos Estud. CEBRAP, São Paulo, v. 37, n. 3, p. 429-443, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.25091/S01013300201800030002 Acesso em: 13 out. 2022.
https://doi.org/https://doi.org/10.25091...
; Fernandes, 2015FERNANDES, Pádua. Povos indígenas, segurança nacional e a Assembleia Nacional Constituinte: as Forças Armadas e o capítulo dos índios da Constituição brasileira de 1988. Revista Insurgência, Brasília, v. 1, n. 2, p. 142-175, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.26512/insurgncia.v1i2.18881. Acesso em: 27 set. 2022.
https://doi.org/https://doi.org/10.26512...
). Mais recentemente, esse movimento tem se insurgido para disputar os espaços de representatividade democrática no Brasil (Chaves, 2021CHAVES, Kena. A. Mulheres indígenas demarcam as eleições: entrevista com Márcia Kambeba. PerCursos, Florianópolis, v. 22, n. 48, p. 383-398, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.5965/1984724622482021383. Acesso em: 11 nov. 2022.
https://doi.org/https://doi.org/10.5965/...
; Codato; Lobato; Castro, 2017CODATO, Adriano; LOBATO, Tieme; CASTRO, Andréa. “Vamos lutar, parentes”: as candidaturas indígenas nas eleições de 2014 no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 32, n. 93, p. 2-24, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.17666/329302/2017. Acesso em: 15 out. 2022.
https://doi.org/https://doi.org/10.17666...
). O conceito de insurgência, conforme destacou Francisco e Mayorga (2020, p. 57)FRANCISCO, Camila Rodrigues; MAYORGA, Claudia. Insurgências nas trajetórias em diáspora de universitárias haitianas em Belo Horizonte, Brasil. Revista Gênero, Niterói, v. 20, n. 2, p. 57-84, 2020. “evoca uma organização que vai contra um movimento hegemônico; é utilizada sobretudo em contextos de rebelião contra um sistema social e político”.

No caso dos povos indígenas no Brasil, a insurgência constitui-se a partir da consciência e do amadurecimento político, ou seja, da não aceitação da continuidade de uma longa tradição sanguinária colonialista. Tal tradição tem imposto uma condição de subalternização dos povos indígenas, roubando-lhes seus direitos, seus territórios e ceifando suas vidas. Diante dessa conjuntura desumanizante, emerge a cidadania insurgente - “uma inovação democrática e um lampejo de cidadania substantiva, por isso deve ser considerada, compreendida e potencializada” (Silva, 2017SILVA, Marcelo Martins. Insurgência e conservadorismo: considerações sobre o paradoxo da cidadania no Brasil. EM PAUTA, Rio de Janeiro, v. 39, n. 15, p. 70-84, 2017., p. 83). Na tentativa de compreender a insurgência política do movimento indígena, tomamos como recorte temporal as eleições de 2014, 2018 e de 2022, ou seja, os três últimos pleitos aos cargos federais e estaduais que dispõem de dados oficiais sobre a autodeclaração dos candidatos.

Metodologicamente, este estudo, coerente com o seu objetivo e com a pergunta de pesquisa, adotou a abordagem qualitativa exploratória descritiva. Na visão de Gerring (2012, p. 722)GERRING, John. Mere description. British Journal of Political Science, v. 42. n. 4, p. 721-746, 2012., “um argumento descritivo descreve um aspecto do mundo. Ao fazê-lo, pretende responder a perguntas (por exemplo: quando, quem, a partir de quê, de que forma) sobre um fenômeno ou um conjunto de fenômenos”. Neste caso, a pergunta em questão se refere às possíveis causas que podem ter contribuído para o aumento de candidaturas autodeclaradas indígenas nos pleitos analisados. Na busca por respostas para a pergunta de pesquisa, a construção deste estudo contemplou sete dimensões analíticas para os três períodos analisados (2014, 2018 e 2022), conforme Figura 1.

Figura 1
Presença dos povos indígenas nas eleições (2014 - 2022): dimensões analíticas

Os dados sobre as sete dimensões analíticas descritas na Figura 1 foram obtidos no Portal de Dados Abertos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no período de 15 de outubro a 10 de novembro de 2022. Para analisar esses dados estabelecemos conexões com outras fontes de dados, tais como: Atlas da Violência 2021 - informe produzido por Cerqueira, Ferreira e Bueno (2021)CERQUEIRA, Daniel; FERREIRA, Helder; BUENO, Samira (orgs.). Atlas da Violência. São Paulo, SP: IPEA, FBSP, 2021. Disponível em: https://dx.doi.org/10.38116/riatlasdaviolencia2021 Acesso em: 17 nov. 2022.
https://doi.org/https://dx.doi.org/10.38...
- no que se refere aos povos indígenas; violência contra os povos indígenas no Brasil - relatórios produzidos anualmente pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) durante os anos de 2011 a 2022; Cadernos sobre Conflitos no Campo - produzidos pela Comissão Pastoral da Terra (CPT); dados do último censo demográfico produzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2022Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Censo demográfico 2022: indígenas: primeiros resultados do universo: segunda apuração. Disponível em: Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=73103 Acesso em: 15 fev. 2024.
https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php...
), entre outros.

No processo de interpretação dos dados, a pesquisa adotou um referencial teórico que versa, prioritariamente, sobre os impactos históricos da colonização na marginalização dos povos indígenas no campo das disputas inerentes à democracia representativa. Nesse sentido, as lentes teóricas de análise agregam contribuições de pesquisas que se inscrevem, principalmente, no campo dos estudos pós-coloniais, decoloniais e do movimento acadêmico indígena e indigenista. Enquanto estrutura de análise, a perspectiva metodológica descritiva dos dados, de acordo com Gerring (2012)GERRING, John. Mere description. British Journal of Political Science, v. 42. n. 4, p. 721-746, 2012., parte da ideia de que esta pode ser integrada ao método científico social, como tentativa de estudar a ação humana de uma forma sistemática, rigorosa e empírica.

Povos indígenas nas disputas eleitorais (2014, 2018 e 2022)

As eleições diretas no Brasil no ano de 2014, 2018 e 2022 foram palco de disputas por interesses diversos, mas que se apresentaram fortemente polarizadas. Essas duas últimas eleições aconteceram após o golpe à democracia, consolidado no formato de impeachment da presidenta Dilma Rousseff no ano de 2016. Após a concretização do impeachment, observamos a ascensão da extrema direita como um fenômeno avassalador nas eleições de 2018 e, portanto, com todas as implicações dessa corrente ideológica ultraconservadora para a desestabilização do Estado Democrático de Direito (Moreira, 2018MOREIRA, Roberta Coeli Neves. Polarização política e o impeachment de 2016: uma análise de dados reais e de mídias sociais. 2018. Dissertação (Mestrado em Ciência da Computação) - Universidade Federal de Minas Gerais, Minas Gerais, 2018.; Nassif, 2020NASSIF, Maria Inês. A hegemonia da crueldade: como uma elite raivosa enfiou uma faca no coração da democracia. In: MILEK, C.; RIBEIRO, A. J. (orgs.). Relações indecentes. São Paulo, SP: Tirant Lo Blanch, 2020. p. 4-12.). As duas últimas eleições presidenciais no país foram marcadas por pautas restritivas aos direitos da classe trabalhadora, em destaque: o fortalecimento dos mecanismos de opressão das minorias políticas e vulnerabilizadas; a violência política contra algumas pessoas, grupos e instituições autodeclaradas opositoras ao projeto nefasto da extrema direita; a flexibilização das leis ambientais e as práticas de ecocídio; a usurpação dos direitos das mulheres; a consolidação dos cenários de genocídio, principalmente dos povos indígenas, entre outros.

É importante reconhecer que a configuração da agenda política anti-indígena no Brasil apresenta-se como um processo histórico e político, mas também econômico (Andrade, 2023ANDRADE, Francisca Marli Rodrigues de. Educação do campo e aldeamento curricular: outra universidade é possível? Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 17, n. 3, p. 242-257, 2023.). Isso significa pensar que os cenários políticos anti-indígenas não se apresentam como uma exclusividade desse período, mas fazem parte da estrutura social e política brasileira (Assirati; Moreira, 2019ASSIRATI, Maria Augusta; MOREIRA, Luís Gustavo Guerreiro. O estado anti-indígena: da colônia ao novo golpe. Tensões Mundiais, Fortaleza, v. 15, n. 29, p. 97-118, 2019.). Diante dessa realidade, a atuação do movimento indígena foi determinante para denunciar a necropolítica, fortalecida, sobretudo, no âmbito do governo Bolsonaro (Amado; Motta Ribeiro, 2020AMADO, Luiz Henrique Eloy; MOTTA RIBEIRO, Ana Maria. Panorama e desafios dos povos indígenas no contexto de pandemia do COVID-19 no Brasil. Confluências - Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito, Niterói, v. 22, n. 2, p. 335-360, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.22409/conflu.v22i2.43050. Acesso em: 21 nov. 2022.
https://doi.org/https://doi.org/10.22409...
). Na visão de Barretto Filho (2020)BARRETTO FILHO, Henyo Trindade. Bolsonaro, meio ambiente, povos e terras indígenas e de comunidades tradicionais: uma visada a partir da Amazônia. Cadernos De Campo (São Paulo - 1991), São Paulo, v. 29, n. 2, p. 1-9, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v29i2pe178663%2032. Acesso em: 27 nov. 2022.
https://doi.org/https://doi.org/10.11606...
, de Mello e Feitosa (2021)MELLO, Andréa Hentz de; FEITOSA, Nathália Karolinne. Dinâmicas da ocupação territorial na Amazônia: reflexões sobre os impactos socioambientais pós-pandemia decorrentes do avanço do desmatamento. Unifesspa: painel reflexão em tempos de crise. 2021. Disponível em: Disponível em: https://acoescovid19.unifesspa.edu.br/images/conteudo/Texto_Profa._Andréa_Hentz.pdf . Acesso em: 11 out. 2022.
https://acoescovid19.unifesspa.edu.br/im...
e de Guajajara, Alarcon e Pontes, (2022)GUAJAJARA, Sônia Bone; ALARCON, Daniela Fernandes; PONTES, Ana Lucia de Moura. Entrevista com Sonia Guajajara: o movimento indígena frente à pandemia da COVID-19. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 27, n. 11, p. 4125-4130, 2022., o período de 2016 até 2022 foi marcado como um dos momentos de maior vulnerabilidade imposta aos direitos dos povos indígenas, com frequentes invasões e usurpações dos seus territórios.

A vulnerabilidade, durante esse período, foi estendida ao direito à vida, uma vez que os povos indígenas, com base na ausência e na omissão intencional do Estado, foram colocados no limite da existência nas suas múltiplas interpretações (Cerqueira; Ferreira; Bueno, 2021CERQUEIRA, Daniel; FERREIRA, Helder; BUENO, Samira (orgs.). Atlas da Violência. São Paulo, SP: IPEA, FBSP, 2021. Disponível em: https://dx.doi.org/10.38116/riatlasdaviolencia2021 Acesso em: 17 nov. 2022.
https://doi.org/https://dx.doi.org/10.38...
; Guajajara; Alarcon; Pontes, 2022GUAJAJARA, Sônia Bone; ALARCON, Daniela Fernandes; PONTES, Ana Lucia de Moura. Entrevista com Sonia Guajajara: o movimento indígena frente à pandemia da COVID-19. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 27, n. 11, p. 4125-4130, 2022.). Para confrontar a histórica política anti-indígena no Brasil, o movimento indígena fortaleceu o entendimento de que precisava disputar os espaços de poder no campo democrático e, desse modo, ampliar suas vozes na luta por direitos no âmbito da democracia representativa (Chaves, 2021CHAVES, Kena. A. Mulheres indígenas demarcam as eleições: entrevista com Márcia Kambeba. PerCursos, Florianópolis, v. 22, n. 48, p. 383-398, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.5965/1984724622482021383. Acesso em: 11 nov. 2022.
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). Assim, a participação das candidaturas autodeclaradas indígenas nessas disputas, a partir do ano de 2014, podem ser observadas no Gráfico 1.

Gráfico 1.
Número total de candidaturas autodeclaradas indígenas nas eleições de 2014, 2018 e 2022

Nas eleições de 2014, 2018 e 2022, os cargos representativos em disputa eram os seguintes: a) Presidência da república - composta por presidente e vice-presidente; b) Governo dos estados e do Distrito Federal - composto pelos cargos de governador e vice-governador; c) Assembleias Legislativas - formada pelos deputados estaduais e pelos deputados distritais (representantes populares do Distrito Federal); d) Câmara dos Deputados - constituída pelos deputados federais; e) Senado Federal - formado por representantes dos estados e do Distrito Federal (TSE, 2022Tribunal Superior Eleitoral - TSE. Portal de dados abertos do TSE. 2022. Disponível em: Disponível em: https://dadosabertos.tse.jus.br/ . Acesso em: 20 nov. 2022.
https://dadosabertos.tse.jus.br/...
). Para essa diversidade de cargos, na somatória dos três pleitos eleitorais, o TSE recebeu a inscrição de um total de 406 candidaturas autodeclaradas indígenas.

Os dados expostos no Gráfico 1 indicam que, em 2014, do total de 26.271 candidaturas para as eleições em todo o país, 85 foram de pessoas autodeclaradas indígenas, o que representa 0,3% do total. Por sua vez, em 2018, os dados apontam que 133 indígenas concorreram às eleições de um total de 29.153 candidaturas, o que corresponde a 0,5 % do total de pessoas que estavam pleiteando cargos representativos. No ano de 2022, do total de 29.262 candidaturas, 188 eram de indígenas, o que representou 0,6% do total de candidatos. Isso indica que de 2014 para 2018 e de 2018 para 2022 houve um crescimento de 56,5% e de 41% do número de candidaturas autodeclaradas indígenas, respectivamente.

Os dados apresentados nos levam a considerar a possibilidade de que o aumento das candidaturas indígenas nos pleitos eleitorais de 2014, 2018 e 2022 esteja relacionado ao crescimento das organizações e das associações indígenas nos estados e nos municípios nas últimas três décadas. De acordo com a base de dados do Instituto Socioambiental (ISA, 2024Instituto Socioambiental - ISA. Povos indígenas no Brasil: lista de organizações indígenas. Disponível em: Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/Lista_de_organiza%C3%A7%C3%B5es_ind%C3%ADgenas . Acesso em: 14 fev. 2024.
https://pib.socioambiental.org/pt/Lista_...
), atualmente, um total de 1105 (mil e cento e cinco) associações e organizações indígenas estão constituídas enquanto pessoas jurídicas no Brasil. Por um lado, isso representa uma forte organização política que está se consolidando e, por outro, pode sinalizar a conformação do movimento aos ditames da política institucional, caracterizando, assim, o amadurecimento e uma nova fase desse movimento.

Candidaturas indígenas: horizontes políticos na luta contra o racismo estrutural

Em uma análise histórica, o crescimento das candidaturas indígenas nos três últimos pleitos eleitorais nacionais - 2014, 2018 e 2022 - pode estar relacionado à insurgência política diante do racismo estrutural que, sob a narrativa de preconceito étnico, articula múltiplos empecilhos para que os povos indígenas tenham acesso aos direitos básicos, entre outras questões que acabaram afastando esses povos dos espaços de poder (Chaves, 2021CHAVES, Kena. A. Mulheres indígenas demarcam as eleições: entrevista com Márcia Kambeba. PerCursos, Florianópolis, v. 22, n. 48, p. 383-398, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.5965/1984724622482021383. Acesso em: 11 nov. 2022.
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; Codato; Lobato; Castro, 2017CODATO, Adriano; LOBATO, Tieme; CASTRO, Andréa. “Vamos lutar, parentes”: as candidaturas indígenas nas eleições de 2014 no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 32, n. 93, p. 2-24, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.17666/329302/2017. Acesso em: 15 out. 2022.
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). Além disso, o racismo estrutural apresenta-se como um forte componente das desigualdades sociais, algo que não somente tem limitado as participações dos povos indígenas nas eleições diretas, mas, também, pode condicionar as decisões contrárias dos eleitores. Tais decisões, em alguns casos, revelam-se como resultados das representações dos povos indígenas consolidadas nas escolas, nos materiais didáticos, nas mídias tradicionais, nas plataformas digitais e nos discursos oficiais de representantes de cargos de poder. Representações estas que disseminam e alimentam estereótipos, folclorização, sentimento anti-indígena e questionamentos da indianidade dos candidatos. Pensando nesses aspectos, o Gráfico 2 traz uma ilustração sobre a situação final das candidaturas autodeclaradas indígenas nos pleitos eleitorais analisados.

Gráfico 2.
Situação final das candidaturas de indígenas apresentadas em 2014, 2018 e 2022

O Gráfico 2 contempla o total de candidaturas indígenas apresentadas nas eleições de 2014, 2018 e 2022 - 85, 133 e 188, respectivamente. É importante destacar que do total de 85 candidaturas efetivadas em 2014, apenas um candidato foi eleito,7 7 Nas eleições de 2014, o candidato José Carlos Nunes da Silva, filiado ao PT, foi eleito, por coeficiente partidário, ao cargo de Deputado Estadual no estado do Espírito Santo (TSE, 2022). o que representa 1,2% do total das candidaturas desse pleito. Por sua vez, em 2018, duas pessoas autodeclaradas indígenas foram eleitas, o que corresponde a 1,5% do total de candidaturas indígenas deste ano. No que diz respeito aos dados de 2022, 10 candidaturas autodeclaradas indígenas conseguiram se eleger, o que representa 5,3% do total. Os dados do Gráfico 2 revelam, também, que o número de candidaturas de suplentes em 2014 foi igual a 55, sendo esse número ampliado em 2018 e em 2022 - 70 e 85, respectivamente. Em termos de percentuais, esses dados correspondem a 65% em 2014, 52,6% em 2018 e 45,2% em 2022. Portanto, esses dados colocam em destaque que quase a metade da situação das candidaturas de indígenas encontra-se na suplência.

O número de candidaturas na condição de suplência pode ser interpretado, por um lado, pelas dificuldades diversas encontradas pelos povos indígenas em conseguirem ocupar os espaços de representatividade democrática. Por outro lado, esse fenômeno pode ser compreendido como a força do movimento indígena na tentativa de aldear a política, uma vez que o número de candidaturas apresentadas e eleitas em 2022 teve um salto expressivo, se compararmos com os dados de 2014 e de 2018. Os dados do Gráfico 2 destacam, também, o número de candidaturas não eleitas nas três eleições - 2014, 2018 e 2022 - 24, 55 e 79, respectivamente. Isso significa que 28% das candidaturas indígenas não foram eleitas em 2014, seguido por 41,4% em 2018 e 42% em 2022. Outra informação relevante refere-se ao número de candidaturas nulas, as quais comportam a porcentagem de 5,8% em 2014, 4,5% em 2018 e 7,4% em 2022. As candidaturas nulas configuram-se como aquelas que, em função de alguma forma de impedimento - seja no ato da apresentação dos documentos, seja em função de processos no âmbito jurídico, entre outros -, não conseguiram ter a aprovação diante dos critérios estabelecidos na legislação nacional.

Os dados sobre as candidaturas eleitas em 2022 revelam um aumento de 400% em relação ao ano de 2018. Esse resultado, sobretudo no que diz respeito às candidaturas que têm forte aderência e apoio do movimento indígena nacional, pode sinalizar que existe uma visão sensível da população não indígena favorável aos direitos desses povos, em detrimento de um suposto sentimento anti-indígena generalizado na sociedade brasileira. Mesmo assim, é importante ressaltar que, no campo político, o racismo estrutural coloca em evidência o mito da democracia racial. Principalmente, quando o chefe do poder executivo, em gabinete oficial, dissemina discursos de ódio contra os povos indígenas (Vicuña, 2019VICUÑA, Laura. Karipuna e a ameaça de um iminente genocídio. In: Conselho Indigenista Missionário. Relatório Violência contra os povos indígenas no Brasil - Dados 2018. Brasília: CIMI, 2019. p.16-18.). Tais discursos tendem a disseminar uma narrativa racista, pautada na ideia de que os povos indígenas são primitivos e atrasados, repletos de estigmas e estereótipos (Bessa-Freire, 2016BESSA-FREIRE, José Ribamar. Cinco ideias equivocadas sobre os índios. Revista Ensaios e Pesquisa em Educação e Cultura, Nova Iguaçu, v. 1, n. 2, p. 3-23, 2016.). Desse modo, o racismo estrutural resguarda os privilégios da branquitude, que utiliza o poder político para afastar os povos racializados dos espaços de disputas políticas, e, ao mesmo tempo, aprovar projetos e leis que atentam contra a dignidade e os direitos fundamentais dos povos originários, deixando-os vulneráveis a todos os tipos de violências.

As informações expostas no Gráfico 2, principalmente o baixo número de candidaturas eleitas em 2014 e em 2018, podem indicar que o racismo estrutural afeta o sucesso das candidaturas indígenas, cuja falta de financiamento eleitoral adequado, que resulta, também, em menos aparição na mídia - e tantos outros fatores - acabam construindo dificuldades para a consolidação da representatividade democrática em um país pluriétnico e intercultural, como é o Brasil. Sobre esse tema, por um lado, existe uma lacuna na produção de dados sobre o financiamento das candidaturas indígenas no Brasil. Por outro lado, esse campo de pesquisa tem avançado um pouco mais no que tange às candidaturas de pessoas negras. Nesse contexto, o estudo elaborado por Campos e Machado (2015)CAMPOS, Luiz Augusto; MACHADO, Carlos. A cor dos eleitos. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 16, p. 121-151, 2015. ressalta as acentuadas desigualdades entre candidatos brancos e não brancos no acesso ao financiamento de campanhas.

Por sua vez, a pesquisa realizada por Barbieri e colaboradores (2022)BARBIERI, Catarina Helena Cortada; MARDEGAN, Ivan Osmo; MARIN, Juliana Fabbron; FERREIRA, Luã; RAMOS, Luciana de Oliveira; DUTRA, Nathalia; SANT’ANNA, Wania. Dinheiro, raça e eleições: uma análise do financiamento eleitoral de candidaturas negras. São Paulo: FGV Direito SP, 2022. apresenta um panorama da distribuição dos recursos de campanha das candidaturas nas eleições municipais de 2020 e 2016, a partir do recorte raça e gênero. Os resultados dessa pesquisa indicam que, com a nova regra de financiamento de campanhas, decorrente da decisão da ADPF 738/DF pelo Supremo Tribunal Federal (STF), houve um deslocamento da distribuição de recursos em prol das candidaturas de mulheres brancas, o que acabou repercutindo nas candidaturas das mulheres negras. Apesar dessa evidência empírica, a pesquisa observa que a baixa presença de mulheres brancas e de pessoas negras, homens e mulheres, “eleitas/os nas casas legislativas do país dificulta a representação dos interesses, das lutas, das demandas e das vivências dessas candidaturas na formulação de leis e políticas públicas, obstruindo a conquista e efetivação de direitos para essas populações” (Barbieri et al., 2022BARBIERI, Catarina Helena Cortada; MARDEGAN, Ivan Osmo; MARIN, Juliana Fabbron; FERREIRA, Luã; RAMOS, Luciana de Oliveira; DUTRA, Nathalia; SANT’ANNA, Wania. Dinheiro, raça e eleições: uma análise do financiamento eleitoral de candidaturas negras. São Paulo: FGV Direito SP, 2022., p. 7). Na pauta dos interesses e das lutas dos territórios, o Gráfico 3 apresenta um panorama de distribuição das candidaturas autodeclaradas indígenas por estados.

Gráfico 3.
Total de candidaturas de indígenas por estados em 2014, 2018 e 2022

As informações reunidas no Gráfico 3 indicam a superioridade no número de candidaturas indígenas, nos três pleitos eleitorais, no estado de Roraima (7, 20 e 32) e do Amazonas (9, 17 e 21). A soma dos dados desses dois estados (106), em relação ao total das candidaturas indígenas das três eleições (406), revela o percentual de 26%. Segundo o último censo demográfico do IBGE (2022)Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Censo demográfico 2022: indígenas: primeiros resultados do universo: segunda apuração. Disponível em: Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=73103 Acesso em: 15 fev. 2024.
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, o Brasil tem 1,69 milhão de pessoas indígenas, o que representa 0,8% da população nacional. A região Norte concentra a maior população indígena do país, com 753.357 habitantes; isto é, 44,5% do total de indígenas autodeclarados no Brasil. Nesse sentido, destaca-se o quantitativo de 490.854 de indígenas que habitam o estado do Amazonas e de 97.320 que vivem no estado de Roraima, o que representa o percentual de 65% e de 12%, respectivamente, do total de indígenas que vivem na região Norte. Ao analisarmos os dados apresentados no Gráfico 3, associado ao número populacional de indígenas por estados (IBGE, 2022Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Censo demográfico 2022: indígenas: primeiros resultados do universo: segunda apuração. Disponível em: Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=73103 Acesso em: 15 fev. 2024.
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), é possível perceber que o estado de Roraima, com a quinta maior população indígena no Brasil, apresentou maior destaque no número de candidaturas indígenas. Ao passo que, o estado do Amazonas, com a maior população indígena, ocupou a segunda posição.

A associação dessas duas variáveis - número de candidaturas e população indígena por estados - revela-se interessante, também, quando analisamos os dados dos demais estados que concentraram os maiores índices de candidaturas indígenas nos três pleitos eleitorais. Nesse sentido, os dados do Gráfico 3 indicam que, no ano de 2014, os estados do Amazonas e da Bahia ocuparam a primeira posição em relação ao número de candidaturas autodeclaradas indígenas - cada estado apresentou 9 (nove) indicações - sendo que esses estados concentram a primeira e a segunda maior quantidade de indígenas do Brasil, respectivamente. Por sua vez, no pleito eleitoral de 2018, o Ceará ocupou o 3º lugar com o número de 10 candidaturas indígenas e em 4º lugar aparece São Paulo com 9 candidatos, sendo que esses estados ocupam a nona e a décima posição na classificação de estados com maior população indígena, respectivamente. Em contrapartida, nas eleições de 2022, São Paulo ficou em 3º lugar (12), seguido por Mato Grosso do Sul (11) e Rio de Janeiro (11) em 4º lugar. Vale ressaltar que esses últimos três estados ocupam a seguinte classificação na lista de estados com maior população indígena no Brasil: décima posição, terceira posição e vigésima primeira posição, respectivamente (IBGE, 2022Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Censo demográfico 2022: indígenas: primeiros resultados do universo: segunda apuração. Disponível em: Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=73103 Acesso em: 15 fev. 2024.
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).

A análise realizada, a partir da associação das duas variáveis citadas anteriormente, é ilustrativa ao destacar que o número de populações indígenas por estado não representou, proporcionalmente, o número de candidaturas indígenas. Tal análise descreve, entre outros casos, a situação das candidatas indígenas do estado de Pernambuco e do estado do Pará, os quais concentram uma população indígena de 106.634 e 80.974, respectivamente (IBGE, 2022Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Censo demográfico 2022: indígenas: primeiros resultados do universo: segunda apuração. Disponível em: Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=73103 Acesso em: 15 fev. 2024.
https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php...
). Contudo, em ambos os estados, na somatória dos três pleitos eleitorais analisados, o total de candidaturas apresentadas em cada estado foi igual a 16. Isso significa pensar que existem dinâmicas mais profundas do movimento indígena, das candidaturas autodeclaradas indígenas e de outras ordens que precisam ser estudadas.

A associação das candidaturas ao número populacional de indígenas por estado segue outra análise; isto é, um olhar mais atento para os conflitos socioambientais e territoriais que colocam, na maioria das vezes, os povos indígenas na condição de vítimas de violências e violações. Nesse sentido, Brighenti (2015, p. 105)BRIGHENTI, Clovis Antonio. Colonialidade do poder e a violência contra os povos indígenas. Revista PerCursos, Florianópolis, v. 16, n. 32, p. 103-120, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.5965/1984724616322015103. Acesso em: 13 nov. 2022.
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ressalta a necessidade de compreender a violência contemporânea contra os povos indígenas desde uma análise sistêmica, já que “não basta analisar dados estatísticos, é preciso compreender a subjetividade da violência, como ela é sentida, percebida e compreendida pelos próprios povos indígenas, a partir das suas cosmovisões”. No ápice da violência sistêmica encontra-se a violência letal: os homicídios. De acordo com o Atlas da Violência de 2021, o aprofundamento das desigualdades, das vulnerabilidades e das violências étnicas e interétnicas é refletido e explicitado na evolução das taxas de homicídios indígenas em todo o Brasil (Cerqueira; Ferreira; Bueno, 2021CERQUEIRA, Daniel; FERREIRA, Helder; BUENO, Samira (orgs.). Atlas da Violência. São Paulo, SP: IPEA, FBSP, 2021. Disponível em: https://dx.doi.org/10.38116/riatlasdaviolencia2021 Acesso em: 17 nov. 2022.
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).

O movimento indígena brasileiro tem denunciado, em várias instâncias nacionais e internacionais, a violência letal contra os povos indígenas, sendo esta uma pauta importante que não apenas tem mobilizado a insurgência do movimento nas lutas e reivindicações por direitos, mas, também, configura um dos argumentos que vem fortalecendo a participação de indígenas nas disputas no campo da representatividade democrática - em especial nas eleições de 2018 e 2022 (Chaves, 2021CHAVES, Kena. A. Mulheres indígenas demarcam as eleições: entrevista com Márcia Kambeba. PerCursos, Florianópolis, v. 22, n. 48, p. 383-398, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.5965/1984724622482021383. Acesso em: 11 nov. 2022.
https://doi.org/https://doi.org/10.5965/...
; Guajajara; Alarcon; Pontes, 2022GUAJAJARA, Sônia Bone; ALARCON, Daniela Fernandes; PONTES, Ana Lucia de Moura. Entrevista com Sonia Guajajara: o movimento indígena frente à pandemia da COVID-19. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 27, n. 11, p. 4125-4130, 2022.). O argumento da denúncia e da busca por justiça que se consolida no campo político, enquanto estratégia de desarticulação das redes que promovem a violência letal contra os povos indígenas, tem suas origens no reconhecimento das violências históricas impostas a esses povos, principalmente em territórios de interesse dos grandes campos econômicos, como o agronegócio, a mineração, entre outros (Andrade; Carmo; Henriques, 2022ANDRADE, Francisca Marli Rodrigues de; CARMO, Eunápio Dutra; HENRIQUES, Alen. Environmental racism dynamics in the Amazon Region, in Pará state: impacts of agribusiness and mining activities on the lives and health of traditional populations. Socioscapes. International Journal of Societies, Politics and Cultures, Palermo, v. 3, p. 71-106, 2022.). A realidade cotidiana desses povos revela que a violência letal recrudesceu nos últimos anos, tal como aponta o Atlas da Violência de 2021, uma vez que no período de “2009 a 2019, em números absolutos, houve 2.074 homicídios de pessoas indígenas” (Cerqueira; Ferreira; Bueno, 2021CERQUEIRA, Daniel; FERREIRA, Helder; BUENO, Samira (orgs.). Atlas da Violência. São Paulo, SP: IPEA, FBSP, 2021. Disponível em: https://dx.doi.org/10.38116/riatlasdaviolencia2021 Acesso em: 17 nov. 2022.
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, p. 83).

Nas análises apresentadas no Atlas da Violência de 2021, uma questão abre espaço para as interpretações dos dados associadas ao conceito de racismo estrutural e de necropolítica: as taxas de homicídios indígenas aumentaram no período de 2009 a 2019, enquanto a taxa brasileira vem decaindo. Nesse sentido, sete estados - nos quais se encontram municípios com territórios indígenas demarcados - apresentaram taxas de homicídios maiores do que a taxa indígena nacional (20,4 por 100 mil habitantes). Entre esses estados se destacam: Mato Grosso do Sul (53,6), Santa Catarina (31,2), Amazonas (30,2), Tocantins (29,5), São Paulo (24,9), Acre (24,4) e Ceará (20,42) (Cerqueira; Ferreira; Bueno, 2021CERQUEIRA, Daniel; FERREIRA, Helder; BUENO, Samira (orgs.). Atlas da Violência. São Paulo, SP: IPEA, FBSP, 2021. Disponível em: https://dx.doi.org/10.38116/riatlasdaviolencia2021 Acesso em: 17 nov. 2022.
https://doi.org/https://dx.doi.org/10.38...
). Em alguns desses estados encontra-se, também, o maior número de candidaturas indígenas em ambas as eleições estudadas: Amazonas, São Paulo, Acre, Mato Grosso do Sul e Ceará (TSE, 2022Tribunal Superior Eleitoral - TSE. Portal de dados abertos do TSE. 2022. Disponível em: Disponível em: https://dadosabertos.tse.jus.br/ . Acesso em: 20 nov. 2022.
https://dadosabertos.tse.jus.br/...
). Isso sugere que façamos, também, uma associação entre os resultados empíricos desta pesquisa - principalmente do aumento de candidaturas indígenas - ao recrudescimento da violência letal, ou seja, dos homicídios de indígenas.

Ocupar a política nacional: protagonismo das mulheres indígenas

O aumento progressivo de candidaturas autodeclaradas indígenas nos pleitos eleitorais de 2014, 2018 e 2022 abre muitas possibilidades analíticas. Uma delas está relacionada ao entendimento dos povos indígenas sobre a responsabilidade do estado brasileiro no que se refere à implementação de políticas públicas, proteção dos direitos constitucionais, segurança e demarcação de territórios indígenas, entre outros assuntos (Brasil, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm . Acesso em: 12 out. 2022.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/co...
). Desse modo, a pauta indígena constitui-se como uma pauta nacional, já que as disputas de poder que caracterizam a vulnerabilização dos direitos desses povos acontecem nos espaços de representatividade da política nacional. Logo, o movimento indígena - que vem se fortalecendo nas últimas três décadas - parte do entendimento de que precisa ocupar esses espaços, que suas vozes e suas demandas precisam adentrar os palcos da política nacional e, assim, tensionar o campo da democracia representativa. Nesse sentido, o Gráfico 4 apresenta um panorama dos cargos pleiteados em 2014, 2018 e 2022.

Gráfico 4.
Candidaturas indígenas: cargos pleiteados em 2014, 2018 e 2022

Os dados expostos no Gráfico 4 indicam que, no que se refere aos três pleitos analisados, as candidaturas direcionadas ao cargo de deputado estadual apresentam-se preponderantes. Desse modo, em 2014 tivemos 61% das candidaturas direcionadas para esse cargo e 29,4% tentaram o cargo de deputado federal. Por sua vez, em 2018, as candidaturas direcionadas para o cargo de deputado estadual atingiram o percentual de 59,4% e 29,3% tentaram o cargo de deputado federal. No que tange aos dados referentes ao pleito de 2022, as candidaturas para o cargo de deputado estadual atingiram 59%, enquanto as candidaturas voltadas para o cargo de deputado federal representaram 31,4%. Isso significa que, nos três pleitos eleitorais, a somatória das candidaturas indígenas direcionadas ao cargo de deputado estadual (52, 79 e 111) representou 60% do total de candidaturas (406).

Ademais, os dados de 2022 mostram que houve uma pequena variação no padrão de apresentação das candidaturas indígenas, com um pequeno aumento no percentual das candidaturas direcionadas ao cargo de deputado federal. Essa variação precisa ser acompanhada nos próximos pleitos eleitorais e, caso continue crescendo, deve ser estudada, uma vez que o padrão nacional se configura com base na maior concentração de candidaturas para o cargo de deputado estadual, seguido pelo cargo de deputado federal (TSE, 2022Tribunal Superior Eleitoral - TSE. Portal de dados abertos do TSE. 2022. Disponível em: Disponível em: https://dadosabertos.tse.jus.br/ . Acesso em: 20 nov. 2022.
https://dadosabertos.tse.jus.br/...
). Para além disso, os dados apresentados no Gráfico 4 destacam que o movimento indígena vem crescendo, cada vez mais, com a presença das mulheres, as quais lançaram, no pleito eleitoral de 2022, um projeto político no sentido de “Aldear a Política com a bancada do cocar”.

A presença das mulheres nas eleições de 2014, 2018 e 2022, ilustrada no Gráfico 4, convida-nos a analisar uma questão muito pertinente no cenário atual: a distribuição das candidaturas indígenas entre os gêneros. As informações da pesquisa indicam que do total de 26.271 candidaturas em 2014, apenas 8.127 eram de mulheres (31%), sendo 29 delas de mulheres indígenas (0,11%). No recorte étnico, no ano de 2014, 34% das candidaturas indígenas foram compostas por mulheres indígenas. No pleito de 2018, de um total de 29.153 candidaturas nas eleições, 9.204 foram de mulheres (31,5%). Desse número de mulheres, 49 são candidaturas de mulheres indígenas, o que representa 0,5% do total. No recorte étnico, no ano de 2018, o percentual de participação de mulheres indígenas aumentou para 37%. Por sua vez, no ano de 2022, do total de 29.262 candidaturas, 9.892 foram de mulheres (34%); destas, 87 são mulheres indígenas (0,9%) do total. No recorte étnico, as candidaturas das mulheres indígenas deram um salto quantitativo, atingindo o percentual de 46%. Com base nesses dados, podemos compreender que as mulheres indígenas ainda estão em número inferior no quadro de candidatas por gênero. Entretanto, esse mesmo quadro indica que, de 2014 para 2018, houve uma taxa de crescimento de 69% e, de 2018 para 2022, esse aumento foi de 77,6%; isto é, um resultado positivo do movimento das mulheres indígenas na luta para aldear a política.

Quando direcionamos nosso olhar ao grupo étnico que elas ocupam, os dados se apresentam de maneira interessante. No ano de 2014, 34% das candidaturas indígenas eram compostas por mulheres, demonstrando uma maior representatividade das mulheres dentro de seu grupo étnico, na comparação com as mulheres no geral. Esse número se mostra ainda mais evidente nos cenários eleitorais de 2018 e de 2022, nos quais 37% e 46% das candidaturas indígenas foram de mulheres, respectivamente; ou seja, uma divisão de gênero quase paritária neste último pleito eleitoral - um aumento de 9% em quatro anos. Sobre esse tema, (Tavares, 2021TAVARES, Viviane Heringer. Mulheres indígenas da Amazônia e política: análises a partir de 2018. 2021. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2021.) destaca que é possível pensar o crescimento da participação de mulheres indígenas em pleitos eleitorais entendendo-o como um movimento que se estende a diferentes instâncias.

Em perspectiva histórica, as mulheres indígenas estão ganhando espaço dentro dos movimentos étnicos, em suas comunidades, nas universidades, ocupando cargos centrais ao longo da última década - também como cacicas. Portanto, esse crescimento é refletido, também, no aumento considerável de sua participação nos pleitos políticos (Tavares, 2021TAVARES, Viviane Heringer. Mulheres indígenas da Amazônia e política: análises a partir de 2018. 2021. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2021.). Entendemos que a consciência política que se apresenta no desejo de representar suas comunidades, em primeira pessoa, está relacionada, ademais, à luta pelo direito à educação escolarizada. Por isso, o grau de instrução escolar das candidaturas autodeclaradas indígenas é um aspecto de interesse desta pesquisa, conforme ilustrado no Gráfico 5.

Gráfico 5.
Escolarização das candidaturas indígenas: eleições de 2014, 2018 e 2022

Os dados expostos no Gráfico 5 revelam o grau de escolaridade das candidaturas autodeclaradas indígenas nos três pleitos eleitorais. No que tange ao nível de ensino superior completo, nos anos de 2014 e 2018 essa variável atingiu o percentual de 42% e de 44,3%, respectivamente; e, no pleito eleitoral de 2022, atingiu o percentual de 47,3%, revelando um aumento progressivo ao longo dos anos. Apesar desse aumento nas eleições de 2022, o percentual das candidaturas indígenas com nível superior completo ainda se encontra abaixo da média nacional nesse pleito - 55% (TSE, 2022Tribunal Superior Eleitoral - TSE. Portal de dados abertos do TSE. 2022. Disponível em: Disponível em: https://dadosabertos.tse.jus.br/ . Acesso em: 20 nov. 2022.
https://dadosabertos.tse.jus.br/...
). Quando analisamos os dados totais das candidaturas indígenas que possuem nível superior completo, a partir da somatória do número de candidaturas nos três pleitos eleitorais, os dados revelam um percentual de 45%. Esse dado é ilustrativo para compreendermos o perfil de escolarização dessas candidaturas e, também, outros aspectos que podem caracterizar as dificuldades desses povos em acessar a educação superior.

Apesar das dificuldades históricas impostas aos povos indígenas, no tocante à garantia do direito à educação (Baniwa, 2019BANIWA, Gersem. Educação escolar indígena no século XXI: encantos e desencantos. Rio de Janeiro, RJ: Mórula/ Laced, 2019.; Souza Lima, 2016SOUZA LIMA, Antônio Carlos de. (org.). A educação superior de indígenas no Brasil: balanços e perspectivas. Rio de Janeiro, RJ: Editora e-papers. 2016.), a maioria das pessoas autodeclaradas indígenas que se colocou na disputa eleitoral no período analisado possui o ciclo da educação básica completo; ou seja, 39%. Esses dados nos convidam a direcionar nosso olhar para as políticas educativas de equidade e inclusão das diversidades étnico-raciais. Principalmente nas duas últimas décadas, alguns programas e políticas educativas foram criados e implementados para a inclusão de certos grupos sociais ao Ensino Superior, contemplando também os povos indígenas. Entre os programas mais essenciais aos povos indígenas podemos destacar:

  • Programa Universidade para Todos (PROUNI): criado em 2004, por meio da Lei nº 11.096/2005, cujo propósito estava voltado para democratização do acesso aos cursos de nível superior do país, a partir de concessão de bolsas de estudos - integrais ou parciais - em Instituições de Ensino Superior privadas (Baniwa, 2019BANIWA, Gersem. Educação escolar indígena no século XXI: encantos e desencantos. Rio de Janeiro, RJ: Mórula/ Laced, 2019.; Souza Lima, 2016SOUZA LIMA, Antônio Carlos de. (org.). A educação superior de indígenas no Brasil: balanços e perspectivas. Rio de Janeiro, RJ: Editora e-papers. 2016.);

  • Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Interculturais Indígenas (PROLIND): esse programa foi criado pelo Ministério da Educação no ano de 2005 com a finalidade de apoiar financeiramente os cursos de licenciatura destinados, especificamente, à formação de professores de escolas indígenas, no âmbito das licenciaturas indígenas ou licenciaturas interculturais (Andrade; Nogueira; Neves, 2022ANDRADE, Francisca Marli Rodrigues de; NOGUEIRA, Letícia Pereira Mendes; NEVES, Lucas do Couto. Rural education-teacher training: remote learning challenges in Brazilian IFES during the COVID-19 pandemic. Education Policy Analysis Archives, Arizona, v. 30, n. 9, p. 1-27, 2022. https://doi.org/10.14507/epaa.30.6616. Acesso em: 14 dez. 2022.
    https://doi.org/https://doi.org/10.14507...
    ; Baniwa, 2019BANIWA, Gersem. Educação escolar indígena no século XXI: encantos e desencantos. Rio de Janeiro, RJ: Mórula/ Laced, 2019.; Brasil, 2008BRASIL. Edital de convocação n. 3 de 24 de junho de 2008. Dispõe sobre o Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Indígenas (PROLIND). 2008. Disponível em: Disponível em: http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/PROLIND/edital_prolind2008.pdf . Acesso em: 12 out. 2022.
    http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/p...
    ; Souza Lima, 2016SOUZA LIMA, Antônio Carlos de. (org.). A educação superior de indígenas no Brasil: balanços e perspectivas. Rio de Janeiro, RJ: Editora e-papers. 2016.);

  • Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo (PROCAMPO): criado pelo Ministério da Educação no ano de 2007 e, posteriormente, fortalecido no Decreto nº 7352, de 4 de dezembro de 2010, que institui a Política Nacional de Educação do Campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) (Brasil, 2010BRASIL. Decreto nº 7.352, de 4 de novembro de 2010. Dispõe sobre a Política de Educação do Campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária - PRONERA. 2010. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decreto/d7352.htm . Acesso em: 19 out. 2022.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
    ). O referido decreto destaca que a Política de Educação do Campo destina-se à ampliação e qualificação da oferta de educação básica e superior às populações do campo, entre as quais se encontram os Povos Indígenas (Andrade; Nogueira; Neves, 2022ANDRADE, Francisca Marli Rodrigues de; NOGUEIRA, Letícia Pereira Mendes; NEVES, Lucas do Couto. Rural education-teacher training: remote learning challenges in Brazilian IFES during the COVID-19 pandemic. Education Policy Analysis Archives, Arizona, v. 30, n. 9, p. 1-27, 2022. https://doi.org/10.14507/epaa.30.6616. Acesso em: 14 dez. 2022.
    https://doi.org/https://doi.org/10.14507...
    );

  • Política de cotas nas universidades brasileiras: implementada por meio da Lei nº 12.711 de 29 de agosto de 2012. Essa lei mudou a realidade da educação superior pública brasileira, uma vez que a distribuição das vagas, via cota racial e de deficiência, é realizada de acordo com a proporção de indígenas, negros, pardos e pessoas com deficiência do estado onde a Universidade ou Instituto Federal está localizado (Brasil, 2012BRASIL. Lei nº 12.711/2012. Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. 2012. Disponível em: Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cotas/perguntas-frequentes.html . Acesso em: 19 out. 2022.
    http://portal.mec.gov.br/cotas/perguntas...
    ). Isso permitiu aos povos indígenas a ampliação da sua presença no Ensino Superior e, portanto, ocupar vagas em cursos que historicamente têm características elitistas (Baniwa, 2019BANIWA, Gersem. Educação escolar indígena no século XXI: encantos e desencantos. Rio de Janeiro, RJ: Mórula/ Laced, 2019. Souza Lima, 2016SOUZA LIMA, Antônio Carlos de. (org.). A educação superior de indígenas no Brasil: balanços e perspectivas. Rio de Janeiro, RJ: Editora e-papers. 2016.);

  • Programa Bolsa Permanência: criado pela Portaria nº 389, de 9 de maio de 2013, tem por finalidade o fornecimento de auxílio financeiro voltado a minimizar as desigualdades sociais, étnico-raciais e contribuir para a permanência e a diplomação dos estudantes de graduação em situação de vulnerabilidade socioeconômica (Baniwa, 2019BANIWA, Gersem. Educação escolar indígena no século XXI: encantos e desencantos. Rio de Janeiro, RJ: Mórula/ Laced, 2019.; Souza Lima, 2016SOUZA LIMA, Antônio Carlos de. (org.). A educação superior de indígenas no Brasil: balanços e perspectivas. Rio de Janeiro, RJ: Editora e-papers. 2016.).

As políticas públicas citadas são alguns exemplos de programas de governo que podem ser usados para interpretar o grau de escolaridade de candidaturas autodeclaradas indígenas nas eleições de 2014, 2018 e 2022. Nesse sentido, o número de indígenas com ensino médio e ensino superior completo disputando cargos eleitorais revela, entre outros aspectos, o poder das políticas públicas inclusivas das minorias políticas. Nesse contexto, é importante ressaltar, por exemplo, que a deputada federal indígena Célia Xakriabá, eleita em 2022, graduou-se pelo curso de Formação Intercultural para Educadores Indígenas no ano de 2013, pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Contudo, conforme apontado por Baniwa (2019)BANIWA, Gersem. Educação escolar indígena no século XXI: encantos e desencantos. Rio de Janeiro, RJ: Mórula/ Laced, 2019. e Souza Lima (2016)SOUZA LIMA, Antônio Carlos de. (org.). A educação superior de indígenas no Brasil: balanços e perspectivas. Rio de Janeiro, RJ: Editora e-papers. 2016., essas políticas educacionais não vieram livres de luta e mobilização por parte dos indígenas ao longo desse período. Ao contrário, a participação dos povos indígenas aconteceu para além das reivindicações, com as seguintes ações: com os apontamentos das falhas e incompletudes nos documentos que pautaram a implementação dessas políticas públicas; com as indicações de melhorias desses documentos, no sentido de ampliar o acesso ao ensino. Isso coloca os povos indígenas em uma perspectiva de sujeitos da política; isto é, não apenas como povos que recebem as políticas públicas, mas que participam e que constroem políticas.

Em perspectiva histórica, a reafirmação dos povos indígenas enquanto sujeitos da política tem, entre outros exemplos, a participação do movimento indígena brasileiro no processo de elaboração da Constituição de 1988. Essa participação foi emblemática para pautar os direitos fundamentais dos povos indígenas no campo das políticas públicas atuais. Dito isso, muitas das conquistas no campo das políticas públicas voltadas à equidade e à inclusão social da diversidade étnico-racial apresentam-se como resultado das lutas dos movimentos sociais, entre eles o movimento indígena.

Isso deixa evidente a importância da atuação dos povos indígenas, na condição de sujeitos da política, para a consolidação de políticas e programas que possam permitir a formação de uma nova geração que represente, no campo da democracia representativa, os seus interesses e as suas demandas. Ademais, que possam construir diálogos e alianças com diferentes partidos políticos, visando defender os interesses mais amplos do movimento e, também, as demandas mais específicas de cada território. Na tentativa de compreender a formação dessas alianças no campo da política partidária, o Gráfico 6 apresenta os partidos políticos que abrigaram as candidaturas autodeclaradas indígenas.

Gráfico 6.
Eleições de 2014, 2018 e 2022: candidaturas indígenas e partidos políticos

O Gráfico 6 reúne os dados referentes à filiação partidária das candidaturas indígenas nos pleitos eleitorais de 2014, 2018 e 2022. Por um lado, os dados destacam uma maior inserção das candidaturas indígenas em partidos considerados de esquerda, tais como: a) Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) - reuniu 14%, 20% e 13,2% das candidaturas indígenas em 2014, 2018 e 2022, respectivamente; b) Partido dos Trabalhadores (PT) - concentrou em 2014, 2018 e, em 2022, 18%, 10,5% e 12,2% das candidaturas indígenas, respectivamente; c) Rede e Sustentabilidade - em 2014 não teve candidaturas autodeclaradas indígenas, mas em 2018 o partido abrigou 7,5% e em 2022 agrupou 10,1% do total das candidaturas indígenas. Os dados indicam que esses partidos - e outros com o espectro político semelhante - conseguiram atrair um maior número de candidaturas autodeclaradas indígenas. O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) teve maior capilaridade nesse quesito, obtendo 16% da somatória das candidaturas indígenas nos três pleitos eleitorais. Existe a possibilidade de que a pauta de defesa dos povos indígenas, assumida por esse partido, possa ter sido um diferencial na construção de alianças com essas candidaturas.

Por outro lado, os dados do Gráfico 6 revelam, também, que existem candidaturas indígenas afiliadas aos partidos de espectro político de direita, com destaque para o Partido Liberal (PL), com um total de 14 candidaturas autodeclaradas indígenas nos três pleitos eleitorais, das quais 13 disputaram as eleições em 2022. Outro exemplo dessas afiliações é percebido no contexto do Partido Humanista da Solidariedade (PHS), o qual reuniu 8 candidaturas nas eleições de 2014 e 7 em 2018, totalizando 15 candidaturas. É importante destacar que esse partido, no ano de 2019, foi incorporado ao partido Podemos que saltou de 2 candidaturas indígenas em 2018 para 5 em 2022. O aumento dessas candidaturas afiliadas aos partidos de espectro político de direita leva-nos a pensar que, no campo político, a presença de indígenas configura-se, também, como um espaço em disputa; ou seja, presenças que possam legitimar pautas e ações que, em muitos casos, são compreendidas pelo movimento indígena como pautas anti-indígenas.

Em uma pesquisa de campo na 1ª Marcha das Mulheres Indígenas no ano de 2019 em Brasília, foi possível identificar - a partir da fala de lideranças - o desagrado por indígenas estarem compondo o então governo de Jair Bolsonaro, governo responsável por uma série de ataques aos direitos indígenas (Tavares, 2021TAVARES, Viviane Heringer. Mulheres indígenas da Amazônia e política: análises a partir de 2018. 2021. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2021.). Na disputa pelos corpos indígenas afiliados aos partidos de espectro político de direita e de extrema direita, concretiza-se a participação de Silvia Nobre Waiãpi - indígena do povo Waiãpi, do estado do Amapá - na Secretaria Especial de Saúde Indígena. A colaboração de Silvia Waiãpi no governo Bolsonaro foi vista, pela grande maioria das mulheres indígenas presentes na marcha, com muita desaprovação (Tavares, 2021TAVARES, Viviane Heringer. Mulheres indígenas da Amazônia e política: análises a partir de 2018. 2021. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2021.).

Na eleição de 2022, Silvia Waiãpi foi eleita deputada federal pelo Amapá, pelo Partido Liberal (PL), partido de Jair Bolsonaro. Esse dado ajuda-nos a construir o argumento de que as candidaturas indígenas não possuem uma homogeneidade e que existem disputas internas, uma vez que Silvia Waiãpi defende a mineração em terras indígenas, em total oposição ao movimento indígena nacional. Tal movimento tem a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) como importante representação que, não somente aglutina as diversas associações indígenas no Brasil, como também constrói e organiza as mobilizações desses povos. Nesse sentido, a posição da APIB, nos pleitos eleitorais de 2018 e 2022, foi de oposição à agenda política do governo de Jair Bolsonaro e, por esse motivo, o projeto político de Silvia Waiãpi está na contramão das expectativas e das pautas do movimento indígena nacional.

As análises produzidas a partir dos dados expostos no Gráfico 6 introduzem ao debate a posição política da multiplicidade de partidos políticos que abrigaram as candidaturas autodeclaradas indígenas, algo que precisa ser estudado com maior profundidade, pois as agendas políticas de alguns desses partidos atuam, de forma radical, com base numa perspectiva “tutelar” e “integracionista” dos povos indígenas, com narrativas e ações que negam o direito à diferença cultural, sobretudo no modo como esses povos relacionam-se com a natureza e com os seus territórios. Para além disso, outra questão complexa, produzida a partir dos dados, refere-se ao critério de autodeclaração das candidaturas indígenas, o qual colocou, independentemente do espectro dos partidos políticos, trajetórias de vida completamente diversas no mesmo grupo, juntando, por exemplo, a candidatura do senador Hamilton Mourão e da deputada federal Silvia Waiãpi.

No âmbito da complexidade sobre o critério de autodeclaração das candidaturas indígenas, De Paula (2022)DE PAULA, Luis Roberto. ‘Jogando com as identidades’: um perfil multidimensional das candidaturas e dos mandatos indígenas conquistados nas eleições de 2018 e 2022 e uma tipologia de modalidades de legitimidade indígena na arena político-partidária nacional. In: DE PAULA, L. R.; VERDUM, R.; SOUZA LIMA, A. C. de. Participação indígena em eleições: desafios técnicos e políticos no processo eleitoral brasileiro de 2022. 1. ed. Rio de Janeiro: Mórula, 2022. p. 21-74. entende que, para compreender o “imbróglio identitário”, é possível utilizar quatro tipos de legitimidade: a) a autodeclaração disponibilizada pelo TSE; b) a conexão com as coletividades/comunidades indígenas; c) a legitimidade da APIB; d) a legitimidade territorial. Em sua obra, o autor faz o esforço de separar as candidaturas de 2018 e 2022 em cada uma dessas categorias, da mesma forma que a interlocução entre elas. Não faremos esse mesmo trabalho aqui, já que apontamos esse estudo como referência. Contudo, se formos referenciar as 10 candidaturas autodeclaradas indígenas eleitas no pleito eleitoral de 2022, De Paula (2022)DE PAULA, Luis Roberto. ‘Jogando com as identidades’: um perfil multidimensional das candidaturas e dos mandatos indígenas conquistados nas eleições de 2018 e 2022 e uma tipologia de modalidades de legitimidade indígena na arena político-partidária nacional. In: DE PAULA, L. R.; VERDUM, R.; SOUZA LIMA, A. C. de. Participação indígena em eleições: desafios técnicos e políticos no processo eleitoral brasileiro de 2022. 1. ed. Rio de Janeiro: Mórula, 2022. p. 21-74. coloca apenas Sônia Guajajara e Célia Xakriabá como legitimadas pelas demais categorias, além da categoria de autodeclaração prevista pelo TSE. Essas duas mulheres indígenas possuem relação com a APIB, com as coletividades indígenas e com os territórios, além da autodeclaração. Nesse sentido, é importante frisar que De Paula (2022)DE PAULA, Luis Roberto. ‘Jogando com as identidades’: um perfil multidimensional das candidaturas e dos mandatos indígenas conquistados nas eleições de 2018 e 2022 e uma tipologia de modalidades de legitimidade indígena na arena político-partidária nacional. In: DE PAULA, L. R.; VERDUM, R.; SOUZA LIMA, A. C. de. Participação indígena em eleições: desafios técnicos e políticos no processo eleitoral brasileiro de 2022. 1. ed. Rio de Janeiro: Mórula, 2022. p. 21-74. não deslegitima o critério de autodeclaração do TSE, mas aponta para a necessidade de um aprofundamento analítico nessa categoria, no sentido de compreender a participação de indígenas nos pleitos eleitorais.

Considerações finais

A pesquisa teve como objetivo construir uma análise exploratória sobre as candidaturas de indígenas no Brasil, nos pleitos eleitorais de 2014, 2018 e 2022. Para isso, a mesma utilizou informações provenientes do portal de Dados Abertos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), associando-as aos dados do Atlas da Violência, dos Cadernos da Pastoral da Terra (CPT) e dos relatórios produzidos pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Enquanto elementos de interpretação dos dados, a pesquisa adotou um referencial metodológico de base qualitativa, com enfoque exploratório descritivo, na tentativa de responder a seguinte questão de pesquisa: quais são as possíveis causas que podem ter contribuído para o aumento de candidaturas autodeclaradas indígenas nos pleitos eleitorais de 2014, 2018 e 2022, no âmbito estadual e federal? Os principais resultados da pesquisa indicam que de 2014 a 2018 e de 2018 a 2022, houve um crescimento de 56,5% e 41% do número de candidaturas autodeclaradas indígenas, respectivamente.

O crescimento dessas candidaturas pode ser interpretado a partir de diferentes lentes, cujas análises, produzidas com base nos resultados, apontam a perspectiva multicausal, com cinco possíveis causas principais. A primeira delas consiste no crescente número das organizações e das associações indígenas nos estados e nos municípios - conforme já destacamos, um total de 1105 (mil e cento e cinco) associações e organizações indígenas estão constituídas enquanto pessoas jurídicas no Brasil. O histórico de constituição das primeiras organizações e associações foi registrado na década de 1980, porém, a multiplicação delas ocorreu após a promulgação da Constituição Federal de 1988, devido à abertura para a constituição destas organizações enquanto pessoas jurídicas. Portanto, os dados sugerem que o aumento das candidaturas autodeclaradas indígenas no período analisado espelha o amadurecimento e a consolidação do movimento indígena no Brasil e, por conseguinte, a conformação do movimento aos ditames da política institucional, caracterizando, assim, uma nova fase desse movimento na condição de sujeitos da política.

A nova fase do movimento indígena na participação política do país ressalta a força dos movimentos sociais, neste caso da APIB, em organizar a luta pela democratização dos espaços de poder, ampliando a presença dos povos indígenas no campo da democracia representativa. Logo, enquanto característica de análise, a pesquisa sintetiza que o aumento das candidaturas indígenas no período de 2014, 2018 e 2022 pode espelhar, também, a forma como os povos indígenas buscam, no campo da democracia representativa, desnaturalizar o racismo estrutural e a necropolítica na tentativa de reconstruir um país intercultural. Desse modo, a força da APIB consistiu em aglutinar 30 candidaturas indígenas nas eleições de 2022, sendo que duas delas saíram vencedoras nas urnas. Em outras palavras, em 2022 houve um aumento de 100% se compararmos com o resultado das eleições de 2018, no que tange às candidaturas eleitas legitimadas por esse movimento. A organização de um total de 30 candidaturas, com vinculação real com o movimento, reforça o argumento da insurgência indígena no campo da democracia representativa.

Enquanto segunda causa, os dados da pesquisa indicam que o aumento das candidaturas autodeclaradas indígenas pode estar associado, também, à ampliação de políticas públicas educativas nas últimas duas décadas, voltadas à inclusão da diversidade étnico-racial, principalmente no âmbito da educação superior. Apesar das diversas complexidades e problemáticas inerentes à implementação dessas políticas nas instituições educativas - como a dificuldade de permanência, questões financeiras, distância territorial, diferença linguística, racismo institucional etc. - 45% do total de candidaturas autodeclaradas indígenas nos três pleitos eleitorais apresentaram o nível superior completo. De igual modo, 39% do total de candidaturas, com base na somatória dos três pleitos eleitorais, concluíram a educação básica. Isso significa pensar que as políticas públicas inclusivas da equidade e da diversidade étnico-racial podem ter sido importantes aliadas na luta dos povos indígenas, no sentido de fortalecimento de posições políticas voltadas à participação no âmbito da democracia representativa.

Ademais, os dados da pesquisa sugerem que o contexto político dos últimos anos no país pode ter influenciado no aumento das candidaturas autodeclaradas indígenas nesse período, sendo este uma possível terceira causa para esse fenômeno. Nesse sentido, os resultados destacam que, de 2014 para 2018, houve um aumento de 56,5% do número de candidaturas autodeclaradas indígenas; ou seja, após o golpe à democracia, legitimado no processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, seguido da entrada de Michel Temer ao cargo de presidência da república. Seguindo esse crescimento, do pleito eleitoral de 2018 a 2022 houve um aumento de 41% das candidaturas autodeclaradas indígenas; isto é, durante o governo de Jair Bolsonaro. Nesse sentido, é importante frisar que, do ponto de vista do movimento indígena - conforme destacado ao longo do artigo -, o período pós-impeachment foi de grande vulnerabilidade dos direitos dos povos indígenas do Brasil. A compreensão dessa conjuntura política, pelo movimento indígena, gerou diferentes mobilizações e pautas de trabalho da APIB, sendo uma delas o projeto de aldear a política.

No âmbito do contexto político dos últimos anos no país, a pesquisa indica, também, a intensa polarização política desse período e a instrumentalização de algumas candidaturas indígenas pela direita e pela extrema direita - sendo esta a quarta possível causa do aumento das candidaturas indígenas no período analisado. Por um lado, o modo como algumas candidaturas, sem vínculos reais com os territórios e com o movimento indígena, fazem uso do critério de autodeclaração no ato da inscrição para gerar algum tipo de ganho político ou constrangimento às pautas do movimento. Por outro lado, algumas candidaturas, mesmo com vínculos legítimos com os territórios, utilizam dessa legitimação para apoiar projetos de partidos políticos que pautam - de forma radical - a perspectiva “integracionista” e “desenvolvimentista” dos povos indígenas e dos seus territórios, ou seja, projetos que estão em desacordo com as pautas e agendas de trabalho do movimento.

Contudo, é importante considerar, também, que algumas dessas candidaturas podem representar outros fenômenos, tais como: indígenas que esposaram ideologias de direita e extrema-direita, descontentamentos e discordâncias com as pautas do movimento indígena nacional. Nas eleições de 2022, a filiação de candidaturas autodeclaradas indígenas nos partidos de direita e de extrema-direita apresentou-se como um movimento crescente e, portanto, essa questão precisa ser aprofundada em estudos posteriores.

As análises produzidas a partir da compreensão das principais causas que podem ter impulsionado o aumento do número de candidaturas autodeclaradas indígenas nas eleições de 2014, 2018 e 2024 - apresentadas anteriormente - nos fazem pensar que a insurgência política do movimento indígena para demarcar a democracia representativa constitui-se na luta pela liberdade e autonomia. Em outras palavras: tornar-se sujeito da política, poder falar por si mesmos e não que falem em seu nome. Esta pesquisa entende que a autonomia política dos povos indígenas está sendo conquistada por meio da organização do movimento e com a denúncia do histórico de violência, vivenciado pelos povos indígenas desde o período colonial. Nesse sentido, as candidaturas indígenas nos três pleitos analisados, principalmente aquelas que têm o reconhecimento do movimento indígena, buscam confrontar a política estatal que coloca em prática a necropolítica e o racismo estrutural contra esses povos. Contudo, os dados indicam que o aumento de candidaturas autodeclaradas indígenas não significa, automaticamente, o aumento de representação do movimento indígena nas disputas eleitorais analisadas.

Além disso, a pesquisa ressalta o crescimento da participação de mulheres indígenas nas disputas eleitorais, sendo composto por 50% de mulheres o número de candidaturas indígenas eleitas em 2022. Essa constatação corrobora o argumento de que o movimento de mulheres indígenas no Brasil está em crescimento constante, com a ocupação de diversos cargos nos diferentes espaços da sociedade - sendo esta a possível quinta causa para o aumento das candidaturas autodeclaradas indígenas. A presença do movimento de mulheres indígenas demonstra a insurgência e a força desse movimento em construir um projeto político nacional de “Aldear a Política com a bancada do cocar”. Contudo, conforme destacado ao longo da pesquisa, os desafios para aldear a política são gigantes e perpassam, também, pela atuação e pela continuidade histórica do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), sendo esse ministério uma possibilidade concreta de mudanças na relação do Estado brasileiro com os povos indígenas, no que diz respeito aos seus direitos nos territórios e fora deles. Portanto, tais desafios transcorrem, também, pela superação do imaginário tutelar e integracionista, pela desnaturalização das violências e pela criminalização do racismo e dos atos genocidas.

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  • 1
    Para replicação dos dados: https://doi.org/10.7910/DVN/VNXXF8
  • 4
    Para mais informações acessar: https://campanhaindigena.info/.
  • 5
    Adotamos a terminologia “Povos Indígenas” em acordo com a Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) - Povos Indígenas e Tribais.
  • 6
    Desde 2016, quando ocorre o Impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, o país entra em um processo de redução de orçamentos para programas de desenvolvimento no campo, somado à omissão do Estado na garantia de direitos e mediação de conflitos. Isso leva a invasões de territórios, conflitos, violências etc. (CPT, 2022COMISSÃO PASTORAL DA TERRA - CPT. Conflitos no Campo Brasil 2021. Goiás, GO. 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.cptnacional.org.br/publicacoes-2/destaque/6001-conflitos-no-campobrasil-2021 . Acesso em: 20 out. 2022.
    https://www.cptnacional.org.br/publicaco...
    ).
  • 7
    Nas eleições de 2014, o candidato José Carlos Nunes da Silva, filiado ao PT, foi eleito, por coeficiente partidário, ao cargo de Deputado Estadual no estado do Espírito Santo (TSE, 2022Tribunal Superior Eleitoral - TSE. Portal de dados abertos do TSE. 2022. Disponível em: Disponível em: https://dadosabertos.tse.jus.br/ . Acesso em: 20 nov. 2022.
    https://dadosabertos.tse.jus.br/...
    ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Out 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    16 Out 2023
  • Aceito
    17 Abr 2024
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