Resumo:
Esse artigo apresenta a trajetória do sistema partidário gaúcho, de seus antecedentes na primeira metade do século XIX aos dias atuais. Reconstruindo conexões que ultrapassaram as grandes crises políticas e as transformações institucionais que marcaram 180 anos de história, mostra como os antigos partidos se fizeram presentes nos novos. Identifica as características centrais das diferentes configurações dos mercados políticos gaúchos, explorando a presença de competitividade entre as agremiações e os limites a ela impostos. Neste esforço são utilizadas fontes secundárias (pesquisas históricas) e dados estatísticos referentes às eleições e à composição do parlamento gaúcho. Na República (pós-1889) são contados seis sistemas partidários com características especiais no RS. Assim, o artigo apresenta um amplo panorama dos sistemas partidários que atravessaram a história do Rio Grade do Sul e ajuda a pensar o momento político atual.
Palavras-Chave: Rio Grande do Sul; Partidos Políticos; Sistema Partidário; História Política
Abstract:
This paper presents the background of the party system of Rio Grande do Sul, from its predecessors in the first half of the 19th century to the present. In spite of occasions of political crisis and institutional transformations, the research shows how the old parties are present in the new political parties after 180 years of history. The research identifies the main features of the configurations of the political markets in the political history of the state, by showing the presence and absence of competition between political parties. The approach is based on secondary sources (historical research) and statistical data related to elections and to the parliament composition. Since the beginning of the Republic, after 1889, there had been six party systems with special features. The article presents a broad overview of party systems that crossed the history of RS, and helps to comprehend its political condition at the present time.
Keywords: Rio Grande do Sul; Political Parties; Party System; Political History
Havendo a necessidade de colocar um ponto inicial no estudo da trajetória da política partidária no Brasil, geralmente se adota a redemocratização após o final do Estado Novo, com as eleições de 1945. Duas razões corroboram com esta abordagem. Primeiro, apenas após o Estado Novo surgiram partidos nacionais. Durante a República Velha, com a ressalva de experiências que não foram bem-sucedidas, os partidos não ultrapassavam os limites dos estados. Em segundo lugar, seja por questões estruturais da sociedade brasileira, da limitação do sufrágio ou pela fraude eleitoral, é corrente a leitura de que as eleições do Império e da República Velha não seriam competitivas. Logo, os partidos políticos anteriores a 1945 geralmente não são compreendidos como experiências válidas de representação política. A ausência de partidos ideológicos, o desafio das heterogeneidades regionais à formação de partidos nacionais, a descontinuidade das organizações políticas durante a República, seriam fatores presentes na história dos partidos brasileiros, os quais conduziriam à fragilidade das agremiações contemporâneas (MENEGUELLO, 1998).
Recentemente, alguns esforços de reinterpretação da vida eleitoral anterior a 1945 ressaltaram que a ausência de condições democráticas, pelos padrões contemporâneos, não relegam essas experiências a fatos desimportantes ou sem consequências históricas. Santos (2013) pontua, por exemplo, que o arranjo da República Velha, em especial de seus últimos trinta anos, mostrou-se mais estável e com menos recurso à violência aberta do que o vigente no Império. Nesse sentido, a República Velha é lida em termos de uma nova repartição oligárquica do poder político, inclusive com reflexos sobre a distribuição da riqueza no País. Os próprios mecanismos da luta política no contexto oligárquico vêm sendo reexaminados. A fraude eleitoral pode ser compreendida não como prova cabal da arbitrariedade política e da ausência da competição, mas como um recurso de última instância do exercício de articulação política no qual os partidos estaduais jogavam um papel ativo e no qual tinha lugar a transação de interesses dos setores oligárquicos (RICCI e ZULINI, 2014).
Aumentar o período de análise para antes de 1945 torna possível encadear o embate político oligárquico e a violência na trajetória da política brasileira. O caso do Rio Grande do Sul (RS) merece destaque no contexto nacional não apenas pela manutenção de oposições partidárias ativas durante todo o período republicano, como pela frequência com a qual as oposições recorreram à violência armada. A Revolução Farroupilha (1835-1845) e a Revolução Federalista (1893-1895) são momentos em que concorrem as cisões políticas e a construção do aparato estatal gaúcho, de maneira similar às guerras de partido do Uruguai (LÓPEZ-ALVES, 2000, p. 49). No século passado, as Revoluções de 1923, 1930 e 1932 são outros casos de guerras de partidos. A presente pesquisa mostra como o uso da exclusão, do controle e da violência na disputa política no RS marcou o processo partidário local, com reflexos sobre os partidos dos períodos democráticos e sobre a própria abertura política. Este estudo do caso do RS é um exemplo do potencial de análises longitudinais para a compreensão dos mecanismos causais das mudanças partidárias e do desenvolvimento político local.
A estratégia de análise passa por apresentar uma periodização dos sistemas partidários que se sucederam na história do RS. Essa estratégia permite destacar as conexões e decorrências dos partidos e dos sistemas antigos sobre as novas organizações políticas, revelando permanências e reinvenções que atravessam a trajetória dos partidos no RS. Os diferentes sistemas partidários são identificados com base na observação de cinco variáveis: inclusão política, número de partidos, mudança partidária, competição política e estrutura do sistema partidário. A pesquisa vale-se de fontes secundárias do campo da história e da ciência política, bem como de dados extraídos de bases biográficas (Fundação Getúlio Vargas, 2016), dos registros de estatísticas eleitorais e das legislaturas parlamentares do RS (Rio Grande do Sul, 2016).
A primeira seção apresenta os elementos conceituais que embasaram a pesquisa, com destaque para definições sobre as cinco variáveis de pesquisa. São apresentados indicadores quantitativos que mensuram a inclusão política e o número de partidos em todo o período de estudo. A segunda seção esboça os antecedentes do sistema partidário durante o Império. As seções seguintes exploram as configurações partidárias posteriores à Proclamação da República, discutindo contextualmente as mudanças partidárias, a abertura e a restrição da competição política e inovações na estrutura do sistema partidário gaúcho. A nona seção trata da proposta de seis cortes de sistemas partidários no período republicano. Em conclusão, discute-se a contribuição do estudo das trajetórias históricas dos sistemas partidários locais para compreensão da democracia no Brasil e seus desafios.
Sistema partidário, inclusão e contestação no Rio Grande do Sul: elementos teóricos e análise introdutória
Nas democracias liberais, os partidos permitem a superação das relações políticas personalizadas. Eles estruturam a responsividade governamental, na medida em que reduzem os custos de informação, de barganha e decisão, de policiamento e execução dos acordos políticos (MÜLLER, 2000). Partidos conferem reputação e identidade aos políticos (ALDRICH, 1995), sinalizam adesões ideológicas que servem como atalhos para os eleitores realizarem decisões racionais na hora de votar (DOWNS, 1999). Entretanto, como pontua Sartori (1982, p. 40), o papel dos partidos na sensibilidade dos governos ao interesse dos eleitores está condicionado à existência de concorrência. Assim, o estudo dos sistemas partidários é diferente da análise dos partidos políticos propriamente considerados. Os elementos a serem investigados dizem respeito à estrutura de diferenciação das agremiações e às estratégias de competição que elas desenvolvem no ambiente político. Trata-se de investigar o meio no qual os partidos relacionam-se uns com os outros e as formas pelas quais influenciam a representação política.
O critério usado com mais frequência para identificar um sistema partidário é o número de partidos, dado seu efeito sobre o mercado eleitoral. Uma investigação longitudinal mais ampla, contudo, precisa lidar com profundas transformações nas condições em que ocorrem as relações entre partidos e com estratégias que ultrapassam o ambiente eleitoral, como a fraude e a guerra.
Para identificar as permanências e alterações no sistema partidário do RS, outras variáveis precisam ser consideradas para além do número de partidos. Esta investigação utiliza cinco variáveis: (1) inclusão política, (2) número de partidos, (3) mudança partidária, (4) competição política, e (5) estrutura do sistema partidário. A presente seção define estas variáveis e suas implicações na periodização de diferentes sistemas partidários na história política do RS. Em última instância, a emergência de um novo sistema partidário precisa ser acompanhada por transformações na estrutura do sistema partidário. Esta variável sintetiza as demais.
As primeiras duas variáveis, inclusão política e número de partidos, são apresentadas por meio de indicadores quantitativos, ainda nesta seção. As demais são trabalhadas contextualmente a partir de interpretações históricas e discussões com a literatura. Por isso, são abordadas juntamente com a própria periodização dos sistemas partidários, nas próximas seções.
Inclusão política. A ampliação dos direitos políticos não necessariamente é ligada ao sistema partidário. Contudo, os efeitos do alargamento do sufrágio sobre os sistemas partidários ocidentais são bem estabelecidos pela literatura (DUVERGER, 1970; DAHL, 1997, p. 44; ALDRICH, 1995, p. 104). Em uma situação de sufrágio restrito, os partidos podem operar a partir de redes de relações pessoais. Quando é necessário buscar o apoio entre um público mais amplo, torna-se necessário formar organizações permanentes capazes de mobilização política e comunicação de interesses. Especialmente se houver competição, é provável que os partidos atuem ativamente para ampliar seus apoiadores entre os eleitores recém-chegados, ou se esforcem para incluir os grupos sociais nos quais esperam conseguir simpatizantes.
O indicador utilizado para mensurar a inclusão política é a medida de qual fração da população total é inscrita como eleitores e, a princípio, habilitada para votar. O Gráfico 1 apresenta este indicador para o período 1898-2014, aplicado ao RS.
Como se pode perceber, a inclusão política como cidadãos/eleitores no sistema político do RS ocorreu lentamente, ao longo de todo o século XX. Índices muito baixos são lidos na República Velha, entre 1898 e 1933 e uma expansão restrita observou-se a partir da Revolução de 1930 e na República de 1946. Quando do golpe de 1964, cerca de 30% dos gaúchos estavam inscritos como eleitores. Até o período final do regime militar, 1980, o eleitorado não perfazia a metade da população gaúcha. Na redemocratização, a proporção de eleitores avança mais rapidamente. Atinge 70%, em 2000, e 76%, em 2010. A manutenção desse padrão elevado em 2014 mostra que se atingiu um topo de inclusão, considerando instituições vigentes bastante abertas.
Alguns processos macrossociais, como a urbanização, a alfabetização, o aumento da expectativa de vida e a queda da taxa de natalidade, são favoráveis ao crescimento do contingente proporcional de eleitores. Do ponto de vista institucional, o voto das mulheres (1932) e dos não alfabetizados (1985) foram duas grandes inovações favoráveis à inclusão.
É importante sublinhar, a partir do dado apresentado, que a inclusão política no RS não ocorreu em choques (com a exceção da inclusão acelerada entre 1980 e 1990). Não há um momento fundador da inclusão política, no qual parcela significativa da população tenha imediatamente ascendido à cidadania eleitoral. O gradualismo da ampliação da franquia eleitoral no Estado denota que transformações pontuais na política partidária gaúcha não serão encontradas na variação da inclusão eleitoral. Ainda assim, ela pode dar causa a adaptações graduais dos partidos e, em decorrência, transformações do sistema partidário ao longo do tempo.
Número de partidos. Espera-se que o número de partidos exerça importante influência sobre as estratégias de competição dos atores políticos nos sistemas democráticos (DUVERGER, 1970; DOWNS, 1999; SARTORI, 1982; LAAKSO e TAAGEPERA, 1979). Para analisar o sistema partidário pelo critério numérico, além do número absoluto de partidos, pode-se recorrer ao indicador de fragmentação ou número efetivo de partidos parlamentares (NEPP)2. Em conjunto, eles indicam a existência e o grau de diversidade organizacional no sistema político, bem como a concentração ou dispersão do poder político entre diferentes organizações. O Gráfico 2 apresenta o número absoluto de partidos e o NEPP para a Assembleia de Representantes e a Assembleia Legislativa do RS durante o período republicano (1891-2014).
Partidos no Parlamento do Rio Grande do Sul (Assembleia de Representantes, Assembleia Legislativa), 1891 a 2014
Ao contrário da inclusão política, a série histórica do número de partidos possui momentos de clara diferenciação do sistema partidário gaúcho. Entre 1891 e 1909, apenas um partido foi admitido no Parlamento. Em 1913 entra um segundo partido, mas o NEPP mostra extrema concentração no maior partido. Essa concentração é enfraquecida nas eleições de 1925 e 1929 e, com mais importância, na eleição de 1934 (no governo provisório de Vargas). Em 1935 ocorre a interrupção com o Estado Novo. O sistema partidário da República de 1946 é bastante estável quanto ao número de partidos, com fragmentação um pouco mais elevada na última eleição, em 1962. O sistema bipartidário instituído em 1966 pela ditadura militar contou com bancadas proporcionais na Assembleia Legislativa do RS. Durante a abertura para o pluripartidarismo, que antecedeu a redemocratização, a eleição de 1982 realiza a entrada de um terceiro partido. A primeira eleição da Nova República, em 1986, apresenta um sistema partidário ainda pouco fragmentado, com cinco partidos e NEPP de 3,2. Um salto relevante é notado na eleição seguinte, que inaugura um período de avanço na fragmentação partidária até 2014. Nesta última eleição, 15 partidos chegam à Assembleia Legislativa gaúcha.
A variação no número de partidos absolutos e na fragmentação partidária (NEPP) da Assembleia Legislativa permite identificar diferentes pontos de interesse na série histórica. Alguns são bastante evidentes, pois decorrem dos momentos históricos já específicos (1947, 1966, 1982). Outras alterações de trajetória precisam ser analisadas contextualmente, pois podem indicar alterações no sistema partidário gaúcho: 1913, 1925, 1962, 1990 e 2014. As eleições ocorridas nesses anos são pontos de inflexão, com aumento expressivo da fragmentação partidária e, nos últimos dois casos, do número absoluto de partidos na Assembleia Legislativa. Em conjunto com as informações trazidas pelas demais variáveis estudadas, podem indicar ruptura do sistema partidário.
Mudança partidária. A alteração no número de partidos decorre do fracionamento de um partido, da aglutinação, do surgimento de nova agremiação ou dissolução da existente. Este é um conteúdo do estudo organizacional dos partidos que possui impacto direto sobre o sistema partidário. Mudanças internas também podem alterar as oportunidades de fazer coalizões com outros partidos. Harmel e Janda (1994) destacam que a mudança partidária pode ser desencadeada por choques externos (acontecimentos pontuais com grande impacto sobre o partido) ou tendências de mudança (acontecimentos diferidos no tempo que alteram os recursos disponíveis para a agremiação). Esses desafios do ambiente político pressionam os partidos por mudanças internas de acordo com os objetivos organizacionais que mobilizam suas lideranças. Nem todos os partidos reagem da mesma forma aos mesmos desafios externos.
Um conceito útil para captar tendências de mudanças é o de clivagem social: questões sociais, econômicas ou culturais cuja importância condiciona o surgimento de antagonismos e lealdades organizacionais difíceis de serem superados (LIPSET e ROKKAN, 1992). A presença de clivagens sociais estrutura as dimensões do conflito político. Quando surgem novas clivagens ou quando as existentes perdem sua influência, isso afeta a capacidade dos partidos e as condições para que formem alianças entre eles. Nem sempre um sistema partidário responde à existência de clivagens. A competição partidária pode se estabelecer em torno de questões ou divisões políticas mais discricionárias e abertas para escolhas estratégicas das lideranças partidárias (KITSCHELT, 2007, p. 531). Movimentos de longo prazo de inclusão política, adesão e rejeição eleitoral a partidos políticos também são exemplos de tendências de mudança.
Como possíveis choques externos, Harmel e Janda (1994) apresentam derrotas eleitorais, exclusão do governo ou mudanças institucionais que impactam as condições de existência da organização política. Na presente pesquisa, deve ser acrescentada a noção de guerra de partidos. López-Alves (2000) considera guerra ou revolução de partido os conflitos armados que marcaram o século XIX no Uruguai. Em um ambiente estranho à competição eleitoral, foram instrumentos da oposição para disputar e forçar o adimplemento de acordos sobre a distribuição de poder governamental. Por exemplo, o estabelecimento de quotas de parlamentares e territórios (LÓPEZ-ALVES, 2000, p. 71). As guerras de partido são momentos críticos de realinhamento partidário e inovações políticas. Um período no qual tendências de mudanças e choques externos causam processos de mudanças e rearticulações no sistema partidário pode ser considerado uma “era crítica” (ALDRICH, 1995, p. 241).
Competição política. Nos termos de Sartori (1982, p. 230), um sistema é competitivo caso de fato possa existir competição pelo poder com igualdade de oportunidade. Mesmo nessas condições, uma eleição pode não ser realmente concorrida dada superioridade de recursos de uma agremiação sobre as outras. A oposição pode ser alienada do poder em função do resultado eleitoral, mas as eleições são uma via potencial para o poder. Nesse sentido, a variação da competição política pode ser identificada por dois fatores: (a) abertura ou fechamento das oportunidades para o exercício de contestação pública no momento eleitoral e (b) adesão dos atores políticos ao veredito das urnas.
Estrutura do sistema partidário. A literatura no campo construiu diferentes abordagens para a análise da estrutura dos sistemas partidários (KITSCHELT, 2007). Esse exercício se atém à proposta de Sartori (1982). Na ausência de competição política, o autor diferencia os sistemas de partido único e os de partido hegemônico, em que outras agremiações são admitidas como satélites assessórios da principal. Entre os sistemas competitivos, Sartori define quatro divisões pelo critério numérico. Sistema de um partido predominante (a), que governa sozinho com base em maiorias eleitorais. O sistema bipartidário (b), no qual dois partidos competem com possibilidade factível de alternância no poder. Os sistemas pluripartidários, caracterizados pela necessidade de coalizões de partidos para formar maiorias, seja limitado (c), devido à baixa fragmentação partidária, ou extremado (d), com elevada fragmentação. O sistema pluripartidário pode ser moderado, caso os partidos relevantes estejam abertos para formar coalizões de governo (competição centrípeta); ou polarizado, caso os partidos se excluam mutuamente (competição centrífuga). Sartori aponta, ainda, para a possibilidade de atomização com a radical fragmentação partidária, situação na qual a competição partidária deixa de ser um elemento estruturador da vida política.
Antecedentes: o sistema partidário na Regência e no Segundo Reinado
De acordo com Carvalho (1996, p. 184), partidos propriamente considerados só passaram a existir no Brasil a partir de 1837, quando o Partido Conservador (saquarema) e o Partido Liberal (farroupilha) organizaram, respectivamente, grupos contrários e favoráveis às políticas descentralizadoras adotadas durante a Regência. Em nível nacional, o autor destaca que o primeiro era uma aliança entre burocratas e os grandes comércios e lavouras de exportação, enquanto o segundo congregava profissionais urbanos e a agricultura de mercado interno, mais recente. A principal divisão entre os partidos dava-se no eixo centralização/descentralização governamental. Quanto às reformas sociais (escravidão, direitos políticos, propriedade da terra), o autor observa a existência de divisões internas nos partidos. As principais transformações dos partidos nacionais no Segundo Reinado ocorreram a partir de 1864, quando o Partido Liberal forma com conservadores dissidentes o Partido Progressista. Após a queda do gabinete Zacarias, em 1868, desponta um novo Partido Liberal e outra agremiação mais radical, o Partido Republicano.
Piccolo (1974) aponta que já em 1852 - antes, portanto, do nacional Partido Progressista - no RS tinha lugar uma liga entre conservadores e liberais, estando os últimos enfraquecidos após a Revolução Farroupilha. Contra o agrupamento, seria fundada quase concomitantemente a contraliga, liberal progressista, não menos heterogênea. Por conta da falta de unidade interna, os partidos gaúchos se reorganizaram a partir de 1860, com a refundação do Partido Liberal histórico no Estado, sendo que em 1868 se refunda o Partido Conservador. Tanto em nível nacional quanto no RS, em conjunto com o Partido Liberal passaram a se articular visões mais radicais quanto à escravidão e à liberdade política. Piccolo destaca como a característica especialmente radical do Partido Liberal gaúcho permitiu que ele acolhesse os elementos republicanos que principiaram no Estado, inclusive dando guarida para candidaturas ligadas ao movimento (com as de Francisco Xavier da Cunha e Ramiro Barcelos), colaborando para retardar a formação de uma agremiação republicana gaúcha.
Os maiores líderes liberais após a queda do gabinete Zacarias, Gal. Manuel Luís Osório (Marques do Herval) e Gaspar Silveira Martins, foram capazes de articular a visão radical dos liberais gaúchos com o apoio à monarquia. Mas o partido não estava isento de conflitos internos. Um desacordo ocorreu com a discussão sobre a ampliação dos direitos políticos aos não católicos em 1879, durante o Gabinete Sinimbu, em que serviam Osório, contrário, e Silveira Martins, favorável (PICCOLO, 1974, p. 98). Vencendo a noção conservadora, a maioria dos liberais gaúchos apoiou Silveira Martins, que se tornou o líder inconteste do partido após a morte de Osório. Assim, conforme Piccolo (1974, p. 119): “a força e o prestígio do partido liberal, empunhando bandeira reformista, impediram a proliferação dos ideais republicanos. No fundo, em linhas gerais, a não ser pelo regime político defendido, liberais e republicanos se identificavam no Rio Grande do Sul”.
Apenas alguns anos mais tarde, com o Partido Liberal e Silveira Martins ocupando o poder no Estado e mostrando pouca capacidade para as reformas que então defendia, é que o movimento republicano gaúcho irrompe de sua coabitação liberal. Em 1882 foi fundado o Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), com uma plataforma descentralizadora e antimonárquica. O partido foi fundado por jovens advogados, Júlio de Castilhos, Assis Brasil, Borges de Medeiros, Pinheiro Machado, e médicos, Carlos Barbosa, Fernando Abbot e Ramiro Barcelos. Na eleição para Assembleia Provincial de 1885, elege Assis Brasil. Júlio de Castilhos tornou-se líder do grupo majoritário dentro do partido (PRR castilhista), inspirado em uma leitura do positivismo de Augusto Comte.
O período de hegemonia do Partido Republicano Rio-Grandense (1889-1923)
Quando da Proclamação da República, em 1889, diferentes partidos republicanos estaduais foram formados ou reforçados com a entrada de liberais tradicionais ou mesmo conservadores. Esse arranjo, que permitiu a elisão de partidos de oposição, foi frustrado no RS. Segundo Noll (1995), a identificação dos liberais de Silveira Martins com a monarquia impediu a adesão destes ao novo governo republicano. Some-se a isso a inimizade pessoal deste líder com Deodoro da Fonseca, artífice da Proclamação e primeiro presidente da República. Dessa forma, os membros do PRR anteriores à Proclamação colocaram-se em posição para uma tomada do poder estadual com exclusão de antigos liberais e conservadores3, relegados à oposição.
Além da oposição ideológica entre o PRR e os partidos monárquicos, Noll (1995) destaca a existência de diferenças socioeconômicas, ainda que todos fossem provenientes da elite pecuarista. Os políticos liberais e conservadores tradicionais provinham da região sul do RS (Campanha), mais rica e vinculada à indústria do charque. Entre os jovens republicanos havia procedentes da metade norte, inicialmente mais pobre, mas que passaria a concentrar o aumento populacional, o desenvolvimento industrial e a agricultura moderna (dentre os quais Júlio de Castilhos e Pinheiro Machado)4.
A consolidação do grupo de Júlio de Castilhos no poder só ocorreu após sua vitória na Revolução Federalista de 1893, fecho de um período de instabilidade política. Nos primeiros anos que sucederam a Proclamação da República formaram-se duas agremiações paralelas ao PRR5. A União Nacional, de 1890, agrupou antigos membros do Partido Liberal e alguns elementos do Partido Conservador. A União Republicana foi fundada por republicanos que dissentiram de Júlio de Castilhos, como Demétrio Ribeiro, Barros Cassal e Antão de Faria. Para Pesavento (1988, p. 141), essa fratura da ala majoritária do PRR deveu-se, além da crítica ao autoritarismo de Júlio de Castilhos, a uma dinâmica de representação de interesses. Se o PRR castilhista estava conectado aos setores urbanos médios e pecuarista, o grupo de Demétrio Ribeiro buscava o apoio de pequenos produtores e operários6. Outra dissidência, de conotação “republicana liberal”, centrou-se na figura de Assis Brasil. Articulava ideias de reformar a Constituição Estadual de 18917 e o PRR, em associação ao republicanismo vigente em nível nacional (PINTO, 1986, p. 322).
A coligação das duas oposições ao PRR castilhista, a União Nacional e a União Republicana, deu lugar ao Partido Republicano Federal8, em 1891. Este partido apoiou o “governicho”: a junta que sucedeu Júlio de Castilhos após o Golpe de 3 de novembro de 1891 e o governo do Visconde de Pelotas. O Partido Republicano Federal foi dissolvido logo após a retomada do governo por Júlio de Castilhos, em 1892. Embora de curta duração, a agremiação foi a primeira experiência de aproximação entre antigos liberais e republicanos dissidentes do castilhismo.
Pouco antes, também em 1892, o antigo líder do Partido Liberal, Gaspar Silveira Martins, fundou o Partido Federalista, que recebeu membros do Partido Republicano Federal - sem a presença de elementos republicanos importantes como Demétrio Ribeiro e Assis Brasil (PINTO, 1986, p. 307). Em decorrência desses eventos, o ex-líder conservador João Nunes Tavares (Barão de Itaqui, veterano da Revolução Farroupilha e da Guerra do Paraguai) pleiteia a Presidência do RS em nome do Partido Federalista. Quando a questão se resolve em favor de Júlio de Castilhos, no início de 1893, eclode a Revolução Federalista. Não cabe, no presente exercício, abordar de maneira mais profunda essa guerra de partido9.
Nesse momento fundador do sistema partidário republicano no RS, observa-se a articulação política sobre uma clivagem socioeconômica: a grande estância do sul do Estado (organizados nos antigos Partidos Liberal e Conservador) versus os setores de produção mais modernizada da metade norte (PRR). Sobrepõe-se, com bastante coerência, a disputa em torno da centralização federativa e da capacidade estatal. Antigos liberais e conservadores defendem um federalismo centralizado em nível nacional, com baixa capacidade organizacional do governo estadual. Essa postura liberalista condiz com o objetivo de reservar autonomia política para a própria oligarquia estancieira. Parcela majoritária dos republicanos (PRR castilhista) atua por um federalismo descentralizado em prol do governo estadual. A construção de uma organização estatal poderosa e com autonomia da sociedade se torna instrumental para consolidar o poder dos republicanos sobre a oligarquia tradicional.
Com o encerramento da revolução em 1895, o PRR castilhista passa a atuar como partido de um sistema partidário, na prática, não competitivo, baseado no coronelismo e na fraude eleitoral, tendo vencido todas as eleições para presidente da Província e mantido a totalidade ou quase totalidade das cadeiras na Assembleia de Representante por um período de 30 anos.
Após a morte de Júlio de Castilhos, em 1903, Borges de Medeiros passou a concentrar tanto o poder governamental quanto partidário, como líder do PRR, suprimindo as críticas internas e causando desacordos entre os republicanos (ANTONACCI, 1981, p. 24)10. Ainda assim, Borges de Medeiros foi capaz de dirigir a vida política estadual por meio do controle sobre os cargos públicos estaduais e da colaboração dos líderes republicanos locais. As eleições periódicas, sujeitas a limitações pela violência e pela fraude, eram instrumento de legitimação do governo. O governo e o PRR garantiam o comparecimento eleitoral e maiorias esmagadoras contra os candidatos da oposição (AXT, 2001).
Eventualmente, o governo Borges de Medeiros reproduziu no RS as regras eleitorais nacionais, garantindo a participação de minorias no Legislativo. O Partido Federalista chega à Assembleia com um representante em 1913 e dois em 1917, sem que isso represente modificação no status quo político. Uma situação excepcional surge em 1922, quando republicanos dissidentes unem-se ao Partido Federalista na candidatura de Assis Brasil à Presidência da Província. Sua candidatura galgou amplo apoio entre trabalhadores urbanos, nos meios estudantis e nas zonas coloniais (ANTONACCI, 1981, p. 93), tornando-se essa uma eleição atipicamente disputada. Contudo, o pleito foi amplamente percebido como fraudulento e coagido, e o escrutínio foi dominado pelo PRR, levando à terceira reeleição consecutiva de Borges de Medeiros (LOVE, 1975, p. 142; ANTONACCI, 1981, p. 98).
A eleição de 1922 demonstrou que a via eleitoral mantinha-se fechada para a alternância de poder no RS. Frente a esse obstáculo, a oposição recorre às armas com a Revolução de 1923. A nova encarnação dos “maragatos”, termo que identifica a oposição desde a Revolução Federalista, mostra-se militarmente muito inferior ao efetivo da Brigada Militar e aos “chimangos”11. Após mediação do governo central, o conflito foi encerrado no mesmo ano com o Pacto de Pedras Altas. Dentre outras garantias para o exercício da oposição no Estado, o pacto estabeleceu o veto a uma nova candidatura de Borges de Medeiros. A Revolução de 1923 e o Pacto de Pedras Altas marcam um ponto de ruptura com a hegemonia do PRR, iniciando uma transformação significativa do sistema partidário gaúcho.
Do Pacto de Pedras Altas ao Estado Novo (1924-1937)
Com a abertura para o exercício de oposição, em 1924 é formada a Aliança Libertadora, que dá continuidade ao movimento de aproximação entre os membros do Partido Federalista e os republicanos dissidentes capitaneados por Assis Brasil. Tal movimento só seria concluído em 1928, com a extinção do Partido Federalista e a fundação do Partido Libertador (PL). Superaram-se, finalmente, as dissensões que separavam federalistas e republicanos históricos não castilhistas (NOLL, 1980a). Essa é uma evidência de que a clivagem social norte/sul que organizou o sistema partidário durante 30 anos, até a Revolução de 1923, perdeu importância.
Contribuiu para esse desenvolvimento a conjuntura nacional, com a formação do Partido Democrático Nacional, em 1927, apoiado pelos libertadores gaúchos (Assis Brasil lhe presidia) e pelo Partido Democrático de São Paulo. As bases socioeconômicas da clivagem entre republicanos e federalistas/libertadores também se enfraqueceu, na medida em que a economia gaúcha se integrou ao polo mais dinâmico de industrialização (Rio-São Paulo), especialmente a partir de 1930 (FONSECA, 1983, p. 116).
Salienta-se que a participação parlamentar dos libertadores passou a ser admitida ainda sem a existência de competição eleitoral isonômica. Embora eleições justas fossem garantidas em determinadas circunscrições nas quais a oposição era relevante, sua presença na Assembleia possuía o acordo do presidente Borges de Medeiros (LOVE, 1975). Nesse sentido, a Revolução de 1923, e o Pacto de Pedras Altas, ao mesmo tempo em que abrem espaço para o exercício da oposição, circunscreve esta dinâmica a um espaço de divisão de poder entre as elites políticas. Menos do que o exercício da franca competição partidária/eleitoral, trata-se, inicialmente, da construção de acordos oligárquicos mais inclusivos.
Um indicativo desse processo ocorre em 1927: Borges de Medeiros indica um republicano da nova geração, Getúlio Vargas, para sucedê-lo na Presidência estadual, sem que a Aliança Libertadora lance candidato para o pleito. Uma vez instalado no governo, Getúlio Vargas criou condições para uma aproximação com os libertadores a partir de uma política pragmática. Em 1929, PRR e PL articulam a Frente Única Gaúcha (FUG12), como base estadual para a candidatura de Vargas à Presidência nacional no ano seguinte pela Aliança Liberal - à qual se junta o Partido Democrático Nacional. Derrotada nas eleições, a Aliança Liberal toma o poder central na Revolução de 1930, como o apoio de setores militares ligados ao tenentismo13.
A unidade partidária no RS possuiu curta duração. A Revolução Constitucionalista de 1932 criou novo estresse no sistema partidário gaúcho. Integrantes da FUG, liderados pelo republicano Borges de Medeiros e pelo libertador Raul Pilla, aderem à revolução contra Vargas. O interventor no governo do RS, Flores da Cunha, acaba por capitular frente à pressão de Vargas. Sem apoio militar gaúcho, a revolução é sufocada em São Paulo. Embora relativamente pequena em escala, a Revolução Constitucionalista possui importante efeito sobre o sistema partidário do RS.
Seja na esteira da tradição positivista/castilhista, em consonância aos setores militares tenentistas, ou como reflexo dos regimes antiliberais em ascensão na Europa, o governo provisório de Getúlio Vargas adota a centralização do poder em nível nacional como estratégia de enfrentamento das oligarquias regionais (FONSECA, 1993). A nova divisão política gaúcha, a partir da Revolução Constitucionalista, organiza-se em torno dessa clivagem (centralização nacional). Republicanos e liberais são seccionados em grupos pró e contra o governo provisório de Vargas e, consequentemente, a Flores da Cunha no Estado. A oposição estabelece o controle sobre a FUG. Em contraposição, Flores da Cunha e Osvaldo Aranha (importante articulador da Revolução de 1930) formam o Partido Republicano Liberal (PRL) em 1932. Noll (1995, p. 53) revela que a criação do PRL enfraqueceu, principalmente, a parte republicana da FUG.
Ao longo do período, outros movimentos - paralelos às forças majoritárias - foram ganhando corpo no território gaúcho, a partir de outras questões políticas. Embora não tenham obtido representação parlamentar, essas agremiações fizeram votações localizadas relevantes nas eleições de 1933 e 1934 (NOLL, 1980, p. 250).
A questão de classe social (trabalho/capital) desenvolve-se no RS paralelamente às tentativas de captura do operariado pelo PRR, anteriormente destacadas. Nos primeiros anos do século XX, grupos comunistas, socialistas e anarquistas estavam mobilizados em organizações como a Federação Operária do RS (FORGS), fundada na esteira da greve de 1906. Essas experiências desaguam na fundação de partidos políticos ligados aos interesses do trabalho. O Partido Comunista Brasileiro (PCB) nacional surgiu em 1922, com ativa participação gaúcha (PEIXOTO, 2006, p. 50). Em termos partidários/eleitorais, as primeiras incursões no RS de partidos de classe ocorreram em 1933, com a Liga Eleitoral Proletária (LEP), com apoio do PCB, e a lista Trabalhador Ocupa teu Posto.
No campo ideológico contrário, já no início da década de 1930, organiza-se nacionalmente a Aliança Integralista Brasileira (AIB), movimento conservador de perfil nacionalista autoritário (antiliberal), com inspiração no fascismo italiano (TRINDADE, 1974). No RS, a AIB ganhou relevância nas colônias alemã e italiana, atuando para a integração política de um contingente que se encontrava marginalizado (CARDOSO, 2014, p. 71). A AIB demonstrou capacidade de explorar as questões étnicas e econômicas presentes nas colônias do RS.
Os últimos anos do período são de intensa mobilização política no RS, após a eleição indireta de Getúlio Vargas (contra Borges de Medeiros), em 1934, e a formação da Aliança Nacional Libertadora (ANL), com apoio do PCB e de Luiz Carlos Prestes. Noll (1980, p. 8) destaca que esses movimentos permitem aflorar as contradições existentes no sistema político gaúcho. Entrando em conflito com Getúlio Vargas, Flores da Cunha promove o racha no PRL para formação nacional do oposicionista União Democrática Brasileira (UDB), em 1937. No mesmo ano, a FUG é dissentida pela formação do Partido Republicano Castilhista (PRC), liderado por Lindolfo Collor, e pela formação da Ação Libertadora.
A Revolução de 1923 é o marco final da hegemonia do PRR, embora Borges de Medeiros tenha sido capaz, dentro de certa margem, de administrar a abertura política. O PRL não repete a experiência do PRR como partido do governo. Como destacam Trindade e Noll (2005, p. 101), o PRL “vai perdendo um de seus recursos de persuasão mais utilizados - a coerção - na medida em que o País se constitucionaliza e os apelos às garantias individuais e direitos humanos se tornam mais constantes e claros”. Os autores pontuam que a utilização da força e da violência pelo partido do governo nas eleições tornou-se questionável, uma vez que a oposição poderia denunciar publicamente tais práticas.
A partir dessa transformação no modo de fazer política no RS, pode-se apreender que o sistema partidário no período posterior ao Pacto de Pedras Altas deixa de ser de partido hegemônico. A competição política torna-se factível, como evidencia a fragmentação partidária (Gráfico 2). Pode-se falar, portanto, na transição para um sistema partidário competitivo de partido predominante (o PRL) com formato inicialmente bipartidário e tendência para o pluripartidarismo. Entretanto, o desenlace dessa transição não pode ser testado. Em 1937, Getúlio Vargas instaura o Estado Novo e proscreve todos os partidos políticos do Brasil. No RS, o PCB e a AIB mantêm organizações clandestinas, enquanto líderes do PRL e da FUG (republicanos e libertadores) continuam ocupando postos políticos governamentais.
O sistema partidário da República de 1946 (1945-1966)
O sistema partidário que emergiu após o período de exceção do Estado Novo foi profundamente diferente do que lhe antecedeu. Pela primeira vez, e por imposição de regra estipulada ainda sob Vargas (Lei Agamenon), surgiram agremiações nacionais. Dois partidos foram formados pelos grupos ligados ao governo Vargas. O PSD foi estruturado nos estados a partir dos interventores nomeados pelo presidente, tornando-se, no RS, depositário dos partidos governistas do período anterior (PRR e PRL). Também no PSD gaúcho havia uma Ala Trabalhista, formada por agentes do governo e sindicais ligados ao governo Vargas.
Principal novidade do sistema partidário pós-1945, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) foi formado no RS pela dissidência de parte da Ala Trabalhista do PSD logo em 1945, no âmbito do queremismo. Foi apoiado pelo líder da União Social Brasileira, Alberto Pasqualini, que fornece um aporte ideológico à agremiação (CÁNEPA, 2005, p. 107). Conforme Cánepa (2005), durante o período 1945-1964 o PTB gaúcho passou por um processo de efetivo enraizamento social - em especial em Porto Alegre e em outros centros urbanos. O PTB no RS contou com lideranças que, embora ligadas a Getúlio Vargas, formaram-se politicamente no próprio partido, como Leonel Brizola, governador de 1959 a 1963, e João Goulart, presidente do Brasil de 1961 até o golpe militar de 1964.
Outras agremiações formaram-se em oposição ou independentemente dos esforços do governo Vargas. O principal partido anti-Vargas em nível nacional foi a União Democrática Nacional (UDN), surgida a partir de setores participantes da Revolução Constitucionalista e excluídos do poder. No RS, a UDN foi formada por antigos líderes republicanos ligados à FUG e ao PRL, inclusive Borges de Medeiros e Flores da Cunha. No entanto, a UDN foi eclipsada no Estado pela retomada do Partido Libertador (PL), liderado por Raul Pilla.
O principal movimento político a ser destacado no período refere-se à “udenização” do PSD gaúcho (TRINDADE e NOLL, 1991, p. 68-69). Antes da candidatura vitoriosa de Getúlio Vargas, a Presidência, em 1950, o PSD gaúcho é plenamente conquistado por forças contrárias às pretensões do ex-presidente. Concomitantemente, os apoiadores de Vargas no Estado migram para o PTB. Esse foi o caminho da referida Ala Trabalhista do PSD, ainda em 1946. Já em 1950, forma-se em apoio à candidatura Vargas o PSD-Autonomista (PSDA) (OLIVEIRA, 2008).
Dentre os grupos de esquerda não associados ao getulismo, pode-se referir ao PCB e ao Partido Socialista Brasileiro (PSB). Com a legalização do PCB, o partido pôde participar das eleições de 1947, elegendo três deputados estaduais. Contudo, o partido seria em breve proscrito e o mandato de seus deputados na Assembleia Legislativa cassados pelos colegas. Resilientes, os comunistas voltam à política eleitoral gaúcha ocupando a sigla do Partido Republicano (PR), a partir de 1950 (CÁNEPA, 2005, p. 225). O PSB forma-se inicialmente como Esquerda Democrática, associada à UDN, dos quais se divorciariam já para as eleições de 1947, e alcançam o Legislativo estadual, em 1950 e 1954. Por falta de espaço político no Estado, o PSB funde-se no PL nas eleições de 1958. Parte do PSB forma, para eleição de 1962, a Aliança Republicana Socialista (ARS) junto com o PR.
Outros pequenos partidos possuem atuação no Estado. Os integralistas da AIB formaram o Partido da Representação Popular (PRP). O Partido Democrata Cristão (PDC) e o Partido Social Progressista (PSP), fortes em outros estados, elegem deputados ao longo do período. Em 1959, foi formado, pelo dissidente trabalhista Fernando Ferrari, o Movimento Trabalhista Renovador (MTR) (BASTOS, 1981). Aliado ao PDC nacional, o MTR se apresenta como opção de trabalhismo não populista, contrária aos líderes Leonel Brizola e João Goulart.
Como demonstram Xausa e Ferraz (1981), Trindade (1981) e Trindade e Noll (1991), as eleições ocorridas entre 1950 e 1962 mostram uma tendência de polarização entre PTB e PSD. O usual apoio de PL e UDN ao PSD, formalizado na Frente Democrática, em 1958, e na Aliança Democrática Popular, consolidaria um bloco “conservador-liberal”, anti-PTB. Para Trindade (1981), a dinâmica entre esse bloco “conservador-liberal” em antagonismo com o bloco “populista” (PTB, PSB, PSP, MTR) deu lugar à polarização política no período, sem espaço para uma terceira força14. Se o afastamento do PDS do legado getulista (o PSD “udenizado”) for lido enquanto esvaziamento do centro político em um processo de polarização nos extremos (PTB e anti-PTB), o RS apresenta de maneira prematura, o que ocorreu em âmbito nacional após o governo Kubitschek, segundo Santos (2003, p. 250).
O período inaugurado em 1945 é o primeiro eleitoralmente competitivo e, coerentemente, não se repetiram as guerras de partido no Estado15. Pode-se descrever a estrutura do sistema partidário do período como pluripartidarismo moderado com polarização (competição centrífuga com esvaziamento do centro16). Embora permeada por outras questões, a polarização decorreu da instrumentalização política da clivagem de classe social pelo PTB. A prevalência dessa clivagem condicionou a transformação do sistema partidário gaúcho. No fim do período, praticamente todas as agremiações derivadas do sistema partidário anterior ao Estado Novo estavam amalgamadas em uma única coalizão.
O bipartidarismo durante o regime militar (1966-1978)
Em 1964, um golpe de estado depõe o presidente João Goulart (PTB) e instaura a ditadura militar que só deixaria o poder em 1985, com eleições indiretas para Presidência da República, pelo Congresso Nacional. O sistema partidário foi frontalmente atacado com expurgos das casas legislativas de parlamentares que possuíam apelo junto às camadas populares dos eleitores. Já em 1963 iniciaram-se as cassações de mandatos, por iniciativa dos parlamentares e, a partir dos Atos Institucionais nºs 1 e 2 (AI-1 e AI-2), de 1964 e 1965, o regime escancarou a suspenção de direitos políticos e cassações de mandatos. Durante a Legislatura 1963-1967 da Assembleia Legislativa do RS, foram cassados - e presos - 14 dos 23 deputados eleitos pelo PTB, um dos quatro deputados do MRT e o único deputado eleito pela ARS, permanecendo integrais as demais bancadas (PSD, PL, PDC, PRP e UDN).
A prática de cassações foi mantida durante o período, seja por motivos ideológicos ou como arma política quando as eleições traziam resultados desfavoráveis ao regime. Além desse expediente, o cerceamento dos direitos de reunião, da liberdade de manifestação e de imprensa, do devido processo legal e dos remédios constitucionais, descaracterizam os pleitos ocorridos até 1985 como democráticos, do ponto de vista da competitividade entre os atores políticos ou do exercício de oposição. O sistema partidário brasileiro sofreu, ainda, profunda transformação imposta pelo AI-2 e outras peças legais promulgadas pelo regime: a extinção dos partidos existentes e a imposição de um sistema bipartidário. Foram formados dois partidos nacionais: o governista Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o oposicionista Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
De maneira coerente com a polarização da política no RS, a totalidade dos deputados do grupo PSD, PL, PDC, PRP e UDN aderiu à Arena - com exceção de Paulo Brossard, do PL. Ao MDB acorreram os deputados estaduais não cassados do PTB e do MRT. Em âmbito mais amplo, membros do PCB que participavam formalmente de outras agremiações também entraram no MDB. A imposição do bipartidarismo teria o condão, para Xausa e Ferraz (1981) e para Trindade e Noll (1991), de consolidar a polarização já em curso no período anterior entre, de um lado, o PTB e grupos próximos e, de outro, o conjunto das legendas conservadoras (anti-PTB). A situação no RS contrasta com a observada em âmbito nacional, pois os parlamentares que compunham os novos partidos na Câmara de Deputados e no Senado possuíam origens mais ecléticas (MOTTA, 1996).
Volte-se a destacar que os expurgos políticos atingiram com muita força o PTB gaúcho (60% da bancada do partido na Assembleia Legislativa foi cassada). A ditadura militar minou as oportunidades do exercício de oposição tanto no Brasil quanto no Estado. Esse processo traumático, assim como a vigência do sistema bipartidário durante 13 anos permitiu o apagamento das antigas legendas em âmbito nacional. Segundo Cardoso (1981), as agremiações artificialmente criadas acabaram se estabilizando, se não como partidos consolidados, ao menos como expressão legítima da dinâmica situação/oposição. No caso do MDB, o partido tornou-se também uma plataforma para políticos individuais capazes de interagir com os movimentos sociais e contestatórios emergentes.
Com regras que, na prática, impediam a formação de partidos, pela primeira vez observa-se uma limitação genérica contra a formação de agremiações (com exceção da vedação completa durante o Estado Novo). Assim, se explica como a clivagem em tono do próprio regime militar, forçosamente instrumentalizada no sistema bipartidário, foi capaz de se sobrepor às preexistentes. O afastamento das eleições diretas para governador do Estado, cumulada com as alterações discricionárias na composição da Assembleia Legislativa via o expediente das cassações e o cerceamento das liberdades civis e políticas, resulta que a competição eleitoral no período era inócua em termos de controle do governo. Trata-se, portanto, de regime na prática não competitivo, de partido hegemônico pragmático, dada a ditadura dual militar-civil17
O sistema partidário na transição para a democracia (1979-1989)
A partir das eleições de 1974, o MDB passa a apresentar melhor desempenho eleitoral e desafiar a manutenção da base parlamentar do regime militar. Em um movimento lido como tentativa de enfraquecer a oposição, a reforma partidária de 1979 permitiu a formação de novas agremiações e lança mão de outras interferências na organização dos partidos e nas eleições para favorecer seu grupo de apoio (KINZO, 1990).
Em relação ao sistema partidário do RS, o período que decorre após essa abertura pode ser compreendido em duas fases. A primeira é um momento de transição, de saída do bipartidarismo, que compreende o processo de redemocratização: as Diretas Já, a eleição indireta do Presidente em 1985, a Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988, as eleições estaduais de 1982 e 1986, a eleição direta para a Presidência da República, em 1989. A segunda fase ocorre após essa marca, com um sistema partidário que não responde às tensões de saída do bipartidarismo.
Votação nas eleições para a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, partidos selecionados, 1978 a 2014 (%)
O Gráfico 3 compara o percentual de votos obtidos pelos partidos vigentes durante a ditadura militar (Arena, MDB e sucedâneos diretos) com as novas agremiações, nos pleitos para Assembleia Legislativa do RS. Entre 1982 e 1990 observa-se uma fase de rápida perda de importância eleitoral das antigas legendas, denotando radical realinhamento eleitoral/partidário. Após 1990, isso ocorre de maneira muito mais moderada. O contraste entre os dois períodos indica uma ruptura do sistema partidário. Essa seção explora o primeiro momento (1979-1989) e, a próxima, o segundo (1990-2014).
Nas primeiras eleições estaduais após a restauração do pluripartidarismo, em 1982, quatro agremiações lançaram candidaturas à Assembleia Legislativa gaúcha. O Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e o Partido Democrático Social (PDS) seguiram-se, respectivamente, ao MDB e à Arena. A incorporação de arenistas ao PMDB, ocasionada pela criação do Partido Popular (1979-1982) em nível nacional, não foi relevante no RS. O ex-governador Leonel Brizola, mesmo antes de retornar do exílio, atua para organizar um partido na tradição do trabalhismo (MARQUES e GONÇALVES, 2016), dando origem ao Partido Democrático Trabalhista (PDT). Também forma-se no Estado o Partido dos Trabalhadores (PT), com origem social (extraparlamentar).
PDS e PMDB expunham o acúmulo político da dinâmica situação/oposição do sistema bipartidário. Não obstante, é necessário relativizar a força dessas heranças para o sistema partidário da Nova República. Com base em pesquisa realizada em Porto Alegre, Baquero (1988) aponta que o PMDB não foi favorecido pela construção de lealdades partidárias ao MDB, mas apenas pelo contexto favorável ao partido de oposição ao regime militar. Coerente, portanto, que a extinção do bipartidarismo e o estabelecimento de um governo civil na Presidência da República tenha rapidamente enfraquecido a clivagem política em torno da ditadura militar.
Uma leitura do quadro nacional indica que os partidos extintos em 1966 possuíram pouca influência na reestruturação do pluripartidarismo, com a exceção do PDT (MAINWARING, 1999, p. 132). No RS, o legado trabalhista desempenhou um peso relevante na reestruturação partidária da abertura, fruto de um PTB mais fortemente identificado com o legado de Vargas e com enraizamento social. Conforme Grill (2004), o PDT é refundado no Estado por meio das redes sociais e familiares do trabalhismo anteriores ao golpe de 1964 que puderam ser mobilizadas por Leonel Brizola. Dos 31 deputados estaduais gaúchos do MDB na legislatura de 1979-1983, 18 (58%) aderiram ao PMDB e 13 (42%) ao PDT (BAQUERO, 1988).
O PT, inovação política que marcaria a trajetória do sistema partidário na Nova República, também apresentou candidaturas nas eleições de 1982. A principal fonte do PT encontra-se nos movimentos sindicais que eclodiram durante a abertura política, unificando a crítica ao regime militar e à situação econômica. Outros setores que constituíram o partido foram pequenos grupos de esquerda ligados ao movimento estudantil e grupos progressistas católicos, inclusive associados ao sindicalismo rural (KECK, 1991; SINGER, 2001). Mesmo que tenha recebido a adesão de indivíduos identificados com o MDB, nenhum parlamentar gaúcho da legenda migrou para o PT em sua fundação. O PT entrou na Assembleia Legislativa em 1986.
Quatro novos partidos passaram a competir nas eleições estaduais em 1986. PCB e PSB, legendas existentes antes do golpe de 1964, absorveram membros que estavam no PMDB. Reflexo da dinâmica do Colégio Eleitoral em 1985, parte do PDS seccionou-se no Partido da Frente Liberal (PFL). No RS, cinco deputados estaduais aderiram ao PFL durante a legislatura 1983-1987. Outro desdobramento do PDS originou o Partido Liberal (PL), que permaneceu marginal no RS. Esse partido não tem relação com o antigo Partido Libertador.
O sistema partidário inaugurado em 1979 encontrou um ambiente de abertura para a competição eleitoral e níveis crescentes de inclusão política. Nas eleições de 1982, no início de um processo amplo de inclusão política, a taxa de eleitores inscritos superou a metade da população gaúcha (Gráfico 1). A abertura política também se manifestou na possibilidade de formar novas agremiações. O PT é o exemplo de um partido formado preponderantemente a partir da sociedade. Observa-se a fragmentação dos partidos parlamentares no RS, especialmente com o PDT e o PFL. O sistema gaúcho do período 1979-1989 manteve-se no pluralismo limitado, com, no máximo, cinco partidos na Assembleia Legislativa. O sistema é moderado, dada a inexistência de polarização, em um contexto de enfraquecimento da clivagem dominante no sistema partidário anterior (de apoio/oposição ao regime militar).
O sistema partidário na Nova República (pós-1990)
Ultrapassado o momento de transição, um novo sistema partidário emerge no RS a partir das eleições de 1990. Ele convive com franca competição eleitoral e inclusão eleitoral universal (Gráfico 1). Diferencia-se do sistema anterior pelo elevado incremento no número de partidos (Gráfico 2), fruto do seccionamento das agremiações. Outra circunstância decorre da ascensão do PT à primeira força da Assembleia Legislativa (Gráfico 3). Some-se o fato de que, desde 1994, o PT esteve presente como vencedor ou segundo colocado em todos os pleitos para o governo do Estado.
O PT passou à posição de agremiação organizadora do sistema político do RS, em uma dinâmica de polarização próxima à República de 1946 (OLIVEIRA, 2015). Observa-se, agora, o antagonismo entre o PT e um conjunto de agremiações. Dentre elas, as maiores são o PMDB e os sucessores do PDS (Partido Progressista Renovador - PPR, Partido Progressista Brasileiro - PPB e Partido Progressista - PP). A oposição perene de PMDB e PDS/PPR/PPB/PP ao PT gaúcho, tanto nas eleições quanto nos governos, contrasta com a participação dos dois partidos nos mandatos dos presidentes Lula e Dilma (2003-2016). Ressalvem-se algumas diferenças importantes entre a República de 1946 e o sistema pós-1990. Se o PSD desempenhava um papel dominante dentro do campo anti-PTB, o conjunto anti-PT apresenta competitividade interna. O próprio PT não alcançou a dimensão que o PTB possuía nas eleições parlamentares, de maneira que a polarização se restringe ainda mais do que antes à escolha do Governador do Estado.
A estrutura da competição partidária também difere da República de 1946, embora o PT de fato se estabeleça sobre uma questão de classe social. A partir de informações biográficas dos candidatos a cargos parlamentares, Bordignon (2017) revela que o PT gaúcho possui menor capacidade patrimonial e maior ligação a movimentos sociais e associativos (sindicatos) do que o conjunto de partidos. Para além do antagonismo histórico, a diferença entre PMDB e PP também responde a questões sociais. Conforme Bordignon (2017), o PP identifica-se com agricultores, pecuaristas, comerciantes e engenheiros (atividades conectadas ao ambiente dos municípios de economia rural, nos quais o partido é mais forte). Já o PMDB depende em maior medida de políticos com trajetória profissional no próprio partido e em cargos políticos. O antagonismo partidário não se estabelece sobre clivagens e os partidos e lideranças exploram questões sociais de maneira autônoma. Os próximos parágrafos descrevem o processo de fragmentação partidária e de formação dos campos pró e anti-PT.
Em 1990, quatro novas agremiações relevantes participam das eleições gaúchas. Refletindo a crise da União Soviética, parte majoritária do PCB cria o Partido Popular Socialista (PPS). Antes aliado ao PT, a partir de 2001 o PPS adere ao campo anti-PT devido à absorção de trânsfugas do PMDB (GERCHMANN, 2001). O Partido Comunista do Brasil (PCdoB), dissidência do PCB da década de 1960, finalmente concorre por sua própria legenda após coabitar o PMDB (FIGUEIREDO, 2008). Fundadora do PCdoB no RS, Jussara Cony chegou a assumir mandato como suplente de deputada estadual pelo PMDB na legislatura 1987-1991. No âmbito estadual, o PCdoB aliou-se frequentemente ao PT.
O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) foi criado em 1988 por um setor progressista do PMDB de São Paulo, interessado em maior espaço eleitoral (ROMA, 2000). Possível reflexo do racha provocado pelo PDT, o PMDB gaúcho não contava com as mesmas tensões internas e apenas uma deputada estadual migrou para o PSDB. Concomitantemente à eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência, em 1994, o PSDB gaúcho recebeu políticos do PDS, como o deputado federal Nelson Marchezan. O PSDB gaúcho se opõe ao PT, de forma semelhante à dinâmica nacional.
O quarto partido que estreia em eleições para Assembleia em 1990 é o PTB. Sigla do trabalhismo anterior ao AI-2, foi refundado por lideranças do antigo partido em São Paulo, em 1980. No RS, embora já presente em nível municipal, recebeu densidade eleitoral com a filiação de Sérgio Zambiasi em 1988 (então deputado estadual eleito pelo PMDB) (GRILL, 2004). Ao longo do período, o PTB associou-se tanto ao PT quanto ao campo anti-PT.
Entre 1994 e 2014, outras 28 pequenas legendas passam a atuar nas eleições gaúchas. Seis alcançam a Assembleia Legislativa via eleições. O Partido Republicano Brasileiro (PRB) atrai um deputado do PPS. O PRB foi formado nacionalmente por líderes do PL ligados a igrejas neopentecostais (ORO e MARIANO, 2009). Com refundações, o PFL dá origem ao Democratas (DEM) e o PL ao Partido da República (PR). O Partido Verde (PV), o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), o Partido Pátria Livre (PPL) e um novo PSD alcançam a Assembleia Legislativa em 201418.
Em que pese a fragmentação partidária após 1990 (Gráfico 2), com a profusão de legendas acima descrita, deve-se salientar que o sistema partidário gaúcho manteve concentração eleitoral em quatro agremiações: PMDB, PP, PDT e PT. A soma de votos para Assembleia Legislativa desses quatro partidos deixou o patamar de 70%, em 1990, para 60%, em 2014 (Gráfico 3). Ao contrário do constatado no sistema da República de 1946, não há competição centrífuga e os partidos que ocupam o centro se mantiveram abertos para coligações com ambos os polos19. Até 2014, a estrutura do sistema partidário gaúcho é de um pluripartidarismo extremado com duas tendências contrastantes. A primeira é a de efetiva polarização, que se realizaria no caso de os partidos que ocupam o centro (PDT, PTB, PSB) fossem esvaziados em favor dos polos pró e anti-PT, ou no caso - ainda menos provável - de deixarem de apoiar os polos em um contexto de oposição bilateral. A outra tendência é a de plena atomização do sistema partidário, no caso de os quatro partidos destacados continuarem a perder importância eleitoral e do desaparecimento do antagonismo em relação ao PT.
Os seis sistemas partidários do Rio Grande do Sul republicano
A trajetória do sistema partidário do RS remonta à Revolução Farroupilha, no período Regencial, perpassa o Segundo Reinado e atravessa as diferentes fases da República. Mesmo graves interrupções do processo político não possuíram o efeito de apagar contornos partidários mais ou menos estruturados da política gaúcha. O Quadro 1 sintetiza as tendências e fatos que impactaram a mudança nos partidos políticos do Estado e as características (competição e estrutura) dos diferentes sistemas partidários identificados no decorrer da pesquisa.
A Figura 1 procura sistematizar as mudanças partidárias descritas na pesquisa. Mostra as relações e sucessões dos partidos nos seis sistemas identificados. A referência são as eleições para a Assembleia de Representantes e para a Assembleia Legislativa do RS. Outros movimentos certamente ocorreram em âmbito extraparlamentar, em municípios específicos ou no Congresso Nacional, alguns dos quais foram anteriormente expostos.
O primeiro sistema partidário republicano surge de um verdadeiro choque externo, provocado pela Proclamação da República. O PRR foi alçado a uma posição de poder inaudita. Alijados do governo, os liberais e conservadores que haviam dominado a política gaúcha durante o Império se agruparam no Partido Federalista. O antagonismo entre republicanos e federalistas se assenta no declínio socioeconômico da estância meridional gaúcha em relação à metade norte, uma clivagem cristalizada com a Revolução Federalista e sobreposta pela construção da autonomia do Estado do RS. Após sua vitória na Revolução Federalista, o PRR tornou-se um partido hegemônico no Estado. Na ausência de competição eleitoral franca, as eleições apenas legitimavam as decisões dos líderes partidários.
O segundo sistema foi um período de transição. Em decorrência da Revolução de 1923, republicanos dissidentes do PRR se aliam aos federalistas para formar o Partido Libertador. O Pacto de Pedras Altas estabelece condições iniciais para abertura política no Estado e a sucessão geracional no PRR. Como demonstração final de esgotamento do sistema partidário anterior, PRR e Partido Libertador se unem na FUG, instrumento de inserção nacional de Getúlio Vargas. Tal unidade é rompida após a Revolução Constitucionalista. Uma nova clivagem surge em torno do processo de centralização nacional nos governos provisório e constitucional de Vargas, com a formação do governista PRL. Esse partido mantém predominância no sistema partidário gaúcho até a instauração do Estado Novo. No final do período, atuaram nas eleições agremiações pequenas de origem social. As transformações na clivagem política, o realinhamento intrapartidário e a sequência de guerras de partidos (1923, 1930, 1932) permitem caracterizar esse período como uma “era crítica”.
O terceiro sistema partidário, da República de 1946, manteve um formato pluripartidário limitado e condições de competição política com liberdade. A inclusão política possui um avanço limitado, de 20% para 32% da população, entre 1945 e 1966. Opositores abertos do Estado Novo fundaram a UDN gaúcha e refundaram o Partido Libertador, enquanto autoridades ativas no regime getulista entraram no PSD e no PTB. Ao longo do período, o sistema partidário passa a institucionalizar a clivagem de classe social em um processo de polarização. Esse fenômeno materializa-se no sistema partidário com fluxos de migrações do PSD em direção ao PTB e pela estabilização da coalizão anti-PTB (reunindo PSD, UDN e PL). Assim, os partidos cujas trajetórias remontam ao primeiro e segundo sistemas partidários acabam amalgamados em uma única coalizão.
O quarto sistema partidário, vigente durante o regime militar, foi reduzido institucionalmente ao bipartidarismo. No RS, os novos partidos - Arena e MDB - refletem a polarização política do sistema anterior. Contudo, a clivagem de classe é abafada pela repressão política, e a dinâmica de situação/oposição ao regime autoritário torna-se o mote principal da disputa partidária. A competição eleitoral é cerceada pela ausência de liberdade e pela manipulação dos resultados, por meio da cassação de mandatos parlamentares. Essas condições exigem a desconsideração do bipartidarismo formal e que seja reconhecido o sistema como hegemonizado pelo braço partidário da ditadura militar-civil (Arena).
O quinto sistema partidário foi um novo período de transição, marcado pela abertura para o pluripartidarismo e para condições de competição eleitoral plena. Outra transição ocorre com o expressivo avanço na inclusão política (Gráfico 1): o volume de eleitores inscritos salta de 43%, em 1980, para 63%, em 1990, o que torna esse o período de maior inclusão no RS republicano. O MDB dividiu-se em PDT e PMDB. O primeiro buscou retomar os vínculos do trabalhismo anterior ao golpe de 1964 e, o segundo, resguardar o sucesso político da oposição durante o regime militar. A Arena foi dissolvida para formar o PDS, do qual rompeu o PFL e o PL. Contando com a participação de opositores ao regime militar, foram formadas pequenas agremiações. No RS, esse período pode ser considerado de pluripartidarismo limitado e moderado, sem polarização, e uma “era crítica” de realinhamento partidário e inclusão política.
O sexto sistema partidário apresenta progressiva fragmentação partidária. As condições de competição política são ampliadas e a inclusão política alcança a universalidade. A dissensão em torno do regime militar mostra-se exaurida, sem que os antagonismos do sistema partidário tenham se estabelecido sobre outra clivagem. Alguns partidos conseguiram estabelecer relações com setores socioeconômicos, como o PT e os trabalhadores urbanos e o PP no meio rural. Ao lado das legendas formadas na transição para democracia - PMDB, PDS/PPR/PPB/PP, PDT e PT - uma série de pequenos e médios partidos se estabeleceram em torno de líderes ou grupos políticos específicos. Até as eleições de 2014, uma dinâmica de polarização em torno do PT marcou a estrutura de competição política estadual, especialmente se consideradas as eleições para governador (situação próxima da nacional). Entretanto, o sistema partidário extremado e o eventual enfraquecimento da polarização e dos quatro partidos destacados indicam para a possibilidade de atomização. Pode-se estar, portanto, no limiar de uma nova “era crítica” de realinhamento ou extinção do sistema partidário gaúcho.
Considerações finais
Este estudo enfrentou o desafio de periodizar o sistema partidário gaúcho. Para avaliar as transformações na estrutura do sistema partidário, isto é, das relações que as agremiações entabulam no sistema político, foram levantadas informações sobre cinco variáveis: inclusão política, número de partidos, mudança partidária, competição política e estrutura do sistema partidário. Procurou-se identificar as tendências de longo prazo e os choques externos que provocaram mudanças partidárias e alterações na estrutura do sistema partidário gaúcho, assim como a influência das estruturas anteriores sobre as novas configurações. Um pressuposto da pesquisa foi a relativa autonomia do sistema partidário estadual em face do brasileiro.
Como não poderia deixar de ser, o sistema partidário do RS é marcado por sua relação com o sistema nacional. Durante o primeiro sistema, em que pese ele gravitar sobre a dinâmica local da clivagem norte/sul, os choques pontuais são decorrência de, ou articulados com, eventos nacionais (Proclamação da República, Golpe de Novembro de 1891, Revolução Federalista). A própria abertura do sistema político gaúcho com o Pacto de Pedras Altas, de 1923, deve-se à intervenção nacional para pacificar o Estado. Por outro lado, se a política gaúcha possuía papel nacional durante o Segundo Reinado e a República Velha, ela se torna decisiva na década de 1930. A importância dos atores gaúchos nas Revoluções de 1930 e 1932 e o impacto destas na história do Brasil escondem, em nível local, movimentos de rearticulação política e mudanças no contexto partidário. A Revolução de 1923 e a coalizão entre republicanos e federalistas/libertadores no RS é determinante na trajetória de Getúlio Vargas.
A partir da República de 1946, as mudanças no sistema partidário gaúcho passaram a proceder da política nacional. Isso não significa que a trajetória histórica da política gaúcha deixou de exercer influência importante sobre como tendências e choques de âmbito nacional impactaram no sistema partidário local. A polarização política, no RS, ocorreu com um PSD “udenizado”. O MDB e a Arena absorvem, no bipartidarismo, um sistema pluripartidário já polarizado em grandes coalizões. Na abertura de 1979, encontra-se a rearticulação do forte trabalhismo/getulismo gaúcho no PDT, a não incorporação de arenistas no PMDB e o não fracionamento do PMDB, em 1988, para formar o PSDB. Também merece investigação o caso do PP gaúcho, com maior importância eleitoral e enraizamento do que o nacional. Mais do que reminiscência da ditadura militar, como sucessor da Arena e do PDS, é possível que a idiossincrasia do PP estadual responda aos vínculos sociais e familiares criados em torno do antigo PSD, e mesmo do PRL e do PRR.
A formação e o crescimento eleitoral do PT durante a República Nova foi um processo de âmbito nacional e concomitante em diferentes regiões. Apenas no RS, contudo, o PT encontrou um sistema partidário no qual o PP possui enraizamento social, o PDT encarna o legado trabalhista e o PMDB não foi eclipsado pelo PSDB. Estruturas partidárias diferentes podem ser encontradas nos outros estados do Brasil, a partir do acúmulo histórico dos sistemas partidários anteriores. Mesmo eventual constatação de ausência de estrutura partidária local pode contribuir para a compreensão de especificidades estaduais que possuem um reflexo difuso, mas relevante, na política nacional. Desde a Lei Agamenon, os colégios eleitorais vigentes nas eleições do Congresso Nacional são as unidades federativas. Sem negar a capacidade do Presidente e dos líderes partidários no Congresso em conduzir a agenda política nacional, mesmo em contraste com os interesses estaduais (CHEIBUB, FIGUEIREDO e LIMONGI, 2009), a permissividade das instituições políticas favorece a interpretação do sistema político nacional como cômputo de contextos sociais ou historicamente determinados em nível local.
Chama a atenção o fato de que a organização de um sistema partidário no RS, constatada pelo perfil partidário de seus políticos e a maior estabilidade da competição eleitoral, não é uma característica genérica da política brasileira (EPSTEIN, 2009; MELO, 2011). Nem sempre é possível explicar as diferenças entre os estados a partir dos indicadores quantitativos políticos ou socioeconômicos. Por exemplo, Peres, Ricci e Rennó (2011) constatam que a volatilidade eleitoral estadual depende da longevidade, fragmentação e fidelidade partidária. E por que os partidos importam mais em uns estados do que nos outros? A análise histórica longitudinal das mudanças entabuladas por clivagens e questões socioeconômicas, mas, também, pela agência dos atores políticos, pode ajudar a compreender a estrutura dos sistemas partidários estaduais. É, nesse sentido, um esforço útil para interpretar os avanços e retrocessos da democracia brasileira e para compreender melhor os desafios que, evidenciados pela política do dia a dia, parecem surpreender a ciência política nacional (como a atomização do sistema partidário).
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1
O autor agradece as contribuições dos pareceristas da Revista Brasileira de Ciência Política e de colegas da FEE
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2
O NEPP é dado pela seguinte fórmula: N= 1/Σin=1Pi2), na qual “P” é a fração de cadeiras obtidas pelo partido “n” sobre o total de cadeiras da casa legislativa (Laakso e Taagepera, 1979).
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3
Para diferenciarem-se dos adeptos de última hora, o grupo castilhista se autodenominava republicanos históricos. Deodoro da Fonseca indicou à Presidência do Estado o ex-chefe local do Partido Conservador, Francisco da Silva Tavares, que entrou no PRR apenas em 1889. Com a oposição dos republicanos por dentro do governo e demonstrações públicas do PRR, ele foi levado a renunciar. Para a descrição desses movimentos nos primeiros anos da República, pode-se consultar Escobar (1983) e Axt (2002).
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4
Fonseca (1983) demonstra como a clivagem geográfica e econômica (norte/sul) foi instrumentalizada pelos partidos políticos. Para o autor, a tendência de longo prazo de estagnação econômica da estância pecuária meridional, frente ao crescimento da metade norte e dos setores urbanos, foi favorecida pela política deliberada do PRR no governo do Estado, visando à cooptação de apoio político.
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5
Gertz (2010) relata a existência do Partido de Centro, associado ao catolicismo, e do Partido Colonial, que chegou a alcançar a colônia italiana com uma pauta de interesses dessas regiões. Eles acabaram absorvidos pelo PRR, embora procurassem viabilizar os próprios candidatos dentro daquele partido.
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6
Mesmo subsidiária, a clivagem entre capital e trabalho insere-se na política gaúcha nos primeiros anos da República. Um exemplo é a publicação, em 1890, pelo jornal oficial do PRR, do manifesto do Partido Operário (Loner, 2010). Outro exemplo é a atuação do Centro Operário, formação com pretensões de organização partidária, que indicou candidatos na coligação União Republicana/ União Nacional. Mais tarde, em 1923, destaca-se a formação da Liga Operária Republicana pelo PRR (Pesavento, 1988, p. 194).
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7
Escrita por Júlio de Castilhos e promulgada pela Assembleia Constituinte dominada por republicanos castilhistas, a Constituição concentrava o poder nas mãos do presidente do Estado (Axt, 2002). O legislativo estadual reunia-se apenas para aprovar o orçamento, o executivo legislava por decreto e não havia limites à recondução do presidente estadual.
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8
Diferir do partido de mesmo nome e aspiração nacional, liderado por Francisco Clycério e ativo de 1893 a 1897, do qual não participaram políticos gaúchos (Witter, 1984, p. 104).
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9
Targa (2003) consolida a visão de que a violenta guerra civil entre republicanos (com o apoio do Exército nacional, pica-paus) e federalistas (maragatos) ocorre no processo de consolidação da autonomia do Estado. A ditadura republicana positivista instalada por Júlio de Castilhos instrumentalizou a guerra para assegurar a autonomia do governo estadual e, em última instância, seu predomínio frente aos elementos privados detentores de maior poder político, econômico e militar. Tal setor, que havia, até então, controlado o Estado, eram os antigos poderes familiares, oligárquicos, do RS meridional. A busca desta autonomia estatal é condizente com o que Pinto (1986) identifica como um discurso sobre o exercício do poder ao mesmo tempo autoritário (nas eleições, nas liberdades individuais) e não oligárquico (posicionado acima dos interesses em disputa, e não em imediata defesa dos interesses dos setores tradicionalmente dominantes).
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10
Dois partidos de dissidentes do PRR possuíram vida curta e não chegaram ao parlamento: o Partido Republicano Liberal, de 1895, e o Partido Republicano Democrático, de 1907 (articulado por Assis Brasil e Fernando Abbot, lançou a candidatura do último ao Executivo estadual, em 1908). Destaca-se também o Partido Republicano Conservador, articulado nacionalmente pelo senador Pinheiro Machado na eleição presidencial de Hermes da Fonseca, em 1910. Especula-se se esse partido poderia representar opção a Borges de Medeiros no RS, mas a morte de Pinheiro Machado, em 1916, precipitou sua extinção.
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11
“Chimangos” foi o termo que identificou os republicanos que permaneceram ao lado do governo Borges de Medeiros. O termo deriva de alcunha depreciativa dada a Borges de Medeiros por Ramiro Barcellos, no livro Antônio Chimango.
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12
A FUG aproxima-se de uma coligação permanente, pois PRR e Partido Libertador mantiveram organizações independentes.
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13
O termo denota diferentes sublevações militares de caráter antioligárquico do período final da República Velha. No RS, destaca-se o líder da Coluna Prestes, Luiz Carlos Prestes, que não apoia a Revolução de 1930.
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14
Os autores referem-se a um “bipartidarismo de fato” no RS, termo que não parece preciso. Uma interpretação ampla da definição inclui sistemas nos quais as forças além dos dois partidos centrais não possuem capacidade de coalizão, sendo desprezíveis (SARTORI, 1982, p. 145; 214), inclusive no presidencialismo. Este não é o caso do RS entre 1945-1966. Em nenhum momento o PTB ou o PSD conquistou maioria na Assembleia Legislativa. Em todas as eleições para governador, os votos dados para as terceiras forças são superiores à diferença dos dois principais competidores (exceção em 1958). Portanto, os partidos menores mantiveram capacidade de fazer coalizão e foram influentes. Disso ainda dá prova o comportamento de PSB, PRP e PSP, que ora se coligaram com o PTB, ora com o PSD, ora lançaram candidatura própria ao governo. Mesmo o uso de “polarização” deve ser entendido como um processo em andamento no Estado, cuja eventual concretização foi impedida pelo golpe de 1964. Para uma crítica das interpretações, ver Tavares (1997).
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15
Destaque-se que o movimento da Legalidade de 1961, que poderia ensejar nova guerra civil. Comandado pelo governador Leonel Brizola, o movimento garantiu a posse - limitada pelo parlamentarismo - do vice-presidente João Goulart na Presidência da República. A atuação majoritária nos partidos gaúchos, mesmo no bloco “conservador-liberal”, foi de apoio à Legalidade.
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16
Tavares (1997, p. 175) identifica pluripartidarismo “multipolar e eventualmente centrípeto”, desconsiderando a existência de polarização que, todavia, parece adequadamente caracterizada como um processo em curso.
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17
Classifi cação coerente com Sartori (1982, p. 265), embora divirja da opção do autor por sistema de partido predominante (SARTORI, 1982, p. 341). Ressalve-se que Sartori usa como referência a situação nacional no ano de 1966, anterior ao Ato Institucional nº 5, de 1968, marco na restrição das liberdades civis.
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O PSOL deriva do PT devido à reforma da previdência do governo Lula, em 2003. O PPL foi fundado em 2009 por membros do PMDB que reivindicam ligação com o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8), dissidência do PCB que combateu o regime militar. O PSD foi fundado em 2011 por lideranças paulistas do DEM interessadas em aproximação com a presidenta Dilma Rousseff (PT). No RS, atrai membros do PTB.
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Não há esvaziamento do centro, mas movimentos isolados em favor do PT. O mais representativo foi em 2000, quando o PDT rompeu com o governo de Olívio Dutra (PT), motivando migrações do PDT para o PT. Dentre elas, a da futura presidenta da República Dilma Rousseff, então secretária estadual (COUTINHO, 2010).
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Taxa de inclusão anual a partir dos dados do Gráfico 1: 1889/1933: 0,02% ao ano; 1933/1934: 3,1% a.a.; 1947/1966: 0,5% a.a.; 1966/1980: 1% a.a.; 1980/1990: 2% a.a. (1980/1986: 2,5% a.a.); e 1990/2014: 0,5% a.a.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jan 2018
Histórico
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Recebido
04 Nov 2016 -
Aceito
02 Out 2017