Resumos
Além dos baixos teores normalmente encontrados na fração argila dos solos sob clima tropical e subtropical, o tamanho reduzido e a baixa cristalinidade dos minerais 2:1 secundários dificultam sua identificação por difratometria de raios X (DRX). Este estudo objetivou avaliar métodos químicos e físico de concentração de minerais 2:1 secundários na fração argila para facilitar a identificação por DRX, incluindo a natureza dos minerais quanto ao local de formação de cargas permanentes (lâmina tetraedral ou octaedral). Coletaram-se amostras de dois Cambissolos originados de argilito da Formação Guabirotuba na Bacia Sedimentar de Curitiba (PR): horizontes A, Bi, C1 (1,2 a 1,5 m), C2 (2,2 a 2,5 m), C3 (3,2 a 3,5 m) e C4 (4,2 a 4,5 m). Após remoção da matéria orgânica e dispersão da terra fina seca ao ar, a fração argila foi submetida a tratamentos sequenciais com ditionito-citratobicarbonato (DCB) (amostra desferrificada - remoção de óxidos de Fe pedogenéticos) e com soluções de NaOH a quente, em diferentes concentrações (0,5; 1,0; 1,5; 2,5; 3,5; 4,0; 4,5 e 5,0 mol L-1), para extração de gibbsita e caulinita, em diferentes graus. A fração argila desferrificada também foi submetida à separação física (centrifugação) em argila grossa (0,2 a 2 m) e fina (< 0,2 m). Foram realizados tratamentos auxiliares para identificar as espécies minerais 2:1 na fração argila: saturação com Mg e solvatação com etilenoglicol; saturação com K e secagem ao ar e aquecimento a 550 ºC; e saturação com Li (teste de Greene-Kelly). Os resultados mostraram que o método clássico de extração da caulinita, com solução de NaOH 5,0 mol L-1 a quente, não deve ser aplicado para concentração de minerais 2:1 secundários, pois também removeu grande parte desses minerais. O tratamento com DCB e com solução de NaOH 3,5 mol L-1 possibilitou, com maior eficiência, a concentração e identificação de minerais 2:1 secundários por DRX nas amostras dos horizontes A, Bi e C1. Nas amostras tomadas em maiores profundidades (horizontes C2, C3 e C4), devido aos maiores teores desses minerais e ao menor tamanho dos cristais (argila fina), a solução menos concentrada de NaOH (1,5 mol L-1) foi mais eficiente para esse propósito. No horizonte A, os minerais 2:1 concentraram-se na fração argila grossa, compatível com o maior grau de intemperismo desse horizonte. Identificou-se esmectita com hidroxi-Al entrecamadas nos horizontes mais superficiais (A e Bi) e esmectita nas amostras do horizonte C. A saturação com Li permitiu a identificação das esmectitas dioctaedrais montmorilonita e beidelita/nontronita. As adaptações ao métodopadrão (NaOH 5 mol L-1) favoreceram a concentração de minerais 2:1 secundários na fração argila dos solos; a concentração da solução de NaOH deve ser maior para horizontes com menor teor do mineral.
esmectita; montmorilonita; beidelita; nontronita; extração sequencial
Besides the typically low levels of secondary 2:1 minerals found in the clay fraction of soils in tropical and subtropical climates, the small mineral size and low crystallinity make their analyses by X-ray difractometry (XRD) difficult. This study aimed to evaluate physical and chemical methods for concentrating secondary 2:1 minerals in the clay fraction to facilitate their identification by XRD. Also, it was sought to analyze the nature of the minerals regarding the sites of origin of permanent charges (tetrahedral or octahedral sheets). Samples were collected in two Cambisols originated from argillite of the Guabirotuba formation in the sedimentary basin of Curitiba (PR), Brazil, in the horizons: A, Bi, C1 (1.2 to 1.5 m), C2 (2.2 to 2.5 m), C3 (3.2 to 3.5 m) and C4 (4.2 to 4.5 m). After removing the organic matter and dispersing the airdried fine earth, the clay was sequentially treated with dithionite-citrate-bicarbonate (DCB) (iron-free sample - removal of pedogenetic iron oxides) and with hot NaOH solutions at different concentrations (0.5, 1.0, 1.5, 2.5, 3.5, 4.0, 4.5, and 5.0 mol L-1) for kaolinite and gibbsite extraction at different degrees. The iron-free clay fraction was also physically separated (centrifugation) in coarse (0.2 to 2 µm) and fine clay (< 0.2 µm). Secondary treatments were performed to identify the 2:1 mineral species in the clay fraction: saturation with Mg and solvation with ethylene glycol, K saturation, air-drying and heating to 550 ºC; and Li saturation (Greene-Kelly test). Results showed that the classical method of kaolinite extraction with hot 5.0 mol L-1NaOH solution should not be used to concentrate secondary 2:1 minerals because the solution also removed a large portion of these minerals. The treatment with DCB and with 3.5 mol L-1NaOH solution was more efficient to concentrate and favored the identification of secondary 2:1 minerals by XRD in samples of the A, Bi and C1 horizons. In samples from greater soil depths (C2, C3 and C4 horizons), due to the higher levels of these minerals and the smaller crystal size (fine clay), a less concentrated NaOH solution (1.5 mol L-1) was more efficient for this purpose. In A horizon, 2:1 minerals were concentrated in the coarse clay fraction, what is compatible with the higher weathering degree of this horizon. Smectite with Al-hydroxy interlayers was identified in most surface horizons (A and Bi) and smectite was found in the C horizon samples. Li saturation made the identification of dioctaedral minerals (montmorillonite and beidellite/nontronite) possible. The modification of the standard method (5 mol L-1NaOH) favored the concentration of secondary 2:1 minerals in the soil clay fraction; the concentration of the NaOH solution must be higher for horizons with lower mineral content.
smectite; montmorillonite; beidellite; nontronite; sequential extraction
SEÇÃO II - QUÍMICA E MINERALOGIA DO SOLO
Métodos de concentração de minerais 2:1 secundários na fração argila visando sua identificação por difratometria de raios x
Methods for concentrating secondary 2:1 minerals in the clay fraction for subsequent identification by x-ray difractometry
Vander de Freitas MeloI; Julian Martins S.M. MattosII; Valmiqui Costa LimaIII
IProfessor do Departamento de Solos e Engenharia Agrícola, Universidade Federal do Paraná - UFPR. Rua dos Funcionários, 1540, CEP 80035-050 Curitiba (PR). Bolsista CNPq. vanderfm@ufpr.br
IIAcadêmica do Curso de Agronomia, UFPR. Bolsista PIBIC/CNPq. E-mail: julianmsmm@hotmail.com
IIIProfessor do Departamento de Solos e Engenharia Agrícola, UFPR. E-mail: valmiqui@ufpr.br
RESUMO
Além dos baixos teores normalmente encontrados na fração argila dos solos sob clima tropical e subtropical, o tamanho reduzido e a baixa cristalinidade dos minerais 2:1 secundários dificultam sua identificação por difratometria de raios X (DRX). Este estudo objetivou avaliar métodos químicos e físico de concentração de minerais 2:1 secundários na fração argila para facilitar a identificação por DRX, incluindo a natureza dos minerais quanto ao local de formação de cargas permanentes (lâmina tetraedral ou octaedral). Coletaram-se amostras de dois Cambissolos originados de argilito da Formação Guabirotuba na Bacia Sedimentar de Curitiba (PR): horizontes A, Bi, C1 (1,2 a 1,5 m), C2 (2,2 a 2,5 m), C3 (3,2 a 3,5 m) e C4 (4,2 a 4,5 m). Após remoção da matéria orgânica e dispersão da terra fina seca ao ar, a fração argila foi submetida a tratamentos sequenciais com ditionito-citratobicarbonato (DCB) (amostra desferrificada - remoção de óxidos de Fe pedogenéticos) e com soluções de NaOH a quente, em diferentes concentrações (0,5; 1,0; 1,5; 2,5; 3,5; 4,0; 4,5 e 5,0 mol L-1), para extração de gibbsita e caulinita, em diferentes graus. A fração argila desferrificada também foi submetida à separação física (centrifugação) em argila grossa (0,2 a 2 m) e fina (< 0,2 m). Foram realizados tratamentos auxiliares para identificar as espécies minerais 2:1 na fração argila: saturação com Mg e solvatação com etilenoglicol; saturação com K e secagem ao ar e aquecimento a 550 ºC; e saturação com Li (teste de Greene-Kelly). Os resultados mostraram que o método clássico de extração da caulinita, com solução de NaOH 5,0 mol L-1 a quente, não deve ser aplicado para concentração de minerais 2:1 secundários, pois também removeu grande parte desses minerais. O tratamento com DCB e com solução de NaOH 3,5 mol L-1 possibilitou, com maior eficiência, a concentração e identificação de minerais 2:1 secundários por DRX nas amostras dos horizontes A, Bi e C1. Nas amostras tomadas em maiores profundidades (horizontes C2, C3 e C4), devido aos maiores teores desses minerais e ao menor tamanho dos cristais (argila fina), a solução menos concentrada de NaOH (1,5 mol L-1) foi mais eficiente para esse propósito. No horizonte A, os minerais 2:1 concentraram-se na fração argila grossa, compatível com o maior grau de intemperismo desse horizonte. Identificou-se esmectita com hidroxi-Al entrecamadas nos horizontes mais superficiais (A e Bi) e esmectita nas amostras do horizonte C. A saturação com Li permitiu a identificação das esmectitas dioctaedrais montmorilonita e beidelita/nontronita. As adaptações ao métodopadrão (NaOH 5 mol L-1) favoreceram a concentração de minerais 2:1 secundários na fração argila dos solos; a concentração da solução de NaOH deve ser maior para horizontes com menor teor do mineral.
Termos de indexação: esmectita, montmorilonita, beidelita, nontronita, extração sequencial.
SUMMARY
Besides the typically low levels of secondary 2:1 minerals found in the clay fraction of soils in tropical and subtropical climates, the small mineral size and low crystallinity make their analyses by X-ray difractometry (XRD) difficult. This study aimed to evaluate physical and chemical methods for concentrating secondary 2:1 minerals in the clay fraction to facilitate their identification by XRD. Also, it was sought to analyze the nature of the minerals regarding the sites of origin of permanent charges (tetrahedral or octahedral sheets). Samples were collected in two Cambisols originated from argillite of the Guabirotuba formation in the sedimentary basin of Curitiba (PR), Brazil, in the horizons: A, Bi, C1 (1.2 to 1.5 m), C2 (2.2 to 2.5 m), C3 (3.2 to 3.5 m) and C4 (4.2 to 4.5 m). After removing the organic matter and dispersing the airdried fine earth, the clay was sequentially treated with dithionite-citrate-bicarbonate (DCB) (iron-free sample - removal of pedogenetic iron oxides) and with hot NaOH solutions at different concentrations (0.5, 1.0, 1.5, 2.5, 3.5, 4.0, 4.5, and 5.0 mol L-1) for kaolinite and gibbsite extraction at different degrees. The iron-free clay fraction was also physically separated (centrifugation) in coarse (0.2 to 2 µm) and fine clay (< 0.2 µm). Secondary treatments were performed to identify the 2:1 mineral species in the clay fraction: saturation with Mg and solvation with ethylene glycol, K saturation, air-drying and heating to 550 ºC; and Li saturation (Greene-Kelly test). Results showed that the classical method of kaolinite extraction with hot 5.0 mol L-1NaOH solution should not be used to concentrate secondary 2:1 minerals because the solution also removed a large portion of these minerals. The treatment with DCB and with 3.5 mol L-1NaOH solution was more efficient to concentrate and favored the identification of secondary 2:1 minerals by XRD in samples of the A, Bi and C1 horizons. In samples from greater soil depths (C2, C3 and C4 horizons), due to the higher levels of these minerals and the smaller crystal size (fine clay), a less concentrated NaOH solution (1.5 mol L-1) was more efficient for this purpose. In A horizon, 2:1 minerals were concentrated in the coarse clay fraction, what is compatible with the higher weathering degree of this horizon. Smectite with Al-hydroxy interlayers was identified in most surface horizons (A and Bi) and smectite was found in the C horizon samples. Li saturation made the identification of dioctaedral minerals (montmorillonite and beidellite/nontronite) possible. The modification of the standard method (5 mol L-1NaOH) favored the concentration of secondary 2:1 minerals in the soil clay fraction; the concentration of the NaOH solution must be higher for horizons with lower mineral content.
Index terms: smectite, montmorillonite, beidellite, nontronite, sequential extraction.
INTRODUÇÃO
A montmorilonita, representante do grupo das esmectitas de maior ocorrência nos solos, apresenta alta área superficial específica (ASE) e substituição isomórfica, preferencialmente na lâmina octaédrica (Al3+ por Mg2+), responsável pela elevada CTC do mineral, com valor médio de 100 cmolc kg-1 (Borchardt, 1989; Schulze, 1989).
As esmectitas normalmente são formadas pelo intemperismo de micas e vermiculitas, processo conhecido como diagênese, e pela conservação de parte das camadas 2:1 (Schulze, 1989; McBride, 1994). Outra possibilidade importante é a neogênese a partir da liberação de Al, Si e bases na solução do solo pelo intemperismo simultâneo de minerais primários silicatados (p.ex., feldspatos, olivinas magnesianas, hornblendas, etc.), em condições de baixa a moderada lixiviação de sílica (Churchman, 2000; Reid-Soukup & Ulrey, 2002). No Brasil, solos ricos em esmectitas podem ser encontrados na região semiárida, no pampa e no pantanal (Melfi et al., 2004). No Nordeste, sua ocorrência e permanência está associada ao clima bastante seco, sem excedente hídrico, que desfavorece a dessilicação (Corrêa et al., 2003); no Sul, ao paleoclima seco (Bombin & Klamt, 1974); e no Pantanal, às condições de drenagem impedida. Apesar dessa tendência geral, podem-se encontrar solos ricos em esmectitas no Brasil, associados às condições locais específicas atuais ou do passado geológico recente, como os Vertissolos (Volkoff & Ribeiro, 1979; Ribeiro et al., 1990; Moniz et al., 1990; Corrêa et al., 2003).
A identificação de minerais 2:1 por difratometria de raios X (DRX) é baseada nas reflexões basais (00l), que permitem quantificar a expansão das camadas em função da saturação dos sítios de adsorção com íons específicos (K e Mg), líquidos orgânicos polares (glicerol, etilenoglicol) e aquecimento (100, 350 e 550 ºC) (Whittig & Allardice, 1986). Vários autores têm associado esses e outros procedimentos à DRX para tornar a técnica mais sensível e precisa na identificação e quantificação de minerais 2:1. Amostras de argila com picos largos (grande largura à meia altura) entre d(001) = 0,72 e 0,75 nm foram tratadas com etilenoglicol (deslocamento em direção aos ângulos pequenos - expansão das entrecamadas) e aquecidas a 300 ºC (fechamento das entrecamadas) por Bortoluzzi et al. (2007), para identificação de mineral interestratificado caulinita (Ct)/esmectita (Es). Em DRX modelado (uso de argilas de referência e programas específicos), estes autores confirmaram a presença de Ct/Es, na proporção de 0,1 a 0,2 de camadas de Es. Drits et al. (2005) e Barré et al. (2008) trataram amostras com NH4+ e K para estudar ilita/ES por meio de programas de decomposição dos difratogramas.
Os estudos de minerais 2:1 com hidroxi-Al entrecamadas por DRX normalmente são realizados antes e após o tratamento químico da argila para remoção dos polímeros (p.ex., NaOH 0,5 mol L-1 - Melo et al., 2002; citrato de Na 0,3 mol L-1 pH 7,3 - Pai et al., 2004). O aquecimento da amostra a 550 ºC por quatro horas também promove a destruição das ilhas de hidroxi-Al e o colapso do mineral, onde o espaçamento basal passa de 1,4 para 1,0 nm (Whittig & Allardice, 1986).
De acordo com Kahle et al. (2002), pelo menos quatro métodos gerais de quantificação de minerais por DRX são frequentemente utilizados em amostras de solo: (a) método do padrão interno - adição de substância-padrão à mistura em uma proporção conhecida; (b) método dos coeficientes de atenuação; (c) método do ajuste de perfis completos - refinamento estrutural de Rietveld; e (d) relação das intensidades dos picos dos minerais (fator de intensidade mineral). Em estudos ainda mais específicos, a interação da espectroscopia de ressonância magnética de alta resolução (MAS NMR) com a DRX permitiu a identificação das coordenações do Al3+ (octaédrica e tetraédrica) na estrutura de minerais 2:1 (Alba et al., 2004). Ainda nos métodos físicos, a microscopia eletrônica de transmissão e a microscopia de força atômica também têm sido amplamente utilizadas para identificação e estudos morfológicos das esmectitas (Tournassat et al., 2003; Dur et al., 2004).
O expressivo aumento dos valores de CTC e de ASE de amostras de argila com extrações seletivas e sequenciais de minerais é utilizado como evidência de esmectita nos solos (Ndayiragije & Delvaux, 2003; Souza Júnior et al., 2007). O método-padrão para concentração de minerais 2:1 na argila (extração de óxidos de Fe com ditionito-citrato-bicarbonato de Na (DCB) e gibbsita e minerais 1:1 com NaOH 5 mol L-1a quente) foi desenvolvido para solos de clima temperado (Mehra & Jackson, 1960; Norrish & Taylor, 1961; Jackson, 1979; Jackson et al., 1986). Com o uso desses métodos em extração sequencial, Melo et al. (2002, 2003) e Souza Júnior et al. (2007) observaram aparecimento ou incremento da intensidade das reflexões basais de minerais 2:1 na fração argila concentrada.
A extração com solução de NaOH 5 mol L-1, conduzida por 1,5 h a 250 ºC, possui alta capacidade de extração de diferentes minerais secundários com Al no solo, principalmente gibbsita e a lâmina octaédrica de caulinita e haloisita (Jackson et al., 1986). Em princípio, a solubilização dos minerais 2:1 dioctaedrais seria dificultada devido à 'proteção' da lâmina de octaedros de Al pelas duas lâminas de tetraedros de Si. Contudo, essa premissa precisa ser validada, sobretudo para amostras com baixos teores de esmectita e com partículas de pequeno tamanho e baixa cristalinidade.
Dessa forma, o objetivo deste trabalho foi avaliar métodos químicos e físico de concentração de minerais 2:1 secundários na fração argila, para facilitar a identificação destes por DRX. Procurou-se, também, por meio de tratamentos químicos, identificar o tipo de mineral de argila 2:1, incluindo a natureza quanto ao local de formação de cargas permanentes (lâmina tetraedral ou octaedral).
MATERIAL E MÉTODOS
Área de estudo e amostragem de solos
As áreas estão localizadas no domínio geomorfológico do primeiro planalto paranaense, no qual se encontra a Bacia Sedimentar de Curitiba. De acordo com a classificação de Köppen, o clima da região de Curitiba é do tipo Cfb, definido como mesotérmico úmido e superúmido. A temperatura média anual é de 16,5 ºC, sendo 20,4 ºC nos meses mais quentes e 12,7 ºC nos meses mais frios, com ocorrência frequente de geadas severas. A precipitação - média anual entre 1.400 e 1.500 mm - é distribuída por todos os meses, estando a umidade relativa do ar em torno de 81 % (Maack, 1969).
A formação geológica dessa Bacia provém do Período Quaternário, dividida em Pleistocênio e Holocênio, definida como Formação Guabirotuba (Bigarella & Salamuni, 1962). Essa formação consiste de depósitos pouco consolidados, litologicamente constando de argilitos, arenitos e arcóseos (Salamuni & Stellfeld, 2001). A Bacia apresenta cerca de 3.000 km2, e a espessura do pacote de sedimentos varia de 1 a 85 m. Alguns autores apresentaram dados mineralógicos do argilito da Formação Guabirotuba, evidenciando o predomínio de mineral do grupo das esmectitas, possivelmente montmorilonita (Massad et al., 1981), compatível com a deposição dos sedimentos sob paleoclima semiárido (Lima et al., 1985). Contudo, a fração argila de Cambissolos e de Latossolos da área são essencialmente cauliníticas (teores variando de 662 a 725 g kg-1 - Pires et al., 2007).
Foram selecionados um perfil de Cambissolo Húmico distrófico típico (Embrapa, 2006), localizado na Fazenda Experimetal do Canguiri (FAZ) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) (Pinhais, PR), e um perfil de Cambissolo Húmico alumínico típico, localizado no Setor de Ciências Agrárias (SCA) da UFPR (Curitiba, PR). De acordo com Embrapa (1984), o Cambissolo é a classe de maior ocorrência na região de Curitiba, com aproximadamente 60 % de representatividade espacial. O relevo local da primeira área é ondulado, e o perfil FAZ está localizado no terço superior de encosta. A ocorrência de Latossolos nessa área limita-se às posições mais planas dos topos de elevação e das partes baixas de transição entre os Cambissolos e os solos hidromórficos. Já o perfil SCA localiza-se em relevo praticamente plano, sem a ocorrência de Latossolos na área, pela drenagem imperfeita do regolito e do argilito. As principais características morfológicas dos perfis, determinadas segundo Lemos & Santos (2005), são apresentadas no quadro 1.
Foram coletadas seis amostras deformadas de cada Cambissolo (total de 12 amostras): horizontes A e Bi coleta em toda a extensão dos horizontes (Quadro 1); horizonte C1 - 1,2 a 1,5 m; horizonte C2 - 2,2 a 2,5 m; horizonte C3 - 3,2 a 3,5 m; e horizonte C4 - 4,2 a 4,5 m. As amostras dos horizontes A, Bi e C1 foram coletadas em trincheiras, e as dos horizontes mais profundos, por tradagem. Quanto às análises químicas e mineralógicas, as amostras foram secas ao ar e passadas em peneira de 2 mm, para obtenção da terra fina seca ao ar (TFSA).
Preparação das amostras e separação das frações do solo
As amostras de TFSA foram tratadas com peróxido de hidrogênio a 30 % (v/v) para remoção de matéria orgânica e com NaOH 0,2 mol L-1 para dispersão das partículas (Jackson, 1979; Kunze & Dixon, 1986). Após esses tratamentos prévios, a fração areia foi retida em peneira de 0,053 mm, e as frações argila e silte, recolhidas em provetas de 1.000 mL e separadas por sedimentação com base na lei de Stokes (Gee & Bauder, 1986). A argila obtida nessa etapa foi denominada 'natural', por ainda não ter sido submetida a nenhum tratamento específico.
Extração de óxidos de ferro pedogenéticos da fração argila
Realizou-se a desferrificação das amostras de argila natural com ditionito-citrato-bicarbonato de Na (DCB) (Mehra & Jackson, 1960). Para isso, pesaram-se 2,5 g de argila (balança de quatro dígitos) em tubos de centrífuga com capacidade de 100 mL, aos quais foram adicionados 40 mL de solução de citrato de Na 0,3 mol L-1, 5 mL de bicarbonato de Na 1 mol L-1 e 1 g de ditionito de Na em pó. Essa mistura foi mantida em banho-maria por 30 min a 70 ºC; após 15 min iniciais, foi adicionada outra porção de 1 g de ditionito, agitando-se continuamente. A suspensão foi centrifugada a 3.500 rpm por 10 min e o sobrenadante descartado. O procedimento foi repetido mais três vezes (total de quatro extrações). O excesso de sais foi removido no final das extrações, lavando-se o resíduo duas vezes com 80 mL de (NH4)2CO3 0,5 mol L-1 e uma vez com 80 mL de água deionizada. Em seguida, a quantidade de material removido pelo DCB foi obtida pela diferença de massa da amostra seca em estufa a 60 ºC por 24 h, antes e após a extração. A fim de obter-se quantidade suficiente de argila desferrificada para as análises subsequentes, o tratamento com DCB foi realizado em 10 repetições, ou seja, utilizaram-se 25 g de cada amostra de argila natural.
Extração de gibbsita e caulinita, em diferentes graus, e concentração de minerais 2:1 secundários na fração argila
As amostras de argila desferrificada (DCB) foram tratadas com solução de NaOH a quente por meio de fervura a 250 ºC em banho-de-areia, pelo período de 1,5 h (Norrish & Taylor, 1961; Singh & Gilkes, 1991). Foram adotadas as seguintes concentrações de NaOH (mol L-1): 0,5; 1,0; 1,5; 2,5; 3,5; 4,0; 4,5; e 5,0. Após cada extração, as amostras foram centrifugadas e o sobrenadante descartado. Para remover a sodalita formada [Na4Al3Si3O12(OH)], foram efetuadas duas lavagens do resíduo com 90 mL de HCl 0,5 mol L-1(Norrish & Taylor, 1961), com tempo de contato de 10 min para cada lavagem (Singh & Gilkes, 1991). O resíduo foi lavado, e a massa de amostra removida foi determinada conforme descrito anteriormente.
Identificação dos minerais 2:1 secundários da fração argila por difratometria de raios X (DRX)
Foram realizados tratamentos auxiliares nas amostras de argila [desferrificada (DCB) (todos os horizontes) e desferrificada e tratada com NaOH 3,5 mol L-1(horizontes A, Bi e C1) e com NaOH 1,5 mol L-1(horizontes C2, C3 e C4)] para identificar os minerais 2:1 secundários por DRX: (a) saturação com Mg e secagem ao ar para diferenciar minerais 2:1 expansíveis (vermiculita e esmectita) dos não expansíveis (micas); (b) saturação com Mg e solvatação com etilenoglicol para diferenciar vermiculita de esmectita; (c) saturação com K e secagem ao ar para diferenciar clorita e vermiculita ou esmectita com hidroxi-Al entrecamadas (VHE ou EHE) de minerais 2:1 expansíveis; (d) saturação com K e aquecimento a 500 ºC para diferenciar clorita de VHE ou EHE (Whittig & Allardice, 1986); (e) como as esmectitas dioctaedrais montmorilonita e beidelita/nontronita se distinguem pela substituição isomórfica nos octaedros ou tetraedros, respectivamente, foi aplicado o teste de Greene-Kelly (1953), modificado por Lim & Jackson (1986). As amostras foram saturadas com solução de LiCl 1 mol L-1. Empregaram-se três saturações, com agitação individual por 8 h em agitador orbital. Os excessos de Li e Cl foram removidos por três lavagens com etanol 80 % e uma com água deionizada. Lâminas com as amostras orientadas foram montadas, secas lentamente ao ar e colocadas em mufla a 250 ºC por 24 h. Estas lâminas foram analisadas por DRX antes e após a saturação com vapor de etilenoglicol a 110 ºC por 24 h.
Os difratogramas das amostras orientadas, preparadas sobre lâminas de vidro, foram obtidos usando difratômetro com goniômetro vertical da marca Philips, modelo PW 1050/70, com velocidade angular do goniômetro de 1 º2θ min-1, equipado com tubo de Cu e filtro de Ni. O tubo de raios X foi operado a 20 mA e 40 kV. As seguintes amplitudes de varreduras por DRX foram empregadas nas diferentes amostras de argila: 2 a 40 º2θ - natural, desferrificada (DCB) e tratada sequencialmente com DCB e com NaOH (todas as concentrações); e amplitude de varredura de 2 a 15 º2θ - tratamentos auxiliares (saturação com Li, Mg, Mg mais etilenoglicol, K e K mais aquecimento).
Separação da fração argila em duas classes de tamanho
Para obtenção de fração argila grossa (0,2 a 2 µm) e fina (< 0,2 µm) (Jackson, 1979), amostras desferrificadas (DCB) dos horizontes A e C4 foram submetidas à dispersão com água pH 10 (0,1 g de Na2CO3 em 1 L de água deionizada). Para auxiliar na dispersão, colocaram-se esferas de aço (diâmetro de 2 mm) no interior de cada recipiente, e a suspensão foi agitada por 4 h em agitador orbital. Após a retirada das esferas, procedeu-se à centrifugação a 6.000 rpm por 7 min a 25 ºC. Para obtenção da percentagem de cada fração, tomou-se a massa seca inicial da argila desferrificada (60 ºC por 24 h) e as massas secas das frações argila grossa e fina, após procedimento de separação. As amostras de cada classe de tamanho também foram submetidas à DRX, numa amplitude de varredura de 2 a 15 º2θ.
Eficiência na concentração de minerais 2:1 secundários
A eficiência do método químico e físico na concentração dos minerais 2:1 secundários na fração argila foi avaliada em relação a intensidade e melhor definição [pico mais agudo e com menor largura à meia altura (LMH)] da reflexão (001) do mineral por DRX. A cristalinidade e o diâmetro médio dos cristais dos filossilicatos da fração argila apresentam relação inversa com a LMH de suas reflexões basais (Klug & Alexander, 1954; Melo et al., 2001).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Identificação de minerais 2:1
A identificação dos minerais 2:1 secundários na fração argila por difratometria de raios X (DRX) foi facilitada mediante a remoção parcial de óxidos de Fe, gibbsita e caulinita, com consequente concentração da amostra (Figuras 1 e 2); observa-se que as reflexões basais (001) das amostras tratadas sequencialmente com DCB e com soluções menos concentradas de NaOH foram mais intensas e com menor largura à meia altura (LMH). Pires et al. (2007) trabalharam com amostras dos horizontes A, Bi e C do mesmo perfil de Cambissolo da Fazenda Experimental do Canguiri (FAZ) e encontraram, respectivamente, os seguintes teores de minerais: óxidos de Fe (hematita mais goethita) - 144, 122 e 29 g kg-1; caulinita - 684, 722 e 719 g kg-1; e gibbsita - 157, 86 e 81 g kg-1. Esses resultados evidenciam a natureza caulinítica, com menor ocorrência de óxidos de Fe e Al, dos Cambissolos da área de estudo, diferente do predomínio de esmectita na rocha de origem (Massad et al., 1981).
De acordo com Jackson et al. (1986), o tratamento com NaOH 5 mol L-1a quente deve ser empregado em amostras de argila, previamente submetidas ao DCB, nos estudos de extrações seletivas de minerais, com o objetivo de concentrar minerais filossilicatos 2:1, tectossilicatos (quartzo e feldspatos) e óxidos refratários (p.ex., anatásio). Outros autores utilizaram essa mesma sequência de extrações de óxido de Fe, gibbsita e caulinita para concentrarem minerais 2:1 e tectossilicatos (Melo et al., 2002, 2003; Souza Júnior et al., 2007); contudo, não confirmaram se ocorreu remoção simultânea de minerais 2:1. No presente estudo, o método de extração com solução de NaOH 5,0 mol L-1 removeu também grande parte dos minerais 2:1 secundários, o que reduziu a intensidade da reflexão basal (001) desse grupo de minerais (Figuras 1 e 2). O d(001) na posição dos cumes das reflexões basais das amostras dos horizontes A e C4 tratadas com DCB e NaOH 5 mol L-1 está em torno de 1,0 nm (8,9 º2θ), uma vez que a remoção dos minerais 2:1 secundários favoreceu a reflexão da ilita/ mica. Provavelmente, o reduzido tamanho e a baixa cristalinidade dos minerais facilitaram a dissolução das lâminas de octaedros de Al das camadas 2:1 com as soluções mais concentradas de NaOH.
As variações no espaçamento basal entre os demais tratamentos (Figuras 1 e 2) podem ser atribuídas, entre outras, à dissolução de ilhas de hidroxi-Al com as soluções de NaOH, à remoção preferencial de cristais menores de minerais 2:1 com as soluções de NaOH e à possibilidade do aparecimento de reflexões de minerais interestratificados. Para os minerais 1:1, os cristais com menor tamanho no eixo c apresentam ligeiro aumento da distância basal (Koppi & Skjemstad, 1981). No horizonte A do perfil SCA, o tratamento com NaOH 0,5 mol L-1, em relação à amostra tratada apenas com DCB, ampliou a intensidade da reflexão basal, mas o d(001) foi mantido em torno de 1,26 nm (Figura 1). Já o ataque da amostra com DCB e NaOH 1 mol L-1promoveu a redução da intensidade e uma sutil divisão do pico em duas reflexões basais: 2:1 secundário no ombro na parte baixa e esquerda do pico (d(001) = 1,2 nm) e ilita/mica no cume do pico (d(001) = 1,02 nm). Com a solução de NaOH 3,5 mol L-1, observa-se que a reflexão dos minerais 2:1 secundários passou a ter maior intensidade que o ombro formado pela ilita/mica (lado direito da reflexão basal); em relação à solução de 1,0 mol L-1, esse tratamento removeu maior quantidade de gibbsita e caulinita, e a solubilização simultânea de partículas de minerais 2:1 secundários com menor tamanho e cristalinidade tornou o pico mais bem definido (menor LMH) (d(001) = 1,35 nm - Figura 1).
Como alternativa ao método proposto por Jackson et al. (1986) (NaOH 5 mol L-1 a quente), deve-se preferir a solubilização apenas parcial da gibbsita e da caulinita (observar a permanência das reflexões (002) - 18,2 º 2θ - da gibbsita e (001) - 12,3 º 2θ - da caulinta, Figura 1), utilizando-se soluções com concentrações intermediárias de NaOH, a fim de determinar aquela mais favorável para se obter o equilíbrio entre concentração e remoção de minerais 2:1 secundários e facilitar sua análise por DRX.
Tomando os tratamentos no horizonte A do perfil SCA como exemplo (Figura 1 e Quadro 2), com base nos valores de intensidade e LMH da reflexão basal, verifica-se que a solução de NaOH 3,5 mol L-1 foi mais eficiente na concentração de 2:1 secundários. Mesmo que as amostras submetidas ao DCB e aos tratamentos com NaOH 0,5 e 1,5 mol L-1 apresentem intensidade ligeiramente maior, a escolha da concentração de 3,5 mol L-1 deveu-se à melhor definição do pico, ou seja, menor LMH (Quadro 2). Outra característica favorável à concentração de 3,5 mol L-1 em relação à de 0,5 mol L-1 é o maior valor de d(001) (1,35 nm) medido no cume do pico para a maior concentração. Para os horizontes Bi e C1, a extração com NaOH 3,5 mol L-1resultou não apenas em reflexões basais de 2:1 secundários com menores LMH, mas também com maiores intensidades que os demais tratamentos.
Para as amostras tomadas em maiores profundidades (horizontes C2, C3 e C4), naturalmente com maiores teores de minerais 2:1, a solução de NaOH 1,5 mol L-1 mostrou-se mais eficiente nesse propósito - observar os gráficos da figura 2 e o maior valor de intensidade e menor de LMH da reflexão basal no quadro 2. Por essa razão, nas demais determinações e interpretações foram tomadas apenas as amostras desferrificadas e tratadas com NaOH nessas concentrações selecionadas: horizontes A, B e C1 3,5 mol L-1 e horizontes C2, C3 e C4 - 1,5 mol L-1.
A proporção de remoção em massa da fração argila desferrificada pelo tratamento com NaOH 3,5 mol L-1(horizontes A, B e C1) variou de 411,9 a 615,5 g kg-1para o perfil FAZ e de 279,7 a 596,8 g kg-1 para o perfil SCA (Quadro 3). Devido a menor capacidade de extração e, provavelmente, aos menores teores de gibbsita e caulinita nas amostras tomadas em maiores profundidades, a remoção em massa pelo tratamento com NaOH 1,5 mol L-1 (horizontes C2, C3 e C4) foi menor (remoção máxima de 440,4 g kg-1). Considerando os dois tratamentos sequenciais (DCB mais NaOH), a concentração máxima da fração argila foi de 212,7 g kg-1 (amostra SCA, horizonte B: 1.000 787,3 g kg-1 - Quadro 3), evidenciando que, mesmo nas concentrações intermediárias de NaOH (< 5 mol L-1), houve expressiva concentração de minerais 2:1.
A separação física (centrifugação) da amostra de argila desferrificada em argila fina e grossa também favoreceu a identificação da reflexão basal (001) dos minerais 2:1 secundários (Figura 3), principalmente para as amostras do perfil SCA. No horizonte A desse perfil verificou-se o predomínio de minerais 2:1 na argila grossa e no horizonte C4 da argila fina. Esse comportamento oposto pode ser explicado pela maior facilidade de intemperismo de partículas finas de esmectitas no horizonte A, as quais se mantiveram preservadas em maiores profundidades (horizonte C4 - 4,2 a 4,5 m), visto que os minerais 2:1 secundários na fração argila dos solos da Bacia Sedimentar de Curitiba são, principalmente, herdados do argilito de origem (Lima et al., 1985). A ocorrência preferencial de caulinita [(001) - 12,3 º 2θ] e mica [(001) - 8,9 º 2θ] na argila grossa também favoreceu a concentração dos minerais 2:1 na argila fina no horizonte C4 (Figura 3).
Abundância de minerais 2:1 secundários
O Cambissolo do Setor de Ciências Agrárias (SCA) apresentou maior abundância de minerais 2:1 secundários que o Cambissolo localizado na Fazenda Experimental do Canguiri (FAZ), pois as reflexões basais (d(001) ~ 1,4 nm) foram menos intensas neste último solo (Figuras 1, 2, 3 e 4); as relações das intensidades das reflexões basais para as argilas dos horizontes A e C4 submetidas aos tratamentos selecionados de NaOH para os perfis SCA e FAZ foram de 3,1 e 2,9, respectivamente. O relevo praticamente plano do SCA e a localização do perfil em posição com maior acúmulo de água das chuvas, aliados à baixa permeabilidade do argilito da Formação Guabirotuba (Lima et al., 1985), dificultaram a lixiviação das bases e sílica do solo. Outras evidências da menor drenagem do perfil SCA são a cor mais brunada do horizonte Bi (5YR) e a ocorrência de mosqueado no horizonte C (Quadro 1). Essas condições foram favoráveis à manutenção dos minerais 2:1 secundários no solo, uma vez que o próprio material de origem é rico em sílica e esmectita (Massad et al., 1981). Já a localização do perfil da Fazenda Canguiri (terço superior de encosta) contribuiu para a perda de sílica por fluxo lateral da água, e o resultado foi a menor intensidade das reflexões dos minerais 2:1 secundários nos horizontes A, C2, C3 e C4 e ausência de reflexão basal (001) nos horizontes B e C1.
Identificação da espécie mineral 2:1
Entre os minerais de argila 2:1 secundários, esmectita e esmectitas com hidroxi-Al entrecamadas (EHE) foram identificadas por meio dos tratamentos auxiliares (saturação com Mg, Mg mais etilenoglicol, K e K mais aquecimento) nos horizontes dos solos (Figuras 5 e 6 e Quadro 4).
Nas amostras de argila desferrificada dos horizontes A e B do perfil SCA e do horizonte A do perfil FAZ, a formação de pico em d(001) ~ 1,4 nm com saturação por Mg e manutenção desse espaçamento basal com os tratamentos subsequentes (saturação com Mg mais etilenoglicol e saturação com K) é indicativo de que o mineral tem sua expansibilidade anulada, devido à presença de hidroxi-Al entrecamadas; contudo, ao aquecer as amostras saturadas com K a 500 ºC, ocorreu a destruição das ilhas de hidroxi-Al e o espaçamento basal colapsou para d(001)~ 1,0 nm (Figura 5a). De acordo com Whittig & Allardice (1986), esse comportamento diferenciado é típico de minerais 2:1 HE. Para confirmar que esse mineral é EHE, e não vermiculita HE (VHE), foi necessário analisar as amostras tratadas com NaOH 3,5 mol L-1 (concentração selecionada para os horizontes superficiais) e submetidas aos mesmos tratamentos auxiliares. Com a destruição das ilhas de hidroxi-Al pela solução de NaOH (Brown, 1953; Dixon & Jackson, 1959) e a saturação com Mg mais etilenoglicol, verificou-se a expansão do mineral e a ampliação do espaçamento basal para d(001)> 1,5 nm e d(001) < 1,8 nm (Figura 5b).
Usando a DRX, Melo (1998) também observou a remoção de ilhas de hidroxi-Al nas entrecamadas de mineral 2:1 e redução do espaçamento basal de 1,4 para 1,0 nm de um mineral interestratificado ilita/2:1 HE. Entretanto, esse autor não realizou tratamentos complementares para comprovar se as camadas eram de VHE ou EHE.
A presença de hidroxi-Al nas entrecamadas de vermiculita (VHE) e esmectitas (EHE) pode dar estabilidade aos minerais 2:1, termodinamicamente instáveis em condições de maior intemperismo e remoção de sílica (Harris et al., 1988; Barnhisel & Bertsch, 1989). Por esse motivo, provavelmente, o EHE foi mantido no horizonte A da Fazenda Canguiri, mesmo com a ocorrência limitada de minerais 2:1 nesse perfil (Figuras 3 e 4 e Quadro 4).
No horizonte C, em todas as profundidades do perfil SCA e para profundidades superiores a 1,5 m no perfil FAZ, verificou-se a presença de esmectitas, pois, ao saturar as amostras de argila com Mg mais etilenoglicol, o espaçamento basal aumentou para d(001)~ 1,8 nm, devido à expansão do mineral (Figura 6). Pela intensificação dos picos, os teores de esmectitas crescem proporcionalmente à profundidade dos horizontes, em ambos os perfis.
Identificação da espécie mineral do grupo das esmectitas dioctaedrais
Foram identificadas montmorilonita e beidelita/nontronita, todas pertencentes à classe das esmectitas dioctaedrais (Quadro 4). No procedimento utilizado para identificar as esmectitas dioctaedrais (teste de Greene-Kelly), o Li penetra na estrutura dos minerais e ocupa posições octaedrais vagas. Se a carga na camada do mineral for originada na lâmina octaedral, o Li neutraliza o déficit de carga positiva e a solvatação com glicerol não provoca expansão; por isso, o teste só é eficiente nas esmectitas dioctaedrais. Assim, o pico intenso em 1,0 nm na amostra saturada com Li dividiu-se em duas reflexões basais após a saturação da amostra com Li mais etilenoglicol (Figuras 7 e 8): a montmorilonita não expandiu e produziu um pico em aproximadamente 1,0 nm; beidelita/nontronita não tiveram suas cargas neutralizadas e expandiram quando saturadas com etilenoglicol, formando picos entre 1,4 e 1,7 nm.
Nos horizontes onde ocorreram esmectitas (horizonte C - Figura 6) foi possível identificá-las apenas em argila desferrificada (DCB) (Figura 7). Contudo, nos horizontes onde ocorreu EHE (horizontes superficiais), procedeu-se ao teste de Greene-Kelly em amostra previamente tratada com DCB e com solução de NaOH 3,5 mol L-1(Figura 8), para remoção das ilhas de hidroxi-Al.
Neste estudo, dado o baixo teor de Fe do material de origem, indicado pelos baixos teores de Fe2O3 extraídos pelo DCB em Cambissolos da Bacia Sedimentar de Curitiba (teores variando de 51,2 a 114,1 g kg-1 - Pires et al., 2007), suspeita-se que entre as esmectitas dioctaedrais com carga nas lâminas tetraedrais (beidelita/nontronita) deve haver baixa ocorrência de nontronita (Fe3+ na lâmina octaédrica). Segundo Wilson (1976) e Garcia-Romero et al. (2005), a nontronita é uma esmectita rara nos solos, formada, preferencialmente, sob condições de hidrotermalismo em alguns tipos de materiais de origem. Reforçando a influência do material de origem na formação dos minerais 2:1, em serpentinito (rocha ultrabásica rica em Mg) podem ser encontradas esmectitas magnesianas (trioctaedrais), como a saponita (Pinto & Kämpf, 1997; Vidal-Torrado et al., 2006).
CONCLUSÕES
1. O método clássico de extração da caulinita, com solução de NaOH 5,0 mol L-1 a quente, não deve ser aplicado para concentração de minerais 2:1 secundários na fração argila de Cambissolos da Bacia Sedimentar de Curitiba. A alta energia de extração da solução também removeu grande parte dos minerais 2:1 secundários. O emprego de solução de NaOH 3,5 mol L-1 em amostra de argila desferrificada possibilitou, com maior eficiência, a identificação de minerais 2:1 secundários por difratometria de raios X nos horizontes A, Bi e C1. Nas amostras tomadas em maiores profundidades (horizontes C2, C3 e C4), devido aos maiores teores de minerais 2:1 secundários e ao menor tamanho dos cristais (argila fina), a solução de NaOH 1,5 mol L-1 foi mais eficiente para esse propósito.
2. No horizonte A, os minerais 2:1 secundários concentraram-se na fração argila grossa, compatível com o maior grau de intemperismo desse horizonte. Comportamento oposto foi verificado para a amostra do horizonte C4.
3. Identificou-se esmectita com hidroxi-Al entrecamadas nos horizontes mais superficiais e esmectita nas amostras do horizonte C. O teste de Greene-Kelly (saturação com Li) foi eficiente na identificação das esmectitas dioctaedrais montmorilonita e beidelita/nontronita.
LITERATURA CITADA
Recebido para publicação em outubro de 2008 e aprovado em março de 2009.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
03 Ago 2009 -
Data do Fascículo
Jun 2009
Histórico
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Aceito
Mar 2009 -
Recebido
Out 2008