Acessibilidade / Reportar erro

Do controle externo à simbiose com o sistema de justiça: a ação normativa do CNJ e do CNMP

From external control to symbiosis with the justice system: the normative action of the CNJ and CNMP

Resumos

Resumo

Fundamentando-se na preocupação teórica relativa à construção e ao funcionamento das instituições de controle dos governantes nas democracias contemporâneas, este trabalho examina a ação normativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) no Brasil. Analisa o conteúdo das 303 resoluções emitidas pelo CNJ e das 206 resoluções pelo CNMP, entre 2005 e 2019, com apoio do software Iramuteq, procurando descrever a prática normativa destes dois órgãos e conhecer o sentido contido no conteúdo destas normas e o que ele revela de orientação predominante. Além da produção de um inédito banco de dados composto por todas as resoluções, apresenta as seguintes conclusões: a) a intensa produção de resoluções constitui-se predominantemente de numerosas alterações de normas anteriores, cujo conteúdo principal é atender interesses corporativos; b) em momentos, os dois conselhos agem de forma coordenada entre si e expandem o espaço de ação dos controlados. Esses dois aspectos revelam processo de simbiose entre controladores (CNJ e CNMP) e controlados (Magistratura e MP), sendo esta uma provável explicação para a constatação de que estes órgãos de controle do sistema de justiça não realizam suas atribuições constitucionais, configurando-se, portanto, como mais um déficit de accountability democrática.

Palavras-chave:
Democracia; Conselhos nacionais; Judiciário; Ministério Público; Resoluções


Abstract

Based on the theoretical concern about the construction and functioning of institutions to control the rulers in contemporary democracies, this study examines the normative expedition of the National Council of Justice (CNJ) and the National Council of the Public Prosecutor’s Service (CNMP) in Brazil. It analyzes the content of the 303 resolutions issued by the CNJ and the 206 resolutions issued by the CNMP, between 2005 and 2019, with the support of Iramuteq software, describing the normative practice of these two bodies and to know the meaning contained in the content of these rules and what it reveals about predominant orientation. In addition to the production of an unprecedented database composed of all resolutions, it presents the following conclusions: a) the intense production of resolutions consists predominantly of numerous changes to previous rules, whose main content is to meet corporate interests; b) in some moments, the two Councils act in a coordinated manner with each other and expand the scope of action of those controlled. These two aspects reveal a process of symbiosis between controllers (CNJ and CNMP) and controlled ones (Judiciary and MP), which is a probable explanation for the finding that these bodies of control of the justice system do not carry out their constitutional attributions, configuring, therefore, as another deficit of democratic accountability.

Keywords:
Democracy; National Councils; Judiciary; Public Prosecutor’s Service; Resolutions


Introdução

A teoria normativa da democracia exige que não só os políticos eleitos, mas também os integrantes da burocracia pública estejam sujeitos a contínuos mecanismos de controle. Todavia, o controle democrático da burocracia não está imune às forças que definem a ordem política de um determinado país. (Gruber, 1986, pGRUBER, Judith. (1986), Controlling bureaucracies: dilemmas in democratic governance, Califórnia, University of California Press.. 86, 201). No caso do ramo jurídico da burocracia de Estado ‒ do qual fazem parte instituições do sistema de justiça ‒, a criação de Conselhos Nacionais surgiu, em boa parte do mundo ocidental, como uma tentativa de garantir, de um lado, a necessária independência dos órgãos judiciais frente aos demais Poderes e, de outro, a exigência de accountability democrática por parte de seus integrantes que devem prestar contas por atos ou omissões a poderes externos. (Garoupa & Ginsburg, 2008GAROUPA, Nuno & GINSBURG, Tom. (2008), Guarding the guardians: judicial councils and judicial Independence. Paper apresentado no American Journal of Comparative Law, 1-43. Disponível em: <http://www.law.uchicago.edu/Lawecon/index.html>, consultado em 25/10/2020.
http://www.law.uchicago.edu/Lawecon/inde...
; Garoupa, 2016GAROUPA, Nuno. (2016), O Governo da Justiça. E-book, Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos.).

No Brasil, o fortalecimento das instituições de controle, como o Ministério Público (MP), que integra o sistema de justiça, foi um tema central na redemocratização do país, visando eliminar os resquícios do passado autoritário, como a censura, a falta de responsabilidade política e a transparência. (Alston et al., 2016aALSTON, Lee; MELO, Marcus André; MUELLER, Bernardo & PEREIRA, Carlos Eduardo. (2016a), Brazil in Transition: beliefs, leadership and institutional change. 1. ed, Princeton, Princeton University Press, 1., 2016bALSTON, Lee; MELO, Marcus André; MUELLER, Bernardo & PEREIRA, Carlos Eduardo. (2016b), “Why Countries Transition? The Case of Brazil, 1964-2016”. Atlantic Economic Journal, 44: 197-224. https://doi.org/10.1007/s11293-016-9498-2
https://doi.org/10.1007/s11293-016-9498-...
). Não por menos, a importância das instituições judiciárias, como o MP, foi consignada na Constituição de 1998, que confere a elas autonomia em relação ao Executivo e ao Legislativo, para que exerçam controle da administração pública com independência (Arantes et al., 2010ARANTES, Rogério; LOUREIRO Maria Rita; COUTO, Claudio Gonçalves & TEIXEIRA, Marco Antonio Carvalho. (2010), “Controles democráticos sobre a administração pública no Brasil: Legislativo, Judiciário, Tribunais de Contas e Ministério Público” in M.R. Loureiro; F. Abrucio & R. Pacheco (orgs.). Burocracia e Política no Brasil. Desafios para o Estado democrático no século XXI. RJ, Editora FGV: 109-147.).

De fato, tais instituições, judiciais e judiciárias, têm sido cruciais no processo da accountability dos governantes (Marona & Barbosa, 2019MARONA, Marjorie & BARBOSA, Leon. (2019), “De que protagonismo judicial estamos falando”, in M. Marona & A. Del Rio. Judiciário no Brasil: às margens da democracia. Belo Horizonte, Arraes: 128-150.), como se observa, por exemplo, na crise sanitária que o Brasil atravessou, gerada pela pandemia de covid-19. (Abrucio et al., 2020ABRUCIO, Fernando; GRIN, Eduardo José; FRANZESE, Cibele; SEGATTO, Catarina Ianni & COUTO, Claudio Gonçalves. (2020), “Combating COVID-19 under Bolsonaro’s federalism: a case of intergovernmental incoordination”. Revista de Administração Pública, 54(4): 663-677.). Entretanto, é fundamental também controlar os controladores, uma máxima das democracias.

Assim, utilizamos a noção de accountability, como o princípio democrático de controle dos governantes e dos Poderes da República, entre eles o Judiciário, e de instituições de controle, como o MP, de modo a evitar qualquer forma de arbítrio - afinal, o abuso do poder é inaceitável em uma democracia, seja o realizado pelo Executivo, seja o perpetrado por juízes, procuradores e promotores de justiça. A accountability efetiva-se, basicamente, por meio de mecanismos institucionais que buscam garantir a prestação de contas e a fiscalização contínua dos representantes eleitos e da alta burocracia pública com responsabilidade decisória. (O’Donnell, 1998O’DONNELL, Guillermo. (1998), “Accountability horizontal e novas poliarquias”. Lua Nova, 44: 22-54.; Mainwaring & Welma, 2003MAINWARING, Scott, & WELMA, Christopher. (2003), Democratic accountability in Latin America, Oxford, Oxford University Press.; Abrucio& Loureiro, 2005ABRUCIO, Fernando & LOUREIRO, Maria Rita. (2005), “Finanças públicas, democracia e accountability”, in C. Biderman & P.B. Arvate (orgs.). Economia do Setor Público no Brasil, RJ, Editora Campus Elsivier: 75-102.; Pelizzo & Stapenhurst, 2014PELIZZO, Riccardo & STAPENHURST, Frederick. (2014), Government Accountability and Legislative Oversight, Nova York, Routledge, Taylor and Francis Group.).

Diante das constatações da literatura, de que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do MP (CNMP) são colegiados que se orientam mais pela preservação da autonomia do Judiciário e do MP, do que pela accountability democrática ‒ como apresentaremos em seção deste artigo ‒, o presente estudo pretende responder em específico a duas perguntas, respectivamente, de ordem descritiva e analítica: a primeira, sobre o que esses dois Conselhos nacionais produzem normativamente, tomando como base as 303 resoluções emitidas pelo CNJ e as 206 resoluções pelo CNMP, entre 2005 e 2019; a segunda, sobre qual é o possível sentido contido no seu conteúdo e o que ele revela como orientação predominante.

Entre as principais contribuições deste estudo para a literatura sobre o tema, construímos um inédito banco de dados composto das resoluções expedidas pelos dois Conselhos, desde sua criação até 2019. Nos resultados, a pesquisa mostra ainda uma intensa produção de resoluções, com numerosas alterações de normas anteriores cujo conteúdo principal é o atendimento a interesses corporativos dos integrantes das instituições sobre as quais os dois Conselhos deveriam exercer controle. Isto se revelou, mais de uma vez, como ação igualmente coordenada entre CNJ e CNMP.

E, mais importante, a atividade normativa dos dois órgãos desafia a atribuição constitucional do Legislativo, em alguns momentos, pois há resoluções que, ao invés de apenas regulamentar, têm ampliado o espaço de ação dos integrantes das instituições judiciárias, em matéria que deveria ser reservada aos legisladores de fato - os representantes eleitos.

O texto, a seguir, está dividido da seguinte forma: na próxima seção, apresentamos a discussão que antecedeu a criação de CNJ e CNMP e como a literatura tem caracterizado a atuação destes órgãos. Em seguida, descrevemos a metodologia utilizada na investigação. Depois, trazemos os resultados e discutimos as principais contribuições que esse trabalho traz para a área em estudo. Por fim, apresentamos conclusões.

Controle sobre as instituições judiciárias no Brasil

Conforme salienta Garoupa (2016), aGAROUPA, Nuno. (2016), O Governo da Justiça. E-book, Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos. independência das instituições judiciárias, ao contrário do que se pode supor, não é um valor absoluto em uma democracia, mas tão somente um meio para assegurar o Estado de Direito. Como este autor afirma, “quando a independência do poder judiciário serve aos interesses corporativos e subverte a democracia às preferências dos magistrados, a qualidade do Estado de Direito é reduzida”. (Garoupa, 2016, pGAROUPA, Nuno. (2016), O Governo da Justiça. E-book, Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos.. 9-10).

Assim, em uma democracia, é necessário um equilíbrio adequado entre um poder judicial independente e competente, mas responsável e responsabilizado. Contudo, a compatibilização entre legitimidade democrática e autonomia da justiça é um processo difícil e sempre tenso, e, neste sentido, inúmeros estudos empíricos têm revelado problemas não resolvidos pelos Conselhos de controle judiciário, ou até mesmo gerados por eles. (Garoupa, 2016GAROUPA, Nuno. (2016), O Governo da Justiça. E-book, Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos.).

Na prática, a existência de um Conselho Nacional não garante o controle e nem o desempenho eficaz dos órgãos judiciários, sendo necessário considerar questões substantivas para a efetivação da accountability da justiça, tais como suas atribuições e, ainda, o papel desempenhado pelo Conselho dentro da área de justiça e do sistema político mais amplo. (Garoupa, 2016GAROUPA, Nuno. (2016), O Governo da Justiça. E-book, Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos.). Cabe destacar que o mesmo processo que, de um lado, eliminou os resquícios do passado autoritário, reforçando a autonomia do MP para que realizasse controle sobre a administração pública com independência em relação ao governo (Alston et al., 2016aALSTON, Lee; MELO, Marcus André; MUELLER, Bernardo & PEREIRA, Carlos Eduardo. (2016a), Brazil in Transition: beliefs, leadership and institutional change. 1. ed, Princeton, Princeton University Press, 1., 2016bALSTON, Lee; MELO, Marcus André; MUELLER, Bernardo & PEREIRA, Carlos Eduardo. (2016b), “Why Countries Transition? The Case of Brazil, 1964-2016”. Atlantic Economic Journal, 44: 197-224. https://doi.org/10.1007/s11293-016-9498-2
https://doi.org/10.1007/s11293-016-9498-...
), também exigiu, de outro lado, a mudança do histórico déficit de accountability que predominou sobre essas mesmas instituições judiciárias brasileiras. (Kerche, 2009KERCHE, Fabio. (2009), Virtude e limites: autonomia e atribuições do Ministério Público no Brasil, São Paulo, Edusp.; Arantes et al., 2010ARANTES, Rogério; LOUREIRO Maria Rita; COUTO, Claudio Gonçalves & TEIXEIRA, Marco Antonio Carvalho. (2010), “Controles democráticos sobre a administração pública no Brasil: Legislativo, Judiciário, Tribunais de Contas e Ministério Público” in M.R. Loureiro; F. Abrucio & R. Pacheco (orgs.). Burocracia e Política no Brasil. Desafios para o Estado democrático no século XXI. RJ, Editora FGV: 109-147.).

Com relação à criação de Conselhos de controle externo sobre os órgãos de justiça, havia expectativa ainda no processo de redemocratização do país, na década de 1980 e durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, de que eles fossem efetivamente órgãos externos ao Poder Judiciário e ao MP. (Nunes, 2010NUNES, Rodrigo. (2010), “Politics without insurance: democratic competition and Judicial Reform in Brazil”. Comparative Politics, 42 (3): 313-331.; Ribeiro & Paula, 2016RIBEIRO, Leandro Molhano & PAULA, Christiane Jalles. (2016), “Inovação institucional e resistência corporativa: o processo de institucionalização e legitimação do Conselho Nacional de Justiça”. Revista Brasileira de Políticas Públicas, 6 (3): 13-28.). Ou seja, após o regime autoritário, a criação desses Conselhos Nacionais visava estabelecer um marco legal democrático para as instituições judiciárias e de controle.

Todavia, a proposta de criação do CNJ e do CNMP não prosperou na Assembleia Nacional Constituinte. Somente depois de 15 anos é que o tema voltou à agenda governamental, quando emergiu novo contexto político de denúncias de corrupção contra juízes e de pressões de organismos internacionais para modernizar e aumentar a eficácia dos processos judiciais no país. (Bonelli, 2010BONELLI, Maria da Glória. (2010), “Os magistrados, a autonomia profissional e a resistência à reforma do judiciário no Brasil”. Paper apresentado no XXIX International Congress of the Latin American Studies Association (LASA). 6/9 out., Toronto.). Apenas nesta nova conjuntura política de governos mais à esquerda no Executivo Federal é que, finalmente, aprovou-se a Emenda Constitucional n. 45 de 2004 (EC n. 45/2004) e, com ela, a criação do CNJ e do CNMP. No entanto, a nova lei estabeleceu um modelo híbrido, constituído de órgãos de controle e, ao mesmo tempo, de estruturas vinculadas às instituições controladas.

Com mandato de dois anos e possibilidade de uma recondução, os 15 conselheiros do CNJ têm a seguinte origem institucional: nove integram a magistratura, dois vêm da carreira do MP e apenas quatro são externos a carreiras jurídicas do Estado (pouco mais de um quarto do total) - sendo dois advogados e dois cidadãos: um deles, indicado pela Câmara dos Deputados e o outro, pelo Senado Federal. Além disso, é o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) quem exerce a presidência do CNJ.

Por sua vez, o CNMP compõe-se de 14 integrantes com mandato de dois anos, prevista, também, a possibilidade de uma recondução. Destes, oito são do MP e dois da magistratura. (Brasil, 2004BRASIL. (2004), Emenda Constitucional n. 45 de 2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc45.htm, consultado em 19/02/ 2021.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
). Como no CNJ, apenas quatro são externos: dois advogados e dois cidadãos, também indicados pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. A presidência do CNMP é exercida pelo Procurador-Geral da República (PGR), enquanto durar seu mandato de chefe do MP da União (MPU). (Brasil, 2004BRASIL. (2004), Emenda Constitucional n. 45 de 2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc45.htm, consultado em 19/02/ 2021.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
).

Cabe a cada um destes Conselhos zelar pela autonomia do Judiciário e do MP, respectivamente, podendo expedir atos regulamentares na sua esfera de atribuição, não possuindo, porém, legitimidade para criar, modificar ou extinguir direitos (inovar no ordenamento jurídico). Ainda de acordo com a Constituição de 1988, ao CNJ e ao CNMP incumbiria a estrita função de “controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do MP e do cumprimento dos deveres funcionais” dos seus integrantes. (Brasil, 2004BRASIL. (2004), Emenda Constitucional n. 45 de 2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc45.htm, consultado em 19/02/ 2021.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
).

Ressaltamos que o CNJ não tem atribuições jurisdicional e legislativa, e, desse modo, não pode se comportar como órgão que participa do processo decisório de proteção jurídica (Tate & Vallinder, 1995TATE, Neal, & VALLINDER, Torbjörn. (1995), The global expansion of Judicial power, Nova York, NewYork University Press.), tal como vem fazendo o STF enquanto órgão máximo do Judiciário (Ribeiro & Arguelhes, 2019RIBEIRO, Leandro Molhano & ARGUELHES, Diego Werneck. (2019), “Contextos da judicialização da política: novos elementos para um mapa teórico”. Revista Direito GV,15 (2).), como também não pode exceder suas atribuições normativas sobre matéria reservada à lei em sentido estrito, enquanto produto da ação do Legislativo. No caso do MP, sem vínculo a um Poder na organização do Estado brasileiro, o mesmo raciocínio pode ser estendido ao CNMP, na medida em que autores afirmam, criticamente, que a Constituição de 1988, ao lhe estabelecer autonomia, teria transformado a instituição em uma espécie de quarto Poder. (Arantes, 2002ARANTES, Rogério. (2002), Ministério Público e política no Brasil, São Paulo, Educ-Sumaré., Kerche, 2009KERCHE, Fabio. (2009), Virtude e limites: autonomia e atribuições do Ministério Público no Brasil, São Paulo, Edusp.; Arantes et al., 2010ARANTES, Rogério; LOUREIRO Maria Rita; COUTO, Claudio Gonçalves & TEIXEIRA, Marco Antonio Carvalho. (2010), “Controles democráticos sobre a administração pública no Brasil: Legislativo, Judiciário, Tribunais de Contas e Ministério Público” in M.R. Loureiro; F. Abrucio & R. Pacheco (orgs.). Burocracia e Política no Brasil. Desafios para o Estado democrático no século XXI. RJ, Editora FGV: 109-147.).

A principal explicação oferecida para esse modelo reside na forte resistência dos integrantes do Judiciário e do MP ao controle externo, e que é exercida por associações de classe que defendem os seus interesses corporativos ‒ o que se verificou na forma de lobby na Assembleia Nacional Constituinte, bem como quando da tramitação da EC n. 45 de 2004. (Fragale Filho, 2013; Pessanha, 2013PESSANHA, Charles. (2013), “Controle do Judiciário: o Conselho Nacional de Justiça”, in L. Avritzer; N. Bignotto; F. Filgueiras; J. Guimarães & H. Starling. Dimensões políticas da justiça, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira: 505-511., 2014PESSANHA, Charles. (2014), A experiência dos Conselhos de Magistratura ibero-americanos: uma análise comparativa entre Portugal, Espanha, Argentina e Brasil. Paper apresentado no IX Encontro da ABCP, Brasília. Disponível: <https://cienciapolitica.org.br/web/eventos/9o-encontro-abcp/areas-tematicas/at-11/politica-direito-e-judiciario>, consultado em 10/12/2018.
https://cienciapolitica.org.br/web/event...
; Ribeiro & Arguelhes, 2015RIBEIRO, Leandro Molhano & ARGUELHES, Diego Werneck. (2015), “O Conselho no Tribunal: Mudança institucional e a judicialização de decisões do CNJ junto ao Supremo Tribunal Federal”. Revista Direito e Práxis, 6 (12): 464-503.; Ribeiro & Paula, 2016RIBEIRO, Leandro Molhano & PAULA, Christiane Jalles. (2016), “Inovação institucional e resistência corporativa: o processo de institucionalização e legitimação do Conselho Nacional de Justiça”. Revista Brasileira de Políticas Públicas, 6 (3): 13-28.; Arantes & Moreira, 2019ARANTES, Rogério & MOREIRA, Thiago. (2019), “Democracia, instituições de controle e justiça sob a ótica do pluralismo estatal”. Opinião Pública, 25,(1), jan/abr, Campinas.). Por decorrência dessa força corporativa de aversão ao controle, o design dos Conselhos Nacionais, tal qual previsto na EC n. 45, acabou não contribuindo para que, de fato, eles se constituíssem como órgãos de controle externo. (Carvalho & Leitão, 2013CARVALHO, Ernani & LEITÃO, Natália. (2013), “O poder dos juízes: Supremo Tribunal Federal e o desenho institucional do Conselho Nacional de Justiça”. Revista de Sociologia & Política, 21, (45): 13-27.).

Argumentando que assim perderiam sua independência e tendo como porta-voz as associações de classe, os integrantes do Judiciário e do MP só aceitaram a criação do CNJ e do CNMP quando o desenho institucional privilegiou uma composição majoritária de membros internos e sua subordinação a órgãos superiores: no caso do CNJ, ao STF e, do CNMP, à Procuradoria-Geral da República (PGR). (Almeida, 2010ALMEIDA, Frederico. (2010), A nobreza togada: as elites jurídicas e a política da justiça no Brasil. Tese de Doutorado. Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo, DCP - USP, São Paulo.; Kerche, Oliveira & Couto, 2020KERCHE, Fabio; OLIVEIRA, Vanessa & COUTO, Claudio Gonçalves. (2020), “Os Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público no Brasil: Instrumentos de Accountability?” Revista de Administração Pública, 54 (5): 1334-1360. https://doi.org/10.1590/0034-7612201900212.
https://doi.org/10.1590/0034-76122019002...
). É justamente essa força de resistência ao efetivo controle democrático das instituições judiciárias que este artigo visa elucidar, particularmente a partir da análise das resoluções que ambos os Conselhos Nacionais expedem na atividade de controle sobre o Judiciário e o MP.

Os estudos mostram que o CNJ e o CNMP são colegiados de elaboração de normas administrativas e de correição das condutas dos integrantes do Judiciário e do MP, respectivamente, e funcionam mais como órgãos de controle interno, do que propriamente órgãos de controle externo, afastando-se da pretensão inicial (Nunes, 2010NUNES, Rodrigo. (2010), “Politics without insurance: democratic competition and Judicial Reform in Brazil”. Comparative Politics, 42 (3): 313-331.; Fragale Filho, 2013; Tomio & Robl Filho, 2013TOMIO, Fabrício Ricardo de Limas & ROBL FILHO, Ilton Norberto. (2013), “Accountability e independência judiciais: uma análise da competência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)”. Revista de Sociologia & Política,21 (45): 29-46.; Ribeiro & Arguelhes, 2015RIBEIRO, Leandro Molhano & ARGUELHES, Diego Werneck. (2015), “O Conselho no Tribunal: Mudança institucional e a judicialização de decisões do CNJ junto ao Supremo Tribunal Federal”. Revista Direito e Práxis, 6 (12): 464-503.; Ribeiro & Paula, 2016RIBEIRO, Leandro Molhano & PAULA, Christiane Jalles. (2016), “Inovação institucional e resistência corporativa: o processo de institucionalização e legitimação do Conselho Nacional de Justiça”. Revista Brasileira de Políticas Públicas, 6 (3): 13-28.; Arantes & Moreira, 2019ARANTES, Rogério & MOREIRA, Thiago. (2019), “Democracia, instituições de controle e justiça sob a ótica do pluralismo estatal”. Opinião Pública, 25,(1), jan/abr, Campinas.). A partir destes trabalhos, é possível avançar em relação ao sentido presente na normatização produzida pelos Conselhos.

A avaliação do impacto desses órgãos no sistema político brasileiro revela, também, que eles consolidaram um poder já concentrado em torno do STF, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), da PGR e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) (Almeida, 2010ALMEIDA, Frederico. (2010), A nobreza togada: as elites jurídicas e a política da justiça no Brasil. Tese de Doutorado. Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo, DCP - USP, São Paulo.), robustecendo as independências do Judiciário e do MP, estabelecidas pela Constituição de 1988. Fato este que é reforçado por outra pesquisa que, examinando a atuação disciplinar do CNJ e do CNMP, indica que eles exercem baixa atividade punitiva sobre seus membros. (Kerche, Oliveira & Couto, 2020KERCHE, Fabio; OLIVEIRA, Vanessa & COUTO, Claudio Gonçalves. (2020), “Os Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público no Brasil: Instrumentos de Accountability?” Revista de Administração Pública, 54 (5): 1334-1360. https://doi.org/10.1590/0034-7612201900212.
https://doi.org/10.1590/0034-76122019002...
).

Para citar o caso de maior relevância da atuação política do sistema de Justiça, a operação “Lava Jato”, observou-se que os Conselhos não criaram nenhum obstáculo para evitar os abusos praticados por procuradores e juízes, como a literatura mais recente tem revelado. (Viegas, Loureiro & Toledo, 2020VIEGAS, Rafael Rodrigues, LOUREIRO, Maria Rita & TOLEDO, Amanda. (2020), “A Lava Jato como ponto de inflexão sobre o Estado de Direito e a democracia no Brasil”. Paper apresentado no VIII Congreso Internacional de Ciencia Política de la Asociación Mexicana de Ciencias Políticas, Guadalajara, México, 8/11 dez. Disponível em: <https://congreso2020.amecip.com/>, consultado em 15/01/2021.
https://congreso2020.amecip.com/...
; Viegas, 2022VIEGAS, Rafael Rodrigues. (2022), “A face oculta do poder no Ministério Público Federal e o poder de agenda de suas lideranças”. Revista Brasileira de Ciência Política, 39, e260005. DOI: 10.1590/0103-3352.2022.39.260005.
https://doi.org/10.1590/0103-3352.2022.3...
). Pelo contrário, foram consecutivas as violações de direitos praticadas por integrantes da operação, sem correção por CNJ e CNMP.

Na verdade, algumas resoluções expedidas por esses colegiados reforçaram mais o poder de atuação dos integrantes que deveriam ser alvo de controle, e, ademais, ampliaram os espaços de ação para que a “Lava Jato” fosse levada a efeito, como se pretende demonstrar neste artigo, avançando, inclusive, sobre a esfera de atuação do Poder Legislativo, com significativas implicações para o funcionamento da democracia brasileira.

Metodologia

A pesquisa aqui apresentada é predominantemente qualitativa, centrada na técnica de análise de conteúdo das resoluções editadas pelo CNJ e o CNMP, até 2019. Fizemos uso da análise de conteúdo combinada com: a) a estatística descritiva (Patton, 2015PATTON, Michael Quinn. (2015), Qualitative research and evaluation methods. Thousand Oaks, CA: Sage.), como para verificar a frequência das resoluções do CNJ e do CNMP editadas ao longo do tempo, e; b) o software Iramuteq (Ratinaud & Marchand, 2012RATINAUD, Pierre & MARCHAND, Pascal. (2012), “Application de la méthode ALCESTE à de ‘gros’ corpus et stabilité des ‘mondes lexicaux’: analyse du ‘Cable-Gate’ avec IraMuTeQ”. Actes des 11eme Journées internationales d'Analyse statistique des Données Textuelles: 835-844.), que viabiliza a análise de texto e conjunto de textos pelo cálculo de frequência de palavras e seus respectivos significados.1 1 Essa combinação de técnicas com a análise de conteúdo não retira a característica qualitativa da pesquisa. Ao contrário, a análise de conteúdo pode ser usada em bases de dados qualitativos e quantitativos, combinadas com diferentes técnicas que buscam descrever, classificar e quantificar fenômenos (Mayring, 2014; Sampaio & Lycarião, 2021).

Assim, tal combinação nos possibilitou descrever o que foi produzido normativamente e comparar a atividade normativa entre os dois Conselhos. Ainda, permitiu-nos a categorização temática, como por exemplo em relação às normas referentes ao recrutamento para as carreiras da magistratura e do MP, bem como tentar compreender o sentido contido no seu conteúdo e o que ele revela como orientação.

Em termos operacionais, um script em linguagem Python foi utilizado para tratamento dos dados (corpus textual), de acordo com a formatação exigida pelo Iramuteq, e sugerida pelo seu desenvolvedor (Viegas & Xavier, 2021VIEGAS, Rafael Rodrigues & Xavier, Lucas Busani. (2021), The Political Use of Twitter by the Federal Prosecution Service in Brazil. Paper apresentado no IAPSS Virtual World Congress: Democracy, Identity, and Power. 11/14 maio. Disponível em: <https://iapss.org/events/world-congress/past-events/>, consultado em 25/19/2021.
https://iapss.org/events/world-congress/...
). Esse mesmo script foi utilizado, nesta pesquisa, todas as vezes que o Iramuteq serviu para a análise de conteúdo de resoluções. Nesse software, os testes aplicados foram: classificação hierárquica descendente (CHD), análise fatorial por correspondência (AFC), análises de similitude e nuvem de palavras. Esses testes se baseiam na teoria dos grafos. (Ratinaud & Marchand, 2012RATINAUD, Pierre & MARCHAND, Pascal. (2012), “Application de la méthode ALCESTE à de ‘gros’ corpus et stabilité des ‘mondes lexicaux’: analyse du ‘Cable-Gate’ avec IraMuTeQ”. Actes des 11eme Journées internationales d'Analyse statistique des Données Textuelles: 835-844.; Camargo & Justo, 2013CAMARGO, Brigido & JUSTO, Ana Maria. (2013), “Iramuteq: Um Software Gratuito para Análise de Dados Textuais”. Temas em Psicologia, 21 (2): 513-518.). Tanto o software como as resoluções estão disponíveis da rede mundial de computadores, nos endereços eletrônicos do desenvolvedor do Iramuteq, do CNJ e do CNMP.

Em relação à análise de conteúdo propriamente dita, a pesquisa foi dividida em etapas, com e sem o apoio computacional, a depender de cada etapa e das funcionalidades e limitações do software ‒ particularidades que serão indicadas com a apresentação dos resultados. Com o Iramuteq, inicialmente usamos as ementas de todas as resoluções expedidas pelo CNJ e CNMP, até dezembro de 2019, para localizar sua temática central, utilizando a nuvem de palavras fornecida. Assim, verificamos que a atividade normativa se destina, basicamente, a alterar resoluções anteriores, conforme trataremos nos resultados na próxima seção.

Com base nesta constatação, categorizamos e quantificamos, manualmente, quais temas foram objeto de alteração e sua respectiva frequência, bem como aspectos que sinalizaram para: 1) a sua relevância dentro do conjunto de dados, ou seja, resoluções que se sobressaem por importância em relação às demais; e 2) uma possível atividade coordenada entre os dois Conselhos.

A relevância foi definida arbitrariamente, tendo como parâmetro aspectos das normas atrelados: a) à definição do comportamento dos membros da magistratura e do MP, como em relação ao recrutamento (Perissinotto, Medeiros & Wowk, 2008PERISSINOTTO, Renato; MEDEIROS, Pedro & WOWK, Rafael. (2008), “Valores, socialização e comportamento: sugestões para uma sociologia da elite judiciária”. Revista de Sociologia e Política, 30: 151-166.; Almeida, 2010ALMEIDA, Frederico. (2010), A nobreza togada: as elites jurídicas e a política da justiça no Brasil. Tese de Doutorado. Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo, DCP - USP, São Paulo.) e ao controle pelos superiores sobre juízes, procuradores e promotores de justiça (Viegas, 2020VIEGAS, Rafael Rodrigues. (2020), “Governabilidade e lógica das designações no Ministério Público Federal: os procuradores políticos profissionais”. Revista Brasileira de Ciência Política, 33, e234299. DOI: 10.1590/0103-3352.2020.33.234299.
https://doi.org/10.1590/0103-3352.2020.3...
, 2022VIEGAS, Rafael Rodrigues. (2022), “A face oculta do poder no Ministério Público Federal e o poder de agenda de suas lideranças”. Revista Brasileira de Ciência Política, 39, e260005. DOI: 10.1590/0103-3352.2022.39.260005.
https://doi.org/10.1590/0103-3352.2022.3...
); e b) aos possíveis contornos políticos da atividade normativa dos Conselhos, conforme sugere a literatura internacional (Garoupa & Ginsburg, 2008GAROUPA, Nuno & GINSBURG, Tom. (2008), Guarding the guardians: judicial councils and judicial Independence. Paper apresentado no American Journal of Comparative Law, 1-43. Disponível em: <http://www.law.uchicago.edu/Lawecon/index.html>, consultado em 25/10/2020.
http://www.law.uchicago.edu/Lawecon/inde...
; Garoupa, 2016GAROUPA, Nuno. (2016), O Governo da Justiça. E-book, Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos.), como em relação à extrapolação das suas atribuições e avanço sobre a seara do Legislativo. Quanto à coordenação de atividades entre CNJ e CNMP, identificamos e comparamos a edição de normas dos dois Conselhos sobre um mesmo tema.

Na etapa da análise de conteúdo, com e sem apoio computacional, operacionalizamos os procedimentos de redução, estruturação e somativa. (Mayring, 2014MAYRING, Philipp. (2014), “Qualitative Content Analysis: Theoretical Foundation, Basic Procedures and Software Solution”. Qualitative Inhaltsanalyse: Grundlagen, Techiken, Software.; Viegas & Borali, 2022VIEGAS, Rafael Rodrigues & BORALI, Natasha. (2022), “Análise de conteúdo e o uso do Iramuteq”. Revista Latinoamericana de Metodología de la Investigación Social, 23: 21-37.). A redução preserva um nível de conteúdo essencial, produzindo um texto menor, mas resguardando certo nível de conteúdo dos dados; a estruturação filtra aspectos dos dados e realiza um corte transversal do material, possibilitando a criação de tipos e a definição de “exemplos-chave”, que servem como guia de codificação; e, por fim, a categorização somativa envolve geralmente o uso de palavras-chave ou conteúdo, com o propósito de compreender o uso contextual das palavras ou do próprio conteúdo.

Resultados

Entre 2005 e 2019, CNJ e CNMP expediram, respectivamente, 303 e 206 resoluções (Gráfico 1), o que demonstra uma intensa atividade normativa no período, considerando que o calendário dos dois órgãos respeita o recesso forense. A média anual foi de quase 20 resoluções para o CNJ e de 14 para o CNMP, com variação significativa no volume da produção normativa, de um ano para o outro. Em 2009, por exemplo, durante a gestão do presidente do STF, Gilmar Mendes (2008-2009), o CNJ teve um pico de expedição de 38 resoluções; enquanto, em 2017, não houve nenhuma. Já o CNMP expediu mais resoluções entre os anos de 2015 e 2017, durante a gestão do Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, que deu início à operação Lava Jato.

GRÁFICO 1
- Frequência das resoluções de 2005 a 2019. | Elaborado pelos autores. Fontes: CNJ e CNMP.

Na sequência, as nuvens de palavras apresentam aquelas com maior frequência em cada um dos dois corpus, revelando os principais temas abordados por CNJ e CNMP nas resoluções entre 2005 a 2019 (Figuras 1 e 2), sendo que, nos dois casos, evidencia-se a frequência do verbo “alterar”. Em relação a esta atividade, o CNJ editou 97 resoluções que alteraram normas anteriores da mesma espécie (32%), e o CNMP, por sua vez, expediu 88 resoluções com a mesma finalidade (46%). Notamos que quase metade das resoluções do CNMP, no período, refere-se a alterações de resoluções anteriores.

FIGURA 1
- Nuvem “CNJ”. Elaboradas pelos autores. Saída Iramuteq. Fontes: CNJ e CNMP.
FIGURA 2
- Nuvem “CNMP”. Elaboradas pelos autores. Saída Iramuteq. Fontes: CNJ e CNMP.

No que se refere ao conteúdo de todas as resoluções dos dois Conselhos Nacionais, analisado sem apoio do software, as alterações das normas anteriores foram parciais ou totais, incluídas as revogações, sendo que algumas tiveram intervalo menor do que dois meses, versando sobre o mesmo assunto, o que tem potencial de gerar insegurança jurídica, no sentido amplo de previsibilidade das decisões, aos destinatários do controle, no que tange a qual norma vigente será aplicável. Em todo caso, observamos que a orientação predominante das normas posteriores foi a de ajustá-las aos interesses corporativos dos destinatários, suavizando as normas anteriores, mais rigorosas. Isso porque a maior parte das resoluções alteradas flexibilizou procedimentos e prazos (em torno de 30% no CNJ e 25% no CNMP), trazendo, assim, conteúdos menos rígidos para desembargadores, juízes, procuradores e promotores de justiça.2 2 Citamos, como exemplo: Resoluções CNJ n. 15/2006, 31/2007, 53/2008, 68/2009, 76/2009, 112/2010, 207/2015, 241/2016 e 244/2016; Resoluções CNMP n. 19/2007, 22/2007, 68/2011, 77/2011, 111/2014, 151/2016, 184/2018, 190/2018 e 193/2018).

No caso do CNMP, há importantes resoluções procedimentais ligadas à atividade extrajudicial de seus integrantes, referentes ao inquérito civil (IC), à recomendação administrativa, ao termo de ajustamento de conduta (TAC) e ao procedimento investigatório criminal (PIC). Justamente nesses temas, extensamente regulamentados pelo CNMP, há pouco ou quase nenhum controle externo da atividade de promotores e procuradores de justiça (Sampaio & Viegas, 2019SAMPAIO, Marianna, & VIEGAS, Rafael Rodrigues. (2019), “Ministério Público: de fiscal a elaborador de políticas públicas”. Paper apresentado no 43o Encontro Anual da Anpocs. Caxambu, 21/25 out. 25 outubro. Disponível em: <https://anpocs.com/index.php/encontros/papers/43-encontro-anual-da-anpocs/st-11/st10-8/11680-ministerio-publico-de-fiscal-a-elaborador-de-politicas-publicas?path=43-encontro-anual-da-anpocs/st-11/st10-8>, consultado em 25/01/2021.
https://anpocs.com/index.php/encontros/p...
; Kerche & Viegas, 2020KERCHE, Fabio & VIEGAS, Rafael Rodrigues. (2020), “Ministério Público brasileiro: de defensor de direitos a combatente da corrupção”. Paper apresentado no 12º Encontro da ABCP. João Pessoa, 19 /23 out. Disponível em: <https://www.abcp2020.sinteseeventos.com.br/simposio/view?ID_SIMPOSIO=7>, consultado em 15/12/2020.
https://www.abcp2020.sinteseeventos.com....
; Viegas, 2022). Destacamos, ainda, resoluções com conteúdo relacionado ao recrutamento para as carreiras, à autonomia administrativa e financeira, a benefícios destinados aos membros (indenizações por férias, auxílio-moradia, licença-paternidade, gestão de precatórios e segurança), o que categorizamos manualmente com base nas ementas.

Analisamos, a seguir, em primeiro lugar, as resoluções referentes ao recrutamento, na medida que tais normas estabelecem atributos exigidos para ingresso nas respectivas carreiras, definindo o perfil dos integrantes do Judiciário e do MP. Conforme tem afirmado a literatura sobre elites políticas, a origem social, a formação superior, e, no caso específico das elites jurídicas, a realização de estágios e cursos preparatórios, além de atividades profissionais prévias, são atributos importantes na teoria sociológica, pois podem afetar o comportamento dos membros dessas carreiras. (Perissinotto, Medeiros & Wowk, 2008PERISSINOTTO, Renato; MEDEIROS, Pedro & WOWK, Rafael. (2008), “Valores, socialização e comportamento: sugestões para uma sociologia da elite judiciária”. Revista de Sociologia e Política, 30: 151-166.; Almeida, 2010ALMEIDA, Frederico. (2010), A nobreza togada: as elites jurídicas e a política da justiça no Brasil. Tese de Doutorado. Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo, DCP - USP, São Paulo.).

Considerando a relevância que assumem, tanto para o controle sobre os membros da magistratura, bem como do MP, foram igualmente examinadas as resoluções que mostram a atividade coordenada entre os dois conselhos, o que tem resultado na expansão dos espaços de ação política desta burocracia estatal brasileira. São ilustrativas as regras que definem o controle hierárquico de seus integrantes, o que certamente afeta o comportamento dos segmentos inferiores em investigações e processos judiciais por eles conduzidos. (Viegas, 2020VIEGAS, Rafael Rodrigues. (2020), “Governabilidade e lógica das designações no Ministério Público Federal: os procuradores políticos profissionais”. Revista Brasileira de Ciência Política, 33, e234299. DOI: 10.1590/0103-3352.2020.33.234299.
https://doi.org/10.1590/0103-3352.2020.3...
).

Por fim, mas não mesmo importante, destacamos, ainda, outra dimensão política da atividade normativa dos Conselhos, aquela relacionada à extrapolação de suas atribuições, avançando em matéria legislativa.

Resoluções do CNJ e do CNMP relativas ao recrutamento para as carreiras

As resoluções que regulamentam o recrutamento para as carreiras da magistratura e do MP estão entre as que mais sofreram alterações (Quadro 1). Foram dezessete resoluções expedidas pelos dois órgãos, desde 2006. O CNJ expediu quatro resoluções sobre o concurso de ingresso à carreira. Já no CNMP, foram treze resoluções específicas, sendo que, no intervalo de quatro anos, houve sete resoluções sobre o assunto, três delas no ano de 2006.

QUADRO 1
- Regulamentação do recrutamento 3 3 Quadro construído com base nas resoluções sobre o recrutamento para as carreiras da magistratura e do MP, com categorização utilizando o procedimento de estruturação.

Em relação a esta temática, quatro aspectos merecem destaque nas alterações: a delimitação do conteúdo das provas dos concursos públicos, a definição de atividade jurídica, sua validação para fins de concurso, e a reserva de vagas. As primeiras resoluções expedidas pelos dois Conselhos (n. 75/2009 do CNJ e n. 14/2006 do CNMP) são relativas à padronização e regras gerais das normas das etapas dos concursos para ingresso nas carreiras, como publicidade, recursos, regras para aferição de higidez do candidato, pontuação por titulação, formação e atribuições da banca examinadora, reserva de vagas, prazos e duração dos concursos.

Não tendo estabelecido normatização conforme diretrizes curriculares do Ministério da Educação (MEC), o CNJ segue grades tradicionais das graduações em Direito, mas o CNMP tornou facultativo o exame de língua portuguesa. As bancas são livres para definir o conteúdo examinado e a seleção pode ser terceirizada. Em suma, as resoluções dos Conselhos só obedecem às regras do MEC nas matérias jurídicas em detrimento quase completo da formação em disciplinas de base (Ciência Política; Economia; Filosofia; Teoria do Direito e Sociologia), prestigiando, assim, aspectos pragmáticos da formação.4 4 Matriz Curricular: Direito. Ministério da Educação. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivo/pdf/dir_dire.pdf, consultado em 12/02/2021.

Ademais, embora a regra constitucional tenha estabelecido requisito de três anos de atividade jurídica para participar do concurso público para ingresso nas carreiras, deixou aos Conselhos a incumbência de especificar tal atividade e como comprová-la. Nesse ponto, a preocupação dos parlamentares referia-se à baixa idade e a pouca experiência de vida de juízes e de promotores de justiça, mas o tema sofreu, ao longo dos anos, a partir de 2006, consideráveis modificações por parte dos Conselhos, incluindo em atividade jurídica situações de cunho prático e não prático ‒ algumas diametralmente contrárias à experiência profissional.

Sintetizados no Quadro 2, os dados indicam que os Conselhos acabaram reduzindo a atividade profissional à mera continuidade dos estudos em cursos de pós-graduação, ainda incluindo curso a distância e até “cursinhos” preparatórios para o concurso à carreira.

QUADRO 2
- Mudanças do conceito de atividade jurídica5 5 Quadro construído com base nas resoluções sobre o conceito de atividade jurídica, com categorização utilizando os procedimentos de redução, estruturação e somativa.

As resoluções permitem que um ano de pós-graduação lato sensu somado a dois de mestrado em Direito sejam contemplados como três anos de atividade profissional. Frente à verdadeira indústria do concurso público no Brasil (Cardoso Jr., 2011CARDOSO JR., José Celso (org.). (2011), Burocracia e ocupação no setor público brasileiro. Diálogos para o desenvolvimento, RJ, IPEA.; Fontainha et al., 2015FONTAINHA, Fernando; GERALDO, Pedro Heitor Barros; VERONESE, Alexandre & ALVEZ, Camila Souza. (2015), “O concurso público brasileiro e a ideologia concurseira”. Revista Jurídica da Presidência,16 (110): 671-702.), e considerando que a titulação, além de contar como atividade jurídica, é pontuada no concurso, a adaptação proposta favoreceu candidatos com passagem por tais “cursinhos”.

Em relação a esse aspecto, a regra que considera o trabalho voluntário como atividade jurídica, e que aparece nas resoluções, também abre o caminho para fraudes. De acordo com as resoluções, os três anos de atividade jurídica devem ser comprovados na inscrição definitiva do concurso, e não na inicial; este aspecto é relevante, pois os concursos têm longa duração (de meses e até ano), incluindo todas as suas fases, sendo que a inscrição definitiva ocorre só após aprovação na prova escrita.

No conjunto, as normas sobre o recrutamento são vagas e imprecisas e acabam privilegiando a formação tradicional dos bacharéis, atribuindo às bancas examinadoras considerável discricionariedade, além de acarretarem insegurança jurídica, devido às contínuas alterações.

As teorias organizacionais já reiteraram que o recrutamento de pares é um importante recurso de poder nas organizações e nos grupos corporativos. (Scott, 2008SCOTT John. (2008). “Modes of Power and the Re-Conceptualization of Elites”. The Sociological Review, 56 (1): 25-43.). No caso do sistema de justiça no Brasil, tanto para o Judiciário quanto para o MP, o recrutamento é uma atribuição dos próprios órgãos, com seleção pelos pares e “uma política deliberada para impedir o crescimento exagerado do número de integrantes da instituição e seus efeitos deletérios sobre o prestígio e as deferências típicas de um grupo pequeno e mais homogêneo”. (Sadek, 2004, pSADEK, Maria Tereza. (2004), “Judiciário: mudanças e reformas”. Estudos Avançados, 18 (51): 79-101.. 89).

Este processo de recrutamento era exatamente um dos problemas que a mudança constitucional deveria atacar. De fato, os estudos referentes aos membros que ingressaram nestas carreiras, após a Constituição democrática de 1988, revelam pouca variação do perfil, destacando apenas o acesso crescente de mulheres e de algumas diferenças na origem social, em nada sugerindo o efeito esperado no debate que antecede à EC de 2004 (Vianna et al., 1997VIANNA, Luiz Werneck; CARVALHO, Maria Alice Rezende de; MELO, Manuel Palacios Cunha & BURGOS, Marcelo Baumann. (1997), Corpo e alma da magistratura brasileira. 2ª ed., Rio de Janeiro, Revan.; Sadek, 1997SADEK, Maria Tereza. (1997), O Ministério Público e a Justiça no Brasil, São Paulo, IDESP/Sumaré., 2010SADEK, Maria Tereza. (2010), “Poder Judiciário: uma nova instituição”. Cadernos Adenauer, XI,(1): 13-21.; Lemgruber et al., 2016LEMGRUBER, Julita; RIBEIRO, Ludmila; MUSUMECI, Leonarda & DUARTE, Thais. (2016), Ministério Público: Guardião da democracia brasileira?, Rio de Janeiro, CESeC.; Vianna et al., 2018VIANNA, Luiz Werneck, CARVALHO, Maria Alice Rezende de & BURGOS, Marcelo Baumann. (2018), Quem somos: a magistratura que queremos. Pesquisa encomendada pela AMB. Disponível em: <https://www.amb.com.br/wp-content/uploads/2019/02/Pesquisa_completa.pdf>, consultado em 25/10/2019.
https://www.amb.com.br/wp-content/upload...
).

No que tange ao recrutamento para as carreiras e ao perfil almejado, o CNJ e o CNMP desviaram-se claramente das intenções dos membros da Assembleia Nacional Constituinte e dos debates sobre a PEC que deu origem à EC de 2004. Divergiram deles em vários aspectos. Não coibiram o acesso de pessoas sem experiência profissional e, ao mesmo tempo, fomentaram a criação e o fortalecimento das escolas superiores ligadas ao Judiciário e ao MP, favorecendo, assim, a entrada de camadas sociais mais elevadas, e acentuando as desigualdades sociais no acesso às carreiras, na medida em que a frequência a tais cursos depende, às vezes por anos, de elevada renda familiar dos candidatos.

Especificidade do recrutamento: reserva de vagas para afrodescendentes

Em 2010, entrou em vigência no Brasil o Estatuto da Igualdade Racial (Lei Federal n. 12.288), que considera população negra “o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística - IBGE, ou que adotam autodefinição análoga”. (Brasil, 2010BRASIL. (2010), Estatuto da Igualdade Racial. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12288.htm consultado em 19/02/ 2021.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
). Em consonância com o Estatuto, foi editada, em 2014, a Lei Federal n. 12.990, reservando aos negros 20% das vagas dos concursos públicos. O CNJ regulamentou o assunto pela Resolução n. 203 de 2015, cópia praticamente literal da legislação.

Os tipos de frequência relativa indicam identidade entre substantivos, adjetivos, verbos e pronomes relativos; com isso, a resolução n. 170 do CNMP possui semelhança com a regulamentação do CNJ de 2015. Mas, o CNMP só regulamentou o assunto em 2017, e com uma diferença importante, conforme indicado a seguir.

A análise de similitude entre as resoluções do CNJ e CNMP representa a ligação entre as palavras das suas resoluções. As três palavras centralizadas são “vaga”, “negro” e “candidato” (Figura 3). Ao lado, a representação visual por uma nuvem de palavras, com tamanhos diferentes (“vaga”, “negro”, “candidato”, “concurso” etc.) indica a importância das mesmas palavras (Figura 4), convergindo com a análise de similitude. Identificamos ocorrências entre essas palavras e a conexidade entre elas.

FIGURA 3
- Similitude - Cotas. Elaboradas pelos autores. Saída Iramuteq. Fonte: resolução CNMP.
FIGURA 4
- Nuvem - Cotas. Elaboradas pelos autores. Saída Iramuteq. Fonte: resolução CNMP.

A palavra “vaga” guarda proximidade com a previsão legal, a palavra “negro” com o quadro de integrantes da magistratura e do MP, acessado pelo concurso público, e, por último, “candidato” mantém conexidade com a forma de reconhecimento da afrodescendência pelas comissões de concurso. Observamos a conexidade da palavra “candidato” com a palavra “deficiência”, porque há reserva de vagas a candidatos portadores de deficiência e tratamento similar entre estes e os afrodescendentes.

Todavia, o que mais importa nesta análise é a conexidade de “candidato” com as palavras “declaração” e “falso”. Submetido esse ponto à análise de conteúdo tradicional, a Resolução n. 203/2015 do CNJ exige apenas a autodeclaração do candidato, presumindo-se verdadeira a sua afrodescendência, conforme a previsão legal. Ao contrário, o CNMP, além de só regulamentar a lei federal cinco anos depois, estabeleceu na Resolução n. 170/2017 que os candidatos classificados e autodeclarados negros serão submetidos à avaliação perante a comissão organizadora, tendo como base o fenótipo.

Ou seja, para os integrantes do MP, a autodeclaração do candidato só tem validade parcial, exigindo-se que ela seja confirmada pela comissão do concurso, que terá discricionariedade para identificá-lo ou não como afrodescendente. Portanto, neste caso, o CNMP contrariou o Estatuto da Igualdade Racial, contrapondo-se à lei.

Ação coordenada e expansão de espaços de ação: a simbiose entre controladores e controlados

Auxílio-moradia6 6 Tópico objeto de análise de conteúdo sem apoio do Iramuteq. Quanto à relevância, além dos aspectos sobre o controle e defesa de interesses corporativos, conferir a repercussão pública, por exemplo, em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/02/em-ano-com-auxilio-moradia-universal-mais-de-70-dos-juizes-tinham-casa-propria.shtml, consultado em 17/02/2020.

Um dos temas mais polêmicos regulamentados pelo CNJ e o CNMP foi a ajuda de custo dada aos integrantes do Judiciário e do MP para moradia. O tema foi disciplinado pela Resolução n. 194/2018 do CNMP e Resolução n. 276/2018 do CNJ. Antes disso, foi regulamentado pela Resolução n. 117/2014 do CNMP e Resolução n. 199/2014 do CNJ. As duas resoluções mais antigas previam que o auxílio-moradia seria pago como verba indenizatória (sobre a qual não incide imposto de renda), que, uma vez acrescida dos vencimentos, autorizava a extrapolação do teto remuneratório do funcionalismo público.

Embora essas resoluções tenham estabelecido um parâmetro mínimo, elas acabaram por autorizar o pagamento retroativo do valor a depender da conveniência administrativa e orçamentária de cada Tribunal e MP da União e dos estados. Para que se tenha uma ideia do que este benefício representava em termos financeiros, considere-se que o valor pago a título de auxílio-moradia, em 2018, somente para o Judiciário, foi de aproximadamente R$ 1 bi (um bilhão de reais). (Fonte: Transparência - CNJ).

Nesta situação, há uma diferença importante entre os juízes e os membros do MP, porque os promotores e procuradores frequentemente ocupavam cargos na administração pública, conforme já apontado por Berlatto (2016)BERLATTO, Fabia. (2016), “Origens profissionais dos secretários estaduais de Segurança Pública. Newsletter”. Observatório de elites políticas e sociais do Brasil, 3 (8). que indica que a carreira jurídica, especialmente, a do MP, é a segunda maior fonte profissional de recrutamento para o cargo de Secretário de Segurança Pública dos estados. Isto ajuda a explicar o conteúdo da Resolução do CNMP de 2014, que permitia aos licenciados para tais cargos manter a remuneração do cargo de origem e, assim, receber o auxílio-moradia. Ao não mencionar a hipótese de vedação em caso de mudança de endereço, o CNMP favoreceu os interesses corporativos dos seus integrantes, que continuavam recebendo o auxílio, mesmo afastados da carreira.

Devido à repercussão negativa do pagamento do auxílio-moradia para juízes e procuradores, o CNMP e CNJ modificaram as resoluções de 2014, enrijecendo os critérios nas regulamentações de 2018. (Resolução n. 194 do CNMP e n. 276 do CNJ). De todo modo, ainda chama atenção um aspecto relevante: nitidamente, em relação a esse tema, os dois Conselhos se articularam, coordenando a defesa de interesses dos membros dessas carreiras: tanto as resoluções de 2014 quanto as de 2018 de CNJ e CNMP foram editadas na mesma data e com conteúdo quase idêntico.

Nepotismo e união homoafetiva7 7 Tópico objeto de análise de conteúdo sem apoio do Iramuteq.

A Resolução n. 7/2005 do CNJ veda práticas de nepotismo no Judiciário e a Resolução n. 175/2013 trata da “habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas de mesmo sexo”. Independentemente da avaliação substantiva do conteúdo destas resoluções, o que queremos frisar, aqui, é que elas são exemplos da extrapolação das atribuições do Conselho. Nas duas resoluções, o CNJ evocou sua atribuição constitucional e citou decisões do STF, que permitiam ao conselho regulamentar além dos limites de sua competência.

No caso da Resolução n. 175, o CNJ embasou-se em decisões do STF em uma Ação Declaratória de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF n. 132/RJ - STF) e em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI n. 4277/DF - STF), “que reconheceram a inconstitucionalidade da distinção de tratamento legal às uniões estáveis constituídas por pessoas de mesmo sexo” (STF, 2011STF. Supremo Tribunal Federal. (2011), Julgamento disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI4277LF.pdf, consultado em 17/02/ 2020.
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/notici...
). Já no caso da vedação ao nepotismo no Judiciário, a edição da correlata Resolução n. 7/2005 é anterior ao posicionamento do STF, que culminou na Súmula Vinculante n. 13 de 2008 (vedação ao nepotismo nos três Poderes). Em 28 de maio de 2013, o STF extinguiu o Mandado de Segurança (MS n. 32077) impetrado por partido político contra a Resolução n. 175/2013 do CNJ.

Afora a retórica jurídica, o ministro relator, Luiz Fux, fez um paralelo entre as Resoluções n. 7/2005 e n. 175/2013, aduzindo em seu voto que o poder normativo do CNJ já tinha sido examinado pelo STF, e ressaltando a possibilidade de o CNJ expedir atos normativos primários.8 8 A constitucionalidade da Resolução n. 7/2005 havia sido questionada em 2006, quando o STF permitiu ao CNJ expedir atos normativos primários, com apenas um voto dissidente. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=66445 (consultado em: 17/02/2020). Assim, conforme o STF, o CNJ, que é órgão do Poder Judiciário ‒ e subordinado ao próprio STF ‒ pode inovar no ordenamento jurídico (“legislar”).

As citadas resoluções ilustram o fato de ter sido o próprio STF que definiu os poderes e as competências do CNJ e do CNMP, e não o legislador. O STF já havia decidido assim quando, por exemplo, julgou a ação (ADI 3367) da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que se mobilizou contra a criação do CNJ (Almeida, 2010ALMEIDA, Frederico. (2010), A nobreza togada: as elites jurídicas e a política da justiça no Brasil. Tese de Doutorado. Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo, DCP - USP, São Paulo.; Fragale Filho, 2013FRAGALE FILHO, Roberto. (2013), “Conselho Nacional de Justiça: Desenho Institucional, Construção de Agenda e Processo Decisório”. Dados, 56 (4): 975-1007.; Arantes & Moreira, 2019ARANTES, Rogério & MOREIRA, Thiago. (2019), “Democracia, instituições de controle e justiça sob a ótica do pluralismo estatal”. Opinião Pública, 25,(1), jan/abr, Campinas.).

Tais atos significam que o CNJ tem atuado como um órgão que participa do processo decisório de proteção jurídica, bem como sinalizam, em termos políticos, que além do espaço de ação de integrantes do Judiciário e do MP, temas de atribuição do Congresso Nacional estão sendo definidos não pelo órgão legitimado democraticamente - o Poder Legislativo ‒, mas pelos próprios integrantes do sistema de justiça. Em relação a esses aspectos, a situação se repete no CNMP, mas no sentido político inverso da proteção jurídica, como demonstraremos na sequência.

Regulamentação do poder de investigação do Ministério Público9 9 Tópico objeto de análise com apoio do Iramuteq. As duas normas são longas e cada texto está dividido em diversos segmentos (seções, artigos, parágrafos). A retenção de palavras foi de 65%, em que pese que o ideal seja acima de 70% (Marchand & Ratinaud, 2012). Ainda assim, os testes aplicados são estatisticamente significativos, pois o ranking das palavras está normalizado, sendo que muitas palavras ocorrem pouco, entre uma e três vezes. As classes de palavras têm representatividade nos dois textos, assim como dentro das classes existe distribuição nos dois textos (assuntos e tópicos contidos nas duas normas), o que, para fins de validade e replicabilidade (Sampaio & Lycarião, 2021), é confirmado pela análise de conteúdo convencional, sem apoio do software.

A regulamentação das investigações pelo MP é tema crucial para a presente análise, tendo em vista os desdobramentos em face das atividades dos seus integrantes em operações policiais, tais como a Lava Jato. As Resoluções n. 179/2017 e n. 181/2017 do CNMP regulamentavam temas distintos, mas atraem a atenção para o exercício do poder normativo do referido Conselho.

Trata-se de resoluções que regulamentavam a atuação extrajudicial do MP nas esferas civil (179) e criminal (181), sobre as quais há pouco ou quase nenhum controle externo (Sampaio & Viegas, 2019SAMPAIO, Marianna, & VIEGAS, Rafael Rodrigues. (2019), “Ministério Público: de fiscal a elaborador de políticas públicas”. Paper apresentado no 43o Encontro Anual da Anpocs. Caxambu, 21/25 out. 25 outubro. Disponível em: <https://anpocs.com/index.php/encontros/papers/43-encontro-anual-da-anpocs/st-11/st10-8/11680-ministerio-publico-de-fiscal-a-elaborador-de-politicas-publicas?path=43-encontro-anual-da-anpocs/st-11/st10-8>, consultado em 25/01/2021.
https://anpocs.com/index.php/encontros/p...
; Kerche & Viegas, 2020KERCHE, Fabio & VIEGAS, Rafael Rodrigues. (2020), “Ministério Público brasileiro: de defensor de direitos a combatente da corrupção”. Paper apresentado no 12º Encontro da ABCP. João Pessoa, 19 /23 out. Disponível em: <https://www.abcp2020.sinteseeventos.com.br/simposio/view?ID_SIMPOSIO=7>, consultado em 15/12/2020.
https://www.abcp2020.sinteseeventos.com....
; Viegas, 2022VIEGAS, Rafael Rodrigues. (2022), “A face oculta do poder no Ministério Público Federal e o poder de agenda de suas lideranças”. Revista Brasileira de Ciência Política, 39, e260005. DOI: 10.1590/0103-3352.2022.39.260005.
https://doi.org/10.1590/0103-3352.2022.3...
). A Resolução n. 179 regulamenta o § 6º do artigo 5º da Lei nº 7.347/1985 (Lei de Ação Civil Pública - LACP), disciplinando, no âmbito do MP, o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Já a Resolução n. 181 regulamenta a instauração e tramitação do Procedimento Investigatório Criminal (PIC). O Quadro 3, a seguir, concentra as imagens que resultaram dos testes aplicados.

QUADRO 3
- Análise das Resoluções 179 e 181 do CNMP 10 10 No dendrograma, categorizamos o conteúdo em: classe 1 - TAC (18,4%), classe 2 – alterações na Resolução n. 179 (17%,), classe 3 – provas e garantias dos investigados (12,8%), classe 4 – diligências (13,5%), classe 5 – PIC (24,1%) e classe 6 – fundamentos (14,2%) (Quadro 3). Realizado o teste CHD, as seis classes se dividem em ramificações. Para o que importa, a partir da AFC representaram-se essas palavras no plano cartesiano (Quadro 3), o que, para facilitar a localização, classificamos em região central (RC), superior direito (QSD), superior esquerdo (QSE), inferior direito (QID) e inferior esquerdo (QIE), conforme sugerido por Viegas e Xavier (2021).

Observamos que as palavras não se localizam em segmento centralizado, expandindo-se para pontos periféricos nos quadrantes. As classes de palavras que reúnem o significado do PIC, das diligências, da produção de provas e das garantias dos investigados encontram-se na RC do plano cartesiano e expandindo-se para o QID e o QSD. As palavras da classe, que representam no plano o TAC, expandem-se mais para o QID centralizadas no eixo. Vemos que as palavras na RC e nos QSD e QID se distanciam no gráfico em relação à fundamentação constitucional dada pelo próprio CNMP. As palavras da classe 6, de tonalidade rosa, associadas à referência constitucional, encontram-se afastadas das outras classes no quadrante superior esquerdo (QSE). A distância das palavras, no plano cartesiano, não significa oposição semântica. Todavia, pela lógica dos testes, quanto mais distantes nos quadrantes, menos as palavras falam da mesma coisa. (Viegas & Xavier, 2021VIEGAS, Rafael Rodrigues & Xavier, Lucas Busani. (2021), The Political Use of Twitter by the Federal Prosecution Service in Brazil. Paper apresentado no IAPSS Virtual World Congress: Democracy, Identity, and Power. 11/14 maio. Disponível em: <https://iapss.org/events/world-congress/past-events/>, consultado em 25/19/2021.
https://iapss.org/events/world-congress/...
).

A análise de similitude mostra a centralidade da palavra “Ministério Público”, enquanto cluster central irradiador de conexidade da maior parte das palavras. Existem clusters menores, como o indicador dos deveres à esquerda, o TAC acima, o PIC e a Resolução n. 183 à direita, a qual alterou parte da Resolução n. 181 e, por isso, aparece destacada. A parte procedimental das resoluções está dispersa em ramificações menores abaixo do cluster central. Ao lado, a nuvem de palavras apresenta aquelas com mais frequência no corpus textual (“Ministério Público”, “resolução”, “Res_183”, “dever” etc.), e indica a importância das mesmas palavras (Quadro 3), convergindo com a análise de similitude.

Tais resultados evidenciam que o texto das duas resoluções referentes ao TAC e ao PIC foi formulado com baixa correspondência no texto constitucional; ou seja, conforme reportado na seção anterior, o espaço de ação de integrantes do Judiciário e do MP foi definido pelos próprios integrantes do sistema de justiça. Todavia, no caso do CNMP, isto opera de modo temerário para a democracia e o Estado de Direito, uma vez que suas resoluções avançaram na esfera dos direitos e das liberdades individuais, o que, por sua natureza, são matérias de ordem constitucional e reservadas para atuação do Congresso Nacional.

Nesse sentido, destacamos ainda que o aspecto central que a Resolução n. 179 buscou regulamentar está embutido no texto, de maneira discreta em quatro linhas (artigo 1º, § 2º), tanto que os testes no Iramuteq não a detectaram. Somente a análise detalhada do conteúdo permitiu localizar o trecho em que o CNMP autoriza os integrantes do MP a celebrar o TAC em matéria de improbidade administrativa. O que não quer dizer que os seus integrantes já não o fizessem, mesmo diante da expressa proibição por parte da Lei de Improbidade Administrativa (LIA - Lei n. 8.429/1992), então vigente. Esta lei previa punições cíveis para casos de corrupção e vedava qualquer acordo, mas foi alterada, em 2019, pela Lei n. 13.964 (“Pacote Anticrime”) e possibilitou o TAC, sem controle externo. Assim, a pretensão do MP de expandir seu raio de poder para alcançar também matéria criminal, antes vedada e ainda assim regulamentada pelo CNMP, foi atendida pelos legisladores, somente em 2019.

A própria Resolução n. 181/2017 CNMP foi objeto de arguição de inconstitucionalidade perante o STF, em ação proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), com pedido de medida cautelar de afastamento da validade de alguns de seus dispositivos, e, também, em ação proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que atingia a totalidade do texto. Segundo a OAB e a AMB, a Resolução n. 181/2017 extrapolou o poder regulamentar do CNMP, inovando no ordenamento jurídico, pois compete privativamente à União legislar sobre matéria processual e penal que afeta direitos e garantias individuais. Neste caso, ao invés de só regulamentar a investigação criminal conduzida pelo MP, a referida resolução criou, no direito brasileiro, o chamado “acordo de não persecução”, seguindo o modelo norte-americano do “plea bargaining”, em afronta à Constituição. (Kerche & Viegas, 2020KERCHE, Fabio & VIEGAS, Rafael Rodrigues. (2020), “Ministério Público brasileiro: de defensor de direitos a combatente da corrupção”. Paper apresentado no 12º Encontro da ABCP. João Pessoa, 19 /23 out. Disponível em: <https://www.abcp2020.sinteseeventos.com.br/simposio/view?ID_SIMPOSIO=7>, consultado em 15/12/2020.
https://www.abcp2020.sinteseeventos.com....
; Viegas, 2022VIEGAS, Rafael Rodrigues. (2022), “A face oculta do poder no Ministério Público Federal e o poder de agenda de suas lideranças”. Revista Brasileira de Ciência Política, 39, e260005. DOI: 10.1590/0103-3352.2022.39.260005.
https://doi.org/10.1590/0103-3352.2022.3...
).

Depois das ações da OAB e AMB, o CNMP recuou e expediu a Resolução n. 183/2018, que alterou a anterior, limitando o acordo aos crimes com pena inferior a quatro anos, e sujeitando-o à homologação pelo Judiciário. O texto compilado traz diversas passagens com referência à Resolução n. 183, conforme se observou nos testes CHD e AFC, na análise de similitude e na nuvem de palavras. As modificações no texto inicial foram tão significativas, que a Resolução n. 183 está incluída em uma classe de palavras própria e é facilmente identificada como um cluster na análise de similitude (Quadro 3).

Finalmente, o chamado “Pacote Anticrime” acabou atendendo a mais essa demanda das lideranças do MP, permitindo que seus integrantes celebrem acordo em direito penal. Aqui, ressaltamos que o contexto político em que tais resoluções foram editadas é bastante significativo. Trata-se de período em que a Lava Jato ganhou grande visibilidade no país, graças à divulgação diária, pela grande mídia, dos escândalos de corrupção denunciados por ela, gerando amplas manifestações de rua contra o governo e avanço das forças políticas de oposição, que, por caminhos tortuosos, desembocaram no Impeachment da presidente Dilma Rousseff, na prisão do ex-presidente Lula e no governo de extrema-direita de Bolsonaro. (Viegas, Loureiro & Toledo, 2020VIEGAS, Rafael Rodrigues, LOUREIRO, Maria Rita & TOLEDO, Amanda. (2020), “A Lava Jato como ponto de inflexão sobre o Estado de Direito e a democracia no Brasil”. Paper apresentado no VIII Congreso Internacional de Ciencia Política de la Asociación Mexicana de Ciencias Políticas, Guadalajara, México, 8/11 dez. Disponível em: <https://congreso2020.amecip.com/>, consultado em 15/01/2021.
https://congreso2020.amecip.com/...
). Ou seja, tais resoluções, claramente orientadas para expansão do poder de denúncia do MP, foram produzidas em um clima político de aprovação popular da atuação dos procuradores e do juiz da Lava Jato (este visto até como “herói nacional”) e de criminalização da política. (Almeida, 2019ALMEIDA, Frederico. (2019), “Os juristas e a crise: A Operação Lava Jato e a conjuntura política brasileira (2014-2016)”. Plural, 26(2): 96-128. https://doi.org/10.11606/issn.2176-8099.pcso.2019.165675
https://doi.org/10.11606/issn.2176-8099....
).

Em suma, os membros do MP brasileiro aproveitaram o momento de forte oposição partidária ao governo federal e de reação às pautas progressistas que o país viveu, entre 2003 e 2016, e de apoio (implícito ou explícito) aos governos seguintes, para fazer avançar suas pautas corporativas e expandir seu raio de ação.

Assim, a simbiose entre controladores e controlados, verificada pela análise do conteúdo das resoluções que os Conselhos expediram entre 2005 e 2019, particularmente no caso do CNMP, revela a raiz de um descontrole que já tinha sido visto em episódios da Lava Jato, com os seguidos abusos e violações de direitos individuais e políticos. (Avritzer & Marona, 2017AVRITZER, Leonardo & MARONA, Marjorie. (2017), “A tensão entre soberania e instituições de controle na democracia brasileira”. Dados, 60 (2): 359-393.; Marona & Barbosa, 2019MARONA, Marjorie & BARBOSA, Leon. (2019), “De que protagonismo judicial estamos falando”, in M. Marona & A. Del Rio. Judiciário no Brasil: às margens da democracia. Belo Horizonte, Arraes: 128-150.; Kerche, Oliveira & Couto, 2020KERCHE, Fabio; OLIVEIRA, Vanessa & COUTO, Claudio Gonçalves. (2020), “Os Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público no Brasil: Instrumentos de Accountability?” Revista de Administração Pública, 54 (5): 1334-1360. https://doi.org/10.1590/0034-7612201900212.
https://doi.org/10.1590/0034-76122019002...
; De Sá e Silva, 2020DE SÁ E SILVA, Fabio. (2020), “From Car Wash to Bolsonaro: Law and Lawyers in Brazil's Illiberal Turn (2014-2018)”. J. Law Soc., 47: S90-S110. https://doi.org/10.1111/jols.12250
https://doi.org/10.1111/jols.12250...
).

É interessante, contudo, revelar o paradoxo desta situação: o mesmo governo Bolsonaro, que emergiu como um dos frutos da Lava Jato, foi justamente o responsável por reações contra ela e finalmente por sua própria extinção, em fevereiro de 2021. O procurador-geral da República, escolhido pelo presidente Bolsonaro, Augusto Aras, que também preside o CNMP, tem procurado evitar maior controle sobre os atos do Executivo, em vários temas, relativos à violação de direitos dos povos indígenas, ao desmatamento ilegal da Amazônia e ao combate à pandemia da Covid-19. (Abrucio et al., 2020ABRUCIO, Fernando; GRIN, Eduardo José; FRANZESE, Cibele; SEGATTO, Catarina Ianni & COUTO, Claudio Gonçalves. (2020), “Combating COVID-19 under Bolsonaro’s federalism: a case of intergovernmental incoordination”. Revista de Administração Pública, 54(4): 663-677.). Além disso, Aras tem também atuado para reduzir a autonomia dos procuradores e da própria instituição do MP Federal. Esta conduta pautou, de modo geral, o governo Bolsonaro, que reduziu o poder de outros órgãos com atribuição de accountability democrática do país, como a Controladoria-Geral da União (CGU) (órgão de controle interno da administração pública federal), a Polícia Federal (PF) e a Receita Federal do Brasil (RFB).

Conclusões

O estudo verificou a intensidade da atividade normativa do CNJ e do CNMP e analisou o conteúdo dessas normas, constatando um padrão - basicamente de alteração de normas anteriores, que pode ser resumido na constante simbiose estabelecida entre controladores (os Conselhos) e os controlados (Magistratura e Ministério Público). Tal simbiose permitiu que o tema do controle encontrasse nos Conselhos uma arena para expandir seu poder e defender os interesses majoritários de seus membros, tais como o recebimento de vantagens corporativas.

Em relação às características dessa atividade normativa e levando em conta que os dois órgãos - CNJ e CNMP ‒ integram a cúpula do Judiciário e do MP, respectivamente, extraímos duas inferências: a) o CNJ e o CNMP atuam, em muitos momentos, atendendo a seus respectivos interesses corporativos, de modo regular e articulado entre eles, e; b) extrapolam as atribuições que lhes foram destinadas pela Constituição de 1988. Embora distintas, elas se sobrepõem eventualmente (mas, não necessariamente).

A primeira inferência fortalece a afirmação, já apontada em outros estudos, relativa à captura do CNJ pela presidência do STF, bem como a do CNMP pela PGR. (Almeida, 2010ALMEIDA, Frederico. (2010), A nobreza togada: as elites jurídicas e a política da justiça no Brasil. Tese de Doutorado. Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo, DCP - USP, São Paulo.). Também, sugere que, quando se analisam temas ligados à independência do Judiciário e do MP, é necessário estudar o desempenho desses Conselhos de modo comparado, para constatar a ação coordenada entre eles em torno de uma agenda comum.

A segunda traz um ponto ainda não abordado pela literatura: mesmo trazendo avanços institucionais e aspectos positivos referentes a prazos, racionalização dos serviços e transparência, a atuação normativa dos Conselhos não se concretiza em controle efetivo sobre seus membros, como era a intenção primeira; ao contrário, tem resultado na expansão do poder dos integrantes do Judiciário e do MP, ampliando seus espaços de atuação em temas sensíveis para a democracia e ao Estado de Direito no país.

Não raro, a atividade normativa de ambos cruza a fronteira do Poder Legislativo, quando não o contraria diretamente. Ademais, a pesquisa aponta ainda para a predominância de uma agenda corporativista na pauta dos dois Conselhos, que atuam de forma coordenada entre si.

Os resultados da investigação reforçam a necessidade de avançar em pesquisas relativas às relações dos Conselhos com suas respectivas associações de classe (CONAMP, AJUFE, AMB e ANPR, v. g.), uma vez que o MP Federal tem órgãos superiores internamente ocupados por lideranças da ANPR, sendo que, no caso do CNMP, este foi presidido, desde sua criação, por Procuradores da República também ligados à ANPR, como apontam trabalhos recentes (Viegas, 2020VIEGAS, Rafael Rodrigues. (2020), “Governabilidade e lógica das designações no Ministério Público Federal: os procuradores políticos profissionais”. Revista Brasileira de Ciência Política, 33, e234299. DOI: 10.1590/0103-3352.2020.33.234299.
https://doi.org/10.1590/0103-3352.2020.3...
, 2022VIEGAS, Rafael Rodrigues. (2022), “A face oculta do poder no Ministério Público Federal e o poder de agenda de suas lideranças”. Revista Brasileira de Ciência Política, 39, e260005. DOI: 10.1590/0103-3352.2022.39.260005.
https://doi.org/10.1590/0103-3352.2022.3...
). Ou seja, a problemática do lobby dessas associações no Legislativo federal, assim como o perfil dos integrantes dos Conselhos e a trajetória de carreira dos quadros superiores na hierarquia funcional dos órgãos do sistema de justiça no Brasil precisam ser estudados de forma mais sistemática.

Do ponto de vista político-normativo, o presente artigo reforça que a governança do CNJ e do CNMP ‒ em termos de composição, processo decisório e conteúdo dos atos normativos (objeto dessa pesquisa) ‒, precisa ser melhorada, para evitar tanto o domínio do poder corporativo como a reação defensiva e autoritária do Poder Executivo. A resolução dessa equação institucional passa pela existência de um sistema de justiça, ao mesmo tempo, autônomo e accountable, o que torna o aperfeiçoamento dos Conselhos uma tarefa fundamental e inadiável para a democracia brasileira.

Por fim, cabe ressaltar uma fundamental questão normativa que o presente trabalho coloca: se, do ponto de vista do Estado democrático de Direito, é indesejável que haja uma simbiose entre os controladores e controlados, no campo do sistema de justiça ‒ como aqui demonstrado ‒, também danoso é o enfraquecimento demasiado da autonomia das instituições judiciárias e de fiscalização, como ocorreu no Governo Bolsonaro. Contra o excesso do poder corporativo dos togados, o bonapartismo do presidente é uma solução ainda pior.

AGRADECIMENTOS

Aos(às) pareceristas anônimos(as), pelas sugestões à versão atual. Informamos que este trabalho foi realizado com o apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e FGV Pesquisa.

  • 1
    Essa combinação de técnicas com a análise de conteúdo não retira a característica qualitativa da pesquisa. Ao contrário, a análise de conteúdo pode ser usada em bases de dados qualitativos e quantitativos, combinadas com diferentes técnicas que buscam descrever, classificar e quantificar fenômenos (Mayring, 2014MAYRING, Philipp. (2014), “Qualitative Content Analysis: Theoretical Foundation, Basic Procedures and Software Solution”. Qualitative Inhaltsanalyse: Grundlagen, Techiken, Software.; Sampaio & Lycarião, 2021SAMPAIO, Rafael Cardoso, & LYCARIÃO, Diógenes (2021). Análise de conteúdo categorial: manual de aplicação, Brasília, Enap.).
  • 2
    Citamos, como exemplo: Resoluções CNJ n. 15/2006, 31/2007, 53/2008, 68/2009, 76/2009, 112/2010, 207/2015, 241/2016 e 244/2016; Resoluções CNMP n. 19/2007, 22/2007, 68/2011, 77/2011, 111/2014, 151/2016, 184/2018, 190/2018 e 193/2018).
  • 3
    Quadro construído com base nas resoluções sobre o recrutamento para as carreiras da magistratura e do MP, com categorização utilizando o procedimento de estruturação.
  • 4
    Matriz Curricular: Direito. Ministério da Educação. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivo/pdf/dir_dire.pdf, consultado em 12/02/2021.
  • 5
    Quadro construído com base nas resoluções sobre o conceito de atividade jurídica, com categorização utilizando os procedimentos de redução, estruturação e somativa.
  • 6
    Tópico objeto de análise de conteúdo sem apoio do Iramuteq. Quanto à relevância, além dos aspectos sobre o controle e defesa de interesses corporativos, conferir a repercussão pública, por exemplo, em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/02/em-ano-com-auxilio-moradia-universal-mais-de-70-dos-juizes-tinham-casa-propria.shtml, consultado em 17/02/2020.
  • 7
    Tópico objeto de análise de conteúdo sem apoio do Iramuteq.
  • 8
    A constitucionalidade da Resolução n. 7/2005 havia sido questionada em 2006, quando o STF permitiu ao CNJ expedir atos normativos primários, com apenas um voto dissidente. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=66445 (consultado em: 17/02/2020).
  • 9
    Tópico objeto de análise com apoio do Iramuteq. As duas normas são longas e cada texto está dividido em diversos segmentos (seções, artigos, parágrafos). A retenção de palavras foi de 65%, em que pese que o ideal seja acima de 70% (Marchand & Ratinaud, 2012). Ainda assim, os testes aplicados são estatisticamente significativos, pois o ranking das palavras está normalizado, sendo que muitas palavras ocorrem pouco, entre uma e três vezes. As classes de palavras têm representatividade nos dois textos, assim como dentro das classes existe distribuição nos dois textos (assuntos e tópicos contidos nas duas normas), o que, para fins de validade e replicabilidade (Sampaio & Lycarião, 2021SAMPAIO, Rafael Cardoso, & LYCARIÃO, Diógenes (2021). Análise de conteúdo categorial: manual de aplicação, Brasília, Enap.), é confirmado pela análise de conteúdo convencional, sem apoio do software.
  • 10
    No dendrograma, categorizamos o conteúdo em: classe 1 - TAC (18,4%), classe 2 – alterações na Resolução n. 179 (17%,), classe 3 – provas e garantias dos investigados (12,8%), classe 4 – diligências (13,5%), classe 5 – PIC (24,1%) e classe 6 – fundamentos (14,2%) (Quadro 3). Realizado o teste CHD, as seis classes se dividem em ramificações. Para o que importa, a partir da AFC representaram-se essas palavras no plano cartesiano (Quadro 3), o que, para facilitar a localização, classificamos em região central (RC), superior direito (QSD), superior esquerdo (QSE), inferior direito (QID) e inferior esquerdo (QIE), conforme sugerido por Viegas e Xavier (2021)VIEGAS, Rafael Rodrigues & Xavier, Lucas Busani. (2021), The Political Use of Twitter by the Federal Prosecution Service in Brazil. Paper apresentado no IAPSS Virtual World Congress: Democracy, Identity, and Power. 11/14 maio. Disponível em: <https://iapss.org/events/world-congress/past-events/>, consultado em 25/19/2021.
    https://iapss.org/events/world-congress/...
    .

Bibliografia

  • ABRUCIO, Fernando & LOUREIRO, Maria Rita. (2005), “Finanças públicas, democracia e accountability”, in C. Biderman & P.B. Arvate (orgs.). Economia do Setor Público no Brasil, RJ, Editora Campus Elsivier: 75-102.
  • ABRUCIO, Fernando; GRIN, Eduardo José; FRANZESE, Cibele; SEGATTO, Catarina Ianni & COUTO, Claudio Gonçalves. (2020), “Combating COVID-19 under Bolsonaro’s federalism: a case of intergovernmental incoordination”. Revista de Administração Pública, 54(4): 663-677.
  • ALMEIDA, Frederico. (2010), A nobreza togada: as elites jurídicas e a política da justiça no Brasil. Tese de Doutorado. Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo, DCP - USP, São Paulo.
  • ALMEIDA, Frederico. (2019), “Os juristas e a crise: A Operação Lava Jato e a conjuntura política brasileira (2014-2016)”. Plural, 26(2): 96-128. https://doi.org/10.11606/issn.2176-8099.pcso.2019.165675
    » https://doi.org/10.11606/issn.2176-8099.pcso.2019.165675
  • ALSTON, Lee; MELO, Marcus André; MUELLER, Bernardo & PEREIRA, Carlos Eduardo. (2016a), Brazil in Transition: beliefs, leadership and institutional change. 1. ed, Princeton, Princeton University Press, 1.
  • ALSTON, Lee; MELO, Marcus André; MUELLER, Bernardo & PEREIRA, Carlos Eduardo. (2016b), “Why Countries Transition? The Case of Brazil, 1964-2016”. Atlantic Economic Journal, 44: 197-224. https://doi.org/10.1007/s11293-016-9498-2
    » https://doi.org/10.1007/s11293-016-9498-2
  • ARANTES, Rogério. (2002), Ministério Público e política no Brasil, São Paulo, Educ-Sumaré.
  • ARANTES, Rogério; LOUREIRO Maria Rita; COUTO, Claudio Gonçalves & TEIXEIRA, Marco Antonio Carvalho. (2010), “Controles democráticos sobre a administração pública no Brasil: Legislativo, Judiciário, Tribunais de Contas e Ministério Público” in M.R. Loureiro; F. Abrucio & R. Pacheco (orgs.). Burocracia e Política no Brasil. Desafios para o Estado democrático no século XXI. RJ, Editora FGV: 109-147.
  • ARANTES, Rogério & MOREIRA, Thiago. (2019), “Democracia, instituições de controle e justiça sob a ótica do pluralismo estatal”. Opinião Pública, 25,(1), jan/abr, Campinas.
  • AVRITZER, Leonardo & MARONA, Marjorie. (2017), “A tensão entre soberania e instituições de controle na democracia brasileira”. Dados, 60 (2): 359-393.
  • BERLATTO, Fabia. (2016), “Origens profissionais dos secretários estaduais de Segurança Pública. Newsletter”. Observatório de elites políticas e sociais do Brasil, 3 (8).
  • BONELLI, Maria da Glória. (2010), “Os magistrados, a autonomia profissional e a resistência à reforma do judiciário no Brasil”. Paper apresentado no XXIX International Congress of the Latin American Studies Association (LASA). 6/9 out., Toronto.
  • BRASIL. (2004), Emenda Constitucional n. 45 de 2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc45.htm, consultado em 19/02/ 2021.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc45.htm
  • BRASIL. (2010), Estatuto da Igualdade Racial. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12288.htm consultado em 19/02/ 2021.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12288.htm
  • CAMARGO, Brigido & JUSTO, Ana Maria. (2013), “Iramuteq: Um Software Gratuito para Análise de Dados Textuais”. Temas em Psicologia, 21 (2): 513-518.
  • CARDOSO JR., José Celso (org.). (2011), Burocracia e ocupação no setor público brasileiro. Diálogos para o desenvolvimento, RJ, IPEA.
  • CARVALHO, Ernani & LEITÃO, Natália. (2013), “O poder dos juízes: Supremo Tribunal Federal e o desenho institucional do Conselho Nacional de Justiça”. Revista de Sociologia & Política, 21, (45): 13-27.
  • DE SÁ E SILVA, Fabio. (2020), “From Car Wash to Bolsonaro: Law and Lawyers in Brazil's Illiberal Turn (2014-2018)”. J. Law Soc., 47: S90-S110. https://doi.org/10.1111/jols.12250
    » https://doi.org/10.1111/jols.12250
  • FONTAINHA, Fernando; GERALDO, Pedro Heitor Barros; VERONESE, Alexandre & ALVEZ, Camila Souza. (2015), “O concurso público brasileiro e a ideologia concurseira”. Revista Jurídica da Presidência,16 (110): 671-702.
  • FRAGALE FILHO, Roberto. (2013), “Conselho Nacional de Justiça: Desenho Institucional, Construção de Agenda e Processo Decisório”. Dados, 56 (4): 975-1007.
  • GAROUPA, Nuno. (2016), O Governo da Justiça. E-book, Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos.
  • GAROUPA, Nuno & GINSBURG, Tom. (2008), Guarding the guardians: judicial councils and judicial Independence. Paper apresentado no American Journal of Comparative Law, 1-43. Disponível em: <http://www.law.uchicago.edu/Lawecon/index.html>, consultado em 25/10/2020.
    » http://www.law.uchicago.edu/Lawecon/index.html
  • GRUBER, Judith. (1986), Controlling bureaucracies: dilemmas in democratic governance, Califórnia, University of California Press.
  • KERCHE, Fabio. (2009), Virtude e limites: autonomia e atribuições do Ministério Público no Brasil, São Paulo, Edusp.
  • KERCHE, Fabio; OLIVEIRA, Vanessa & COUTO, Claudio Gonçalves. (2020), “Os Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público no Brasil: Instrumentos de Accountability?” Revista de Administração Pública, 54 (5): 1334-1360. https://doi.org/10.1590/0034-7612201900212
    » https://doi.org/10.1590/0034-7612201900212
  • KERCHE, Fabio & VIEGAS, Rafael Rodrigues. (2020), “Ministério Público brasileiro: de defensor de direitos a combatente da corrupção”. Paper apresentado no 12º Encontro da ABCP. João Pessoa, 19 /23 out. Disponível em: <https://www.abcp2020.sinteseeventos.com.br/simposio/view?ID_SIMPOSIO=7>, consultado em 15/12/2020.
    » https://www.abcp2020.sinteseeventos.com.br/simposio/view?ID_SIMPOSIO=7
  • LEMGRUBER, Julita; RIBEIRO, Ludmila; MUSUMECI, Leonarda & DUARTE, Thais. (2016), Ministério Público: Guardião da democracia brasileira?, Rio de Janeiro, CESeC.
  • MAINWARING, Scott, & WELMA, Christopher. (2003), Democratic accountability in Latin America, Oxford, Oxford University Press.
  • MAYRING, Philipp. (2014), “Qualitative Content Analysis: Theoretical Foundation, Basic Procedures and Software Solution”. Qualitative Inhaltsanalyse: Grundlagen, Techiken, Software.
  • MARONA, Marjorie & BARBOSA, Leon. (2019), “De que protagonismo judicial estamos falando”, in M. Marona & A. Del Rio. Judiciário no Brasil: às margens da democracia. Belo Horizonte, Arraes: 128-150.
  • NUNES, Rodrigo. (2010), “Politics without insurance: democratic competition and Judicial Reform in Brazil”. Comparative Politics, 42 (3): 313-331.
  • O’DONNELL, Guillermo. (1998), “Accountability horizontal e novas poliarquias”. Lua Nova, 44: 22-54.
  • PATTON, Michael Quinn. (2015), Qualitative research and evaluation methods. Thousand Oaks, CA: Sage.
  • PELIZZO, Riccardo & STAPENHURST, Frederick. (2014), Government Accountability and Legislative Oversight, Nova York, Routledge, Taylor and Francis Group.
  • PERISSINOTTO, Renato; MEDEIROS, Pedro & WOWK, Rafael. (2008), “Valores, socialização e comportamento: sugestões para uma sociologia da elite judiciária”. Revista de Sociologia e Política, 30: 151-166.
  • PESSANHA, Charles. (2013), “Controle do Judiciário: o Conselho Nacional de Justiça”, in L. Avritzer; N. Bignotto; F. Filgueiras; J. Guimarães & H. Starling. Dimensões políticas da justiça, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira: 505-511.
  • PESSANHA, Charles. (2014), A experiência dos Conselhos de Magistratura ibero-americanos: uma análise comparativa entre Portugal, Espanha, Argentina e Brasil. Paper apresentado no IX Encontro da ABCP, Brasília. Disponível: <https://cienciapolitica.org.br/web/eventos/9o-encontro-abcp/areas-tematicas/at-11/politica-direito-e-judiciario>, consultado em 10/12/2018.
    » https://cienciapolitica.org.br/web/eventos/9o-encontro-abcp/areas-tematicas/at-11/politica-direito-e-judiciario
  • RIBEIRO, Leandro Molhano & ARGUELHES, Diego Werneck. (2015), “O Conselho no Tribunal: Mudança institucional e a judicialização de decisões do CNJ junto ao Supremo Tribunal Federal”. Revista Direito e Práxis, 6 (12): 464-503.
  • RIBEIRO, Leandro Molhano & ARGUELHES, Diego Werneck. (2019), “Contextos da judicialização da política: novos elementos para um mapa teórico”. Revista Direito GV,15 (2).
  • RIBEIRO, Leandro Molhano & PAULA, Christiane Jalles. (2016), “Inovação institucional e resistência corporativa: o processo de institucionalização e legitimação do Conselho Nacional de Justiça”. Revista Brasileira de Políticas Públicas, 6 (3): 13-28.
  • RATINAUD, Pierre & MARCHAND, Pascal. (2012), “Application de la méthode ALCESTE à de ‘gros’ corpus et stabilité des ‘mondes lexicaux’: analyse du ‘Cable-Gate’ avec IraMuTeQ”. Actes des 11eme Journées internationales d'Analyse statistique des Données Textuelles: 835-844.
  • SADEK, Maria Tereza. (1997), O Ministério Público e a Justiça no Brasil, São Paulo, IDESP/Sumaré.
  • SADEK, Maria Tereza. (2004), “Judiciário: mudanças e reformas”. Estudos Avançados, 18 (51): 79-101.
  • SADEK, Maria Tereza. (2010), “Poder Judiciário: uma nova instituição”. Cadernos Adenauer, XI,(1): 13-21.
  • SAMPAIO, Marianna, & VIEGAS, Rafael Rodrigues. (2019), “Ministério Público: de fiscal a elaborador de políticas públicas”. Paper apresentado no 43o Encontro Anual da Anpocs. Caxambu, 21/25 out. 25 outubro. Disponível em: <https://anpocs.com/index.php/encontros/papers/43-encontro-anual-da-anpocs/st-11/st10-8/11680-ministerio-publico-de-fiscal-a-elaborador-de-politicas-publicas?path=43-encontro-anual-da-anpocs/st-11/st10-8>, consultado em 25/01/2021.
    » https://anpocs.com/index.php/encontros/papers/43-encontro-anual-da-anpocs/st-11/st10-8/11680-ministerio-publico-de-fiscal-a-elaborador-de-politicas-publicas?path=43-encontro-anual-da-anpocs/st-11/st10-8
  • SAMPAIO, Rafael Cardoso, & LYCARIÃO, Diógenes (2021). Análise de conteúdo categorial: manual de aplicação, Brasília, Enap.
  • SCOTT John. (2008). “Modes of Power and the Re-Conceptualization of Elites”. The Sociological Review, 56 (1): 25-43.
  • STF. Supremo Tribunal Federal. (2011), Julgamento disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI4277LF.pdf, consultado em 17/02/ 2020.
    » http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI4277LF.pdf
  • TATE, Neal, & VALLINDER, Torbjörn. (1995), The global expansion of Judicial power, Nova York, NewYork University Press.
  • TOMIO, Fabrício Ricardo de Limas & ROBL FILHO, Ilton Norberto. (2013), “Accountability e independência judiciais: uma análise da competência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)”. Revista de Sociologia & Política,21 (45): 29-46.
  • VIANNA, Luiz Werneck; CARVALHO, Maria Alice Rezende de; MELO, Manuel Palacios Cunha & BURGOS, Marcelo Baumann. (1997), Corpo e alma da magistratura brasileira. 2ª ed., Rio de Janeiro, Revan.
  • VIANNA, Luiz Werneck, CARVALHO, Maria Alice Rezende de & BURGOS, Marcelo Baumann. (2018), Quem somos: a magistratura que queremos. Pesquisa encomendada pela AMB. Disponível em: <https://www.amb.com.br/wp-content/uploads/2019/02/Pesquisa_completa.pdf>, consultado em 25/10/2019.
    » https://www.amb.com.br/wp-content/uploads/2019/02/Pesquisa_completa.pdf
  • VIEGAS, Rafael Rodrigues. (2020), “Governabilidade e lógica das designações no Ministério Público Federal: os procuradores políticos profissionais”. Revista Brasileira de Ciência Política, 33, e234299. DOI: 10.1590/0103-3352.2020.33.234299.
    » https://doi.org/10.1590/0103-3352.2020.33.234299
  • VIEGAS, Rafael Rodrigues. (2022), “A face oculta do poder no Ministério Público Federal e o poder de agenda de suas lideranças”. Revista Brasileira de Ciência Política, 39, e260005. DOI: 10.1590/0103-3352.2022.39.260005.
    » https://doi.org/10.1590/0103-3352.2022.39.260005
  • VIEGAS, Rafael Rodrigues, LOUREIRO, Maria Rita & TOLEDO, Amanda. (2020), “A Lava Jato como ponto de inflexão sobre o Estado de Direito e a democracia no Brasil”. Paper apresentado no VIII Congreso Internacional de Ciencia Política de la Asociación Mexicana de Ciencias Políticas, Guadalajara, México, 8/11 dez. Disponível em: <https://congreso2020.amecip.com/>, consultado em 15/01/2021.
    » https://congreso2020.amecip.com/
  • VIEGAS, Rafael Rodrigues & BORALI, Natasha. (2022), “Análise de conteúdo e o uso do Iramuteq”. Revista Latinoamericana de Metodología de la Investigación Social, 23: 21-37.
  • VIEGAS, Rafael Rodrigues & Xavier, Lucas Busani. (2021), The Political Use of Twitter by the Federal Prosecution Service in Brazil. Paper apresentado no IAPSS Virtual World Congress: Democracy, Identity, and Power. 11/14 maio. Disponível em: <https://iapss.org/events/world-congress/past-events/>, consultado em 25/19/2021.
    » https://iapss.org/events/world-congress/past-events/

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    14 Out 2021
  • Aceito
    20 Maio 2022
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais - ANPOCS Av. Prof. Luciano Gualberto, 315 - sala 116, CEP: 05.655-010, Tel.: (+55 11) 3091-4664 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: anpocs@anpocs.org.br