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Continuidade da atenção cíclica à maconha no Brasil

Continuity of cyclical attention to marijuana in Brazil

Resumos

Resumo

Nos anos 1970 surgiu a hipótese de que os problemas relacionados à maconha no Brasil formam diferentes ciclos. Mais tarde, esta hipótese foi associada à ideia de “issue-attention cycle” e possibilitou a análise do que denominamos ciclos de atenção a esta planta no território brasileiro. Neste artigo, resgatamos este modelo de análise de problemas públicos, apresentamos, do modo mais sintético possível, a história de sua aplicação para a investigação de transações e controvérsias com maconha e concluímos que os interesses em relação ao tema continuam conformando ciclos diferentes, que se articulam pontualmente com vistas à mudança de normas. Portanto, o objetivo do artigo é retomar o debate dos ciclos de atenção à maconha no Brasil, com base em revisão de literatura e análise documental, a partir do que demonstramos uma recente predominância de interesses medicinais, que não suspende completamente outros interesses sobre o tema.

Palavras-chave:
maconha; Brasil; ciclos de atenção; mudança de normas


Abstract

In the 1970s, emerged the hypothesis that problems related to marijuana in Brazil formed different cycles. Later, this hypothesis was associated with the idea of “issue-attention cycle” and made it possible to analyze what we call attention cycles for this plant in Brazilian territory. In this article, we rescue these public problems analysis model, show, in the most synthetic way possible, the history of its application to the investigation of transactions and controversies with marijuana, and we conclude that interests in relation to the subject continue forming different cycles, which are articulated punctually with a view to changing norms. Therefore, the objective of the article is to resume the debate on the attention cycles to marijuana in Brazil, based on a literature review and documentary analysis, from which we demonstrate a recent predominance of medicinal interests, which does not completely suspend other interests on the topic.

Keywords:
marijuana; Brazil; attention cycles; changing norms


1. Introdução

A planta popularmente conhecida como maconha é alvo de muitas controvérsias, que vão desde a denominação até as questões da normatização legal que a proíbe no território brasileiro há quase um século (Brasil, 1932BRASIL. (1932), Decreto 20.930 de 11 de janeiro. Disponível em <https://legislacao.presidencia.gov.br/>, consultado em 11/04/ 2024.
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). Apesar da proibição, há muitos indícios que nos levam a crer que nunca deixaram de existir transações com maconha em território nacional.

A longa história de transações e controvérsias foi objetivada por um antropólogo americano, que esteve no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial e, mais tarde, retornou para fazer pesquisa de campo sobre padrões de uso de maconha. No texto decorrente de sua segunda experiência, Hutchinson (1975)HUTCHINSON, Harry William. (1975), “Patterns of marihuana use in Brazil”, in V. Rubin. (org.), Cannabis and Culture. Paris, Mouton. afirmou a existência de três elementos ordenadores de atenção ao tema em nosso país: economia, medicina e lei e ordem (“law and order”).

Acrescentando um ciclo àqueles três blocos de interesses e demonstrando a simultaneidade contínua de todos eles, discorremos, neste artigo, sobre interesses econômicos e terapêuticos, destacando a doxa racista que levou o país a adotar uma legislação proibitiva de transações com maconha na primeira metade do século XX. Não aprofundamos a discussão de nenhum dos ciclos, mas retraçamos um panorama da história da maconha no país, demonstrando que a argumentação médica tem se destacado no atual debate sobre mudança de normas relativas ao tema.

Neste sentido, estruturamos o texto em cinco tópicos: 1) síntese do modelo de issue-attention cycles e de sua adaptação para uma abordagem sócio-histórica da maconha; 2) apresentação dos quatro ciclos que identificamos no Brasil; 3) discussão sobre influências mútuas e continuidade simultânea de tais ciclos; 4) análise da predominância da argumentação médica em processos judiciais, que têm garantido o direito à aplicação de derivados de maconha para fins terapêuticos; e 5) análise do processo legislativo nacional, visando alterar normas relativas ao tema.

À guisa de conclusão, sintetizamos o que nos leva a postular que o modelo de atenção cíclica continua relevante para a análise de problemas relativos à maconha no Brasil, bem como sustentamos que ciclos não necessariamente se repelem. Do contrário, no caso analisado, observamos que os diferentes ciclos se influenciam, revelam convergências e coexistência.

2. Issue-attention cycles

No modelo de análise cíclica desenvolvido por Downs (1972), oDOWNS, Anthony. (1972), “Up and Down with Ecology – the 'Issue-Attention Cycle'”. The Public Interest, 28. 38-50 interesse público sobre um problema contém cinco fases sucessivas: existência sem discussão (pre-problem stage), alarme, solução, declínio da atenção e limbo (post-problem stage). Este modelo pressupõe que problemas públicos são solucionados; no entanto, a análise empírica de problemas desta natureza – como a própria questão ecológica que motivou a discussão estabelecida por Downs (1972)DOWNS, Anthony. (1972), “Up and Down with Ecology – the 'Issue-Attention Cycle'”. The Public Interest, 28. 38-50 – revela problemas persistentes que não encontram soluções eficazes e continuam a existir sem jamais entrar em um estágio que possa se afirmar como sendo o limbo posterior à solução. Por isso, a discussão do tema da maconha ao longo da história do Brasil, conforme apresentada inicialmente por Hutchinson (1975)HUTCHINSON, Harry William. (1975), “Patterns of marihuana use in Brazil”, in V. Rubin. (org.), Cannabis and Culture. Paris, Mouton., nos pareceu uma possibilidade promissora de desdobramento adaptativo em relação à aplicação da noção de issue-attention cycle na tentativa de compreender problemas de interesse público relacionados à maconha. Tratamos a questão em alguns trabalhos precedentes, a exemplo de Brandão (2014aBRANDÃO, Marcílio Dantas. (2014a), “Ciclos de atenção à maconha no Brasil”. Revista da Biologia, 13, 1:1-10. DOI: https://doi.org/10.7594/revbio.13.01.01., 2014bBRANDÃO, Marcílio Dantas. (2014b), “O problema público da maconha no Brasil: anotações sobre quatro ciclos de atores, interesses e controvérsias”. Dilemas, 7, 4:703-740., 2016BRANDÃO, Marcílio Dantas. (2016), “Os ciclos de atenção à maconha e a emergência de um 'problema público' no Brasil”, in E. Macrae; W.C. Alves. (org.), Fumo de Angola: canabis, racismo, resistência cultural e espiritualidade. Salvador, EDUFBA., 2017aBRANDÃO, Marcílio Dantas. (2017a), Dito, feito e percebido: controvérsias, performances e mudanças na arena da maconha. Tese de Doutorado, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris., 2019BRANDÃO, Marcílio Dantas. (2019), “Como um problema se torna público? Anotações a partir da Marcha da Maconha no Brasil”. Estudos de Sociologia, 1, 25:45-73. DOI: https://doi.org/10.51359/2317-5427.2019.243754.), Fraga e Campos (2020)FRAGA, Paulo; CAMPOS, Marcelo da Silveira. (2020), “Apresentação. Drogas: novas abordagens e novos desafios acadêmicos e sociais”. Teoria e Cultura, 15, 2:8-13., Policarpo (2019aPOLICARPO, Frederico. (2019a), “O debate em torno da maconha no Brasil: um breve panorama das controvérsias e disputas atuais”, in P. Fraga; M.C. Carvalho. (org.), Drogas e Sociedade: estudos comparados Brasil e Portugal. Rio de Janeiro, Letra Capital., 2019bPOLICARPO, Frederico. (2019b), “Compaixão canábica: as dimensões simbólicas e políticas no manejo da dor e do sofrimento no Brasil”. Revista Ingesta, 1, 1:41-52. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2596-3147.v1i1p41-52.), Rezende e Rosa (2023)REZENDE, Daniela Leandro; ROSA, Thamara. (2023). “Regulação do uso medicinal de cannabis no Brasil em nível subnacional: análise de projetos de leis estaduais”, in P. Fraga; L. Rosa; D.L. Rezende. (org.), De maconha à cannabis: entre política, história e moralidades. Juiz de Fora, Editora UFJF.. Temos reconhecido, através destes trabalhos, que as transações com maconha constituem um problema de longa duração no Brasil.

Neste problema não há apenas um ciclo de atenção, o que converge com a própria teoria dos ciclos na história da economia brasileira. Como demonstrou Melo (1969)MELO, Clóvis. (1969), Os ciclos econômicos do Brasil. Rio de Janeiro, Laemmert., desde a chegada de europeus a este território, a ação econômica é observada em ciclos, que, apesar de destacar um ou outro arranjo econômico em cada período, não significa a completa derrocada de uma atividade nos arranjos preponderantes de outros ciclos. O tema é fartamente discutido desde o ensino básico brasileiro, que aponta uma sucessão de ciclos intitulados pela denominação dos produtos que ocuparam o centro da economia em diferentes períodos da nossa história, como o pau-brasil, açúcar, ouro, café etc. A dinâmica socioeconômica, que leva um produto ao ápice de um ciclo econômico, não impõe o fim da atividade com outros produtos.

A dimensão temporal tem grande importância na teoria dos ciclos econômicos, que, desde Schumpeter (1939)SCHUMPETER, Joseph Alois. (1939), Business Cycles. Nova Iorque, McGraw-Hill., costuma ser representada por uma linha sinuosa sobre um eixo horizontal, representando flutuações que o autor denominou de boom, recessão, depressão e recuperação. Desse modo, a representação gráfica dos ciclos econômicos se assemelha mais a ondas do que a ciclos. O desdobramento adaptativo que desenvolvemos visa, por um lado, pluralizar a noção de issue-attention cycle e, por outro, pretende se aproximar de uma representação visual que seja de fato cíclica, com áreas comuns que representem a parcela concêntrica de ciclos diversos.

Em vez de postular, como Downs (1972)DOWNS, Anthony. (1972), “Up and Down with Ecology – the 'Issue-Attention Cycle'”. The Public Interest, 28. 38-50, que cada problema tenha um ciclo próprio, difundimos uma visão pluralista que nos parece potente para tornar perceptível que diversos ciclos podem coexistir em relação a um problema e, sobretudo, eles podem se influenciar mutuamente, conforme tentamos demonstrar ao longo deste trabalho, a partir do caso da maconha no Brasil.

Beneficiamo-nos das pistas lançadas por Hutchinson (1975)HUTCHINSON, Harry William. (1975), “Patterns of marihuana use in Brazil”, in V. Rubin. (org.), Cannabis and Culture. Paris, Mouton. e, também, subscrevemos o entendimento de Downs (1972)DOWNS, Anthony. (1972), “Up and Down with Ecology – the 'Issue-Attention Cycle'”. The Public Interest, 28. 38-50 no que tange à afirmação de que um problema só é publicamente reconhecido quando implica a atenção de parcelas significativas do público a que atinge ou pode vir a atingir. No entanto, distanciamo-nos quanto ao reconhecimento de uma linha evolutiva única que se estenda do reconhecimento do problema à sua solução. Do ponto de vista linguístico, representamos a diferença tratando a questão em termos de “attention cycles” e não “issue-attention cycles”.

3. Ciclos de atenção à maconha no Brasil

Harry William Hutchinson foi um cidadão estadunidense que atuou no Brasil em diferentes circunstâncias. No início dos anos 1940, esteve no nordeste brasileiro como membro da Marinha dos Estados Unidos. Na mesma época, o presidente da recém-criada Comissão Nacional de Fiscalização de Entorpecentes (CNFE) apontava que o lucro relacionado às transações ilegais com maconha havia crescido bastante devido à guerra que levara à instalação temporária no Brasil de estrangeiros de “categoria social mais elevada” que consumiam a planta (Farias, 1943FARIAS, Roberval Cordeiro de. (1943), Relatório apresentado aos senhores membros da Comissão Nacional de Fiscalização de Entorpecentes. Salvador, CNFE.). Mais tarde, formado antropólogo pela Universidade de Columbia, Hutchinson pesquisou com Charles Wagley sobre as relações raciais no Brasil (Hutchinson, 1952HUTCHINSON, Harry William. (1952), “Race relations in a Rural Community of Bahian Reconcavo”, in C. Wagley. (org.), Race and Class in Rural Brazil. Paris, UNESCO.). Em seguida, foi professor na Escola de Sociologia e Política de São Paulo e na Universidade da Bahia. Convidado a participar de colóquio para discutir a maconha no mundo, o antropólogo retornou mais uma vez ao país e investigou diferentes modos de uso desta planta no início dos anos 1970.

A partir da última estadia a que fizemos referência, o antropólogo produziu o texto (Hutchinson, 1975HUTCHINSON, Harry William. (1975), “Patterns of marihuana use in Brazil”, in V. Rubin. (org.), Cannabis and Culture. Paris, Mouton.) que está na base deste artigo. Inicialmente, Hutchinson (1975)HUTCHINSON, Harry William. (1975), “Patterns of marihuana use in Brazil”, in V. Rubin. (org.), Cannabis and Culture. Paris, Mouton. afirma o caráter exótico da planta no país. Em seguida, analisa registros sobre sua presença no território brasileiro em diferentes períodos posteriores à chegada dos europeus ao Novo Mundo. Desse modo, discorre sobre os três primeiros blocos de interesses relativos à maconha no Brasil: economia, medicina, lei e ordem (“law and order”). Experiências posteriores fizeram emergir novos elementos que configuraram mais um ciclo de atenção. Baseado em um ideário libertário, o novo ciclo progressivamente se faz conhecer como antiproibicionista. De modo muito sintético e evitando repetir o que já está documentado nos textos de Brandão (2014aBRANDÃO, Marcílio Dantas. (2014a), “Ciclos de atenção à maconha no Brasil”. Revista da Biologia, 13, 1:1-10. DOI: https://doi.org/10.7594/revbio.13.01.01., 2014bBRANDÃO, Marcílio Dantas. (2014b), “O problema público da maconha no Brasil: anotações sobre quatro ciclos de atores, interesses e controvérsias”. Dilemas, 7, 4:703-740., 2016BRANDÃO, Marcílio Dantas. (2016), “Os ciclos de atenção à maconha e a emergência de um 'problema público' no Brasil”, in E. Macrae; W.C. Alves. (org.), Fumo de Angola: canabis, racismo, resistência cultural e espiritualidade. Salvador, EDUFBA., 2017aBRANDÃO, Marcílio Dantas. (2017a), Dito, feito e percebido: controvérsias, performances e mudanças na arena da maconha. Tese de Doutorado, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris.), evidenciaremos as principais características destes ciclos.

3.1. Ciclo econômico

A planta descrita por Lineu em 1753, sob o nome de Cannabis sativa L., era conhecida dos colonizadores portugueses desde o início de suas aventuras no Novo Mundo (Orta, [1563] 1891ORTA, Garcia da. [1563] (1891). Colóquios dos simples e drogas da İndia. Lisboa, Imprensa Nacional.). Trazida para o Brasil provavelmente no início da colonização, acredita-se que alguns de seus derivados tenham chegado ao atual território nacional nas primeiras naus europeias, cujas velas e cordas eram feitas com fibras de cânhamo (França, 2015FRANÇA, Jean Marcel Carvalho. (2015), História da maconha no Brasil. São Paulo, Três Estrelas.; Pinho, 1975PINHO, Alvaro Rubim de. (1975), “Social and medical aspects of the use of cannabis in Brazil”, in V. Rubin. (org.), Cannabis and culture. Chicago, Mouton. DOI: https://doi.org/10.1515/9783110812060.293.; Robinson, 1996ROBINSON, Rowan. (1996), The great book of hemp. South Paris, Park Street Press.). Nos primórdios da aventura colonialista, a ordem jesuíta contribuiu para a aclimatação da espécie no Novo Mundo.

Os missionários jesuítas cultivaram cannabis neste território visando a produção têxtil, entre o século XVI e sua expulsão em 1759 (Levene, 1952LEVENE, Ricardo. (1952), lnvestigaciones acerca de la Historia economica del Virreinatto Del Plata, vol. II. Buenos Aires, Ateneo.; Miranda Neto, 2010MIRANDA NETO, Manoel José de. (2010), “A utopia possível: uma experiência de desenvolvimento regional, séculos XVII e XVIII”. Revista do IHGB. 171, 447:95-143.; Mott, 1986MOTT, Luiz. (1986). “A maconha na história do Brasil”, in A. Henman; O. Pessoa Jr. (org.), Diamba sarabamba: coletânea de textos brasileiros sobre maconha. São Paulo, Ground.; Wehling, 1979WEHLING, Arno. (1979), Conjuntura portuguesa e ação econômica no Rio Grande do Sul. Simpósio Comemorativo do Bicentenário da Restauração do Rio Grande (1776-1976), Rio de Janeiro, s/d. Disponível em https://ihgrgs.org.br/artigos/membros/Arno%20Wehling%20-%20Conjuntura%20Portuguesa%20e%20A%C3%A7%C3%A3o%20Econ%C3%B4mica%20no%20RS.pdf, consultado em 11/04/2024.
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). No empreendimento religioso, o cultivo se justificava pelo que os jesuítas consideravam uma necessidade: vestir os indígenas. A expulsão desta ordem religiosa foi parte de uma estratégia geopolítica de consolidação do domínio português sobre o atual território brasileiro e gerou a apropriação pela Coroa lusitana dos empreendimentos desenvolvidos na região (Sousa, 1789SOUSA, Luís de Vasconcellos e. (1789), Relação instructiva e circunstanciada para ser entregue ao seu successor. Rio, 20 de agosto.). Os portugueses não suspenderam o cultivo e, ao contrário, tentaram desenvolvê-lo, já que havia o interesse de consolidar a economia colonial neste território então disputado com os espanhóis (Bento, 1992BENTO, Cláudio Moreira. (1992), Real Feitoria do Linhocânhamo do Rincão do Canguçu, 1783-89. Canguçu Velho, Prefeitura Municipal.; Menz, 2005MENZ, Maximiliano. (2005), “Os escravos da Feitoria do Linho Cânhamo: trabalho, conflito e negociação”. Afro-Ásia, 32:139-158. DOI: https://doi.org/10.9771/aa.v0i32.21090.; Wehling, 1979WEHLING, Arno. (1979), Conjuntura portuguesa e ação econômica no Rio Grande do Sul. Simpósio Comemorativo do Bicentenário da Restauração do Rio Grande (1776-1976), Rio de Janeiro, s/d. Disponível em https://ihgrgs.org.br/artigos/membros/Arno%20Wehling%20-%20Conjuntura%20Portuguesa%20e%20A%C3%A7%C3%A3o%20Econ%C3%B4mica%20no%20RS.pdf, consultado em 11/04/2024.
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). Há registros sobre tal cultivo no século XVI e XVII, nos territórios dos atuais estados de Santa Catarina, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Pará, conforme se depreende das análises empreendidas pela administração lusitana (Sousa, 1789SOUSA, Luís de Vasconcellos e. (1789), Relação instructiva e circunstanciada para ser entregue ao seu successor. Rio, 20 de agosto.).

Segundo Menz (2005)MENZ, Maximiliano. (2005), “Os escravos da Feitoria do Linho Cânhamo: trabalho, conflito e negociação”. Afro-Ásia, 32:139-158. DOI: https://doi.org/10.9771/aa.v0i32.21090., Portugal cultivava a planta neste território para reduzir importações que fazia da Espanha, França e Rússia. No entanto, Wehling (1979)WEHLING, Arno. (1979), Conjuntura portuguesa e ação econômica no Rio Grande do Sul. Simpósio Comemorativo do Bicentenário da Restauração do Rio Grande (1776-1976), Rio de Janeiro, s/d. Disponível em https://ihgrgs.org.br/artigos/membros/Arno%20Wehling%20-%20Conjuntura%20Portuguesa%20e%20A%C3%A7%C3%A3o%20Econ%C3%B4mica%20no%20RS.pdf, consultado em 11/04/2024.
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e Bento (1992)BENTO, Cláudio Moreira. (1992), Real Feitoria do Linhocânhamo do Rincão do Canguçu, 1783-89. Canguçu Velho, Prefeitura Municipal. também postulam que a iniciativa podia ser um esforço de povoamento e consolidação de domínios portugueses no Sul da América. As fibras da planta eram a principal matéria-prima na indústria têxtil da época (Herer, 1985HERER, Jack. (1985). The emperor wears no clothes. Van Nuys, Ah Ha Publishing.; Pinho, 1975PINHO, Alvaro Rubim de. (1975), “Social and medical aspects of the use of cannabis in Brazil”, in V. Rubin. (org.), Cannabis and culture. Chicago, Mouton. DOI: https://doi.org/10.1515/9783110812060.293.; Robinson, 1996ROBINSON, Rowan. (1996), The great book of hemp. South Paris, Park Street Press.). Assim, a continuidade do incentivo lusitano se espalhou, alcançando, por exemplo, o atual estado de São Paulo, a “4 de agosto de 1785, [quando] o Vice-Rei enviava carta ao chefe do governo pedindo esforços no sentido de promover o cultivo do cânhamo [... e] remetia ao porto de Santos dezesseis sacos com 39 alqueires de sementes desse vegetal”. (Fonseca, 1994, pFONSECA, Guido. (1994), O submundo dos tóxicos em São Paulo: séculos XVIII, XIX e XX. São Paulo, Resenha Tributária.. 16)

Em seguida, o sucesso da aplicação têxtil de outras fibras naturais, como o algodão, contribuiu para uma significativa redução da atenção econômica à planta. No início do século XX, a criação de tecidos sintéticos, como o náilon, consolidou a derrocada da indústria têxtil de cânhamo, apesar da notável exceção durante a 2ª Guerra Mundial (Evans, 1942EVANS, Raymond. (1942), Hemp for Victory. Curta-metragem produzido pelo Departamento de Agricultura do Governo dos Estados Unidos.) e de uma recente retomada desses interesses devido às particularidades do produto.

3.2. Ciclo médico-científico

A substituição na indústria têxtil por outras espécies fez com que o entusiasmo econômico pelo cânhamo se reduzisse bastante no século XIX, mas a planta já estava aclimatada no atual território nacional e os seus usos já haviam se difundido (Tschudi, [1840] 1953TSCHUDI, Johan Jakob. [1840] (1953), Viagem às Províncias do Rio de Janeiro e São Paulo. São Paulo, Livraria Martins Editora.). Em adição a tais mudanças, o Brasil recebera uma nova tendência médica nas primeiras décadas do XIX: a homeopatia. Este segmento da medicina afirmou, desde seus primórdios, que a maconha tinha valores terapêuticos e deu início ao ciclo de atenção médico-científica que inaugurou as controvérsias e disputas sobre utilidades e riscos desta planta para a saúde humana. Este ciclo se estrutura em dois polos, sendo um propulsor da ideia de remédio e outro organizado em torno de noções como degeneração, vício e doença. A história dessa intriga se funde e confunde com a contenda entre duas vertentes da medicina: homeopatia e alopatia, bem analisada nos Estados Unidos por Abbott (1988)ABBOTT, Andrew. (1988), The system of Professions – an essay on the division of expert labor. Chicago, Chicago University Press. e no Brasil por Luz (1996)LUZ, Madel Terezinha. (1996), Arte de curar versus a ciência das doenças: história social da homeopatia no Brasil. São Paulo, Dynamis..

Um dos personagens de destaque da primeira vertente deste ciclo foi Alexandre José de Mello Moraes, que recomendou o emprego da planta no tratamento de catarata, amaurose, catarro, gonorreia, impotência, dores nos rins, retenção da urina e espasmos (Moraes, 1881MORAES, Alexandre José de Mello Moraes. (1881), Phytografia ou Botânica Brasileira Applicada à Medicina, às Artes e à Indústria. Rio de Janeiro, Garnier.). Contudo, a trajetória pessoal de Moraes não favoreceu seu reconhecimento, como analisamos detidamente em Brandão (2017aBRANDÃO, Marcílio Dantas. (2017a), Dito, feito e percebido: controvérsias, performances e mudanças na arena da maconha. Tese de Doutorado, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris., 2023BRANDÃO, Marcílio Dantas. (2023), “A maconha na jurisdição médica brasileira”, in P. Fraga; L. Rosa; D. Rezende. (org.), De maconha à cannabis: entre política, história e moralidades. Juiz de Fora, Editora UFJF.). Empregando tradicionalmente ervas no tratamento de seus pacientes, esse médico foi um grande entusiasta da homeopatia e passou a difundir esta especialidade das ciências médicas. Eleito presidente do Instituto Homeopático do Brasil em 1851 (Instituto Homeopático do Brasil, 2013INSTITUTO HOMEOPÁTICO DO BRASIL. (2013), Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1970).), Moraes publicou vasta obra médica e historiográfica, além de ter editado o periódico intitulado “Médico do Povo” (Nava, 2003NAVA, Pedro. (2003), Capítulos da história da medicina no Brasil. Cotia, Ateliê Editorial; Londrina, Eduel; São Paulo, Oficina do Livro Rubens Borba de Moraes.) e publicado diversos folhetos visando à difusão da homeopatia iniciada pelo alemão Samuel Hahnemann, que no primeiro compêndio sobre o tema registrou 330 sintomas e efeitos da planta no organismo humano (Hahnemann, [1834]HAHNEMANN, Samuel. [1834] (1921), Materia Medica Pura. Nova Delhi, B. Jain Publishers. 1921).

Assim, a cannabis teve grande importância na farmacopeia homeopática, além de longo emprego nos primórdios da medicina brasileira, como reconhecem autoridades médicas recentes, como Carlini (2005)CARLINI, Elisaldo Araújo. (2005), “A história da maconha no Brasil”, in E.A. Carlini; E. Rodrigues; J.C.F. Galduróz. (org.), Cannabis sativa L. e substâncias canabinóides em medicina. São Paulo, CEBRID., atualmente reconhecido como “um dos maiores especialistas mundiais em maconha terapêutica” (Ribeiro, 2023, pRIBEIRO, Sidarta. (2023), As flores do bem – A ciência e a história da libertação da maconha. São Paulo, Fósforo Editora.. 20). Contudo, os métodos homeopáticos eram muito criticados pelos alopatas, que não descansaram até alcançar uma difamação capaz de deter a homeopatia.

Dispostos a usar de tudo contra seus concorrentes, os alopatas, devidamente representados na Academia Imperial de Medicina, levantaram a hipótese de que o fourierista fundador do Instituto Homeopático do Brasil, o francês Benoit Mure, estivesse envolvido com uma conspiração comunista para depor o Imperador. A acusação precipitou a extradição de Mure para a Europa em 1848 e difamou a homeopatia que, apesar dos esforços de figuras como Alexandre José de Mello Moraes, impossibilitou que esta subdivisão da medicina retomasse a confiança que o Estado tinha lhe concedido inicialmente. Assim, os conhecimentos homeopáticos foram excluídos da jurisdição médica por mais de um século, até o reconhecimento legal desta especialidade no Brasil nos anos 1970 (Luz, 1996LUZ, Madel Terezinha. (1996), Arte de curar versus a ciência das doenças: história social da homeopatia no Brasil. São Paulo, Dynamis.).

Apesar da ampla difusão e da importância para a economia e a homeopatia, muitos textos escritos no Brasil sobre essa planta, na primeira metade do século XX, omitiram ou negaram esses fatos, referindo-se à maconha como se fosse uma espécie clandestinamente importada por escravos africanos para uso entorpecente. O médico brasileiro José Rodrigues da Costa Dória participou em 1915 do 2° Congresso Científico Pan-Americano, realizado em Washington. Na ocasião, apresentou o trabalho intitulado “Os fumadores de maconha. Efeitos e males do vício” (Dória, [1915] 1958), texto frequentemente mencionado como o primeiro estudo de caráter científico produzido no Brasil para tratar dos efeitos desta planta para a saúde humana. O documento apresenta o ato de fumar maconha como um vício pernicioso e degenerativo, que representa uma vingança dos negros para com seus “irmãos brancos, mais avançados em civilização” (Dória, [1915] 1958). Os argumentos do autor se coadunam com a doxa científica da época, pormenorizadamente analisada por Schwarcz (1993)SCHWARCZ, Lilia. (1993), O espetáculo das raças. Cientistas, instituições e questão racial no Brasil, 1870-1930. São Paulo, Cia. das Letras., segundo a qual a “raça branca” era tomada como geneticamente superior.

Apesar de enumerar aplicações na medicina popular, Dória não mencionou a importação corrente de medicamentos europeus à base de maconha em épocas anteriores à publicação de seu trabalho. Ao contrário, omitiu a literatura homeopática e contestou a existência de efeitos terapêuticos positivos que decorressem da aplicação da planta e seus derivados em tratamentos de saúde humana. Negando aplicações industriais no país, afirmou que o consumo se concentrava no Norte e se dava principalmente entre negros, índios e mestiços pertencentes a camadas sociais “baixas”. Segundo o autor, os que utilizavam a planta por meio do fumo ou de efusões buscavam alucinações, excitação, sorte, bem-estar e felicidade que, em caso de uso abusivo, poderiam se reverter em depressão das funções nervosas. Como possíveis efeitos, mencionou: delírios, loucura, agressividade e violência. Tendo uma trajetória de grande prestígio científico e político, podemos afirmar que Dória desenvolveu uma carreira profissional respaldada pelo Estado e reconhecida pelas principais autoridades científicas de sua época. Deste modo, suas ideias sobre maconha foram muito bem recebidas e podemos afirmar que ele fundou o segundo polo do ciclo de atenção médico-científica à maconha no Brasil, marcando até hoje forte influência nos estudos nacionais sobre o tema.

3.3. Ciclo da lei e ordem

A segunda vertente do ciclo de atenção médico-científica à maconha no Brasil se destaca não apenas nos estudos e práticas de cuidados relativos à saúde, mas também na política e legislação. Um dos principais remédios que os médicos da primeira metade do século XX receitaram para este problema no país foi um remédio jurídico: proibir qualquer transação com a planta ou seus derivados no território nacional. Eles foram além e influenciaram a adoção de medidas proibitivas também em outros países.

Lucena (1934)LUCENA, José. (1934), “Os fumadores de maconha em Pernambuco”. Arquivos da Assistência a Psicopatas de Pernambuco, 4, 1:53-96. e Carlini (2005)CARLINI, Elisaldo Araújo. (2005), “A história da maconha no Brasil”, in E.A. Carlini; E. Rodrigues; J.C.F. Galduróz. (org.), Cannabis sativa L. e substâncias canabinóides em medicina. São Paulo, CEBRID. destacam o papel de médicos brasileiros nas primeiras conferências internacionais sobre drogas, que estabeleceram a proibição em diversas partes do mundo a partir do início do século XX. Assim, em que pese o fato de diversas transações com a planta já serem proscritas em feiras nordestinas desde o século XIX (Dória, [1915] 1958DÓRIA, José Rodrigues da Costa. (1958), “Os fumadores de maconha: effeitos e males do vício”, in R.F. do Brasil; (org.), Maconha, coletânea de trabalhos brasileiros. 2a edição. Rio de Janeiro, Ministério da Saúde.), no Rio de Janeiro desde 1830, Santos em 1870 e Campinas em 1876 (Vidal, 2009VIDAL, Sérgio. (2009). “A regulamentação do cultivo de maconha para consumo próprio: uma proposta de redução de danos”, in A. Nery Filho; E. MacRae; L.A. Tavares; M. Rêgo. (org.), Toxicomanias: incidências clínicas e socioantropológicas. Salvador, EDUFBA.), os acordos internacionais contribuíram para consolidar a proibição de transações com drogas no Brasil.

Na Segunda Conferência Internacional sobre o Ópio, finalizada em fevereiro de 1925, um médico brasileiro declarou que a maconha era “mais perigosa que o ópio” e solicitou sua inclusão na classificação internacional de entorpecentes, segundo Lucena (1934)LUCENA, José. (1934), “Os fumadores de maconha em Pernambuco”. Arquivos da Assistência a Psicopatas de Pernambuco, 4, 1:53-96.. Este médico foi Pedro Pernambuco Filho, que, ainda segundo Lucena (1934)LUCENA, José. (1934), “Os fumadores de maconha em Pernambuco”. Arquivos da Assistência a Psicopatas de Pernambuco, 4, 1:53-96., teria afirmado haver tratado mais de uma centena de viciados e sua autoridade de profissional experiente não teria sido questionada na Conferência. O país estava então sendo apresentado internacionalmente como grande consumidor de maconha. O interesse inicial de produzir e beneficiar cânhamo para contribuir na consolidação de domínios coloniais e no desenvolvimento econômico, já suplantado pelo risco de degenerar a raça brasileira, passava à condição de problema de saúde que alguns médicos afirmavam poder tratar.

Como já sinalizamos, um dos principais remédios propostos pelos médicos à época foi a proibição. Assim, o país influenciou a emergência internacional do proibicionismo e, especificamente em relação à maconha, estendeu a proibição para todo o território nacional antes de muitos outros países, em 1932 (Brasil, 1932BRASIL. (1932), Decreto 20.930 de 11 de janeiro. Disponível em <https://legislacao.presidencia.gov.br/>, consultado em 11/04/ 2024.
https://legislacao.presidencia.gov.br/...
). A Comissão Nacional de Fiscalização de Entorpecentes (CNFE) foi criada em 1936 para, conforme indica um relatório de seu primeiro presidente (Farias, 1943FARIAS, Roberval Cordeiro de. (1943), Relatório apresentado aos senhores membros da Comissão Nacional de Fiscalização de Entorpecentes. Salvador, CNFE.), coibir, notadamente, transações com maconha. Vale ressaltar que este primeiro presidente foi o médico Roberval Cordeiro de Farias, consensualmente aceito pelos oficiais militares que se ocupavam das relações exteriores e pelos médicos que comandavam a área de saúde do então Ministério da Educação e Saúde. Depois de chefiar por muitos anos a CNFE, Farias passou a dirigir o Departamento Nacional de Saúde e assumiu interinamente o comando do referido Ministério, em 1946, durante o governo Dutra.

A materialização dos esforços deste ciclo em ações governamentais de âmbito federal e dos estados brasileiros consolidou uma política de repressão na primeira metade do século XX. O objetivo explícito era cuidar da saúde da população, mas na prática esta política se concentrou em ações de cunho policial de erradicação de plantios e perseguição de envolvidos com essas transações que não tinham grande poder econômico (Carvalho, 2013CARVALHO, Jonatas Carlos de. (2013), Regulamentação e criminalização das drogas no Brasil: A Comissão Nacional de Fiscalização de Entorpecentes - 1936-1946. Rio de Janeiro, Editora Multifoco.; Fraga et al., 2020FRAGA, Paulo; MARTINS, Rogéria; RODRIGUES, Luzania. (2020), “Discursos sobre a maconha na imprensa brasileira na primeira metade do Século XX”. Teoria e Cultura, 15, 2:28-43.; Rosa, 2019ROSA, Lilian da. (2019), Terra e ilegalidade: agricultura de maconha em Alagoas e Pernambuco (1938-1981). Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.). Fraga et al. (2020)FRAGA, Paulo; MARTINS, Rogéria; RODRIGUES, Luzania. (2020), “Discursos sobre a maconha na imprensa brasileira na primeira metade do Século XX”. Teoria e Cultura, 15, 2:28-43., pesquisando jornais brasileiros da primeira metade do século XX, demonstram a influência que as narrativas das polícias sobre a maconha e seus usuários tiveram na construção da relação entre maconha e violência. As matérias jornalísticas policiais, por serem construídas segundo a descrição da polícia sobre os fatos, foram muito importantes para consolidar a repressão.

3.4. Ciclo antiproibicionista

Manejando referências de muitos outros ciclos, dando-lhes novos sentidos, negando-lhes ou ratificando-lhes, os sujeitos envolvidos no ciclo antiproibicionista defendem a regulação estatal de transações como produção, beneficiamento e circulação de maconha. Quanto ao consumo, geralmente se mostram liberais, demonstrando uma perspectiva de direito que empodera o indivíduo no governo de seu próprio corpo.

Não havendo um ato de criação que marque a origem deste novo ciclo, vale dizer que ele começa a se desenhar em meio às medidas restritivas de liberdade que caracterizaram a ditadura iniciada no país em 1964. Frente aos limites impostos pelo governo militar, alguns usuários de maconha fizeram desta droga um emblema da luta por respeito às liberdades individuais e coletivas, como atesta o testemunho do professor Salinas Fortes, da Universidade de São Paulo (USP), em referência ao período:

Como rigorosos militantes, fumávamos desbragadamente todos os dias, da aurora ao crepúsculo, do banheiro à cozinha, da mesa à cama, da roupa à nudez, cavalgando em loucura nossos sonhos visionários. Militantes rigorosos e corajosos em contestação permanente, cada fósforo aceso como ato de protesto contra tudo e todos. Na verdade, dávamos prosseguimento, da forma possível, às fracassadas tentativas de existência e organização política de toda uma geração. Prosseguíamos no mesmo combate, transfigurando-o (Fortes, [1988]FORTES, Luiz Roberto Salinas. [1988] (2012), Retrato calado. São Paulo, Cosac Naify. 2012, p. 94).

A prática de fumar maconha, relatada como um meio de resistência cultural de afro-brasileiros (Freyre, 1937FREYRE, Gilberto. (1937), Nordeste. Rio de Janeiro, José Olympio.) e indígenas (Henman, 1980HENMAN, Anthony. (1980), “War on drugs is war on people”. The Ecologist, 10, 8-9:282-289.; Wagley e Galvão, 1949WAGLEY, Charles; GALVÃO, Eduardo. (1949), The tenetehara Indians of Brazil: a culture in transition. Nova Iorque, Columbia University Press.), manteve-se sob o ideário ao qual Gilberto Freyre a tinha associado de forma pioneira, contudo passou a envolver diferentes classes sociais. O que foi considerado como prática de pessoas pobres concentradas no Nordeste, se difundiu entre camadas médias da população de diversas regiões (Cavalcanti, 1998CAVALCANTI, Bruno Cesar. (1998), Dançadas e bandeiras: um estudo do maconhismo popular no nordeste do Brasil. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Pernambuco, Recife.; Macrae e Simões, 2000MACRAE, Edward John Baptista das Neves; SIMÕES, Júlio Assis. (2000), Rodas de fumo: o uso da maconha entre camadas médias. Salvador, EDUFBA.; Velho, 1975VELHO, Gilberto. [1975] (2008), Nobres e anjos: um estudo de tóxico e hierarquias. São Paulo, FGV.). Entretanto, vale relembrar que, até o início do século XXI, a maior parte dos detidos pelo envolvimento com essas transações continuam a ser homens, jovens, negros e pobres (Boiteux e Pádua, 2013BOITEUX, Luciana; PÁDUA, João Pedro. (2013), A desproporcionalidade da lei de drogas: os custos humanos e econômicos da atual política do Brasil. Rio de Janeiro, Coletivo de Estudos Drogas e Direito (CEDD).).

Apesar da relativa limitação do símbolo de resistência cultural ou política da maconha na sociedade brasileira, a associação da planta a esse tipo de resistência indica que a controvérsia ultrapassou os círculos econômicos e médicos. De forma conflituosa, sob a ditadura militar, o debate se ampliou para diferentes setores da sociedade, quer fossem favoráveis ou contrários. Muitas formas de expressar opinião se somaram às discussões, mais atores passaram a falar de maconha para audiências cada vez maiores, outras ciências passaram a se interessar. Assim, as táticas e estratégias que os militares utilizaram para reprimir tiveram o efeito adverso de estimular resistências e contribuir para o crescimento da atenção à maconha, bem como impulsionaram a diversificação dos discursos e dos sujeitos interessados pelo tema. Os consumidores de maconha não foram somente pacientes das alterações que a sociedade produzia sobre sua imagem, mas disputaram uma concepção de si como resistentes ao contexto opressivo, algo que a descrição de Fortes ([1988] 2012)FORTES, Luiz Roberto Salinas. [1988] (2012), Retrato calado. São Paulo, Cosac Naify. retrata de modo exemplar.

Os estudos e publicações de cientistas sociais sobre o tema se multiplicaram após o governo militar. O interesse se consolidara nas Ciências Sociais dos anos 1980, como atesta uma significativa lista de estudos (Adiala, 1986ADIALA, Júlio César. (1986), O problema da maconha no Brasil: ensaio sobre racismo e drogas. Rio de Janeiro, IUPERJ.; Henman, 1980HENMAN, Anthony. (1980), “War on drugs is war on people”. The Ecologist, 10, 8-9:282-289.; Maggie, 1985MAGGIE, Yvonne. (1985), “Ocidente, maconha e misticismo”, in M. Sabina. (org.), Maconha em debate. São Paulo, Brasiliense.; Misse, 1985MISSE, Michel. (1985), “Sociologia e criminalização”, in M. Sabina. (org.), Maconha em debate. São Paulo, Brasiliense.; Pessoa Junior, 1986PESSOA JUNIOR, Osvaldo. (1986), “A liberação da maconha no Brasil”, in A. Henman; O. Pessoa Jr. (org.), Diamba sarabamba: coletânea de textos brasileiros sobre maconha. São Paulo, Ground.; Ronca, 1987RONCA, Paulo Afonso Caruso. (1987), Com-vivendo-com-a-maconha. São Paulo, Moraes.; Velho, 1985VELHO, Gilberto. (1985), “O consumo da cannabis e suas representações culturais”, in M. Sabina. (org.), Maconha em debate. São Paulo, Brasiliense.), mas o receio de prejudicar as pessoas envolvidas em transações com maconha postergava algumas publicações, como a tese de Gilberto Velho, defendida em 1975 e publicada somente em 1998 (Velho, [1975] 2008VELHO, Gilberto. [1975] (2008), Nobres e anjos: um estudo de tóxico e hierarquias. São Paulo, FGV.).

No contexto de derrocada da ditadura e publicização de inúmeros debates, a Associação Brasileira de Antropologia, interpelada por Luiz Mott, em 1984, aprovou por unanimidade “a criação de um grupo de trabalho específico que reunia pesquisadores interessados em discutir e divulgar trabalhos sobre o uso da Cannabis” (Macrae e Simões, 2000, pMACRAE, Edward John Baptista das Neves; SIMÕES, Júlio Assis. (2000), Rodas de fumo: o uso da maconha entre camadas médias. Salvador, EDUFBA.. 111). Na ocasião, Mott apontou o fumo de maconha como sendo uma “prática tradicional” para diversos segmentos da sociedade, tanto em zonas rurais quanto urbanas (Mott, 1986MOTT, Luiz. (1986). “A maconha na história do Brasil”, in A. Henman; O. Pessoa Jr. (org.), Diamba sarabamba: coletânea de textos brasileiros sobre maconha. São Paulo, Ground.). Embora de forma menos expressiva, pode-se afirmar que alguns atores do campo jurídico também se debruçaram sobre o tema à época (Batista, 1985BATISTA, Nilo. (1985), “A penalização do prazer”, in M. Sabina. (org.), Maconha em debate. São Paulo, Brasiliense.; Costa, 1985COSTA, Álvaro Mayrink. (1985), “Da necessidade de reformar as leis”, in M. Sabina. (org.), Maconha em debate. São Paulo, Brasiliense.; Silva, 1985SILVA, Técio Lins e. (1985). “A maconha e a lei”, in M. Sabina. (org.), Maconha em debate. São Paulo, Brasiliense.; Toron, 1986TORON, Alberto Zacharias. (1986), “Alguns Aspectos Sócio-Jurídicos da Maconha”, in A. Henman; O. Pessoa Jr. (org.), Diamba sarabamba: coletânea de textos brasileiros sobre maconha. São Paulo, Ground.).

Assim, foram se fortalecendo as condições de reivindicar alterações nas normas legais e sociais relativas à maconha no país. Segundo Valença (2010), aVALENÇA, Tom. (2010), Consumir e ser consumido, eis a questão! (parte II) outras configurações entre usuários de drogas numa cultura de consumo. 2010. 230. Tese de Doutorado, Universidade Federal da Bahia, Salvador. primeira manifestação pública pela descriminalização da maconha no Brasil ocorreu em 1976, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Ademais:

Ainda no final dessa década [1970], estudantes de Ciências Sociais da UFRJ editaram o jornal de teor antiproibicionista, O Patuá. Também foi emblemático o Primeiro Manifesto Brasileiro pela Legalização da Cannabis que ocorreu na Faculdade de Filosofia da PUC de São Paulo, no começo da década de 80, assim como o Primeiro Simpósio Carioca de Estudos sobre a Maconha, o “Maconha em Debate”, que teve curso no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ [em 1983] (Valença, 2010, pVALENÇA, Tom. (2010), Consumir e ser consumido, eis a questão! (parte II) outras configurações entre usuários de drogas numa cultura de consumo. 2010. 230. Tese de Doutorado, Universidade Federal da Bahia, Salvador.. 291).

A origem dessa reivindicação de mudança também deve considerar a atuação da troça carnavalesca denominada “Segura a Coisa” que, desde o mesmo ano de 1976 (Cavalcanti, 1998CAVALCANTI, Bruno Cesar. (1998), Dançadas e bandeiras: um estudo do maconhismo popular no nordeste do Brasil. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Pernambuco, Recife.), organiza sua denúncia de modo festivo durante a folia momina na cidade de Olinda. Porém, a ação desenvolvida em alguns campi universitários parece ser, de fato, a primeira demonstração de ação pública coordenada que acontece, simultaneamente, em diferentes lugares do país para marcar posição favorável à abolição de penas para transações com maconha. Os eventos referidos por Valença (2010)VALENÇA, Tom. (2010), Consumir e ser consumido, eis a questão! (parte II) outras configurações entre usuários de drogas numa cultura de consumo. 2010. 230. Tese de Doutorado, Universidade Federal da Bahia, Salvador. demonstram a efetiva presença de antiproibicionistas atuando de modo articulado no interior de universidades brasileiras, boa parte deles engajados no movimento estudantil.

Foram apenas poucos anos para que as manifestações ultrapassassem carnavais, artes e ciências, saindo do interior das universidades para ruas e outros logradouros públicos. Em meio aos atos de reivindicação de mudanças, consolidou-se um ciclo de atenção menos restritivo às transações com maconha. Inicialmente muito restrito à maconha, este ciclo antiproibicionista se amplia para outras transações (Brandão, 2020BRANDÃO, Marcílio Dantas. (2020), “Do lugar de maconheiro ao corredor dos movimentos sociais: a Marcha da Maconha em Recife”. Teoria e Cultura, 15, 2:74-91.). Alguns profissionais da imprensa contribuíram para a emergência deste ciclo, como demonstrou Brandão (2017a)BRANDÃO, Marcílio Dantas. (2017a), Dito, feito e percebido: controvérsias, performances e mudanças na arena da maconha. Tese de Doutorado, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris.. Também ligadas à ampliação do debate antiproibicionista, conforme analisou Policarpo (2019a)POLICARPO, Frederico. (2019a), “O debate em torno da maconha no Brasil: um breve panorama das controvérsias e disputas atuais”, in P. Fraga; M.C. Carvalho. (org.), Drogas e Sociedade: estudos comparados Brasil e Portugal. Rio de Janeiro, Letra Capital., têm surgido associações canábicas em nosso país, como a Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace), Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal (Apepi), Associação de Cannabis e Saúde (Cultive) e outras criadas nos anos 2010.

4. Influências mútuas e continuidade simultânea

Esperamos ter demonstrado que a diversificação de interesses pela maconha foi marcada por várias formas de contestação. As transações com a planta ou seus derivados permanecem, desde 1932, como contravenção às leis, mas perderam muito da imagem revolucionária a que o professor Fortes (1988)FORTES, Luiz Roberto Salinas. [1988] (2012), Retrato calado. São Paulo, Cosac Naify. fazia referência. Ao longo destas mudanças, nos parece provável que, assim como indica Becker (1963)BECKER, Howard. (1963). Outsiders: Studies in the Sociology of Deviance. Nova Iorque, The Free Press. para o caso estadunidense, os policiais brasileiros tenham passado a considerar este como um problema menor e menos importante do que muitos outros sobre os quais precisam atuar. Assim, gradualmente a pressão policial para fazer cumprir as normas que impedem as transações com esta droga foram se reduzindo, a “luta contra os fumadores de maconha” foi perdendo vigor ao final da Ditadura Militar e a repressão foi concreta e progressivamente limitada a situações em que se identifica a “perturbação da ordem pública” ou o “tráfico”. Mesmo que a configuração das situações de perturbação da ordem pública ou tráfico dependa da interpretação feita primeiramente por agentes da ordem (policiais) e, em última instância, pelos interpretadores oficiais da lei (juízes), atualmente é razoável postular que as transações com maconha em muitas grandes cidades brasileiras se aproximaram do que Goffman (1971)GOFFMAN, Erving. (1971), Relations in Public. Nova Iorque, Basic Books. denomina de “aparência normal”.

No contexto em que o consumo desta droga deixou de simbolizar uma grave transgressão no Brasil, surgiu um movimento internacional em defesa de transações com maconha. Tal movimento, intitulado Movimento Marcha da Maconha, reivindica não somente mudanças legislativas, mas também alteração de normas sociais. Apoiando-se na afirmação do direito à livre expressão e explicitamente inserido no quadro de ação que caracterizou o início do ciclo antiproibicionista no Brasil, este movimento surgiu no país no início dos anos 2000, poucos anos depois de sua criação nos Estados Unidos no final dos anos 1990. No esforço para destacar a legalidade de sua causa, os agentes deste movimento materializam o ciclo antiproibicionista, destacam sua própria diversidade, empregam novos argumentos do ciclo médico-científico, bem como seguem atores da esfera da lei e da ordem que estão convertendo o ciclo securitário em termos legalistas que reconhecem e asseguram direitos relativos à maconha. Neste processo, reverte-se o estigma de maconheiro em razão de orgulho (Brandão, 2017bBRANDÃO, Marcílio Dantas. (2017b), “Em Marcha: maconha e a reversão de um estigma”. Praça, 1, 1:47-69.). Por fim, os marchadores da maconha consideram também a dimensão econômica como algo útil para destacar o efeito benéfico desta planta, que pode atingir altos níveis de produtividade em condições de ambiente natural em várias partes do Brasil, notadamente no Nordeste, que é uma das regiões mais empobrecidas no território nacional.

Pelo exposto até aqui, podemos afirmar que na contemporaneidade brasileira todas as características que deram origem aos diferentes ciclos de atenção em relação à maconha nacional continuam operantes. A renovação das hipóteses de benefícios terapêuticos, econômicos e sociais contribuiu para consolidar o mais recente dos ciclos que estudamos e apresentamos sob a denominação antiproibicionista.

Além de destacar que atualmente operam simultaneamente os vários elementos que caracterizaram os quatro ciclos de atenção à maconha no Brasil, também argumentamos que estes elementos se influenciam mutuamente. Para sustentar esta argumentação, discutimos nos próximos tópicos a relevância da argumentação médica em processos judiciais, que têm garantido o direito ao tratamento com derivados de maconha para pessoas que precisam dele, assim como demonstramos a preponderância de argumentos de lei e ordem no processo legislativo nacional, visando alterar normas sobre o tema, notadamente analisando o PL 399/2015. Em ambos os processos, elementos de todos os ciclos estão presentes, apesar de uma relativa preponderância da argumentação médico-científica.

5. Processos judiciais

Na última década, observamos mudanças nas transações com maconha no âmbito judicial. Anteriormente, a maconha só aparecia neste meio enquadrada como “droga ilegal”, dando materialidade jurídica ao crime de “tráfico”. Em particular, nas grandes operações policiais quando toneladas de tabletes da maconha são apreendidos e fotografados para veiculação em mídias diversas, servindo para justificar a proibição e criminalização da planta. Entretanto, a partir de 2010, surge uma nova forma de transação com maconha no sistema de justiça nacional. Esta novidade articula de modo pioneiro elementos dos diferentes ciclos, sob premissas características do antiproibicionismo.

A inovação consiste, em primeiro lugar, em levar a sério os avanços no próprio campo médico-científico a respeito da maconha. Mesmo que a planta ainda seja proibida no país, os efeitos clínicos do uso terapêutico de maconha e de alguns de seus derivados diretos são tão evidentes que mães e pais de crianças com indicação médica resolveram agir. Tomando conhecimento dos efeitos surpreendentes do uso do óleo de maconha para conter crises epilépticas em crianças nos EUA e no Chile, famílias brasileiras enfrentaram o estigma e os riscos da criminalização e começaram a importar, de modo clandestino, derivados da planta. O sucesso no controle das crises de convulsão se repetiu no Brasil. Em seguida, médicos começaram a prescrever e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária se viu obrigada a flexibilizar as normas de importação dos derivados da planta.

A venda em farmácias nacionais se iniciou com a reclassificação dos dois principais canabinoides presentes na planta. Primeiramente, o CBD foi reclassificado em 2014, e o THC, em 2016. A maconha vai deixando, assim, de ser vista exclusivamente como uma droga que causa uma doença e volta a ganhar um sentido positivo, o de “remédio/medicamento” ligado à saúde humana. A substância vai deixando de ser considerada como algo estritamente patológico e volta a ser, também, vista como saudável e benéfica.

No presente, recarregada do sentido legitimado e autorizada pela prescrição médica, a maconha passa a demandar um novo enquadramento legal. Apesar da continuidade da associação da planta com o “tráfico” ainda fazer parte de muitas ações no âmbito judiciário, o acesso à maconha tem sido cada vez mais formulado como um “direito”, e não como “crime”. A postulação desse direito se justifica por questões de saúde (Policarpo e Martins, 2020POLICARPO, Frederico; MARTINS, Luana. (2020), “Dignidade, doença e remédio: Uma análise da construção médico-jurídica da maconha medicinal”. Antropolítica, 47:143-166. DOI: https://doi.org/10.22409/antropolitica2019.0i47.a42013.). Cria-se, assim, a figura do “paciente canábico” e da “maconha medicinal”.

Os efeitos do óleo da maconha foram tão marcantes para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes, que também provocaram novas relações sociais. A burocracia da importação, por um lado, e o alto custo do óleo, por outro, além da inércia do Congresso Nacional em criar uma regulamentação clara e definitiva, contribuíram de modo decisivo para que famílias de pacientes se organizassem junto aos militantes, fazendo emergir as chamadas “associações canábicas” (Zanatto, 2016ZANATTO, Rafael. (2016). “Maconha e Associativismo: modelo para o Brasil?”, in C. Dar; C.S. Ameni; H. Albuquerque; M. Beloni. (org.), Dichavando o poder: drogas e autonomia. São Paulo, Autonomia Literária.).

Essas associações reúnem pacientes e seus familiares, médicos, advogados, pesquisadores e militantes que, juntos, realizam uma série de atividades, públicas e privadas, em torno da maconha. Nas ações públicas dessas associações, seus membros participam de audiências legislativas, da Marcha da Maconha, de eventos acadêmicos e de entrevistas e debates com o objetivo de discutir os obstáculos ao acesso à maconha, além de problematizar a lógica proibitiva que impera sobre estas transações. Já em suas ações privadas, no cotidiano de seus membros, as associações promovem o acolhimento de recém-chegados, compartilham informações sobre dosagem e outros aspectos técnicos do uso de maconha para fins terapêuticos, discutem sobre os variados derivados da maconha, os efeitos clínicos esperados, as possíveis interações com outros produtos e medicamentos, enfim, socializam um conhecimento criterioso sobre a relação com a planta, que é exclusivo desses espaços.

Além disso, há um aspecto prático fundamental no cerne das associações, que é garantir o acesso à maconha. Como o cultivo continua proibido no país, as associações tiveram que “ir à Justiça” reivindicar o direito ao cultivo para seus membros. Em 2017, a Abrace, da Paraíba, se tornou a primeira associação canábica com aval judicial para produzir e distribuir maconha para seus membros a um custo muito menor que o dos produtos importados. Outras associações estão trilhando o mesmo percurso nos últimos anos, apesar das decisões autorizativas continuarem a ser contestadas em diferentes instâncias judiciais.

As associações canábicas ampliaram o acesso, conseguindo produzir derivados da planta mais baratos que os importados e disponíveis em farmácias, todavia o custo desses produtos continua sendo um obstáculo. Em média, o tratamento com os derivados se eleva a alguns milhares de reais de despesa mensal, dependendo da dosagem e da qualidade do extrato. Por conta disso, uma nova estratégia jurídica vem se estabelecendo: pacientes e familiares, através de pedidos de habeas corpus, têm recorrido à Justiça para reivindicar não apenas o uso, mas o próprio cultivo da maconha, possibilitando a redução dos custos de administração do remédio que precisam. Muitos desses habeas corpus vêm recebendo decisões favoráveis em Tribunais de Justiça de diferentes estados do país. A estimativa, de acordo com juristas da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas (REFORMA), que são nossos interlocutores de pesquisa, é que a Justiça (em suas diferentes instâncias nacionais) já tenha avalizado mais de quatro mil habeas corpus para o cultivo no país. Assim, o ciclo médico e econômico se encontra muito relacionado com o ciclo antiproibicionista na invenção recente de uma estratégia judiciária que tem se mostrado eficaz para tornar legal aquilo que é necessário para muitas pessoas que fazem uso de derivados de maconha.

6. Processos legislativos

A análise da literatura sobre a produção legislativa acerca de substâncias classificadas como drogas indica a prevalência do ciclo de lei e ordem. Neste sentido, a maioria dos projetos de lei têm o objetivo de reforçar a criminalização (Morais, 2003MORAIS, Paulo Cesar de Campos. (2003), Drogas: criminalização, alternativas e tendência legislativa brasileira. Belo Horizonte, Outro Olhar.; De Bem et al., 2016DE BEM, Ivan Pricken; DELDUQUE, Maria Célia; SILVA, José Agenor Álvares. (2016), “Como pensam os parlamentares brasileiros sobre álcool, tabaco e drogas: Uma investigação no Congresso Nacional”. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, 15:45-52. DOI: http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0131.
http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0131...
; Brum e Barbosa, 2018BRUM, Nara Benedetti Nicolau; BARBOSA, Leonardo Augusto de Andrade. (2018), “O uso de drogas ilícitas em debate no Congresso Nacional: a orientação política dos parlamentares (1999-2015)”. E-legis, 11, 25:58-91. DOI: https://doi.org/10.51206/e-legis.v11i25.372.). Isto reforça o argumento de Fiore (2012)FIORE, Maurício. (2012), “O lugar do Estado na questão das drogas: o paradigma proibicionista e as alternativas”. Novos estudos CEBRAP, 92:9-21. DOI: https://doi.org/10.1590/S0101-33002012000100002. de que, apesar da legislação brasileira prever despenalização do uso de drogas, essa mudança se deu sem ameaçar o paradigma proibicionista, revelando mais uma “modernização” do que uma revisão das premissas proibicionistas (Fiore, 2012FIORE, Maurício. (2012), “O lugar do Estado na questão das drogas: o paradigma proibicionista e as alternativas”. Novos estudos CEBRAP, 92:9-21. DOI: https://doi.org/10.1590/S0101-33002012000100002.).

Pinto e Oberling (2016)PINTO, Nalayne Mendonça; OBERLING, Alessandra Fontana. (2016), “Liberação ou proibição? Discursos e representações acerca da política de drogas nos projetos de leis no Congresso Nacional (2010-2014)”, in B.C. Labate; F. Policarpo; S.L. Goulart; P.O. Rosa. (org.). Drogas, políticas públicas e consumidores. Campinas, Mercado de Letras; São Paulo: NEIP. analisaram três projetos de lei (PLC 37/2013, PL 7187/2014 e PL 7220/2014) e uma sugestão legislativa apresentada ao Senado (SUG 08/2014). As autoras verificam que os argumentos mobilizados nos documentos relacionados a estas proposições são de caráter médico/científico, criminal/penal e moral/religioso. Entretanto, experiências como a do Uruguai e de alguns estados norte-americanos, de acordo com Kiepper e Esher (2014)KIEPPER, André; ESHER, Ângela. (2014), “Regulation of marijuana by the Brazilian Senate: a public health issue”. Cadernos de saúde pública, 30, 8:1588-1590. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311XPE01081.
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, também indicam que a polarização entre os argumentos de saúde (aspectos medicinais e impactos na saúde pública) e os de segurança pública (proibição e repressão) cederam lugar para soluções mais diversificadas.

Este cenário aponta uma permeabilidade de legisladores ao debate sobre a política de drogas, especialmente considerando que a regulamentação do uso e da produção de medicamentos à base de cannabis no Brasil têm sido colocadas em prática por iniciativas do Executivo, via Anvisa, e do Judiciário, via habeas corpus preventivo concedido a associações de cultivo, pacientes e familiares. É neste cenário que se insere o projeto de lei 399/2015, de autoria de Fábio Mitidieri (PSD/SE), com o objetivo de “viabilizar a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta Cannabis ativa em sua formulação” (Brasil, 2015BRASIL. (2015), Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 399/2015, altera o art. 2º da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Disponível em <https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/947642>, consultado em 11/04/2024.
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). O objetivo original da proposta era específico, alterar o artigo 2º da Lei de Drogas regulamentando o que já é permitido: a comercialização de medicamentos derivados da planta proscrita, sendo o uso exclusivo para fins medicinais. Note-se que, em princípio, o PL não tratava de cultivo, beneficiamento ou produção. Como efeito da alteração legislativa proposta, teríamos a regulamentação legal de tema que está sendo regulado de forma administrativa pela Anvisa.

Apenas em 2018, sob a presidência de Rodrigo Maia (MDB/RJ) na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, foi criada a Comissão Especial para elaborar parecer à proposição. Entretanto, para além da criação da Comissão, não houve movimentação posterior ao longo daquele ano. Ao fim da legislatura, o PL foi arquivado, sendo desarquivado em 2019, quando foi constituída nova Comissão Especial, sob presidência do deputado federal Paulo Teixeira (PT/SP) e relatoria do também deputado Luciano Ducci (PSB/PR).

A criação da Comissão Especial ensejou a realização de dezenas de audiências públicas entre os anos de 2019 e 2021. Nestas audiências, o tema do cultivo tensionou a discussão entre apoiadores e contrários ao PL 399/2015 (Rezende et al., 2022REZENDE, Daniela Leandro; FRAGA, Paulo; SOL, Aruna. (2022). “Audiências públicas sobre maconha/cannabis na Câmara dos Deputados brasileira, 1997-2020”. Opinião Pública, 28, 2:425-461. DOI: https://doi.org/10.1590/1807-01912022282425.
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). Em maio de 2021 foi apresentado substitutivo pelo relator, que, em seguida, apresentou parecer favorável, submetido à votação. Importante observar que o substitutivo ampliou o escopo do PL 399/2015, que passou a ter o objetivo de estabelecer o marco regulatório da cannabis, incluindo atividades relativas a toda a cadeia produtiva da planta, desde o cultivo até a comercialização, bem como atividades de pesquisa e industrialização. A inclusão do cultivo reforçou as tensões em torno do PL (Rezende et al., 2022REZENDE, Daniela Leandro; FRAGA, Paulo; SOL, Aruna. (2022). “Audiências públicas sobre maconha/cannabis na Câmara dos Deputados brasileira, 1997-2020”. Opinião Pública, 28, 2:425-461. DOI: https://doi.org/10.1590/1807-01912022282425.
https://doi.org/10.1590/1807-01912022282...
) e deu origem ao argumento de que a proposição operaria como uma espécie de “cavalo de Tróia” que geraria a liberação das drogas no país, o que aponta para a incidência continuada do ciclo de lei e ordem nos debates legislativos sobre o tema.

Parlamentares contrários ao PL, marcadamente membros da bancada evangélica,1 1 Disponível em https://www.otempo.com.br/politica/congresso/pressao-de-evangelicos-trava-projeto-sobre-plantio-de-cannabis-medicinal-1.2636198, consultado em 10/04/2024. adotaram estratégias protelatórias, recorrendo a disputas regimentais, já que, em termos de mérito, não conseguiam impedir a tramitação da proposta. Após a aprovação do projeto na Comissão Especial, o deputado Diego Garcia (PODE/PR) apresentou recurso contra a apreciação conclusiva da matéria na Comissão Especial. Em novembro do mesmo ano, o deputado Pastor Eurico (então Patriota/PE) também apresentou recurso contra a decisão do presidente da Comissão e recorreu contra os prazos de apreciação e deliberação da matéria. Desde então, esses recursos aguardam deliberação do presidente da Mesa da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP/AL), que se manifestou publicamente informando não haver previsão de data para votação do PL, que se encontra atualmente paralisado na Câmara dos Deputados.

No Senado, foram apresentados três projetos de lei voltados à cannabis medicinal: 4776/2019 (em tramitação, aguardando parecer do relator), 5295/2019 (em tramitação, aguardando parecer do relator) e PLS 514/2017 (arquivado ao fim da legislatura). Entretanto, a matéria que ganhou destaque foi a proposta de emenda à Constituição anunciada pelo presidente da Casa, senador Rodrigo Pacheco (PSD/MG), com o objetivo de constitucionalizar a criminalização da “posse e o porte de entorpecentes sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar” (Brasil, 2023, pBRASIL. (2023), Senado Federal. Projeto de Emenda à Constituição no 45, altera o art. 5º da Constituição Federal. Disponível em <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/160011>, consultado em 11/04/2024.
https://www25.senado.leg.br/web/atividad...
. 1). A PEC foi uma reação à votação pelo Supremo Tribunal Federal do Recurso Extraordinário (RE) 635659, que teria como efeito descriminalizar o porte de maconha para consumo próprio.

Apesar da omissão da Câmara dos Deputados em responder aos referidos recursos e do recrudescimento da criminalização na proposta de emenda à Constituição que tramita no Senado, a administração de cannabis via Sistema Único de Saúde (SUS) avança em estados e municípios brasileiros, apontando para o caráter pervasivo do ciclo médico-científico, que retoma seus primórdios de reconhecimento de características terapêuticas da planta.

A inércia do legislativo federal em regular a cannabis para fins medicinais teve como efeito a atuação de entes subnacionais que, considerando o arranjo federativo, têm avançado projetos de lei sobre o tema. Essa dinâmica foi reforçada durante a pandemia, com a decisão do STF (Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI – 6341/2020),2 2 Disponível em https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI6341.pdf, consultado em 10/04/2024. ator responsável por dirimir conflitos federativos, que estabeleceu que estados e municípios possuem competência concorrente no que se refere à proteção e defesa da saúde. Nesse sentido, foram identificados, até abril de 2022, quinze projetos de lei estaduais e vinte municipais voltados à regulação do uso medicinal da cannabis (Rezende e Rosa, 2023REZENDE, Daniela Leandro; ROSA, Thamara. (2023). “Regulação do uso medicinal de cannabis no Brasil em nível subnacional: análise de projetos de leis estaduais”, in P. Fraga; L. Rosa; D.L. Rezende. (org.), De maconha à cannabis: entre política, história e moralidades. Juiz de Fora, Editora UFJF.). Diante do avanço da política de cannabis medicinal em curso em estados e municípios, a atuação do Executivo Federal é ainda mais urgente para garantir o direito constitucional à saúde em um país federado, marcado por grandes desigualdades regionais.

Cabe avaliar, entretanto, se o tema é prioritário, considerando o primeiro ano de governo e a polarização que lhe afeta. As controvérsias das mudanças legais e institucionais, os avanços dos progressistas e as resistências conservadoras representam uma faceta importante do ciclo antiproibicionista, notadamente porque esse embate é próprio dessa fase, não se verificando em outros ciclos.

7. Considerações finais

Ao longo deste texto, fizemos um esforço teórico de resgatar um modelo de análise de problemas públicos pouco aplicado nas Ciências Sociais brasileiras. Relacionamos o modelo proposto por Downs (1972)DOWNS, Anthony. (1972), “Up and Down with Ecology – the 'Issue-Attention Cycle'”. The Public Interest, 28. 38-50 ao problema da maconha no Brasil. Ponderamos que um problema público pode originar não apenas um ciclo de atenção, mas diferentes ciclos que operam em simultaneidade e se influenciam mutuamente. Em seguida, a partir do trabalho de Hutchinson (1975)HUTCHINSON, Harry William. (1975), “Patterns of marihuana use in Brazil”, in V. Rubin. (org.), Cannabis and Culture. Paris, Mouton., subscrevemos a ideia de que há diferentes interesses identificáveis com maconha ao longo da história nacional. Estes interesses dão origem ao que denominamos ciclos de atenção à maconha.

O surgimento de novos ciclos não implica o encerramento dos precedentes e, demonstrando isso, esperamos ter contribuído para complexificar o modelo estabelecido por Downs (1972)DOWNS, Anthony. (1972), “Up and Down with Ecology – the 'Issue-Attention Cycle'”. The Public Interest, 28. 38-50 e mantê-lo relevante na análise de um problema público de longa duração. No terceiro tópico deste texto, abordamos as influências múltiplas e a continuidade simultânea dos quatro diferentes ciclos que identificamos sobre o tema no país. Em seguida, discutimos processos judiciais e legislativos, que são estratégicos para demonstrar que, apesar de uma certa prevalência de argumentos do ciclo médico-científico no debate contemporâneo sobre maconha no Brasil, há também elementos do ciclo econômico e antiproibicionista que se somam para enfrentar os argumentos do ciclo da lei e ordem que ainda impera na legislação nacional sobre o tema.

Por tudo isso, consideramos que diferentes ciclos de atenção a um problema público podem compartilhar algumas áreas, não ser mutuamente excludentes e sobreviver simultaneamente. Deste modo, a ideia de atenção cíclica nos parece continuar relevante para a análise de problemas relativos à maconha no Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    09 Dez 2023
  • Aceito
    26 Mar 2024
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