Open-access As condições discursivas de (in)determinação do “agressor de mulheres” na justiça penal

The discursive conditions of (in)determination of the “women abuser” in the criminal justice

Resumos

Resumo  O objetivo do artigo é abordar a formação discursiva do “agressor de mulheres” como objeto de intervenção da justiça penal. A metodologia empregada adapta algumas das contribuições de Dominique Maingueneau para a análise do discurso sobre a heterogeneidade discursiva: a intertextualidade e interdiscursividade. O estudo confronta campos discursivos distintos - o feminista e o criminológico - para compreender como, dessa interpenetração, emerge o “agressor de mulheres” como objeto de intervenção penal. Baseado na análise de um caso de violência doméstica na cidade de Recife, o presente estudo explora o debate sobre estupro praticado por conhecidos, denunciado no campo discursivo feminista desde os anos de 1960 e que, ao atravessar o sistema de segurança e de justiça penal, aciona outro campo discursivo, o criminológico punitivista. Este último, individualizando responsabilidades, reifica, na figura do “agressor de mulheres”, o crime e a própria ordem patriarcal. Essa figura de “agressor de mulheres” termina por se constituir como a chave que permite transitar da denúncia feita pela “vítima” para a efetiva incriminação em circunstâncias bastante ambíguas de acusação. Assim, uma figura de caráter excepcional passa a incorporar e sustentar, naquela interpenetração de distintos campos discursivos, a própria ordem patriarcal.

Palavras-chave:  violência contra as mulheres; agressor de mulheres; análise de discurso; criminologia; feminismo


Abstract  This article aims to address the discursive formation of the “women abuser” as an object of criminal justice intervention. The methodology used adapts some of Dominique Maingueneau's contributions for discourse analysis. The study confronts distinct discursive fields - feminist and criminological - to understand how, from this interpenetration, the “women abuser” emerges as an object of criminal intervention. Based on the analysis of a case of domestic violence in Recife, the present study explores the debate on rape practiced by acquaintances, denounced in the feminist discursive field since the 1960s and that, when crossing the security and criminal justice system, triggers another discursive field - the punitive criminology - which, individualizing responsibilities, reifies, in the figure of the “women abuser”, the crime and the patriarchal order itself. This figure of “women abuser” ends up being the key that allows the transition from the complaint made by the “victim” into the effective incrimination in very ambiguous circumstances of accusation. Thus, a figure of exceptional character begins to incorporate (embody) and sustain, in that interrelation of different discursive fields, the patriarchal order itself.

Keywords:  violence against women; women abuser; discourse analysis; criminology; feminism


Introdução

Já não era sem tempo de os homens, enquanto sujeitos marcados pelo gênero, tornarem-se objeto de agenda política. Em vários países, diversas organizações passaram, a partir dos anos 80 e 90, a organizar grupos de homens e colocar em questão sua posição, suas motivações e suas atitudes diante de suas companheiras: o Duluth Domestic Abuse Intervention Project (EUA); Alternativ Til Vold (Noruega); e o Programa para Agressores de Violência Doméstica (Portugal). No Brasil, temos os exemplos do Instituto Noos, que promove os Grupos Reflexivos de Gênero e o Instituto Albam, o Programa Andros. É certo que a pauta do homem na violência doméstica nunca foi disputada de modo tão amplo. Muitos deles oferecem igualmente estudos acerca da relação entre masculinidade e violência contra as mulheres, como, por exemplo, Adriano Beiras e Marcos Nascimento (2017) do Instituto Noos e Ellen Pence e Michael Paymar (1993) do projeto Duluth.

Em muitos países, a partir dos anos 1990, legislações específicas buscaram delimitar ações voltadas para coibir ou erradicar a violência doméstica, a fim de assegurar direitos das mulheres reconhecidos internacionalmente. São alguns exemplos de legislação específica: Ley Orgánica 1/2004 (Espanha, 2004); Ley Nº 17.514/2002 (Uruguai, 2002); Ley 20.066/2005 (Chile, 2005); e Lei 11.340/2006 (Brasil, 2006). Este tipo de legislação trouxe consigo o entendimento de que a violência contra a mulher não é casual, nem justificável por alguma falta cometida pela mulher (crimes de honra) ou desculpável em virtude de perda momentânea da razão do autor (crimes da paixão). Trata-se do resultado dos expedientes utilizados pelos homens para garantir a reprodução recursiva de sua dominação sobre as mulheres.

Questionamentos acerca de uma masculinidade “agressiva” vieram à tona por volta dos anos de 1990, com a introdução dos chamados Mens´s Studies, inspirados em parte pelos Womem´s Studies e em parte pelo movimento gay a partir dos anos de 1980, bem representado pelos trabalhos de Connell (2005) e Messerschmidt (2018). Assim, não se trata mais de uma categoria universal de masculinidade, capaz de explicar os processos de dominação e subordinação que marcam as relações entre homens e mulheres, encapsulada na categoria de patriarcado, mas um tipo particular de vivência da masculinidade hegemonizadora das demais formas. A partir disso, surgiram vários estudos dirigidos a um alvo particular: o condenado ou aquele que responde por uma acusação de agressão doméstica contra a companheira. Com esse público em vista, diversos levantamentos deram conta de um perfil de homem “agressor”.

Lori Heis (1998), cujo trabalho inspirou a formulação do Protocolo Latino-Americano para Investigação de Mortes Violentas de Mulheres (femicídio/feminicídio) de 2014, elaborou um modelo ecológico de violência doméstica, articulando, em camadas, os fatores por trás da violência doméstica contra a mulher. A primeira camada, o núcleo do modelo, é formado pelos fatores ontogênicos, ligados à formação da personalidade do indivíduo: testemunhar a violência da mãe pelo pai na infância, ter sido abusado e ter pais ausentes ou indisponíveis afetivamente. Estes aprendizados e vivências se convertem, na visão de Heis (1998), em problemas para regular as emoções, incluindo ansiedade e dependência emocional, inabilidade para lidar com a solidão e propensão ao uso da violência. Para Holtzworth-Munroe e Stuart (1994), homens violentos com as companheiras variam enormemente em termos dos fatores que desencadeiam o comportamento agressivo. Eles elaboraram uma tipologia com três tipos diferentes de “agressores”: exclusivamente familiares (family only); disfórico/borderline; e francamente violento (generally violent)/antissocial. Algumas dessas categorias, especialmente as duas últimas, estão associadas com problemas de desordem psicológica e de personalidade, como borderline, disforia, esquizofrenia, depressão e dependência alcoólica e/ou outras drogas. Igualmente relevante para o debate foram as contribuições de Mosher e Tomkins (1988) para compreender o Script Macho. Eles procuraram abordar a socialização hipermasculina, olhando para o processo afetivo-cognitivo de incorporação do Script Macho, responsável por induzir a busca por situações que envolvem o perigo, a agressividade e a disputa e a indiferença ou distância emocional na prática sexual.

Tais estudos, embora convirjam na convicção de um tipo particular de personalidade masculina agressiva, assentada em evidências empíricas bem balizadas, divergem entre si, em alguma medida, quanto à caracterização de um “agressor”, ora imputando a distúrbios psicológicos e de personalidade, ora indicando os processos de socialização malsucedidos ou orientados para a incitação de disposições afetivas-cognitivas agressivas e imprudentes.

Estudos no Brasil têm se empenhado em oferecer uma representação fidedigna do “agressor de mulheres”. Destacamos, a partir de um levantamento prelimitar na plataforma do SciELO Brasil, três linhas de pesquisa sobre o “agressor de mulher”: a primeira tem um caráter clínico e terapêutico, informado pelas categorias da psicologia e psicanálise para compreender o comportamento agressivo dos homens a partir de suas vivências na infância; a segunda linha se relaciona com os grupos de intervenção sobre homens autores de violência, focada mais nas falas e discursos dos homens sobre suas experiências subjetivas; e a terceira linha busca relacionar a violência masculina com a violência no âmbito público, a partir de uma abordagem etnográfica.

Alguns trabalhos ganharam bastante destaque na caracterização do “agressor” ou de uma masculinidade violenta. Cecchetto (2004) abordou os processos de diferenciação da masculinidade, em um estudo de cunho etnográfico com grupos de baile funk e de charme e lutadores de jiu-jítsu. Muskat (2011), a partir de experiências com grupos de intervenção com homens autores de violência, observou como eles significavam a sua posição no mundo em contraposição com a das mulheres desde a infância. Já Zaluar e Machado da Silva (apudPortella, 2019) abordaram um “etos guerreiro” viril como construtores das relações sociais mediadas pela violência nas favelas cariocas, em oposição ao “etos civilizado”, mais sensível e avesso a violência. Em suma, o que se vem delineando é um entendimento de que o patriarcado e a masculinidade são produtos de certos tipos sociais “incivilizados”, incapazes constitutivamente de conduzir e formar relações sem recorrer ao expediente da violência. O custo dessa construção é assegurar um lugar neutro de gênero para a masculinidade hegemônica (Connell, 2005), construída em contraste com a feminilidade e com as demais formas de masculinidade, onde está incluída a baseada supostamente no “etos viril”.

A questão é que tais pesquisas dependem da formação de um público particular, condicionadas pela intervenção de determinados aparelhos punitivos e reabilitadores. Os critérios de seleção do “agressor de mulheres” são respaldados pela intervenção desses aparelhos. O que temos é a formação de uma tipologia de segunda ordem, ainda em nível exploratório na maioria dos casos, elaborada em cima das categorias criadas sob os critérios definidos pela intervenção penal.

Alguns estudos sobre o discurso, situando os operadores de justiça no espaço social, têm procurado lançar luz sobre as determinações subjacentes às decisões da justiça pela condenação ou absolvição do acusado. Essa abordagem foi adotada por Borba de Sá (2017) ao considerar o processo de construção social do delinquente no discurso jurídico, com ênfase na influência da origem de classe dos magistrados sobre o processo de atribuição de características psicossociais aos réus e na dosimetria das penas. Ratton (2003) fez da “topografia social” - da localização dos magistrados no espaço social de distribuição de capitais (culturais, sociais e econômicos) - o fundamento de suas disposições morais ao julgar as acusações de estupro. A lógica por trás desse argumento é a de que as práticas jurídicas e as instituições responsáveis podem ter seus propósitos “contaminados” pela injunção dos propósitos e interesses sociais de uma classe particular.

Nos estudos dedicados especificamente à violência contra as mulheres, vimos operar aquilo que Corrêa (1983) caracterizou como uma bancarrota do princípio de igualdade na aplicação da justiça penal. Diversos outros estudos se seguiram a esse, cujos resultados apontavam para a parcialidade da justiça penal devido à intervenção de considerações acerca da posição do homem e da mulher na sociedade e na relação conjugal, tais como Ardailon e Debert (1987), Azevedo (1985), Debert e Gregori (2008), Souza (2017), para citar apenas alguns. Nesse caso, não seriam apenas interesses de classe, mas, acima de tudo, preconceitos de gênero (Scott, 1995; Saffioti, 1987, 2001), o que comprometeria o curso “natural” da justiça penal e da segurança pública.

Pensamos alternativamente o discurso, não como algo subsumido a uma determinação social anterior, seja ela de classe ou de gênero, mas como um espaço de articulação ampla, cuja identidade resulta das relações estabelecidas com outros discursos em um processo de aproximação e afastamento regulados. Assim, não caberia julgar a idoneidade ou a pureza dos operadores jurídicos, nem idealizar o funcionamento do aparelho de justiça penal fora de suas determinações históricas, mas definir o espaço discursivo criado na prática discursiva desses operadores a partir das múltiplas relações com discursos contemporâneos e herdados. Interessa-nos destacar o intricado jogo de referências, negações e incorporações, a que o discurso jurídico lança mão a fim de definir um lugar discursivo próprio a partir do qual o “agressor de mulheres” é produzido como objeto de intervenção.

O discurso dos operadores de justiça e dos agentes da polícia judiciária integra parte de um “campo discursivo prático” que reúne formas particulares para lidar com a violência contra as mulheres e com os “agressores de mulheres”: Casas Abrigo, Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher, Centros de Referência no Atendimento à Mulher, Varas ou Juizados de Violência Familiar e Doméstica contra a Mulher, Grupos Reflexivos com Homens Autores de Violência etc. 1 Cada um forma modelos particulares de compreensão e de intervenção para prevenir, inibir e lidar com as consequências da violência doméstica contra a mulher. O sistema de justiça penal especializado não se diferencia apenas nos modos de lidar e de compreender a violência doméstica em relação aos outros entes do campo discursivo prático, como também, em função de sua forma de atuação, tangencia os campos discursivos criminológico e feminista.

Para compreender essa interpenetração, confrontamos um discurso criminológico realizado no sistema de justiça penal e de segurança pública, na vanguarda da prevenção de crimes, e um discurso feminista radicalmente emancipador das mulheres. O primeiro reproduz uma agenda de segurança pautada no senso vulgar de que o avanço da criminalidade decorre da atuação condescendente da justiça penal e da segurança pública com elementos incorrigíveis na sociedade (Anitua, 2015; Baratta, 2016; Wacquant, 2011) - uma pauta menos preocupada com a dimensão disciplinadora da pena do que com a incapacitação seletiva de agentes daninhos (Giorgi, 2017). Esta agenda, em vigor no Reino Unido e nos Estados Unidos desde fins dos anos 1970, toma corpo no Brasil nos anos de 1990. A agenda de segurança e justiça penal passa a gravitar em torno de três eixos: controle informal e segurança privada; populismo penal; e foco na eficiência e controle dos riscos (Garland, 2017; Young, 2015; Rose, 2000).

Caracterizada como a Segunda Onda do feminismo, o feminismo no Brasil ocorre em um contexto de particular tensão política, durante o regime da ditadura militar (Pinto, 2003; Barsted et al, 2019; Teles, 1999; Hollanda, 2019). Disto resultou certa pulverização do feminismo entre agentes políticos, organizações da sociedade civil, movimentos sociais e acadêmicos. No que se refere à violência contra a mulher, o discurso feminista confluía para alguns pontos (Heilborn e Sorj, 1999; Gregori, 1989; Grossi, 1991): as relações íntimas são formadas por uma correlação de forças desiguais; a orientação política de ação deve se pautar sobre as experiências subjetivas de sofrimento; a violência contra a mulher é estrutural, portanto a sua distribuição não está condicionada à situação de classe ou a uma “cultura da pobreza”; e todos os homens, de alguma maneira, participam de uma estrutura antiga e persistente de dominação por ação ou omissão.

O “agressor de mulheres” proporcionou a articulação entre aqueles dois discursos, mas fez isso ao custo de um empobrecimento do debate e da limitação no enfrentamento da violência contra as mulheres (Rifiotis, 2004, 2008; Montenegro, 2015; Debert, 2006). Em primeiro lugar, limitou a noção de patriarcado, reduzida ao “agressor de mulheres” como causa principal (Scott, 2016). Em segundo lugar, reduziu as formas de intervenção - focada na proteção da mulher vulnerável e neutralização do “agressor de mulheres” perigoso - ao invés de questionar a permanência e persistência de mecanismos de diferenciação e de assimetria entre homens e mulheres nas próprias instituições de segurança e justiça penal. Em terceiro lugar, o foco na neutralização do “agressor de mulheres” minimizou a importância de pensar em alternativas e sobre quando elas seriam mais proveitosas. E, por fim, é preciso enfatizar que o “agressor de mulheres” não corresponde a qualquer forma hegemônica de masculinidade. Ele se opõe à masculinidade hegemônica na medida em que essa também se define contra a figura do “agressor de mulheres” (Connell, 1990, 2005; Messerschmidt, 2018). Assim sendo, a punição exemplar dessa figura não contradiz a ordem estruturada sobre a diferença e a hierarquia entre homens e mulheres.

No presente artigo, focamos em como se articula o discurso dos operadores jurídicos e agentes de segurança de diferentes campos discursivos na determinação do “agressor de mulheres” como condição para a condenação ou não do acusado, a partir de um caso de estupro julgado numa Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher na comarca de Recife em 2015. Pretendemos expor essa articulação entre diferentes campos discursivos fazendo uso da análise do discurso proposta por Dominique Maingueneau (1997, 2008, 2015). Na primeira parte, abordamos como aqueles diferentes discursos se apresentam na redefinição do crime de estupro. Na segunda, expomos os procedimentos metodológicos orientados a partir da proposta de análise do discurso de Maingueneau. Na terceira parte, analisamos a articulação discursiva proporcionada pelo sistema de segurança e justiça penal, a partir de um caso particular de processo de estupro no âmbito doméstico. E, por fim, tecemos nas considerações finais o roteiro de emergência do “agressor de mulheres” pelo atrito gerado entre o discurso “nativo” feminista e o novo discurso criminológico.

Condições de indeterminação: reinterpretar o estupro

A violência é antes uma categoria social (Porto, 2010), que define as nossas ações e reações diante de determinadas condutas ou comportamentos, bem como expressa alguns de nossos valores morais e estéticos. Isso quer dizer que não existe uma base material anterior segura a partir da qual a violência possa ser compreendida e definida, seja como ameaça ou como dano à integridade física ou moral, visto que, tanto em um caso como no outro, ainda temos de demarcar o entendimento acerca do limite da integridade preservada aceitável. Assim, falar de naturalização da violência parece não ter muito sentido na medida em que a categoria já aponta algo como um problema social, em desconexão com os modos de vida e a ordem assumida ou desejada. No entanto, a naturalização aponta também para um processo de apagamento da categoria e de perda de relevância social para orientar a ação, não para algo acabado. A naturalização indica a inação das instâncias responsáveis pelas operações de supervisão e de controle da ocorrência da violência representada no rol de leis criminais.

Ao falarmos de violência, em particular da violência contra as mulheres, precisamos ter em mente um processo de violência simbólica (Bourdieu, 2010) anterior. Trata-se de um processo decorrente da diferenciação simbólica entre grupos situados em posições hierarquizadas no espaço social, que deslegitima as reivindicações dos grupos subalternizados para definir os limites aceitáveis de preservação de sua integridade física e moral. A definição ou indefinição de determinadas condutas, como a violência, aparece como relevante na manutenção ou transformação dessas relações de poder e de dominação. Por essa razão, a luta pela delimitação da violência contra as mulheres ocorre em pelo menos dois campos: na criação dessa categoria, capaz de articular valores morais e estéticos em torno de determinados comportamentos comprometedores da integridade física e moral das mulheres; e na sua representação adequada nas leis criminais, capaz de suscitar a ação e medidas comprometidas com a supervisão e controle desse tipo de violência pelas instâncias responsáveis. Ao discutirmos o estupro, estamos questionando processos de diferenciação simbólica entre homens e mulheres que têm pautado o debate na elaboração de leis e nas medidas de supervisão e controle adotadas.

Sendo assim, a categoria de estupro se encontra subsumida à da violência de gênero, na medida em que a segunda condiciona o debate acerca da primeira. Por sua vez, ressaltamos a conexão entre a violência sexual do estupro e a violência doméstica para revelar a interseção que ambas as formas de violência realizam com a violência de gênero. Consideramos, desse modo, o estupro cometido por alguém com quem a vítima tem ou manteve uma relação afetiva ou com quem compartilhou o espaço físico e simbólico do domicílio desde o ponto de partida de uma violência de gênero.

O estupro é, para as feministas radicais, uma questão fundamental na construção da dominação masculina sobre a mulher. Sendo o corpo das mulheres tomado como mais fraco, desordenado e menos valorizado do que o dos homens, passam a ser requisitados uma maior ingerência, supervisão e cuidado sobre ele. O corpo das mulheres é atravessado por todos os lados pelo controle e pelo discurso patriarcal, delimitando e orientando a sexualidade e a capacidade reprodutiva delas (Foucault, 2014). Brownmiller, Mackinnon e Dworkin, segundo Campos et al. (2017), Messerschmidt (2017) e Bowden e Mummery (2020), defendiam que as mulheres são definidas por aquilo que os homens fazem sobre o corpo delas, especialmente por meio da violência sexual. Temos aqui a constituição da identidade feminina por meio de uma violência material e simbólica: pela imposição da força e do controle e pela manutenção de categorias diferenciadas e hierarquizadas.

Por sua vez, o agente dessa violência sexual não seria um homem particular discernível. Na visão das feministas radicais dos anos de 1970, as relações sexuais heteronormativas, independentemente do consentimento, traziam consigo determinações sobre os modos de sexualidade e comportamento sexual considerados apropriados para homens e mulheres. Eles eram tomados por uma sexualidade mais agressiva e incisiva, enquanto elas, por uma mais passiva e relutante. Seria esperado do homem certa petulância e insistência ao cortejar uma mulher, já elas deveriam demonstrar alguma resistência e hesitação, consideradas como parte de um jogo sexual. Tudo isso conta para formar o que as feministas vieram a designar como a cultura do estupro (Campos et al., 2017) ou a economia sexual patriarcal (Bowden e Mummery, 2020).

A saída dessa condição passa pela enunciação de experiência imediata da mulher como denúncia da dominação e expressão do desejo autêntico. A violência sexual, na visão das feministas radicais, não pode ser reduzida à promoção de danos físicos. Deve levar em conta, sobretudo, a experiência subjetiva de subordinação, de supressão e de aviltamento de sua vontade e desejos sexuais na objetificação dela realizada pela economia patriarcal sexual (Bowden e Mummery, 2020) ou pela cultura do estupro (Campos et al., 2017). Esse resgate da vivência subjetiva da violência pelas mulheres possibilitou a denúncia da violência sexual praticada por parceiros íntimos e a reivindicação de modificações no plano das leis penais relativas ao estupro.

É sabido que, nas circunstâncias nas quais o Código Penal Brasileiro iniciou a sua formulação em 1937, o país vivia a ditadura de Getúlio Vargas, o Estado Novo. O Código Penal Brasileiro, concluído em 1940 e em vigor a partir de 1942, apresentou um caráter pretensamente versátil ao buscar conciliar os postulados clássicos com os princípios da escola positiva, segundo a parte geral de sua Exposição de Motivos. A pena, de acordo com esses postulados, teria valor pelo seu caráter preventivo, maximizando os custos relativos do comportamento criminal e incapacitando os agentes daninhos particularmente perigosos - submetidos a medidas de segurança -, e retributivo, na medida em que buscava prejudicar o condenado de acordo com o dano causado por ele ao bem jurídico protegido - as penas variavam dentro de certos limites e eram sopesadas pelo juiz, segundo os critérios, além dos danos, os de antecedentes, da personalidade e das circunstâncias do crime. Vale destacar que, pelo menos desde os anos de 1930, esses mesmos postulados já vinham perdendo credibilidade, especialmente aqueles relativos a uma certa antropologia criminal positivista, ao gosto de Césare Lombroso e Enrico Ferri (apudBaratta, 2016).

Seja no âmbito da psicologia ou psicanálise, para quem a pena teria a função de aliviar a culpa do delinquente e reforçar nos demais o sentimento de dever moral, seja na sociologia funcionalista, para quem o crime constituía um tipo de desvio social explicado pelas estruturas da sociedade, não por qualquer disposição inata, a noção de um tipo natural de criminoso perdeu espaço no debate da criminologia. Por volta dos anos de 1960, emergiram novos paradigmas criminológicos, em parte enquanto movimento teórico de contestação à hegemonia do estrutural funcionalismo americano, em parte em função das agitações políticas da época: a teoria do desvio ou rotulação, a teoria do conflito social, a teoria marxista e a teoria crítica, para citar alguns. Para essas correntes, reunidas por Baratta (2016) entre o labelling approach (teoria do rótulo) e a criminologia crítica, a tendência a partir de então era considerar o crime como uma construção social, regida pelas relações de poder, seja pelos empreendedores morais ou pelas classes dominantes. Devemos considerar igualmente as contribuições de Foucault (2010) para o debate ao sinalizar para o caráter disciplinar das medidas penais em sua obra “Vigiar e Punir”, publicada originalmente em 1975.

Dada a lacuna democrática representada pela ditadura militar no Brasil, entre 1964 e 1985, a revisão do Código Penal Brasileiro nos moldes dos debates criminológicos da época suscitou efeitos apenas a partir da gradual abertura democrática regulada pelo regime militar. O espírito que anima a reforma do Código Penal, apresentada em 1983 e sancionada em 1984 (Lei 7.209/84), é o da reabilitação e da prevenção como função da pena. Postulou-se, a partir de então, a aplicação de penas privativas de liberdade apenas para os casos de reconhecida necessidade, dado que as condições nas quais eram cumpridas não eram consideradas adequadas a uma reabilitação do apenado, e que a dimensão estigmatizadora da pena não contribuía para a sua reinserção social. A reforma introduziu as penas restritivas de direitos e estabeleceu ainda o critério de três fases para a dosimetria da pena - a pena-base; as circunstâncias atenuantes e agravantes; e as causas de diminuição e aumento. A reforma previu a criação de três códigos separados, mas em conexão: o Código Penal, o Código de Processo Penal e o Código de Execução Penal. Além disso, acompanhada por especialistas médicos e psiquiátricos, limitou igualmente a aplicação das medidas de segurança para os inimputáveis, sob o risco de tornar indefinidas as penas para determinados tipos de infratores considerados fora do juízo perfeito.

No Brasil, os dispositivos dedicados à criminalização do estupro vêm sofrendo uma série de modificações e, cada vez mais, têm se aproximado das expectativas colocadas pelas mulheres e feministas. Mas há ainda um longo caminho a percorrer, visto que a investigação, a criminação e a incriminação do estupro permanecem atadas a velhas convenções, colocando o discurso feminista e o criminológico em rota de colisão na produção de um consenso acerca da figura do “agressor de mulheres” como uma ameaça premente.

Desde a reforma do Código Penal Brasileiro (CPB-40), a expressão “mulheres públicas” desapareceu enquanto fator de exculpação do acusado, tomado como agindo induzido por engano, sugestões e insinuações da mulher “experiente” fora do laço conjugal. Não obstante, a expressão “mulher honesta” persistiu no CPB-40 (art. 215) como pressuposto para a criminalização, para indicar a mulher de família sob a custódia dos pais ou do marido. Nesse caso, o estupro no casamento não era nem mesmo considerado, mas tomado como “débito conjugal”. O estuprador, aquele que poderia efetivamente ser incriminado, teria de ser alguém estranho na relação familiar, cujo ato violaria o dever de custódia familiar e marital sobre a mulher. Com a nova redação dada em 2005 pela Lei 11.106 (art. 215) e, em 2009, pela Lei 12.015 (art. 215), vemos que, não apenas a expressão “mulher honesta” deixa de aparecer, como também qualquer referência ao sexo assinalado da vítima.

Com a sanção da Lei 12.015 em 2009, o estupro deixa de ser caracterizado como um crime contra os costumes e a moral pública, em referência ao dever de custódia dos pais ou marido sobre as “mulheres honestas”, para ser tomado como um atentado contra a liberdade sexual e o direito de escolha, como dispositivo de proteção do livre desenvolvimento sexual. Passam a ser suprimidos, como uma lembrança embaraçosa, termos como “mulher honesta” ou “débito conjugal” e a visão de esposa como propriedade (custodiada). Em conformidade com as denúncias e pesquisas que já se acumulavam sobre a violência praticada por parceiros íntimos, com o novo enquadramento legal do crime (agora tomado como um atentado contra a liberdade sexual) e a supressão do termo “mulher honesta”, o estupro no casamento passou a ser criminalizável com o reforço da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha).

As sucessivas modificações introduzidas no CPB-40 em relação ao crime de estupro ocorreram em paralelo com as mudanças no funcionamento e na estrutura do sistema penal, no sentido de uma programação mais criminalizante, especialmente a partir dos anos de 1990. A mudança não foi tanto na estrutura da ordem legal penal, embora tenha havido grandes reflexos no que diz respeito à ampliação na criminalização de condutas, mas na reorientação política para o sistema penal. Esta nova estratégia tomou como ponto de partida a ineficácia da pena para corrigir os infratores, ao mesmo tempo em que dava suporte a medidas de linha dura contra o crime. Giorgi (2017), Garland (2017), Young (2015) e Wacquant (2011) denunciaram esse movimento como o fim do Estado previdenciário, orientado pela recuperação do infrator e de sua reintegração, e a instauração de um Estado punitivo e encarcerador, em virtude das mudanças pelas quais o mundo ocidental atravessava em fins dos anos de 1970, com a globalização e o neoliberalismo, cujos reflexos nos atingiram apenas nos anos de 1990. Garland (2017) elenca as transformações nas práticas e no discurso de controle do crime que passaram a compor a gramática das novas medidas de segurança pública, sendo elas: o declínio do ideal de reabilitação, o ressurgimento de sentenças retributivas e da justiça expressiva, mudança no tom emocional da política criminal, o retorno da vítima e de seu sofrimento como parâmetro de justiça, politização e populismo penal, reinvenção da prisão como medida de contenção da criminalidade e uma política de segurança orientada pela eficácia.

É preciso advertir então que essa nova orientação da política de segurança e de justiça penal fez ressurgir a figura do delinquente perigoso, contra cuja ameaça nenhum esforço de contenção é poupado. Esse discurso, aliado a uma retórica de medidas mais eficazes para reduzir a criminalidade, ou seja, de redução de custos e ampliação de resultados, com o melhor gerenciamento dos recursos, conduz a um redirecionamento da política de segurança e de justiça contra determinados sujeitos, segundo uma estimativa de risco.2 O populismo penal e a ênfase midiática sobre o sofrimento das vítimas proporcionaram o caldo de medo público no qual o simbolismo invocado pelas feministas para definir determinadas condutas como violência representada no código penal - estratégico para evitar a inoperância da segurança pública e da justiça penal, a fim de garantir a integridade física e moral das mulheres - se converteu em outro viés de simbolismo, aquele que diferencia e define um inimigo (Zaffaroni, 2016) como foco de intervenção penal, o “agressor de mulheres”.

Assim, no campo da definição de estupro, se inscreveram duas controvérsias correlacionadas. A primeira diz respeito ao bem público protegido, entre os costumes e a moral pública de um lado e a dignidade e a liberdade sexual de outro. Pelo primeiro critério, as categorias de “mulher honesta”, “mulher pública”, “débito conjugal” e “custódia da mulher” funcionariam como operadores para diferenciar as relações sexuais autorizadas e o estupro, enquanto, pelo segundo critério, a vontade livre de constrangimento da vítima aparece como a condição necessária na distinção entre relação sexual consentida e o estupro. A outra controvérsia se desdobra sobre o papel da violência ou grave ameaça na definição do estupro. De um lado, a violência, mais do que a falta do consentimento, passa a funcionar como o critério privilegiado da definição do estupro - estupro como relação sexual violenta. De outro lado, está em questão não apenas a violência implicada no ato de estupro, mas o consentimento ou não da vítima com a relação sexual. Nesse sentido, a sua palavra, dado o reconhecimento da liberdade sexual da vítima, assume uma importância crucial na caracterização do estupro.

A análise do discurso: articulações discursiva e política na emergência do “agressor de mulheres”

Pensamos o discurso em termos de uma articulação regulada, tomada como forma de reunir, mediante um modo particular de enunciação (Fanti e Barbisan, 2012; Charaudeau, 2016; Charaudeau e Maingueneau, 2016), em uma composição caracterizada como uma unidade e uma identidade discursivas próprias, diferentes textos, enunciados e discursos vindos de um mesmo ou de vários campos em um determinado universo discursivo. Esta articulação não deixa de representar alguma forma de reunião ou junção de diferentes elementos, mas tampouco consiste em um resultado transparente para o enunciador. Ele já traz consigo, mesmo sem ter plena consciência disso, todo o peso institucional e histórico do lugar a partir do qual enuncia e realiza a articulação. Aqui, ele é tomado como uma instância de enunciação, um sujeito produtor e produzido por meio da enunciação, para quem a formulação traz consigo uma memória (discursiva) - o já dito ou o pré-construído, retomado, conservado e modificado - que condiciona e dirige a prática discursiva.

A articulação discursiva consiste em uma reunião mais bem expressa em palavras do que em ação em concerto e esclarece mais sobre a posição (e posicionamentos) daquela instância que realiza essa junção do que aquilo que pretendia originalmente cada um dos sujeitos de fala mobilizados. Vale dizer, não há necessariamente uma construção de afinidades de pontos de vistas diferentes ou redução a um termo comum, mas de uma posição formada pelo modo como se situa em relação às demais. A articulação discursiva corresponde a uma identidade formada a partir de uma cadeia de relações, organizada precariamente com outros textos, enunciações e discursos. Nesse sentido, a articulação se mostra sempre provisória, na medida em que o universo discursivo no qual se insere e a partir do qual constrói a própria identidade permanece em movimento (Foucault, 2016).

Ao ampliar o escopo para incluir as relações na análise dos saberes psiquiátricos, médicos e punitivos, ou melhor, incluir as articulações existentes entre o linguístico e o não-linguístico (as dimensões institucionais, arquitetônicas, econômicas e técnicas), Foucault (2010, 2011, 2012, 2014, 2015) expôs o discurso às injunções do poder. Não um poder centralizado e descendente, mas difuso e ascendente, onde ele efetivamente é exercido sobre o corpo. Para dar conta da articulação entre o linguístico e o não-linguístico na produção dos saberes, Foucault (2015) defendeu a arqueologia, segundo a qual todo conhecimento científico remete a uma produção anterior de saberes ordenados e regulados pelas instâncias nas quais são produzidos. Já com a genealogia, Foucault (2012) se concentrou nas articulações existentes entre o exercício do poder e as práticas discursivas, entre o saber e o poder, um saber que legitima táticas de poder e o exercício do poder que proporciona formas de saber.

Partimos da hipótese de que o “agressor de mulheres”, no discurso do sistema de justiça voltado para o enfrentamento da violência contra a mulher no âmbito doméstico, não se sustenta apenas pelo desdobramento da intervenção penal sobre a vida privada, como se quanto mais homens fossem condenados por agressão contra mulheres, mais nítida ficaria a existência de um tipo particular de infrator especificamente misógino. Antes de se constituir por obra da prática insulada da justiça penal, tomamos o “agressor de mulheres” como resultante do entrecruzamento de diversos campos discursivos que vinham se delineando desde os finais da década de 1970 e que, em princípios do século XXI, assumiram o pleno reconhecimento de ser o “agressor de mulheres” uma questão para a qual a legislação penal até aquele momento não era capaz de dar conta (Medeiros, 2015; Montenegro e Rosenblatt, 2015).

Falamos, então, do “agressor de mulheres” como uma emergência. Mais do que uma luta ou disputa para fixar um significado em um determinado significante (Laclau e Mouffe, 2015), a emergência dá conta de um aparecimento: o vir à tona de alguma coisa antes indivisa, obscura e amorfa. A emergência deve ser tomada como o resultado de um determinado estado de correlação de forças, como um ponto de escape do choque entre vetores. A emergência do “agressor de mulheres” suspende a oposição e o tensionamento colocados pelo movimento feminista contra os regimes patriarcais ao invocar um espantalho (um boneco de Judas) como um ente diferente e deficitário. Esse aparecimento proporciona a conservação da violência praticada por conhecidos como um problema na vida das mulheres, ao mesmo tempo em que desvia o foco sobre os homens em geral e sobre regime desigual existente entre homens e mulheres.

A fim de operacionalizar a abordagem desse tipo de articulação, se faz necessário recorrer a alguns instrumentos analíticos sugeridos por Maingueneau (1997, 2008, 2015). Ele lançou mão de uma tríade de termos complementares capazes de situar e de delimitar a articulação realizada por um discurso: universo discursivo, campo discursivo e espaço discursivo. O universo discursivo, o mais abrangente, corresponde ao conjunto de todas as formações discursivas de todos os tipos que coexistem em um determinado período. Um conjunto finito, mas inesgotável - ou seja, embora restrito, não recuperável em sua totalidade - de formações discursivas heterogêneas que, em um período qualquer, podem dialogar entre si.

Já o campo discursivo desenha os contornos de um conjunto de formações discursivas em concorrência entre si: um campo de força físico (de disputas de força) e fictício/ficcional (encerrando um limite entre o fora e o dentro). No interior de um campo discursivo, diferentes posicionamentos são traçados e delimitados uns contra os outros em uma relação de disputa, em alguns momentos aberta e em outros, velada. Os campos discursivos não aparecem sempre com a evidência contundente de uma rinha acirrada, como algumas disputas políticas, ideológicas e teóricas, mas requerem o estabelecimento de um recorte pelo pesquisador, seguindo a sua intuição formulada como hipótese.

Por fim, o espaço discursivo pretende representar o campo a partir da seleção de algumas (ao menos duas) formações discursivas que sustentam entre si relações significativas de constituição mútua. Maingueneau (1997, p. 117) considerou, assim, o espaço discursivo como um subsistema no interior do campo discursivo selecionado pelo pesquisador, “porque uma formação discursiva dada não se opõe de forma semelhante a todas as outras que partilham o seu campo”.

O plano de elaboração do escopo de pesquisa proposto por Maingueneau (1997) atravessa esses níveis de modo a centralizar um espaço discursivo elaborado desde a escolha de um campo num determinado universo discursivo. Este seria o caminho mais esquemático e seguro para abordar a interdiscursividade e a intertextualidade, mas não necessariamente o único ou o mais frutífero. Negligenciar as relações estabelecidas entre discursos inseridos em campos diferentes seria ignorar problemas teóricos relevantes respondidos apenas quando se coloca em questão essas relações, como por exemplo os usos metafóricos que a sociologia fez das noções de evolução, organismo, função e outras incorporadas das Ciências Biológicas. Em “As Palavras e as Coisas”, por exemplo, Michel Foucault (2016) abordou as condições de formação das Ciências Humanas a partir da configuração interdiscursiva entre diferentes campos disciplinares: a Economia, a Biologia e a Filologia. Essa articulação foi caracterizada por ele como episteme, a gramática dos saberes de um período histórico.

Por essa razão, estamos confortáveis e seguros ao buscar as relações discursivas que o saber produzido no sistema de segurança e justiça penal estabelece tanto com o pensamento criminológico, como com o feminista, ao lidar com um caso de estupro entre parceiros afetivos e como dessa articulação emerge o “agressor de mulheres”. O universo discursivo é uma categoria de referência aberta, cujo limite só pode ser claramente estabelecido pelo/a pesquisador/a quando se investigam efetivamente os elementos que compõem determinada formação discursiva. Ao levantarmos a hipótese de interpenetração discursiva entre o campo discursivo criminológico e o feminista, estamos igualmente restringindo um universo discursivo em que se situavam ambos os campos discursivos considerados. Destacamos o discurso criminológico formado desde finais dos anos de 1970, que teve enorme repercussão no Brasil como orientação da política de segurança e da justiça penal a partir dos anos de 1990. Por sua vez, restringimos o campo feminista ao chamado feminismo radical, o feminismo de segunda onda, que teve uma maior penetração no Brasil a partir da década de 1980. Desse modo, o espaço que pretendemos delimitar envolve essas duas formações discursivas particulares, suas relações na produção de decisões realizadas pela segurança e pela justiça em um caso de estupro cometido por um parceiro afetivo e como desse choque emerge a figura do “agressor de mulheres”. Pretendemos, com isso, caracterizar as articulações realizadas pelos operadores de justiça e pelos agentes da polícia judiciária entre os discursos criminológicos de linha dura e o “nativo” feminista na produção do “agressor de mulheres” como objeto de intervenção dos órgãos responsáveis pela criminalização secundária, ou seja, pela aplicação da lei penal em casos particulares. O nosso foco, desse modo, corresponde à prática discursiva dos operadores da polícia judiciária e do sistema de justiça especializada no enfrentamento da violência doméstica contra a mulher, que precisa se situar e se diferenciar em relação aos dois campos designados acima, configurando um espaço limitado por nossa hipótese inicial para dar conta da emergência do “agressor de mulheres”. Para isso, recorremos às ferramentas do intertexto/intertextualidade e do interdiscurso/interdiscursividade.

É importante fazer uma distinção entre intertexto/intertextualidade e interdiscurso/interdiscursividade. O intertexto remete à presença de fragmentos de textos, falas ou mesmo imagens na forma de citação direta, indireta ou indireta livre, sempre quando é possível indicar a origem textual. O intertexto é regulado pela intertextualidade, com base nas convenções e padronização discursivas que indicam quais textos e fragmentos de textos podem ser incorporados, assim como a maneira que devem aparecer, a partir de formas linguísticas de controle de sentido e de interpretação. O fragmento de texto citado não corresponde apenas àquilo que o enunciador original pretendia, mas reflete antes a articulação performada pelo enunciador segundo para dar suporte ao seu discurso.

Já o interdiscurso não corresponde necessariamente a uma citação, a algo dito por alguém em determinado momento, mas a um ponto de vista sustentado por outro enunciador, real ou imaginário. Atribui-se certo ponto de vista a um enunciador situado em um discurso particular a partir de uma formulação enunciativa, e, em torno dessa formulação, o enunciador segundo posiciona a si mesmo e ao discurso que performa. A interdiscursividade remete ao regulamento de fundo que define quais pontos de vista são relevantes e como o discurso deve se posicionar em relação eles.

Nesse sentido, o intertexto/intertextualidade e o interdiscurso/interdiscursividade exprimem o empenho de situar uma identidade discursiva particular entre outras possíveis em um dado universo discursivo. Aqui pretendemos reduzir esse universo a um espaço de articulação entre discursos situados em campos distintos, como o discurso “nativo” feminista e o discurso punitivista, e focar na relação que estabelece com a prática de intervenção punitiva sobre a violência doméstica na produção do “agressor de mulheres”. Para caracterizar o processo de formação da identidade discursiva dos operadores de segurança e de justiça dedicados ao enfrentamento da violência doméstica contra as mulheres, levamos em consideração como eles endereçam as controvérsias envolvidas com a delimitação do crime de estupro. Sendo assim, a análise recai especialmente sobre os artifícios linguísticos de controle de sentido dos elementos citacionais, sejam eles fragmentos de textos enxertados ou pontos de vista atribuídos a sujeitos reais ou imaginários. O ponto aqui é como o locutor coloca diferentes vozes em cena, a polifonia discursiva, com quem entra em desacordo, afastando de modo completo ou parcial com certa visão, ou em acordo, se aproximando com alguma cautela ou se aliando francamente com outra.

Além dos elementos citacionais, como trechos entre aspas e as aberturas como “segundo”, “de acordo”, “afirma que”, “nega que”, “acredita que” etc, que imprimem algum sentido de interpretação para o fragmento textual, temos outros artifícios linguísticos que também marcam o posicionamento do locutor em relação a diferentes pontos de vista (Maingueneau, 1997): as palavras entre aspas, os aforismas, a negação, a conjunção “mas” e o metadiscurso (autocorreção) são todos artifícios a partir dos quais o locutor controla o sentido do enunciado por aproximação ou afastamento ao atribuído a outro ponto de vista com o qual dialoga. Quando alguém afirma, por exemplo, que “o gênero é mais do que a designação do sexo, é uma atribuição cultural”, há implícito um enunciado que sustenta o ponto de vista segundo o qual gênero é o mesmo que o sexo biológico contra quem o enunciador segundo toma uma posição.

Para a delimitação do corpus, tivemos de definir prioritariamente as unidades tópicas tomando como ponto de partida a seleção do tipo e os gêneros discursivos a serem abordados. Para a delimitação do tipo de discurso, poderiam ter sido adotadas diversas estratégias: tomar o espaço de produção, circulação e arquivamento dos textos ou assumir um campo de disputas como ponto de partida para a determinação do tipo discursivo. Decidimos, alternativamente, seguir com o critério de tomar o tipo de discurso a partir da atividade desempenhada, no caso, a persecução criminal de acusado por crime de violência sexual contra sua namorada. Por se tratar de um discurso com propósitos práticos característicos, inserido no campo discursivo prático de enfrentamento da violência contra a mulher, a estratégia de delimitar o tipo de discurso por sua atividade e finalidade nos pareceu muito mais apropriada. Desse modo, não restringimos o discurso a um espaço físico particular de produção, circulação e arquivamento, já que englobamos órgãos localizados em diferentes lugares. Ao mesmo tempo, não o reduzimos tampouco a um espaço de disputa, pois não se trata de querelas discursivas em um mesmo campo. Um tipo de discurso caracterizado pela atividade deve relacionar a seleção dos documentos e textos com base na sua finalidade característica: no caso em tela, o processamento e julgamento da violência doméstica contra a mulher (Lei Maria da Penha, Lei 11.340/06).

Na delimitação do tipo de discurso em função da atividade de julgamento e eventual condenação por crime relacionado com a violência doméstica contra a mulher, partimos desde o indiciamento do acusado no órgão especializado da polícia civil, a 1ª Delegacia de Polícia de Prevenção e Repressão aos Crimes Contra a Mulher de Recife-PE, seguindo pela acusação e pela defesa, até a sentença final na instância inicial. Não demos continuidade com os processos de recurso, nem de execução penal. Conduzir por esse caminho teria feito desdobrar a pesquisa em sentidos de difícil manejo, considerando, inclusive, a distância temporal entre o primeiro procedimento e o último, já bastante dilatada nos limites em que nos colocamos.

No interior desse tipo de discurso, pensado desde o ponto de partida de sua finalidade e prática, se desdobra uma miríade de gêneros textuais acessórios, marginais e centrais para a atividade fim. Sem dúvida, para o desempenho de uma atividade, um número inesgotável de rotinas e sub-rotinas precisa ser preenchido, e boa parte delas viram documentos em forma de registros variados (gêneros discursivos). Assim, distinguimos de modo preliminar o material entre os diretamente relacionados com a finalidade do tipo discursivo e aqueles acessórios (como os registros de tramitação de documentos, as intimações, solicitações de diligências etc). Entre os primeiros - aqueles diretamente relacionados com a finalidade do discurso - ainda persistiu um número excessivo de documentos, tais como atas de audiência, o Boletim de Ocorrência, a Denúncia da Central de Inquérito do Ministério Público, a defesa preliminar, prisões em flagrante, medidas protetivas de urgência etc.

Restringimos ainda mais o material para não inviabilizar a pesquisa. Tomamos, enfim, o relatório de polícia do inquérito policial, as alegações finais da promotoria e da defesa e a sentença para caracterizar o tipo de discurso. Tais documentos, unidades tópicas de gêneros textuais, representam a última etapa realizada por cada um dos operadores de segurança e do Direito. Por essa razão, e dada a dificuldade operacional em se trabalhar com todos os documentos relacionados diretamente com a atividade fim, optamos por essa seleção restrita de documentos.

O relatório de polícia corresponde à etapa final do inquérito realizado pela Polícia Civil ou Polícia Judiciária. Nele é apresentado o indiciamento do acusado, ou seja, a apresentação dos indícios que levam a crer, à juízo do/a delegado/a de polícia, na procedência da denúncia. A rigor, o inquérito é um procedimento pré-judicial de caráter inquisitorial, ou seja, aliando investigação e acusação, fora do regime de controle da justiça, como a ampla defesa e o contraditório. No entanto, as provas coletadas e os depoimentos tomados são relevantes na formação da acusação pela procuradoria, além de orientar as atividades nas audiências, onde as mesmas provas e os mesmos depoimentos são finalmente confirmados ou não pelas partes diante do/a juiz/a.

As alegações finais da promotoria e da defesa podem ocorrer oralmente no fim da audiência, ou, a critério do/a juiz/a, em memorial, cabendo ao Parquet cinco dias e à defesa mais cinco dias contados após o fim do prazo dado a acusação. Nesses documentos, constam a narrativa do processo - todas as etapas e procedimentos realizados a serem considerados, organizados em uma seleção e ordenação particular conducente a certas conclusões - e o juízo de culpa ou não em relação ao réu.

A sentença representa o ato final do/a juiz/a. Ela segue certa sequência estabelecida por lei (art. 381 do Código do Processo Penal, Lei 3.689/41): a identificação das partes, a exposição sucinta da acusação e da defesa, a fundamentação ou motivação da decisão, a indicação dos artigos e leis aplicados, o dispositivo ou conclusão, a data e a assinatura do/a juiz/a. A dosimetria da pena, quando aplicável, deve se orientar em três etapas: pena-base, as circunstâncias atenuantes e agravantes e as causas de diminuição e aumento.

A seleção do corpus foi realizada em cima de um levantamento cedido pelo Grupo Asa Branca de Criminologia da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), contratado para esse fim por meio de edital de Convocação Pública e de Seleção pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A partir de um levantamento preliminar pelo JudWin (sistema de gerenciamento de processos utilizado pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco), foram contabilizados 1202 processos em 2015 na 2° Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Recife/PE, sendo 990 Medidas Protetivas de Urgência e 212 processos criminais. Desses, apenas 130 foram aproveitados no levantamento com decisões terminativas com ou sem avaliação de mérito. Do material levantado, segundo o relatório apresentado pelo Conselho Nacional de Justiça (2018), 71,5% correspondiam a violência conjugal. Entre 2/3 e 3/4 dos processos pressupunham algum tipo de relação afetiva entre as partes antes ou no momento da ocorrência. É preciso considerar igualmente que, segundo os tipos gerais de sentença (Extinção Sem Resolução de Mérito, Absolutória ou Condenatória), apenas em 7% e 8% dos casos houve condenação ou absolvição, respectivamente (em cerca de 85% dos casos ocorreu, por diversas razões, arquivamento do caso: prescrição, decadência ou retratação). Restringimos o material para aqueles casos que deram entrada na 1° Delegacia de Polícia de Prevenção e Repressão aos Crimes Contra a Mulher. Ficamos com um total de seis sentenças absolutórias e cinco condenatórias (QUADRO 1). Tratamos aqui de um caso de acusação de estupro que teve uma sentença de tipo absolutória (caso 5). Do conjunto de casos levantados, apenas dois incluem uma acusação de estupro: uma condenação e uma absolvição. Escolhemos o segundo caso, o de absolvição, por duas razões: em primeiro lugar, entre os dois, o de absolvição trazia mais elementos textuais para trabalhar a análise de discurso; e, em segundo lugar, essa escolha permite vislumbrar que, mesmo quando não há uma condenação, a figura do “agressor de mulheres” opera como parte da estratégia discursiva dos agentes.

QUADRO 1
Casos julgados com condenação ou abosolvição, sentença proferida em 2015, Recife-Pernambuco, 2º Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher

A prática e o discurso na definição do “agressor de mulheres”

Em 2007, compareceu na Delegacia da Mulher uma jovem de 26 anos, deficiente auditiva, acompanhada de seu pai. A jovem morava com seus pais e cursava o ensino médio. O pai assumiu a denúncia como noticiante de um crime cometido contra a filha pelo então namorado dela, ocorrido meses antes. Ele disse que a filha fora levada diversas vezes a um motel contra a vontade dela pelo namorado que, com ela, teve relações sexuais forçadas e violentas, com “murros” e “beliscões”, sem que os pais dela soubessem (o pai acreditava que a filha ainda era virgem). Segundo a jovem, eles namoraram por cerca de sete meses, mas ela resolveu terminar a relação porque o acusado, seu primeiro namorado, antes amável e atencioso, passou a ficar “safado” (aspas no relatório de inquérito policial) e violento. O acusado tinha 29 anos no dia da denúncia. Era solteiro, tinha o segundo grau completo e trabalhava como vigilante. Durante o inquérito e nas audiências, o acusado sustentou que as relações com a jovem eram consentidas. A sentença foi proferida apenas em 2015, razão pela qual o caso foi contemplado.

Disse o relatório de polícia, em seu primeiro parágrafo, que a Força Tarefa responsável pelo caso o assumira a favor da ofendida, por ela: “alegar haver sido vítima de Violência Doméstica e Família (sic) na forma de Estupro e Atentado Violento ao pudor, praticado pelo seu namorado, ***, fato ocorrido no mês de *** de ***, em motel no bairro da ***” (Relatório de Polícia, 2016, p. 1). 3 O relatório prossegue com o contexto do incidente: a ofendida namorava o investigado há sete meses, mas ela terminara o relacionamento com ele por ter notado mudanças em seu comportamento: ela “aduz” ter “acabado o relacionamento no mês de *** de *** pelo fato do (sic) investigado ter modificado o seu comportamento com a vítima tornando-se ‘safado’ e violento” (Relatório de Polícia, 2016, p. 1). O “agressor de mulheres” apresentou-se e revelou-se como tal apenas depois de algum tempo de relacionamento. Seu disfarce cai, revelando uma figura violenta e “safada” (aspas como na peça do relator de polícia), portanto, libertino e obsceno, sem qualquer respeito a convenções que devem pautar uma relação sexual “normal”, “saudável” e consentida. Nesse quesito, há um enquadramento do estupro como violação dos costumes, por meio de fraude - quando o agente passa impressões deliberadamente erradas com o intuito de obter ganhos pessoais em prejuízo de terceiros -, mas, igualmente, como falta de consentimento livre da ofendida, na ausência de condições claras e francas para a tomada de decisão.

Das declarações finais da promotoria, na passagem:

que (a ‘vítima’) foi ao motel com o acusado 6 vezes, quando ele (o acusado) insistia; que quando começou a namorar com o acusado era virgem; que todas as vezes (o acusado) forçava a declarante a manter relações sexuais vaginal, anal e oral, gritando com ela, chamando palavrão, espancando a declarante, pois gostava de dar em mulher (Alegações finais promotoria, 2016, p. 2)

A citação, retirada da audiência, implica de várias maneiras a ofendida como “vítima passiva” de violência na forma do estupro. Para reforçar essa imagem, o/a promotor/a descreveu os atos sexuais forçados pelo acusado sobre a ofendida, manifestadamente sádicos, sem qualquer relação com os desejos e o prazer sexual dela - puxões de cabelos, ingestão forçada de esperma e sexo sem proteção -, quando questionou a “vítima” em audiência:

Apesar da resistência e apelos por parte da vítima para que ela não fosse submetida a tamanho constrangimento, o denunciado a agarrou pelos cabelos e pescoço, e praticou sexo com e sem uso de preservativos, afirmando que a engravidaria e ainda tentou forçá-la (sic) a ingerir o esperma depositado na camisinha dizendo que era vitamina? (Alegações finais promotoria, 2016, p. 2-3) (grifos nossos).

Um tamanho constrangimento, como coloca o Parquet, só poderia partir de uma abominação, fora da escala de qualquer padrão de avaliação moral. Ou seja, uma abominação primitiva que retrata um ser anterior à formação civilizatória, constituído de puro instinto e lascívia e para quem tudo em seu entorno pode ser apropriado para a satisfação de seus desejos e caprichos. Aqui há também uma identificação do estupro com a violência física. Ela não figura apenas como um expediente de redução da capacidade de decisão e da vontade da “vítima” - gritos, palavrões e espancamento -, mas como o mal em si mesmo, a partir do dano causado, na forma de constrangimento e vexame com os próprios atos sexuais praticados.

O Homem/Lobo, nas franjas da civilização, pode ter de responder, sem as devidas proteções legais, com o máximo rigor penal pelo exercício de uma reivindicação de um direito de posse (custódia) que a sua posição não autoriza. Alguém assim situado, a quem o direito penal não mais interpela como pessoa, cai na categoria de inimigo (Jakobs e Meliá, 2003; Zaffaroni, 2016). Na ausência de elementos probatórios consistentes e diante da denúncia apresentada, resta verificar a predisposição do acusado para embasar a verossimilhança da acusação. Nesses termos, o estuprador, como um “agressor de mulheres”, deve consistir em um tipo humano peculiar, cujo comportamento difere das formas legítimas de masculinidade. De imediato, ao considerar a figura do “agressor de mulheres”, observamos um deslocamento importante no discurso indo da ideia do homem em geral considerado como um predador nato (segundo um ponto de vista misógino, criticado pelas feministas radicais), contra quem toda mulher deve estar prevenida, contendo seus movimentos, odores e exposição, para a revelação de um homem “desqualificado” no meio dos outros. Da denúncia de estruturas que legitimavam a violência sexual perpetrada pelos homens, passamos para outro discurso que pretende incapacitar e neutralizar apenas aqueles inconvenientes com a promessa de fazer ruir todo o edifício patriarcal. Cabe questionar se essa substituição do patriarcado pelo “agressor de mulheres” (tomado com uma espécie de sinédoque do patriarcado) é capaz de cumprir o que promete ou apenas desloca os conflitos e os atritos entre o discurso “nativo” feminista e o novo discurso criminológico punitivista.

Como se pretendesse contrapor a essa imagem que encapsula o acusado, a defesa definiu o réu como trabalhador regular e responsável com base no depoimento de um colega:

Houve apresentação da testemunha de defesa ***, que conheceu o acusado na empresa ***, onde trabalhou como colega do acusado, conheceu-o no ano de *** a *** (por três anos), na função de vigilante patrimonial e às vezes trabalhava no carro forte (Alegações finais defesa, 2016, p. 4).

A regularidade de comportamento e capacidade de assumir responsabilidades implica alguém cujo comportamento pode ser tomado como previsível e ordenado. As responsabilidades que assume estabelecem limites e orientam as suas metas de vida, não mais regulada pelas necessidades e desejos altamente voláteis e sem conexão com os outros. Segundo cremos, o trabalho não remete diretamente a qualquer responsabilidade como provedor e de sustento da família, uma vez que entre a ofendida e o réu não existia nenhum compromisso além da presumível troca de afetos. Assim, tanto os acusadores como a defesa gravitavam em torno da figura de “agressor de mulheres”, seja para confirmar ou refutar no acusado.

A perícia sexológica foi introduzida nas considerações do/a promotor/a, da defesa e do/a juiz/a. Importa destacar o papel desempenhado pela referida perícia no discurso ao indicar o lugar da violência na caracterização do estupro. O ponto a destacar não se limita à presença do discurso médico, o ponto de vista dos peritos, mas como o discurso dos operadores jurídicos exerce algum controle sobre ele, limita e reconstrói sentidos, na caracterização do estupro. Em decisão de Habeas Corpus (HC 87.819/2007/STJSP) concernente a outro caso, por exemplo, fica patente o caráter incerto e impreciso do lugar da violência na definição do estupro ao afirmar que “a jurisprudência admite a condenação em casos onde (sic) existam outras provas contundentes que comprovem a tipicidade antijurídica, mas para isto deverá existir outras provas como a testemunhal e a pericial como as fundamentais para o desfecho do caso” (grifos nossos). A declaração da ofendida figura como necessária, mas não suficiente, para a tipificação do estupro. Dois outros requisitos deveriam figurar juntos de modo exemplificativo - os vocábulos “como” e “e” sugerem -, mas são colocados a título de fundamento com a introdução da partícula “como”. O que a perícia pode oferecer na tipificação do estupro não fica inteiramente claro por essa declaração do/a desembargador/a: se são marcas corporais de violência sexual ou de relação sexual em período próximo aos fatos narrados em denúncia. Também não fica claro se seriam suficientes somente marcas corporais de violência ou bastaria indicar algum tipo de coação como uma ameaça. Veremos como promotoria, defesa e juiz/a abordaram esses critérios, a partir da perícia sexológica, para localizar o papel da violência, enquanto agressão física, na promoção do estupro.

Conforme a promotoria:

A vítima foi submetida à (sic) perícias traumatológica e sexológica, sendo todas realizadas no mês de ***/***, (...), ou seja, quase cinco (05) meses após a última violência sofrida pela vítima. Todavia, a Perícia Sexológica de fls. *** afirma que houve conjunção carnal (Alegações finais promotoria, 2016, p. 2).

Segundo a promotoria, os sinais de traumas sexuais físicos foram prejudicados em virtude do tempo decorrido entre o fato e a perícia. O pressuposto implícito aponta para a necessária violência no ato da prática sexual. Ou seja, a violência figura não como forma de reduzir a vontade da ofendida, mas como característica do ato sexual em si. Frustrados os sinais de relação sexual violenta, a promotoria se limita a destacar a confirmação da conjunção carnal.

A defesa, em suas declarações finais, afirma: “Chegando a (sic) conclusão de que as lesões encontradas embora não sejam exclusivas de agressões sexuais podem estar associadas a estas (g.n.)” (Alegações finais defesa, 2016, p. 6) e continua “Acontece que a materialidade do crime de estupro (art. 213, do CPB) e atentado violento ao pudor não pode prevalecer a presunção formada pelo perito médico, já que afirma podem estar associadas (sic) a outras causas” (Alegações finais defesa, 2016, p. 6).

A estratégia da defesa foi adotar, de modo integral, a perspectiva de acordo com a qual o estupro consiste na conjunção carnal mais violência, ou melhor, em uma relação sexual violenta. A violência (bem como seria o caso da grave ameaça), nesse caso, não define um modo de submeter a vontade da ofendida, mas descreve como foi realizada a conjunção carnal.

O mesmo ponto de vista foi adotado pelo/a juiz/a ao constatar e destacar a hesitação do laudo pericial traumatológico e sexológico a respeito da relação sexual violenta. A palavra da ofendida aparece, desse modo, como necessária, mas não suficiente para caracterizar o estupro. Se uma relação sexual violenta não define por si só um estupro, se não acompanhada de uma expressa declaração negativa da ofendida, uma declaração da ofendida, por sua vez, não pode qualificar por si só um estupro, se não houver fortes indícios de relação sexual violenta ou de violenta coação. Não basta a constatação da relação sexual (ainda que essa não seja sequer um pré-requisito legal do tipo criminal) acrescida da declaração da ofendida de não compartilhar do mesmo desejo; deve-se assegurar que a relação sexual ocorreu de modo violento, conforme as declarações do/a juiz/a:

Já as perícias realizadas na vítima, (sic) não trouxeram prova material do delito, vez que o exame traumatológico não registrou lesões corporais (fl. ***) e os laudos sexológicos registram a prática de conjugação carnal, constatado “roturas himenais cicatrizadas” (fl. ***), bem como “presença de edema peri-anal e rádegas difusas”, concluindo que essas lesões encontradas embora não sejam exclusivas das agressões sexuais podem estar associadas a estas (fls. ***/***). Não há, portanto (sic) como concluir que a conjunção carnal foi resultado de ato não consentido da vítima com seu namorado, nem, tampouco, se houve a prática forçada do ato libidinoso diverso (grifos no original) (Sentença, 2016, p. 3).

A defesa da moral e dos costumes aparece imbricada na sentença do/a juiz/a, com o consentimento da ofendida. A condenação de estupro em relações afetivas se torna, por esse motivo, muito mais custosa. Conforme consta na sentença:

Considere-se que réu e vítima eram namorados, os pais dela eram sabedores desse relacionamento e a vítima, maior de vinte e cinco anos, não obstante a sua surdo-mudez, não possui qualquer deficiência psicológica que interferisse na sua vontade de decidir ir ao motel e ter relações sexuais com o acusado voluntariamente (Sentença, 2016, p. 6).

A custódia da ofendida, assegurada pelos pais e transferida ao namorado, convive, nas colocações do/a juiz/a, com a capacidade de decisão e escolha dela. Nessas circunstâncias, não se trata mais de uma relação em desarmonia com os costumes em que o réu pode ser acusado por violar as regras e as convenções definidoras dos limites das relações autorizadas, mas há também uma flexibilização na medida em que a ofendida fez a escolha do companheiro considerado adequado. O questionamento se deslocou da própria estrutura familiar (Rubin, 1975), da economia sexual patriarcal (Bowden e Mummery, 2020) ou da cultura do estupro (Campos et al., 2017), limitadores e repressores do livre exercício da sexualidade no contexto patriarcal, para a capacidade de escolha da mulher a respeito do companheiro que lhe convém. Um dos possíveis referentes da liberdade sexual, a escolha do parceiro íntimo, veio a constituir o próprio conceito. Assim, ao invés da mulher emancipada, temos a mulher liberal, enredada em relações de dependência e de servidão eleitas por ela e, assim, tornadas legítimas (Pateman, 1993).

A opção da ofendida pelo namorado foi imposta aos pais pela “vontade de decidir” dela. Como não houve qualquer violação aos costumes, a decisão da ofendida pelo namorado se estende ao consentimento de manter relações sexuais, na formulação do/a juiz/a destacado duas vezes: “não possui qualquer deficiência psicológica que interferisse na sua vontade de decidir ir ao motel e ter relações sexuais com o acusado voluntariamente” (grifos nossos). Dada a escolha da ofendida pelo namorado que entendeu ser melhor para si, a demonstração de não consentimento com a relação sexual requer uma explicitação mais contundente e assertiva. Na ausência de provas materiais - marcas no corpo de violência sexual ou física que pudesse indicar algum tipo de coação -, o/a juiz/a decidiu pela fórmula in dubiu pro reo.

Nessas circunstâncias de indeterminação do estupro, entre os costumes e a liberdade sexual ou entre a relação sexual violenta e a falta de consentimento, a figura de um “agressor de mulheres” ganha proeminência para decidir pela incriminação ou não do acusado. Um primeiro ponto que podemos destacar do caso estudado é que o “agressor de mulheres”, diferente da masculinidade hegemônica, não é capaz de modular o comportamento e desejos diante da ordem normativa. O acusado foi apresentado pelo/a relator/a como violento e “safado” (aspas no relatório), indicando, sobretudo, a indisposição dele com as convenções sociais, inclinado a transgredir a elas e ao bem-estar dos outros para a satisfação de sua própria lascívia. Este ponto é reforçado pelo tamanho constrangimento imposto à ofendida, descrito e repetido em detalhes minuciosos pelo Parquet.

Um segundo ponto diz respeito à incapacidade de o “agressor de mulheres”, ao contrário do patriarca, organizar e sustentar uma ordem, sendo ele mesmo um elemento disruptivo (especialmente na família). No caso apreciado, o acusado, ao se revelar violento e “safado”, mostrou, não apenas um caráter volátil, mas, igualmente, a sua falta de compromisso de manter e de sustentar a relação. Este caráter desestabilizador do acusado foi explorado pelos depoimentos dos pais da ofendida, que, segundo eles, fez com que a filha se distanciasse cada vez mais deles.

E, por fim, a violência perpetrada pelo “agressor de mulheres” figura como sendo sobretudo expressiva, vinda de sentimentos e afetos desarranjados, enquanto a do patriarca aparece como instrumental, dirigido a um fim, ligado a um certo arranjo social. No caso do estupro em foco, não foi questionado se o acusado tinha qualquer projeto (consciente ou não) na manutenção de uma ordem de poder, apenas se a relação sexual forçada tinha alguma relação com a satisfação de desejos abomináveis e selvagens. A violência foi questionada, não tanto como meio para rebaixar a vontade da ofendida, mas como algo satisfatório em si mesmo na relação sexual violenta com a ofendida.

Considerações finais

A matriz discursiva feminista ajuda a compreender as modificações legais na delimitação (tipificação) do crime de estupro. Termos como “mulheres públicas” ou “mulher honesta”, por exemplo, refletiam mecanismos de controle sobre as mulheres, por um lado, ao legitimar a violência sexual contra as mulheres solteiras e independentes, e, por outro lado, ao informar o tipo esperado de mulher para ser protegido pela lei. A supressão de ambos os termos, enquanto aparatos de interpelação ideológica, representou também o reconhecimento de uma experiência comum de opressão vivenciada pelas mulheres. Com a eliminação dessas categorias, a violência sexual, em particular o estupro, passou a ser considerada um mal que afeta todas as mulheres. Quando a violência sexual deixou de ser considerada um crime contra os costumes passando a ser um atentado contra a liberdade sexual, essa liberdade não era apenas um direito comum a todas as mulheres, mas, sobretudo, uma condição para o seu pleno desenvolvimento. Se a violência sexual inibia o desenvolvimento sexual pleno, então a criminalização do estupro tinha como finalidade última a emancipação da mulher. Não fazia mais sentido deixar de fora a violência sexual praticada no âmbito conjugal. O “débito conjugal” não poderia mais ser aceito senão como uma fórmula retórica para legitimar a supressão da liberdade sexual da mulher. A violência sexual no âmbito doméstico ganhou mais destaque com a sanção da Lei Maria da Penha.

Na prática jurídica penal e na segurança pública, no entanto, esse discurso feminista cruza com outro, o criminológico, levando não só ao retorno de determinadas visões sobre o estupro, em uma composição própria, como à formação de um tipo criminológico peculiar, o “agressor de mulheres”. Elementos citacionais (a memória discursiva) se combinaram de formas novas na prática discursiva dos operadores jurídicos. O ato sexual violento como critério de definição do estupro e a redução da mulher emancipada como mulher liberal aparecem como produtos novos nesse discurso. Aquilo que estabiliza tal discurso e proporciona a conexão com o discurso feminista, a partir de um produto inédito, emerge como sendo o “agressor de mulheres”. Essa figura não só fundamenta a violência expressiva mais bruta e a dissimulação indutora do engano da mulher liberal, como passa a representar a própria ordem patriarcal. Com isso, não apenas os discursos jurídico penal e de segurança pública procuram contemporizar com a crítica feminista ao patriarcado, como inibem qualquer questionamento acerca da persistência das expectativas de gênero no funcionamento e nas decisões desses mesmos aparelhos.

No que concerne à produção discursiva do “agressor de mulheres” e suas implicações nos resultados do processo penal, podemos dizer ainda algumas palavras. Em primeiro lugar, o resultado dos procedimentos de apreciação de uma denúncia e de uma acusação não depende exclusivamente de se saber ou intuir a respeito do sujeito do crime, mas de um conjunto de elementos probatórios considerados em articulação. Os procedimentos de investigação e de tomada de depoimentos jogam um papel relevante na produção de convicção jurídica de culpa e de conexão causal com o crime denunciado. No entanto, a persistência da figura do “agressor de mulheres” pode influenciar tanto para a condenação como para a absolvição do réu. Conforme exposto, a figura do “agressor de mulheres” orienta a articulação das provas ao induzir um viés de convicção, introduzindo omissões, negligências seletivas e supervalorizações de aspectos do processo. Por exemplo, a “fala da vítima”, muitas vezes apontada como relevante na caracterização e na denúncia do crime de estupro, é relativizada em função dos indícios de violência (como marcas no corpo) e do caráter do acusado. Não se trata aqui de reivindicar uma legitimidade absoluta e inequívoca para esse dispositivo linguístico (a “fala da vítima”) que busca o fundamento de validade, na condição de “vítima”, em uma espécie de petição de princípio, quando é precisamente essa condição que necessita ser avaliada. Mas não podemos igualmente aceitar de modo “natural” as soluções propostas de limitar o peso de sua palavra em função das marcas de violência e do caráter do acusado ou réu, quando não é ainda o caso de persistente questionamento em relação ao comportamento da mulher.

Em segundo lugar, a figura do “agressor de mulheres” apresenta afinidades com um sistema de justiça penal e de segurança pública vocacionados para o controle da criminalidade urbana e violenta, promovida por organizações criminosas e agentes dedicados à prática de ilícitos, especialmente quando pressionado pela opinião midiática e pela criação de um clima de medo e insegurança generalizado. Limitar o patriarcado a práticas de agressão física converteu o patriarca em “agressor de mulheres”, ao mesmo tempo em que construiu aproximações entre o patriarca e a violência urbana. Um mesmo perfil convém nos dois casos. As medidas adotadas no encalço do “agressor de mulheres” refletem e ajudam a fundamentar as políticas de segurança voltadas contra os “elementos perigosos” como estratégia de controle da violência urbana e da criminalidade.

A questão que colocamos é como o movimento feminista, em suas diversas frentes, vai responder a essa injunção: engajar no populismo penal e persistir em uma cruzada contra o “agressor de mulheres” ou continuar sua luta pela legitimidade de definir os limites de sua integridade física e moral, que determinam o lugar como pessoa no mundo, mediante questionamentos acerca tanto da representação da violência nas leis penais como das práticas daqueles responsáveis pela supervisão e controle do crime?

Ao introduzirmos a análise do discurso de Dominique Maingueneau, buscamos compreender o discurso jurídico penal e o de segurança pública em sua historicidade, ou seja, não em termos de um funcionamento idealizado e suas distorções, mas em conexão com o universo discursivo, com os discursos a partir dos quais aqueles discursos sustentam uma identidade própria, fazendo seleções de textos e de pontos de vista, segundo um modo particular de articulação. Esta mesma abordagem nos parece bastante fecunda para pensar a violência doméstica em geral e a intervenção dos diversos aparelhos que compõem o campo discursivo prático de enfrentamento da violência contra a mulher. Além disso, mais um plano de análise poderia ser adicionado se considerássemos a dimensão do ethos e da cenografia na produção de um determinado mundo ético no discurso jurídico penal e de segurança pública, a partir do qual não apenas os agentes se posicionariam, como buscariam situar cada uma das partes no processo. Em função desse mundo ético instaurado discursivamente por meio das articulações retratadas aqui, poderíamos abordar como os casos foram julgados, não apenas em termos de violação da letra fria da lei, mas da violação desse mesmo mundo ético discursivo.

  • 1
    Adotamos o “campo discursivo prático” a partir de Alvarez (2014) como uma cadeia de diferentes atores, formando um espaço onde discursos e práticas buscam conferir institucionalidade a uma miríade de atividades.
  • 2
    Segundo Greenwood e Abrahanse (1982), as penas aplicadas em função do merecimento conduziam ao crescimento no encarceramento sem redução da criminalidade. A justiça penal deveria orientar a sua ação contra os mais propensos a cometer crimes.
  • 3
    Os asteriscos (***) foram introduzidos para preservar o anonimato das partes envolvidas.

Bibliografia

  • ALEGAÇÕES FINAIS DEFESA. 2a Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. 19 de julho de 2016, Recife.
  • ALEGAÇÕES FINAIS PROMOTORIA. 2a Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. 19 de julho de 2016, Recife.
  • ALVAREZ, Sonia. (2014), “Para além da sociedade civil: reflexões sobre o campo feminista”. Cadernos Pagu, 43:13-56. DOI: 0104-8333201400430013.
    » https://doi.org/0104-8333201400430013
  • ANITUA, Gabriel Ignacio. (2015), História dos pensamentos criminológicos Tradução de Sérgio Lamarão. 1a reimpressão, Rio de Janeiro, Revan.
  • ARDAILON, Danielle; DEBERT, Guita Grin. (1987), Quando a vítima é mulher: análise de julgamentos de crimes de estupro, espancamento e homicídio Brasília, Conselho Nacional dos Direitos da Mulher.
  • AZEVEDO, Maria Amélia. (1985), Mulheres espancadas: a violência denunciada São Paulo, Cortez.
  • BARATTA, Alessandro. (2016), Criminologia crítica e crítica do direito penal Tradução de Juarez Cirino dos Santos. 6a edição, Rio de Janeiro, Revan.
  • BARSTED, Mariana; LINHARES, Leila; PITANGUY, Jaqueline. (2019), “Brazil”, in M. AFKHAMI; Y. ERTÜRK & A.E. MAYER. (org.), Feminist advocacy, family law and the violence against womem: international perspectives, London and New York, Routledge.
  • BEIRAS, Adriano; NASCIMENTO, Marcos. (2017), Homens e violência contra mulheres: pesquisas e intervenções no contexto brasileiro Rio de Janeiro, editora Noos.
  • BORBA DE SÁ, Natália. (2017), Subjetividade e sujeição criminal no discurso judiciário: o processo de atribuição de características psicossociais aos réus condenados por latrocínio em Recife - PE Dissertação de Mestrado em Sociologia, Universidade Federal de Pernambuco, Recife.
  • BOURDIEU, Pierre. (2010), A dominação masculina Tradução de Maria Helena Kühner. 9a edição, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil.
  • BOWDEN, Peta; MUMMERY, Jane. (2020), Feminismo Tradução de Fábio Roberto Lucas. Petrópolis, Vozes.
  • BRASIL. (2006), Lei n. 11.340: Lei Maria da Penha, de 07 agosto 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm, consultado em 05/05/2014.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
  • CAMPOS, Carmen Hein de; MACHADO, Lia Zanotta; NUNES, Jordana Klein; SILVA, Alexandra dos Reis. (2017), “Cultura do estupro ou cultura antiestupro?”. Rev. direito GV, 13, 3: 981-1006. DOI: 2317-6172201738
    » https://doi.org/2317-6172201738
  • CECCHETTO, Fátima Regina. (2004), Violência e estilos de masculinidades Rio de Janeiro, Editora FGV.
  • CHARAUDEAU, Patrick. (2016), Linguagem e discurso: modos de organização Tradução de Angela M. S. Corrêa e Ida Lúcia. São Paulo, Contexto.
  • CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. (2016), Dicionário de análise do discurso Tradução de Fabiana Komesu. 3a edição, São Paulo, Contexto.
  • CHILE. (2005), Ley n. 2.066: Ley de violencia intrafamiliar, de 22 de setembro de 2005. Disponível em: https://www.bcn.cl/leychile/navegar?idNorma=242648&idParte=8653129, consultado em: 27/07/2023.
    » https://www.bcn.cl/leychile/navegar?idNorma=242648&idParte=8653129
  • CONNELL, Raewyn. (1990), “Como teorizar o patriarcado”. Educação & Realidade, 16, 2:85-93.
  • CONNELL, Raewyn. (2005), Masculinities 2a edição, California, University of California Press.
  • CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. (2018), “Entre práticas retributivas e restaurativas: a lei Maria da Penha e os avanços e desafios do poder judiciário”. Justiça e Pesquisa: Relatório analítico propositivo, 6, 2.
  • CORRÊA, Mariza. (1983), Morte em família: representações jurídicas de papeis sexuais. Rio de Janeiro, Edições Graal.
  • DEBERT, Guita Grin. (2006), “As Delegacias de Defesa da Mulher: judiciarização das relações sociais ou politização da justiça?”, in M. CORRÊA, Mariza & R. de SOUZA (org), Vida em família: uma perspectiva comparativa sobre crimes de honra, Campinas, Pagu, Núcleo de Estudos de Gênero.
  • DEBERT, Guita Grin; GREGORI, Maria Filomena. (2008), “Violência e gênero: novas propostas, velhos dilemas”. Revista Brasileira de Ciências Sociais [online], 23, 66: 165-185. DOI: S0102-69092008000100011.
    » https://doi.org/S0102-69092008000100011
  • ESPANHA. (2004), Ley Organica n. 01: medidas de protección integral contra la Violencia de Genero Disponível em https://www.boe.es/eli/es/lo/2004/12/28/1/con, consultado em 27/07/2023.
    » https://www.boe.es/eli/es/lo/2004/12/28/1/con
  • FANTI, Maria da Glória de; BARBISAN, Leci Borges. (2012), Enunciação e discurso: tramas de sentido São Paulo, Contexto.
  • FOUCAULT, Michel. (2010), Vigia e punir. História da violência nas prisões Tradução de Raquel Ramalhete. 38a edição. Petrópolis, Vozes.
  • FOUCAULT, Michel. (2011), O nascimento da clínica Tradução de Roberto Machado. 7a edição, Rio de Janeiro, Forense Universitária.
  • FOUCAULT, Michel. (2012), História da loucura: na idade clássica Tradução de José Teixeira Coelho. 9a edição, São Paulo, Perspectiva.
  • FOUCAULT, Michel. (2014), A história da sexualidade 1: a vontade de saber Tradução de Maria Tereza da Costa Albuquerque e J.A. Guilhon Albuquerque. São Paulo, Terra e paz.
  • FOUCAULT, Michel. (2015), A arqueologia do saber Tradução de Luiz Felipe Beata Neto. 8a edição, Rio de Janeiro, Forense Universitária.
  • FOUCAULT, Michel. (2016), As palavras e as coisas Tradução de Salma Tannus Muchail. 10a edição, São Paulo, Marins Fontes.
  • GARLAND, David. (2017), Cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea Tradução de André Nascimento. 2a reimpressão, Rio de Janeiro, Revan.
  • GIORGI, Alessandro De. (2017), A miséria governada através do sistema penal Tradução de Sérgio Lamarão. 3a reimpressão, Rio de Janeiro, Revan.
  • GREENWOOD, Peter; ABRAHANSE, Allan. (1982), Selective Incapacitation Santa Mônica, Rand.
  • GREGORI, Maria Filomena. (1989), Cenas e queixas: um estudo sobre mulheres, relações violentas e a prática feminista Rio de Janeiro, Paz e Terra.
  • GROSSI, Mirian Pilar. (1991), Vítimas ou cúmplices? Dois diferentes caminhos da produção acadêmica sobre violência contra a mulher no Brasil. In XV Encontro Anual da ANPOCS. Caxambu-MG.
  • HEILBORN, Maria Luiza; SORJ, Bila. (1999), “Estudos de gênero no Brasil”, in S. MICELI (org.), O que ler na ciência social brasileira (1970-1995), ANPOCS/CAPES, São Paulo, Editora Sumaré.
  • HEIS, Lori. (1998), “Violence against women - an integrated, ecological framework”. Violence Against Women, 4, 3:262-291. DOI: 10.1177/1077801298004003002.
    » https://doi.org/10.1177/1077801298004003002
  • HOLLANDA, Heloisa Buarque de. (2019), Pensamento feminista brasileiro: formação e contexto Rio de Janeiro, Bazar do tempo.
  • HOLTZWORTH-MUNROE, Amy; STUART, Gregory. (1994), “Typologies of male batterers: three subtypes and the differences among them”. Psychological Bulletin, 116, 3:476-497. DOI: 10.1037/0033-2909.116.3.476.
    » https://doi.org/10.1037/0033-2909.116.3.476
  • JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. (2003), Derecho penal del enemigo Madrid, Civitas Ediciones.
  • LACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. (2015), Hegemonia e estratégia socialista: por uma política democrática radical. Tradução de Joanildo A. Burity, Josias de Paula Jr. e Aécio Amaral. São Paulo, Intermeios; Brasília, CNPq.
  • MAINGUENEAU, Dominique. (1997), Novas tendências em análise do discurso Tradução de Freda Indursky. 3a edição, Campinas, Editora Universidade Estadual de Campinas.
  • MAINGUENEAU, Dominique. (2008), Gênese dos discursos Tradução de Sírio Possenti. São Paulo, Parábola editorial.
  • MAINGUENEAU, Dominique. (2015), Discurso e análise do discurso Tradução de Sírio Possenti. São Paulo, Parábola editorial.
  • MEDEIROS, Carolina Salazar L’Armée Queiroga de. (2015), Reflexões sobre o punitivismo da lei “Maria da Penha” com base em pesquisa empírica numa vara de violência doméstica e familiar contra a mulher do Recife Dissertação de mestrado em direito. Universidade Católica de Pernambuco, Recife.
  • MESSERSCHMIDT, James. (2018), Hegemonic Masculinity: formulation, reformulation, and amplification Lanhan, Rowman & Littlefield.
  • MONTENEGRO, Marília. (2015), Lei Maria da Penha: uma análise criminológico-crítica Rio de Janeiro, Revan.
  • MONTENEGRO, Marília; ROSENBLATT, Fernanda. (2015), “O uso da justiça restaurativa em casos de violência de gênero contra a mulher”, in L. Oliveira & M. Montenegro (orgs), Para além do código de Hamurabi: estudos sociojurídico, Recife, ALID.
  • MOSHER, Donald; TOMKINS, Silvan. (1988), “Scripting the Macho Man: Hypermasculine Socialization and Enculturation”. The Journal of Sex Research, 25, 1:60-84. DOI: 00224498809551445.
    » https://doi.org/00224498809551445
  • MUSKAT, Susana. (2011), Masculinidade e violência São Paulo, Casa do psicólogo.
  • PATEMAN, Carole. (1993), O Contrato Sexual Tradução de Maria Avancini. Rio de Janeiro, Terra e Paz.
  • PENCE, Ellen; PAYMAR, Michael. (1993), Education groups for men who batter: the Duluth model. New York, Springer Publishing Company.
  • PINTO, Céli Regina Jardim. (2003), Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo.
  • PORTELLA, Ana Paula. (2019), Como morre uma mulher? Recife, Ed. UFPE.
  • PORTO, Maria Stela Grossi. (2010), Sociologia da violência: do conceito às representações sociais Brasília, Editora Francis.
  • RATTON, Marcela Zamboni Lucena. (2003), A construção social do discurso sobre o estupro dentro dos tribunais Dissertação de mestrado em sociologia. Universidade Federal de Pernambuco, Recife.
  • RELATÓRIO DE POLÍCIA. 2a Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. 19 de julho de 2016, Recife.
  • RIFIOTIS, Theophilos. (2004), “As delegacias especiais de proteção à mulher no Brasil e a judiciarização dos conflitos conjugais”. Sociedade e Estado, 19, 1:85-119. DOI: S0102-69922004000100005.
    » https://doi.org/ S0102-69922004000100005
  • RIFIOTIS, Theophilos. (2008), “Judiciarização das relações sociais e estratégias de reconhecimento: repensando a ‘violência conjugal’ e a ‘violência intrafamiliar’”. Rev. Katálysis, 11, 2:225-236. DOI: S1414-49802008000200008.
    » https://doi.org/S1414-49802008000200008
  • ROSE, Nikolas. (2000), “Government and control”. Brit. J. Criminol, 40, 2:321-339.
  • RUBIN, Gayle. (1975), “The traffic in womem: notes on the ‘political economy’ of sex”, in R. Reiter (org.), Toward an anthropology of Women, New York, Monthly review press.
  • SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. (1987), O poder do macho São Paulo, Moderna.
  • SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. (2001), “Contribuições feministas para o estudo da violência de gênero”. Cadernos Pagu, 16:115-136. DOI: S0104-83332001000100007.
    » https://doi.org/S0104-83332001000100007
  • SCOTT, Joan. (1995), “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”. Educação e Realidade, Porto Alegre, 20, 2:71-99.
  • SCOTT, Parry. (2016), “O patriarca atacável: simbologia, poder e movimentos no combate à violência contra a mulher”, in L.S.F. Albernaz & M.T. de QUADROS (org.). Novos grupos, antigas questões? Gênero, violência contra a mulher e homofobia em contextos rurais e urbanos Recife, Editora UFPE.
  • SENTENÇA. 2a Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. 19 de julho de 2016, Recife.
  • SOUZA, Renata Floriano de. (2017), “Cultura do estupro: prática e incitação à violência sexual contra mulheres”. Rev. Estud. Fem, 25, 1:9-29. DOI: 1806-9584.2017v25n1p9.
    » https://doi.org/1806-9584.2017v25n1p
  • TELES, Maria Amélia de Almeida. (1999), Breve história do feminismo no Brasil São Paulo, Brasiliense.
  • URUGUAI. (2002), Ley n. 17.514: ley de erradication de la violencia domestica, de 02 de julho de 2002 Disponível em https://www.impo.com.uy/bases/leyes/17514-2002, consultado em 27/07/2023.
    » https://www.impo.com.uy/bases/leyes/17514-2002
  • WACQUANT, Loïc. (2011), As prisões da miséria Tradução de André Telles. 2a edição, Rio de Janeiro, Zahar.
  • YOUNG, Jock. (2015), A sociedade excludente: exclusão social, criminalidade e diferença na modernidade recente Tradução de Renato Aguiar. 3a reimpressão, Rio de Janeiro, Revan.
  • ZAFFARONI, Eugenio Raúl. (2016), O inimigo no direto penal Tradução de Sérgio Lamarão. 3a edição, Rio de Janeiro, Revan.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    22 Mar 2022
  • Aceito
    24 Jun 2023
location_on
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais - ANPOCS Av. Prof. Luciano Gualberto, 315 - sala 116, CEP: 05.655-010, Tel.: (+55 11) 3091-4664 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: anpocs@anpocs.org.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro