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Uma nota sobre continuidade de relações de preferência definidas em conjuntos discretos

Resumo

Esta nota discute a continuidade de relações de preferência definidas em conjuntos discretos, relacionando-a com o conceito de continuidade de funções (e, mais geralmente, de correspondências). A propriedade de relatividade do conceito de conjunto aberto se revela peça fundamental nesta discussão e, com isso, sua importância para a Teoria Econômica é reforçada de forma transparente.

Classificação JEL. D01, D11, C65.

Palavras-chave
Continuidade; Relação de preferência; Conjunto aberto relativo; Correspondência


1. Introdução

Dentre os instrumentos matemáticos empregados pela Teoria Econômica para modelar escolha dos agentes (pessoas, governos, firmas etc...), o conceito de relação de preferência é um dos mais fundamentais1 1 Tal relevância se torna evidente ao se considerar que a principal característica que diferencia a Ciência Econômica de outros campos do conhecimento (por exemplo, as Ciências Naturais) é o fato de que os fenômenos investigados pela Economia são em grande medida resultantes de escolhas de agentes. . Em grandes linhas, uma relação de preferência ≿ é empregada pela Teoria Econômica para modelar a forma que um agente classifica cada par de alternativas a e b presentes em um dado conjunto de alternativas A. Concretamente, quando o agente classifica a alternativa aA como tão boa quanto a alternativa bA, a relação de preferência ≿ é definida de forma que ab. A escolha deste agente, restrita às alternativas presentes em A, é suposta pela Teoria Econômica como determinada pela forma que este agente classifica pares de alternativas em A. Ou seja, determinada pela relação de preferência ≿ sobre A.

Matematicamente, a relação de preferência ≿ é uma relação binária de A em si mesmo, ou seja, ≿ é um subconjunto de A×A. Dentre as propriedades matemáticas frequentemente demandadas de ≿ pela Teoria Econômica ao modelar as escolhas dos agentes, a continuidade de ≿ é um dos principais ingredientes que caracterizam preferências bem comportadas2 2 Em grandes linhas, continuidade de ≿ é atrativa para modelar comportamentos suaves: escolhas em subconjuntos de A que não mudam de forma abrupta após pequenas perturbações neste subconjunto. Um exemplo clássico de relação de preferência que não é contínua é a classificação lexicográfica de pontos em R^(2).

Este trabalho discute a continuidade de relações de preferência A×A no contexto em que o conjunto de alternativas A é um subconjunto discreto do n . Conforme elaborado na , a continuidade de ≿ é consequência direta de A ser um conjunto discreto (cada ponto de A é ponto isolado de A ). Na , a semelhança entre continuidade de preferências em conjuntos discretos e continuidade de funções em pontos isolados de seu domínio é explorada no contexto de continuidade de correspondências. Após registrar que também são contínuas as correspondências definidas em domínio discreto, destaca-se que o gráfico de toda correspondência define uma relação binária. Ainda, quando domínio e contradomínio desta correspondência são iguais, tal relação binária é uma relação de preferência. Este ponto é explorado em seguida demonstrando-se um sentido sob o qual a continuidade da referida correspondência implica continuidade da relação de preferência definida pelo seu gráfico.

A discussão apresentada nesta nota chama a atenção para o fato de que continuidade em conjuntos discretos é trivialmente verdadeira, tanto continuidade de relações de preferência quanto continuidade de funções (e, mais geralmente, continuidade de correspondências)3 3 De fato, em um espaço métrico (Y,d), na topologia relativa a A⊆Y, todo subconjunto de A é aberto e, por isso, continuidade é trivialmente obtida. Agradecemos a avaliação anônima que pontuou a generalidade ainda maior deste resultado. . Ainda, fica claro que a propriedade de relatividade do conceito de conjunto aberto é peça fundamental nesta discussão, uma vez que sua combinação com pontos isolados é o argumento central para estabelecer os resultados de continuidade reunidos nesta nota4 4 Tal relevância da natureza relativa do conceito de aberto é explorada em detalhes no no contexto do exemplo da . Conclui-se que, ao negligenciar a relatividade do conceito de conjunto aberto presente na definição de continuidade de relação de preferência, incorre-se no equívoco de concluir que a preferência ≽ definida em (2) não é contínua. .

2. Continuidade de relações de preferência

Sejam L , M e N números naturais, AL, DM, CN e RD×C uma relação binária de D em C . O conjunto D é o domínio de R e C é o contradomínio de R . Se D=C, diz-se que R é relação binária em D . Diz-se que d é relacionado com c segundo R quando d,cR, o que é mais comumente denotado em Economia Matemática por dRc. Conforme antecipado na introdução, ≿ é relação de preferência sobre A se ≿ é uma relação binária em A . Nesta seção, suponha D=C=A, de forma que RA×A é uma relação de preferência em A.

Definição 1. R é contínua se, para cada bA, os conjuntos Sb{aA|aRb} e Ib{aA|bRa} são ambos fechados em A.

2.1 Continuidade de RA×A quando A é discreto

Suponha nesta subseção que A é um conjunto discreto, ou seja, que todo aA é ponto isolado de A . Assim, por definição de ponto isolado, aA garante que existe ε>0 tal que BεaA=a, em que Bεa{xL:x-a<ε}. A continuidade de R quando A é discreto é consequência direta do fato de que subconjuntos de um conjunto discreto sempre são fechados neste conjunto, conforme estabelecido no Lema 1.

Lema 1. Se EA, então E é aberto em A e também fechado em A.

Demonstração. Note inicialmente que, para cada aA, E=a é aberto em A , ou equivalentemente, eEε>0BεeAE. De fato, para eE=a arbitrário, basta verificar que ε>0BεaAa, já que neste caso e=a. Usando que A é discreto, tem-se que e=aA é ponto isolado de A . Usando este fato, seja ε1>0 tal que Bε1aA=aa.

Agora note que todo EA pode ser escrito como E=eEe, ou seja, como uma união de abertos em A . Com isso, obtém-se que E é aberto em A . Para obter que todo EA é fechado em A , basta notar que seu complemento em A , dado por A\E, é subconjunto de A . Assim, A\E é aberto. ◻

Proposição 1. A relação de preferência RA×A é contínua.

Demonstração. Para yA arbitrário, tem-se Sy={xA|xRy} e Iy={xA|yRx}. Para obter que Sy e Iy são ambos fechados em A , basta notar que SyA, IyA e A é discreto. O resultado segue então do . ◻

continuidade de funções em pontos isolados do seu domínio apresentada no Lema 2.

Lema 2. Uma dada função f:DC é contínua em todo ponto isolado de D.

Demonstração. Cabe lembrar que f é contínua em dD se

(1) ε > 0 δ > 0 y D y B δ d f y B ε f d .

Seja dD um ponto isolado de D e tome ε>0 arbitrário. Usando que d é ponto isolado de D seja δ>0 tal que BδdD=d. Resta provar que yD yBδdfyBεfd. Para tal, tome yD e suponha que yBδd. Então, y=d decorre de yBδdD=d. Agora, usando que y=d e fdBεfd, conclui-se que fyBεfd. ◻

A semelhança entre o resultado da Proposição 1 e Lema 2 o torna-se ainda mais concreta ao comparar o conceito de continuidade de preferência, apresentada na Definição, e a caracterização de continuidade global de funções estabelecida no . Conclui-se que uma função f com domínio D discreto é contínua (pelo Lema 2) e, por isso, possui pré-imagens de fechados fechadas em D (pelo Lema 3). Por outro lado, a relação de preferência R é contínua em A discreto, pois possui conjuntos de contorno Sa e Ia fechados em A.

Lema 3. Para f:DC e cada VC, denote por f-1V={dD|fdV} a pré-imagem (ou imagem inversa) de V . São equivalentes:

  1. f é contínua em D..

  2. Para todo VC aberto em C, tem-se f-1V é aberto em D.

  3. Para todo VC fechado em C, tem-se f-1V é fechado em D.

Demonstração. Ver, por exemplo, o Teorema apresentado por Berge (1963)Berge, Claude (1963): Topological spaces: including a treatment of multivalued functions, vector spaces and convexity, Oliver and Boyd. [4, 6], na página 57 . ◻

2.1.1 Uma ilustração

A fim de explorar em mais detalhes a propriedade discreta do conjunto A , especial interesse é dedicado a uma relação de preferência cuja continuidade foi explorada em um recente exame de Teoria Microeconômica realizado por candidatos a ingresso em programas de pós-graduação no Brasil. Neste contexto, definiu-se no conjunto Xn=11-1/n=0,1/2,2/3,3/4, a relação de preferência ≽ de forma que, para cada par de pontos x e y em X , tem-se xy se, e somente se, x-1/2y-1/2. Ou seja,5 5 O simbolo ∀ utilizado na sentença (2) é o quantificador universal e pode ser lido como “para todo". Já o símbolo ⇔ é o conectivo bicondicional e pode ser lido como “se, e somente se", ou ainda como “é equivalente a".

(2) x X y X x y x - 1 2 y - 1 2

Proposição 2. A relação de preferência ≽ é contínua.

A Proposição 1 garante que ≽ é contínua se A=X e X é discreto. O a seguir, por sua vez, implica que todo ponto de X é ponto isolado de X e, por isso, X é um conjunto discreto.

Lema 4. Para cada xX e ε, se n é tal que x=1-1/n e ε=12nn+1-x>0, então BεxX=x.

Demonstração. Tome xX e ε arbitrários. Tome n e suponha que x=1-1/n e ε=12nn+1-x. Então, ε=12nn+1>0. Como xX e xBεx, então xBεxX. Para obter BεxXx, tome zBεxX arbitrário. Resta provar que z=x. Usando que zXm=11-1/m, seja m tal que z=1-1/m. Como zBεx=x-ε,x+ε, então x-ε<z<x+ε. Afirma-se que n-1<m<n+1, o que implica m=n a partir de m. De fato, m<n+1 pode ser obtido a partir de 1-1m=z<x+ε=12nn+1+x=1-121n+1n+1<1-1n+1 e m>n-1 é justificado por 1-1m=z>x-ε=x-12nn+1>1-1n-12nn-1=1-1n1+12n-1=1-1n-12n-12n>1-1n-1 quando n>1 e por m quando n=1. ◻

3. Continuidade de Correspondências

A semelhança entre o conceito de continuidade de relações de preferência e o conceito de continuidade global de funções, discutida na Seção 2, é explorada nesta seção no contexto mais geral de continuidade de correspondências. As definições a seguir foram extraídas de Ok (2007)Ok, Efe A (2007): Real analysis with economic applications, vol. 10, Princeton University Press. [5, 6].

Definição 2. Seja 2C o conjunto de todos os subconjuntos de C (ou seja, 2C{x|xC}) e defina PC=2C\. A função Γ:DPC é dita ser uma correspondência de D em C , o que tipicamente é denotado por Γ:DC.

Comentário 1. A relevância deste conceito para os propósitos deste trabalho se torna evidente ao notar que funções de D em C e relações de preferência definidas em A=D=C são, em certo sentido, casos particulares de correspondências Γ:DC. De fato, toda função R:DC é uma relação binária RD×C que relaciona um, e somente um, cC a cada dD. Também já foi definido que relações de preferência ≿ sobre um conjunto A é uma relação binária em A , ou seja, A×A. Ainda, toda correspondência Γ:DC pode ser vista como (ou associada a) uma relação binária RD×C tal que R é dada pelo gráfico de Γ , definido como GrΓ{d,cD×C|cΓd}.

Assim, sob a hipótese de que Γd é um conjunto unitário para cada dD, a correspondência Γ é uma função. Por outro lado, supondo que D=C=A, tem-se que GrΓ é uma relação de preferência em A.

Para discutir continuidade da função Γ:DPC utilizando uma generalização da definição de função contínua, seria necessário generalizar o conceito de bola aberta para o espaço de conjuntos onde reside PC. Tal generalização poderia levar a uma versão generalizada do Lema 3 que empregaria um conceito generalizado de pré-imagem (imagem inversa) de funções6 6 Para uma abordagem nestes termos, ver Klein e Thompson (1984). . Seguindo a tradição em Economia Matemática, Ok (2007)Ok, Efe A (2007): Real analysis with economic applications, vol. 10, Princeton University Press. [5, 6] discute continuidade da função Γ:DPC em termos de continuidade da correspondência Γ:DPC, conforme Definição 3 a seguir.

Definição 3. Seja dD e a correspondência Γ:DC. Γ é dita contínua em d se Γ é hemi-contínua superior em d e também é hemi-contínua inferior em d . Por sua vez, Γ é dita hemi-contínua superior (uhc) em d se

(3) V C V é aberto em C Γ d V δ > 0 z B δ d D Γ z V

e Γ é dita hemi-contínua inferior (lhc) em d se

(4) V C V é aberto em C Γ d V δ > 0 b B δ d D Γ b V .

Por fim, Γ é dita contínua/uhc/lhc em ED se Γ é contínua/uhc/lhc em todo ponto eE.

Cabe observar desde já a semelhança entre (1) e (3), em que o aberto relativo V em (3) desempenha papel semelhante àquele de bola aberta Bεfd em (1). Analogamente, note a semelhança de (1) com (4), em que as interseções do aberto V com Γd e Γb em (4) desempenham papel semelhante àqueles dos pertencimentos de fd e fy a bola aberta Bεfd em (1), respectivamente. Tais semelhanças tornam natural esperar que a ideia de continuidade global, estabelecida para funções no , possui versão para hemicontinuidade superior e para hemicontinuidade inferior. O a seguir, que apresenta tal resultado, é bastante conhecido em Economia Matemática e sua demonstração tipicamente é deixada como exercício para o leitor7 7 Aliprantis e Border (2013) e Ok (2007), por exemplo, convidam o leitor para demonstrar tal lema. Já Klein e Thompson (1984) e Berge (1963) demonstram versões mais gerais deste resultado, utilizando conceitos de continuidade de correspondência levemente diferentes daqueles adotados nesta nota. Por conveniência, Barbieri et al. (2023), a versão em working paper desta nota, apresenta uma demonstração deste resultado. .

Lema 5. Seja Γ:DC e para cada VC defina Γ-1V={dD|ΓdV}, conhecida como a imagem inversa superior de V , e Γ-1V={dD|ΓdV}, conhecida como a imagem inversa (ou pré-imagem) inferior de V . Então,

(5) Γ é uhc em D V C V é aberto em C Γ - 1 V é aberto em D ,
(6) Γ é lhc em D V C V é aberto em C Γ - 1 V é aberto em D ,
(7) Γ é uhc em D F C F é fechado em C Γ - 1 F é fechado em D e
(8) Γ é lhc em D F C F é fechado em C Γ - 1 F é fechado em D .

Para verificar tal interpretação do Lema 5, note a semelhança de (5) e (6) com o item (2) do Lema 3, em que Γ-1V em (5) e Γ-1V em (6) desempenham papel semelhante àquele de f-1V no item (2) do Lema 3. Ainda, note a semelhança de (7) e (8) com o item (3) do Lema 3, em que Γ-1F em (7) e Γ-1F em (8) desempenham papel semelhante àquele de f-1V no item (3) do.

Proposição 3. A correspondência Γ:DC é contínua em D se D é discreto.

Demonstração. Pela , basta mostrar que Γ é uhc em D e também é lhc em D . Para estabelecer que Γ é uhc em D , basta obter (5) quando D=A e A é discreto. Para tal, tome VC tal que V é aberto em C . Para ver que Γ-1V é aberto em D=A, note que Γ-1V={dD|ΓdV} é subconjunto de A e A é discreto. Pelo , Γ-1V é aberto em D . Analogamente, para estabelecer que Γ é lhc em D , basta obter (6) quando D=A e A é discreto. Tome VC tal que V é aberto em C . Para ver que Γ-1V é aberto em D=A, note que Γ-1V={dD|ΓdV} é subconjunto de A e A é discreto. Novamente pelo , Γ-1V é aberto em D . ◻

3.1 Continuidade de Γ vs continuidade de R

A correspondência inversa (natural) de Γ é definida em ΓDdDΓdC como a correspondência γ:ΓDD tal que γc={dD|cΓd} para cada cΓD. Adaptando a para a correspondência γ:ΓDD e para um determinado ponto cΓD, tem-se que γ é dita contínua em c se γ é uhc em c e γ é lhc em c . Ainda, γ é dita hemi-contínua superior em c se

(9) U D U é aberto em D γ c U δ > 0 z B δ c Γ D γ z U

e γ é dita hemi-contínua inferior em c se

(10) U D U é aberto em D γ c U δ > 0 b B δ c Γ D γ b U .

Com o objetivo de relacionar Γ e R , suponha nesta subseção que D=C=A para obter Γ:AA e γ:ΓAA dada por γa={bA|aΓb} para cada aΓA. O gráfico de Γ , por sua vez, é dado por GrΓ={d,cA×A|cΓd}A×A. Neste caso, GGrΓ é uma relação binária em A e, portanto, é uma relação de preferência em A . A a seguir estabelece que continuidade de G é consequência da continuidade superior de Γ e de γ.

Proposição 4. Suponha Γ:AA sobrejetiva e γ:ΓAA sua inversa natural e G={d,cA×A|cΓd} seu gráfico. A relação de preferência G é contínua se Γ e γ são ambas superiormente hemi-contínuas em A.

Demonstração. Note inicialmente que o conjunto de contorno inferior da relação G em um dado ponto aA é dado por Ia=Γa e o conjunto de contorno superior da relação G em um dado ponto aA é dado por Sa={bA|aΓb}. De fato, Ia=bAaGb}={bAa,bG={bA|a,bGrΓ}. Usando a definição de GrΓ, tem-se Ia=bAa,bA×AbΓa}={bAbΓa=Γa, em que a terceira igualdade usa que ΓaA e a segunda igualdade usa a equivalência entre as sentenças a,bA×AbΓa e bΓa quando aA e bA. Por fim, note que Sa=bAbGa}={bAb,aG=bAb,aGrΓ}={bAb,aA×AaΓb={bA|aΓb}.

Do exposto, Sa={bA|aΓb}=γa se aΓD e Sa={bA|aΓb}= se aΓD. A sobrejetividade de Γ , ou seja, ΓD=A garante que Sa=γa para todo aA=ΓD. Suponha que Γ é uhc em A e que γ é uhc em ΓA=A.

Quer-se provar que G é contínua, ou seja, que Ia e Sa são fechados em A para cada aA. Para tal, tome aA e defina F=a. Então, Γ-1F=dDΓdF}={dDΓda={dD|aΓd}=γa e γ-1F=cΓDγcF}={cΓDγca=cΓDaγc}={cΓDaDcΓa={c|cΓa}=Γa. Assim, resta provar que Γ-1F e γ-1F são fechados em A quando F=a.

Afirma-se que F=aA é fechado em A . De fato, tal propriedade pode ser provada estabelecendo que UAF é aberto em A . Para tal, tome xU=AF e note que xa é garantido por aF e xF. Defina δ=x-a/2>0 e tome zBδxA arbitrário. Como a-x>a-x/2=δ, então aBδx. Segue deste resultado que za e, por isso, zA\a=A\F. Provou-se então que BδxAU. Assim, tem-se A\F aberto em A e, por isso, F fechado em A.

Aplicando (7) para Γ uhc em A , tem-se em particular para F=aA=C, um fechado em C=A, que Γ-1F é fechado em D=A. De forma similar, para a correspondência γ:ΓDD, tem-se a seguinte adaptação de (7):

(11) γ é uhc em Γ D F D F é fechado em D γ - 1 F é fechado em Γ D .

Usando que γ é uhc em ΓD=A, tem-se em particular para F=aA=D, um fechado em A=D, que γ-1F é fechado em ΓD=A. ◻

A garante que se Γ e γ são contínuas, e Γ é sobrejetiva, então G é contínua. Em particular, as continuidades de Γ e γ implicadas porD=C=ΓD=Aquando A é discreto geram continuidade na relação de preferência G 8 8 A importância de se supor continuidade superior de γ para este resultado decorre do fato de que continuidade de Γ não é suficiente para gerar continuidade de γ, nem mesmo para gerar hemicontinuidade superior de γ. Este ponto pode ser verificado por meio de contra-exemplos. Considere Γ:D⇉C com D=C=[0,2] tal que Γ(d)=2d se d∈[0,1) e Γ(d)=2 para d∈[1,2]. Neste caso, é fácil ver que Γ é contínua, uma vez que Γ é uma função contínua. A inversa natural de Γ neste caso é γ:Γ(D)⇉D com Γ(D)=C e tal que γ(c)={c/2} quando c∈[0,2) e γ(2)=[1,2]. Embora Γ seja contínua, a correspondência γ não é contínua por não ser lhc em c=2. Para outro contraexemplo, considere Γ:D⇉C com D=C=[0,2] tal que Γ(d)=[0,2) se 0≤d<1 e Γ(d)=[0,2] para 1≤d≤2, uma correspondência contínua. Neste caso, a inversa natural de Γ é γ:Γ(D)⇉D com Γ(D)=C e tal que γ(c)=[0,2] quando c∈[0,2) e γ(2)=[1,2]. A correspondência γ não é contínua por não ser uhc em c=2. .

4. Considerações finais

Inspirada na discussão sobre a continuidade da relação de preferência definida por (2) em X=n=11-1/n, esta nota apresentou uma discussão bastante abrangente sobre continuidade de relações de preferências definidas em conjuntos discretos. Em particular, a similaridade entre os conceitos de continuidade global de funções e de correspondências com a continuidade de relações de preferências foi utilizada como fio condutor da discussão.

Em linhas gerais, para além de estabelecer a continuidade da relação de preferência definida por (2) no conjunto X , esta nota foi capaz de esclarecer que tal resultado é um caso particular de um resultado muito mais geral: “Toda correspondência com domínio discreto é contínua”. Neste contexto, de conjuntos discretos, a relevância da propriedade de relatividade do conceito de conjunto aberto presente na definição de preferência contínua é transparente. De fato, sua combinação com pontos isolados gera continuidade de maneira direta, quase trivial (ver nota de rodapé 3). Além disso, negligenciar tal propriedade na definição de continuidade pode gerar o resultado completamente oposto: de não continuidade da preferência.

A proximidade entre o conceito de relações de preferência e o gráfico de correspondências aqui discutida naturalmente gerou o questionamento sobre a proximidade entre o conceito de continuidade de preferências e o conceito de continuidade de correspondências. O resultado documentado na e os contra-exemplos apresentados na nota de rodapé 8 são informativos sobre tal questionamento, mas certamente não esgotam a discussão. Por exemplo, aparentemente, a sobrejetividade de Γ não parece ser necessária para continuidade de G . Mais interessantemente, não é discutido nesta nota como se relacionam os conceitos de continuidade de G e a propriedade de gráfico fechado de Γ.

Cabe, por fim, reconhecer que a ambição desta nota não foi contribuir com um novo resultado em Economia Matemática. Todos, ou quase todos, os resultados aqui apresentados já são conhecidos neste campo. A contribuição proposta é apresentar um documento breve que reúne e relaciona de forma interessante diversos conceitos e resultados fundamentais em Economia Matemática. O objetivo com isso é comunicar para a academia brasileira em Economia, de forma breve e transparente, a relevância de tais conceitos.

  • Trabalho desenvolvido no contexto das atividades acadêmicas do Laboratório de Economia, Matemática e Computação (LEMC/USP). Os autores Jefferson Bertolai, Mirelle Jayme e Nathan Machado agradecem ao Programa Unificado de Bolsas (PUB/USP) ao apoio financeiro no desenvolvimento de atividades acadêmicas dentro do LEMC/USP.
  • 1
    Tal relevância se torna evidente ao se considerar que a principal característica que diferencia a Ciência Econômica de outros campos do conhecimento (por exemplo, as Ciências Naturais) é o fato de que os fenômenos investigados pela Economia são em grande medida resultantes de escolhas de agentes.

Apêndice A: Crucialidade do conceito de conjunto aberto relativo

A demonstração de que a relação de preferência ≽ é contínua empregou a definição de continuidade de preferência apresentada por Jehle e Reny (2011)Jehle, GA e PJ Reny (2011): “Advanced Microeconomic Theory,” . [9], em sua página 8 . Nesta definição, os autores foram precisos ao explicitar que os conjuntos de contorno superior e inferior da preferência lá discutida precisavam ser fechado em +n, o conjunto no qual a referida preferência foi definida.

Nem sempre a definição de continuidade de preferência é apresentada de forma tão explícita. Um importante exemplo é dado pelas definições apresentadas por Mas-Colell et al. (1995)Mas-Colell, Andreu, Michael Dennis Whinston, Jerry R Green, et al. (1995): Microeconomic theory, vol. 1, Oxford university press New York. [9, 10] nas páginas 46 e 47 para continuidade de uma preferência ≿ definida em um conjunto X+L, ambos arbitrários9 9 Cabe enfatizar que o conjunto X nesta discussão é arbitrário, não necessariamente igual a X=〖∪〗_(n=1)^(∞){1-1/n}. . Primeiramente, o conceito de continuidade é apresentado por Mas-Colell et al. (1995)Mas-Colell, Andreu, Michael Dennis Whinston, Jerry R Green, et al. (1995): Microeconomic theory, vol. 1, Oxford university press New York. [9, 10] utilizando sequências, conforme transcrito na a seguir, por conveniência.

Definição 4 (Mas-Colell et al., 1995Mas-Colell, Andreu, Michael Dennis Whinston, Jerry R Green, et al. (1995): Microeconomic theory, vol. 1, Oxford university press New York. [9, 10]). The preference relation ≿ on X is continuous if it is preserved under limits. That is, for any sequence of pairs {xn,yn}n=1 with xnyn for all n , x=limnxn, and y=limnyn, we have xy.

Em seguida, o conceito de continuidade é apresentado por Mas-Colell et al. (1995)Mas-Colell, Andreu, Michael Dennis Whinston, Jerry R Green, et al. (1995): Microeconomic theory, vol. 1, Oxford university press New York. [9, 10] utilizando conjuntos de contorno superior e inferior, conforme transcrito a seguir, por conveniência

“An equivalent way to state this notion of continuity is to say that for all x , the upper contour set { y X | y x } and the lower contour set { y X | x y } are both closed; that is, they include their boundaries”.

Em ambas as definições apresentadas por Mas-Colell et al. (1995)Mas-Colell, Andreu, Michael Dennis Whinston, Jerry R Green, et al. (1995): Microeconomic theory, vol. 1, Oxford university press New York. [9, 10], é compartilhada com o leitor a responsabilidade de inferir sutilezas das definições. Na primeira definição, é necessário inferir que o limite x de {xn}n=1 precisa ser elemento de X, assim como o limite y de {yn}n=1 precisa ser elemento de X. Tal inferência seria baseada no fato de que a sentença xy não faria sentido caso xX ou yX, uma vez que a preferência ≿ é definida (a princípio) somente em X. Na segunda definição, é necessário inferir que o conceito de conjunto fechado empregado é o de fechado relativo, ou seja, inferir que os conjuntos {yX|yx} e {yX|xy} precisam ser fechados no conjunto X, ao invés de fechados (em +L

).

Uma leitura desatenta das definições apresentadas por Mas-Colell et al. (1995)Mas-Colell, Andreu, Michael Dennis Whinston, Jerry R Green, et al. (1995): Microeconomic theory, vol. 1, Oxford university press New York. [9, 10] gera o risco de concluir de forma incorreta que a relação de preferência ≽ estudada neste trabalho não é contínua. Para ilustrar tal risco, suponha que esta leitura tenha gerado o entendimento que a definição de continuidade de relação seja dada pela a seguir, por conveniência denominada por contínua*. Neste caso, o leitor seria capaz de provar a a seguir10 10 Uma demonstração para esta proposição pode ser encontrada em , working paper desta nota. .

Definição 5. Seja A+L e A×A. A relação de preferência ≿ é contínua* se para cada bA os conjuntos SbaA|ab e Ib{aA|ba} são conjuntos fechados em +L.

Proposição 5. A relação de preferência ≽ definida em (2) não é contínua*.

  • 1
    Tal relevância se torna evidente ao se considerar que a principal característica que diferencia a Ciência Econômica de outros campos do conhecimento (por exemplo, as Ciências Naturais) é o fato de que os fenômenos investigados pela Economia são em grande medida resultantes de escolhas de agentes.
  • 2
    Em grandes linhas, continuidade de ≿ é atrativa para modelar comportamentos suaves: escolhas em subconjuntos de A que não mudam de forma abrupta após pequenas perturbações neste subconjunto. Um exemplo clássico de relação de preferência que não é contínua é a classificação lexicográfica de pontos em R^(2).
  • 3
    De fato, em um espaço métrico (Y,d), na topologia relativa a AY, todo subconjunto de A é aberto e, por isso, continuidade é trivialmente obtida. Agradecemos a avaliação anônima que pontuou a generalidade ainda maior deste resultado.
  • 4
    Tal relevância da natureza relativa do conceito de aberto é explorada em detalhes no no contexto do exemplo da . Conclui-se que, ao negligenciar a relatividade do conceito de conjunto aberto presente na definição de continuidade de relação de preferência, incorre-se no equívoco de concluir que a preferênciadefinida em (2) não é contínua.
  • 5
    O simbolo ∀ utilizado na sentença (2) é o quantificador universal e pode ser lido como “para todo". Já o símbolo ⇔ é o conectivo bicondicional e pode ser lido como “se, e somente se", ou ainda como “é equivalente a".
  • 6
    Para uma abordagem nestes termos, ver Klein e Thompson (1984)Klein, Erwin e Anthony C Thompson (1984): Theory of correspondences: Including applications to mathematical economics, Wiley. [5, 6].
  • 7
    Aliprantis e Border (2013)Aliprantis, Charalambos e Kim Border (2013): Infinite Dimensional Analysis: A Hitchhiker’s Guide, Springer-Verlag Berlin and Heidelberg GmbH & Company KG. [6] e Ok (2007)Ok, Efe A (2007): Real analysis with economic applications, vol. 10, Princeton University Press. [5, 6], por exemplo, convidam o leitor para demonstrar tal lema. Já Klein e Thompson (1984)Klein, Erwin e Anthony C Thompson (1984): Theory of correspondences: Including applications to mathematical economics, Wiley. [5, 6] e Berge (1963)Berge, Claude (1963): Topological spaces: including a treatment of multivalued functions, vector spaces and convexity, Oliver and Boyd. [4, 6] demonstram versões mais gerais deste resultado, utilizando conceitos de continuidade de correspondência levemente diferentes daqueles adotados nesta nota. Por conveniência, Barbieri et al. (2023)Barbieri, Fábio, Jefferson Bertolai, Mirelle Jayme, e Nathan Machado (2023): “Uma nota sobre continuidade de relações de preferência definidas em conjuntos discretos,” Rel. Técn., LEMC-FEARP/USP, Ribeirão Preto. [6, 10], a versão em working paper desta nota, apresenta uma demonstração deste resultado.
  • 8
    A importância de se supor continuidade superior de γ para este resultado decorre do fato de que continuidade de Γ não é suficiente para gerar continuidade de γ, nem mesmo para gerar hemicontinuidade superior de γ. Este ponto pode ser verificado por meio de contra-exemplos.
    Considere Γ:DC com D=C=[0,2] tal que Γ(d)=2d se d∈[0,1) e Γ(d)=2 para d∈[1,2]. Neste caso, é fácil ver que Γ é contínua, uma vez que Γ é uma função contínua. A inversa natural de Γ neste caso é γ:Γ(D)⇉D com Γ(D)=C e tal que γ(c)={c/2} quando c∈[0,2) e γ(2)=[1,2]. Embora Γ seja contínua, a correspondência γ não é contínua por não ser lhc em c=2.
    Para outro contraexemplo, considere Γ:DC com D=C=[0,2] tal que Γ(d)=[0,2) se 0d<1 e Γ(d)=[0,2] para 1d2, uma correspondência contínua. Neste caso, a inversa natural de Γ é γ:Γ(D)⇉D com Γ(D)=C e tal que γ(c)=[0,2] quando c∈[0,2) e γ(2)=[1,2]. A correspondência γ não é contínua por não ser uhc em c=2.
  • 9
    Cabe enfatizar que o conjunto X nesta discussão é arbitrário, não necessariamente igual a X=〖∪〗_(n=1)^(∞){1-1/n}.
  • 10
    Uma demonstração para esta proposição pode ser encontrada em , working paper desta nota.

Referências Bibliográficas

  • Aliprantis, Charalambos e Kim Border (2013): Infinite Dimensional Analysis: A Hitchhiker’s Guide, Springer-Verlag Berlin and Heidelberg GmbH & Company KG. [6]
  • Barbieri, Fábio, Jefferson Bertolai, Mirelle Jayme, e Nathan Machado (2023): “Uma nota sobre continuidade de relações de preferência definidas em conjuntos discretos,” Rel. Técn., LEMC-FEARP/USP, Ribeirão Preto. [6, 10]
  • Berge, Claude (1963): Topological spaces: including a treatment of multivalued functions, vector spaces and convexity, Oliver and Boyd. [4, 6]
  • Jehle, GA e PJ Reny (2011): “Advanced Microeconomic Theory,” . [9]
  • Klein, Erwin e Anthony C Thompson (1984): Theory of correspondences: Including applications to mathematical economics, Wiley. [5, 6]
  • Mas-Colell, Andreu, Michael Dennis Whinston, Jerry R Green, et al. (1995): Microeconomic theory, vol. 1, Oxford university press New York. [9, 10]
  • Ok, Efe A (2007): Real analysis with economic applications, vol. 10, Princeton University Press. [5, 6]

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024
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