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Formação de professores: histórico, delimitação do campo e sua perspectiva para a área da educação

Teacher education: history, delimitation of the field and its perspective for the area of education

Formación docente: historia, delimitación de campos y su perspectiva para el área educativa

RESUMO

Este artigo de cunho interdisciplinar, inserido nos campos da educação e da sociologia, tem por objetivo apresentar um panorama da construção da pesquisa em educação sobre o campo da formação de professores no contexto das pesquisas acadêmico-científicas brasileiras. Por meio de um estudo bibliométrico e bibliográfico, tendo como base o conceito de campo científico, expõem-se as relações emancipadoras que delineiam a formação de professores como campo de estudo autônomo. Pesquisas comprovam a constituição desse campo, que possui características teórico-metodológicas e conceituais próprias e revelam o lugar ocupado por esse eixo em legislações, políticas educacionais e debates na comunidade científica brasileira. Assim, mostra-se urgente a necessidade de ampliação do conhecimento do percurso dessa constituição, a fim de promover e sinalizar encaminhamentos decisórios com relação aos desafios e às tendências para a área, por meio da articulação de pesquisadores nacionais.

Palavras-chave:
Formação Docente; Pesquisas em Educação; Interdisciplinaridade

ABSTRACT

This interdisciplinary article, inserted in the fields of education and sociology, aims to present an overview of the construction of research in education about teacher training in the context of Brazilian academic-scientific research. A bibliometric and bibliographical study, based on the concept of scientific field, conducted us to the emancipatory relations that outline teacher education as an autonomous field of study. Research proves the constitution of this field, which has its own theoretical-methodological and conceptual characteristics, and shows the place occupied by this axis in legislation, educational policies, and debates in the Brazilian scientific community. Thus, there is an urgent need to expand knowledge of the course of this constitution to promote and signal decision-making avenues with regard to the challenges and trends for the area, through the articulation of national researchers.

Keywords:
Teacher Education; Research in Education; Interdisciplinarity

RESUMEN

Este artículo, de carácter interdisciplinario, insertado en los campos de la Educación y de la Sociología, presenta el histórico y la delimitación del campo de estudio formación de profesores en el contexto de las investigaciones académico-científicas brasileñas. Por medio de un estudio bibliométrico y bibliográfico, teniendo como base el concepto de campo científico, se exponen las relaciones emancipadoras que delinean la formación de profesores como campo de estudio autónomo. Investigaciones comprueban la constitución de ese campo, que posee características teórico-metodológicas y conceptuales propias y evidencian el lugar ocupado por ese eje en legislaciones, políticas educacionales y debates en la comunidad científica brasileña. Así, se muestra urgente la necesidad de ampliación del conocimiento del recorrido de esa constitución, a fin de promoverse y señalizar direccionamientos decisorios con relación a los desafíos y a las tendencias para el área, por medio de la articulación de investigadores nacionales.

Palabras clave:
Formación Docente; Investigaciones en Educación; Interdisciplinaridad

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O tema da formação de professores vem ocupando grande espaço nos meios de comunicação, em diversas situações em que os docentes são descritos por não estarem bem formados ou capacitados para atuarem na sua profissão. Sob essa perspectiva, a questão da formação de professores torna-se um problema social na medida de sua relevância e em razão do tratamento incerto que a educação tem recebido perante o contexto histórico, em que persiste a desvalorização e aumentam os retrocessos diante de políticas públicas que, com frequência, são modificadas ou interrompidas.

Apesar das descontinuidades observadas ao longo da história, no que diz respeito à formação desses profissionais no contexto brasileiro, existe hoje um vasto arcabouço legal e jurídico e à concernente à formação de professores no Brasil, que inclui: a Constituição Federal; a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB); e o Plano Nacional de Educação, que em suas metas 15, 16, 17 e 18 discute de forma específica a formação inicial e continuada e a valorização dos profissionais da educação. Trata-se de uma temática complexa por ser um campo que, em si mesmo, envolve uma série de disputas de concepções, sobretudo acerca do que se entende por educação, qual seu sentido pleno, indicando a necessidade de políticas e proposições pedagógicas que considerem o lugar deste ator fundamental de formação, o professor, ultrapassando sua definição restrita à escolarização.

Na dissertação intitulada Formação de professores: percursos na constituição de um campo de estudos (Peixoto, 2018PEIXOTO, Priscila de Andrade Barroso. Formação de professores: percursos na constituição de um campo de estudos. 2018. 84 f. Dissertação (Mestrado em Cognição e Linguagem) – Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Campos dos Goytacazes, 2018.), os resultados obtidos validaram a hipótese do estudo com relação à constituição da formação de professores como um campo de estudo autônomo, visto que este se configurava como objeto de uma ciência. Os dados demonstraram que tanto as políticas públicas quanto as produções científicas confirmavam a relevância do tema para a sociedade. Foram analisados artigos publicados no Brasil, no período de 2014 a 2016, cadastrados na base de dados Scopus, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), a fim de detectar teorias e métodos dominantes na área, com base nos critérios estabelecidos por García (1999): existência de objeto próprio; utilização de metodologia específica; uma comunidade de cientistas que define um código de comunicação próprio; integração dos participantes no desenvolvimento da pesquisa; e reconhecimento da formação de professores como um elemento fundamental na qualidade da ação educativa, por parte dos administradores, políticos e pesquisadores.

Este trabalho une-se ao movimento da comunidade científica que se debruça sobre a temática, com vistas a apresentar aspectos que contemplam a delimitação da formação de professores como campo de estudo, com base na perspectiva bourdieusiana de campo científico. No contexto brasileiro, nota-se, a partir da década de 1980, uma mobilização por parte dos pesquisadores que parece marcar a trajetória do reconhecimento da formação de professores como campo de estudo autônomo. Levantamentos bibliométricos comprovam o aumento do interesse e a constância de publicações sobre a formação docente.

Por ser recente, esse estabelecimento aponta para a necessidade de investigações sobre as características específicas, os aspectos que compõem seu delineamento enquanto campo e as possíveis lacunas ao longo do processo de seu reconhecimento, a fim de se obterem informações mais detalhadas sobre o campo. Esse conhecimento visa contribuir para o aperfeiçoamento das análises e o fortalecimento desse campo de estudo, bem como evitar os silenciamentos ou a falta de articulação entre as informações já conhecidas.

Este artigo configura-se como um estudo de natureza bibliométrica e bibliográfica, que tem por objetivo apresentar um panorama com aspectos específicos da construção da pesquisa em educação sobre o campo formação de professores, como seu percurso histórico de mobilização, sua delimitação enquanto campo e as perspectivas para a área da educação. Destaca-se como embasamento teórico de campo a perspectiva bourdieusiana (Bourdieu, 1983BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.; 2004BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. Tradução: Denice Barbara Catani. São Paulo: UNESP, 2004.) na conquista do espaço social da formação de professores como um campo da área da educação. Apesar dos avanços em seu estabelecimento, o cenário de lutas pelo espaço social ocupado aponta a urgência de compreensão sobre os desafios e as tendências para este ramo.1 1 Neste trabalho o termo ramo é utilizado como sinônimo a campo de pesquisa sobre formação de professores.

CONSTRUÇÃO DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO SOBRE FORMAÇÃO DOCENTE

Em uma definição ampla, pesquisar é o ato pelo qual se procura obter conhecimento sobre algo. Todavia, se o objetivo for atribuído a uma busca no sentido mais estrito, com vistas a criar um corpo de conhecimentos sobre certo assunto, nesse caso, o ato de pesquisar deverá apresentar características específicas, visto que não se busca qualquer tipo de conhecimento, mas um conhecimento que ultrapasse o entendimento imediato na explicação ou na compreensão da realidade observada. Nesse caso, a pesquisa é o caminho para construir o que se entende por ciência (Gatti, 2002GATTI, Bernadete Angelina. A construção da Pesquisa em Educação no Brasil. Série Pesquisa em Educação. v.1. Brasília: Plano Editora, 2002.; 2012GATTI, Bernadete Angelina. A construção metodológica da pesquisa em educação: desafios. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, Brasília, v. 28, n. 1, p. 13-34, 2012. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/rbpae/article/view/36066. Acesso em: 23 jul. 2021.
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; Peixoto, 2018PEIXOTO, Priscila de Andrade Barroso. Formação de professores: percursos na constituição de um campo de estudos. 2018. 84 f. Dissertação (Mestrado em Cognição e Linguagem) – Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Campos dos Goytacazes, 2018.).

A pesquisa educacional possui caráter complexo ao apresentar uma diversidade de aspectos, os quais, ainda que estejam relacionados complexamente ao desenvolvimento das pessoas e das sociedades, abrangem questões em diversas perspectivas, como filosóficas, sociológicas, políticas, biológicas, administrativas, entre outras. Assim, mesmo ao se pensar em apenas um dos tópicos que envolvem a educação — o da educação escolar —, coloca-se uma gama de problemáticas a serem consideradas: de legislação, de currículo, de métodos e tecnologia de ensino, de formação de docentes, das relações professor-aluno etc. (Gatti, 2002GATTI, Bernadete Angelina. A construção da Pesquisa em Educação no Brasil. Série Pesquisa em Educação. v.1. Brasília: Plano Editora, 2002.; Peixoto, 2018PEIXOTO, Priscila de Andrade Barroso. Formação de professores: percursos na constituição de um campo de estudos. 2018. 84 f. Dissertação (Mestrado em Cognição e Linguagem) – Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Campos dos Goytacazes, 2018.).

O modelo cientificista, sobretudo no que se refere à sua lógica objetiva, é amplamente questionado e criticado. Até a precisão das chamadas ciências exatas é colocada em dúvida diante do surgimento de novos conhecimentos do mundo físico. Por exemplo, as mecânicas contemporâneas, a mecânica relativista, a mecânica quântica, a mecânica ondulatória, são ciências sem antepassados (Bachelard, 2006BACHELARD, Gaston. A epistemologia. Lisboa: Edições 70, 2006.; Devechi e Bisol, 2019DEVECHI, Catia Piccolo Viero; BISOL, Benedetta . Ciências da educação: especificidade epistemológica, objetividade e prática pedagógica. Educação, Santa Maria, n. 44, p. 1-19, 2019. Disponível em: https://www.redalyc.org/journal/1171/117158942094/html/. Acesso em: 10 ago. 2021.
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). No âmbito do estudo das ciências humanas, de maneira ainda mais específica, não podem ser aplicados os mesmos critérios utilizados pelas ciências da natureza, em razão da subjetividade inerente à ação humana, a qual não segue os princípios lógicos dos fenômenos físicos.

O campo da pesquisa educacional lida com a pressão dos imperativos não apenas de ordem científica e profissional, como também de ordem política, administrativa e econômica. Nesse sentido, é preciso considerar alguns aspectos básicos relativos à validade de nossos trabalhos de pesquisa, no que diz respeito à consistência do campo investigativo em educação. Há perguntas que precisam ser consideradas: "De onde partimos? Com quais referentes? Para quem queremos falar? Por quê? Que tipos de dados nos apoiam? Como se originaram? Como cuidamos de nossa linguagem e comunicação?" (Gatti, 2012GATTI, Bernadete Angelina. A construção metodológica da pesquisa em educação: desafios. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, Brasília, v. 28, n. 1, p. 13-34, 2012. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/rbpae/article/view/36066. Acesso em: 23 jul. 2021.
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, p. 14). Tais questionamentos, primeiramente, norteiam o pesquisador quanto ao contexto investigativo em que se encontra o objeto da pesquisa e servem como base de aprimoramento na interpretação, tratamento e divulgação dos dados.

Um exemplo refere-se à utilização de termos diversos para significar a mesma coisa, o que configura certo "modismo" nas expressões e sugere pouca preocupação com os significados em um contexto teórico coerente. Diante do fato de o termo educação ser utilizado com amplos significados, nem sempre nos preocupamos em "distinguir educação em geral — fato social que permeia a sociedade como um todo e seus vários instituídos — de educação escolar — aquela que a escola provê" […] "Não se trata de defender nominalismos, mas de cuidar da clareza e abrangência do que falamos" (Gatti, 2012GATTI, Bernadete Angelina. A construção metodológica da pesquisa em educação: desafios. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, Brasília, v. 28, n. 1, p. 13-34, 2012. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/rbpae/article/view/36066. Acesso em: 23 jul. 2021.
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, p. 14-15). Posturas elusivas dificultam o entendimento do leitor, dadas a falta de especificidade e possíveis ambiguidades com relação ao que de fato se objetiva comunicar.

O campo educacional enfrenta também o desafio epistemológico. Devechi e Bisol (2019DEVECHI, Catia Piccolo Viero; BISOL, Benedetta . Ciências da educação: especificidade epistemológica, objetividade e prática pedagógica. Educação, Santa Maria, n. 44, p. 1-19, 2019. Disponível em: https://www.redalyc.org/journal/1171/117158942094/html/. Acesso em: 10 ago. 2021.
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) questionam a possibilidade de manutenção do princípio de unidade desse campo, que demonstra "ser constitutivamente multifacetado e marcado pela complexidade, pluralidade e historicidade". Reflexões devem ser feitas sobre a complexa definição das abordagens teóricas, modelos e métodos para se pensar, produzir e fazer educação. Compreende-se que a dificuldade de estabelecer essa unidade na pesquisa educacional tem por base o fato de se tratar de uma área que contempla temáticas de diferentes disciplinas, com desdobramentos múltiplos.

A pesquisa educacional, em sua natureza educativa, tem por característica tratar dos assuntos por um viés pedagógico e formativo. Nesse sentido, é comum que as abordagens se voltem para aspectos da prática, o que constitui não apenas o início, mas o fim da reflexão científica sobre a educação. Por outro lado, André (2009ANDRÉ, Marli. A produção acadêmica sobre formação de professores: um estudo comparativo das dissertações e teses defendidas nos anos 1990 e 2000. Formação Docente – Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação de Professores, [S.l.], v. 1, n. 1, p. 41-56, 2009. Disponível em: https://revformacaodocente.com.br/index.php/rbpfp/article/view/4. Acesso em: 10 maio 2019.
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), ao mapear os temas abordados em teses e dissertações, apresenta algumas perspectivas dos trabalhos publicados justamente em torno das opiniões, das representações, dos processos de constituição de identidade, dos saberes e práticas dos professores. Apesar de considerar promissora essa atenção dada ao professor, com o olhar voltado para a prática e para o cotidiano de seu trabalho, a autora afirma ser preocupante a concentração das pesquisas na temática do professor enquanto se diminui radicalmente o número de estudos sobre a formação inicial.

Há muito a conhecer sobre como preparar os docentes para enfrentar os desafios da educação no século XXI e, se o foco das pesquisas for radicalmente mudado dos cursos de formação para os aspectos da prática do professor, esses levantamentos "podem vir a reforçar uma visão da mídia, com amplo apoio popular, de que o professor é o principal (talvez o único) responsável pelo sucesso/fracasso da educação" (André, 2010bANDRÉ, Marli. Formação de professores: a constituição de um campo de estudos. Educação, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 174-181, set./dez. 2010b., p. 280). Assim, a pesquisa educacional, ao voltar-se para o ambiente escolar, deve levar em consideração a diversidade de atores que influenciam o processo de ensino-aprendizagem, pois, além da práxis docente, há uma série de elementos que incidem nesse desenvolvimento, desde questões histórico-sociais que envolvem alunos e professores a situações políticas-administrativas que podem colaborar ou não com tais relações.

Cabe esclarecer que, quando o objetivo de investigação está pautado nas questões relativas ao campo de estudo, refere-se à pesquisa sobre formação docente. Diniz-Pereira (2014DINIZ-PEREIRA, Júlio Emílio. Diferenças teórico-metodológicas e conceituais entre "pesquisas sobre formação docente" e "pesquisas na formação docente". Revista Educação em Foco, Minas Gerais, ano 17, n. 13, p. 45-58, jul. 2014. Disponível em: https://revista.uemg.br/index.php/educacaoemfoco/article/view/522. Acesso em: 12 ago. 2021.
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) traz contribuições para tal diferenciação ao estabelecer as principais características teórico-metodológicas e conceituais das "pesquisas sobre formação docente" e das "pesquisas na formação docente", apresentadas de maneira sintetizada no Quadro 1.

Quadro 1
Principais características da "pesquisa sobre formação docente" e da "pesquisa na formação docente".

Apesar de terem suas especificidades no que diz respeito aos locais onde a pesquisa se realiza, aos seus sujeitos, objetos, objetivos e metodologias, aos processos e produtos gerados e até mesmo aos principais meios de divulgação dos seus resultados, os dois tipos de abordagem não são colocados de maneira concorrente ou sobreposta. Ambas as pesquisas trazem contribuições importantes, cada uma a seu modo. Para este estudo interessa a "pesquisa sobre formação docente", uma vez que o objeto de pesquisa é a própria formação docente e a ênfase está no processo de investigação do campo.

A "pesquisa sobre formação docente" refere-se à área enquanto campo de investigações acadêmicas, o campo de estudo, a fim de contribuir para o avanço no conhecimento dessa complexa temática, enquanto a "pesquisa na formação docente" apresenta uma intencionalidade formativa, compromissada com a transformação das práticas docentes.

O objetivo de tal distinção não é colocar as abordagens numa perspectiva dicotômica, hierárquica e/ou como concorrentes. Destaca-se a necessidade de ampliação do debate teórico sobre a temática e de "pesquisas que revelem, com evidências empíricas, as diferenças e as semelhanças entre esses dois tipos de investigação e as possibilidades e potencialidades de diálogos e de complementaridade entre elas" (Diniz-Pereira, 2014DINIZ-PEREIRA, Júlio Emílio. Diferenças teórico-metodológicas e conceituais entre "pesquisas sobre formação docente" e "pesquisas na formação docente". Revista Educação em Foco, Minas Gerais, ano 17, n. 13, p. 45-58, jul. 2014. Disponível em: https://revista.uemg.br/index.php/educacaoemfoco/article/view/522. Acesso em: 12 ago. 2021.
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, p. 55). Esses elementos contribuem para a clareza dos objetivos de cada enfoque científico e indicam caminhos a serem percorridos pelos outros pesquisadores que investigam as questões acadêmicas que dialogam tanto com o campo de estudo quanto com aspectos formativos e/ou da prática.

Com relação ao percurso investigativo que culminou no reconhecimento da formação de professores enquanto campo, observa-se, por parte da comunidade científica brasileira, uma mobilização emergente na década de 1980, apoiada numa insatisfação generalizada com a situação vivenciada no contexto educacional e, sobretudo, com a formação do professor (Feldens, 1984FELDENS, Maria Graça Furtado. Educação de professores: tendências, questões e prioridades. Tecnologia Educacional, Rio de Janeiro, v. 13, n. 61, p. 16-26, nov.-dez. 1984.). Marcado pelo autoritarismo e pela racionalidade técnica, nesse período os professores eram treinados para o exercício da profissão como se houvesse soluções teóricas prontas para todos os problemas educacionais. Tal conjuntura culminou na virada da década de 1980 para 1990 com a denominada "crise de paradigmas" (Candau, 1982CANDAU, Vera Maria. A formação de educadores: uma perspectiva multidimensional. Em Aberto, Brasília, v. 1, n. 8, p. 19-21, ago. 1982. https://doi.org/10.24109/2176-6673.emaberto.1i8.%25p
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), a qual gerou uma série de questionamentos ao tecnicismo de postura positivista da época e prosseguiu abrindo caminhos para a reestruturação e o crescimento investigativo da área educacional, sobretudo no que diz respeito à formação docente.

O Gráfico 1, gerado com base em um levantamento na base de dados Scopus, da CAPES, comprova não apenas o aumento do interesse, mas a constância de publicações que versam sobre a temática da formação docente, com maior desenvolvimento a partir das décadas de 1970 e 1980. Realizado em 1º dezembro de 2021, neste levantamento constam 49.947 documentos entre 1907 e 2021. Os termos indicados para a busca, com o operador booleano ‘OR’, foram os seguintes: "formação de professores" ou "formação docente" ou "teachers’ education" ou "teacher training", considerando-se a ocorrência no título, resumo ou palavras-chave dos documentos. Não houve delimitação do período de busca. O objetivo foi apresentar todo o histórico, desde o primeiro registro cadastrado na base e, a partir deste, observar o seu desenvolvimento.

Gráfico 1
Documentos por ano de publicação.

Observa-se crescimento acentuado de publicações na primeira década do século XXI. Tal ocorrência pode ser justificada pela efervescência vivida no âmbito da legislação específica da área educacional nesse período, com a elaboração das diretrizes para formação de professores em 2001 e, em 2006 e 2013, com as atualizações da LDB. Quando comparada à quantidade de documentos por país de origem, a ocorrência de publicações brasileiras aparece em sétimo lugar, com aproximadamente 2 mil publicações (Gráfico 2).

Gráfico 2
Documentos por país ou território.

No Brasil, na década de 1980, emerge o cenário de mobilização de pesquisadores do campo educacional para fomentar espaços de discussões. Tem início o Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE), que nasce de um pequeno seminário, realizado na Pontifícia Universidade Católica (PUC/RJ) em 1982 e 1983, denominado "A didática em questão", com ênfase no campo da didática. O ENDIPE segue no formato bienal, sendo considerado o maior evento acadêmico na área da educação, com uma história de quase 40 anos, reunindo, em seus encontros, milhares de pesquisadores da área. O campo da formação de professores, que antes funcionava como um braço da didática, hoje reforça sua autonomia, como visto no XX ENDIPE. Em 2020, em sua primeira edição virtual, o evento abordou a temática das relações históricas e emancipadoras entre os campos da didática, formação de professores e currículo (Oliveira et al., 2020OLIVEIRA, Maria Rita Neto Sales; MOREIRA, Antônio Flavio Barbosa, GATTI, Bernardete Angelina; LELIS, Isabel Alice Oswald Monteiro (mediação). Sessão especial: Didática, Currículo e Formação de Professores: relações históricas e emancipadoras. YouTube, 11 de novembro 2020. 1 vídeo (2h 8 min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=bP7YDDRSVgs. Acesso em: 20 ago. 2024.
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).

Outro marco importante para o campo formação de professores foi a mudança de nomenclatura do GT 8 da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), que, no período de 1992–1993, foi reconfigurado após o reconhecimento de que a denominação GT Licenciaturas não mais correspondia à evolução dos estudos e, com a constatação da mudança na realidade no campo de pesquisa, foi decidida uma nova denominação: "formação de professores".

Reforçando esse reconhecimento, Silazaki, Silva e Rinaldi (2015SILAZAKI, Raquel Pozzenato; SILVA, Neiva Solange; RINALDI, Renata Portela. Campo de estudo formação de professores: processo de construção e desenvolvimento deste domínio. In: CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 12., 2015, Curitiba. Anais […] Curitiba/PR: EDUCERE, 2015. p. 3158-3169.) indicam a necessidade de obter contribuições sobre o "processo de produção de conhecimento neste campo que, por sua complexidade, atesta a necessidade de considerá-lo como um campo de estudo próprio e independente". Quanto ao objeto desse campo, Roldão (2007ROLDÃO, Maria do Céu. A formação de professores como objecto de pesquisa – contributos para a construção do campo de estudo a partir de pesquisas portuguesas. Revista Eletrônica de Educação. São Carlos, v. 1, n. 1, p. 50-118, set. 2007. Disponível em: https://www.reveduc.ufscar.br/index.php/reveduc/article/view/5. Acesso em: 10 fev. 2021.
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, p. 53) define-o como "os processos de aprendizagem e desenvolvimento da construção do conhecimento e do desempenho profissional dos docentes". A organização desses espaços de discussão contribui para a legitimação do campo, com o estabelecimento de um código comum entre os pesquisadores.

Desde a década de 1990, autores têm se dedicado ao desenvolvimento de pesquisas do tipo estado da arte/estado do conhecimento, revisões/sínteses sistemáticas, as quais têm contribuído para a compreensão e construção do conhecimento sobre o campo da formação de professores, destacando as tendências, lacunas, ausências, o que se sabe e até mesmo o que não se sabe. André (2010bANDRÉ, Marli. Formação de professores: a constituição de um campo de estudos. Educação, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 174-181, set./dez. 2010b., p. 180) afirma "que as iniciativas da comunidade científica têm possibilitado que a área se torne mais respeitada frente às demais áreas de conhecimento". Segundo a autora, esse aspecto foi fundamental para a constituição do campo.

Numa perspectiva mais recente, Diniz-Pereira (2021DINIZ-PEREIRA, J. E.; GARIGLIO, J. A. Tendências da pesquisa sobre a formação de professores no Brasil: o estado do conhecimento em questão. In: SIMPÓSIO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO, 4., 2021, Rio de Janeiro. Anais […]. Rio de Janeiro: Anped, 2021.) afirma que, apesar de a produção científica do campo em questão estar sendo analisada por pelo menos 50 anos ininterruptos, tal campo ainda luta para se firmar no Brasil, sendo considerado relativamente novo no Brasil e no mundo. Assim, mostra-se clara a necessidade de ampliação das pesquisas científicas que se debrucem em aprofundar o conhecimento acerca desse campo, dado o complexo percurso a se percorrer, tanto no que se refere à caracterização de um campo de estudo quanto à definição de seu objeto.

FORMAÇÃO DE PROFESSORES E O CONCEITO DE CAMPO CIENTÍFICO

Pierre Bourdieu (1930–2002) está entre os pensadores que mais se destacaram no cenário intelectual da segunda metade do século XX. Seu arcabouço teórico trata de conceitos sistematizados, amplamente aplicados nas ciências sociais. Entre os principais, expõem-se neste trabalho: campo; habitus; e capital. De forma específica, na área da educação, Bourdieu figura como uma importante referência para a análise de diferentes temas, em que os conceitos trabalhados por ele, para além de citados, por vezes despontam como centrais para a análise de questões de cunho sociológico.

Ao tratar da história das produções culturais, como a ciência, a arte, a filosofia, a literatura etc., Bourdieu (2004BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. Tradução: Denice Barbara Catani. São Paulo: UNESP, 2004.) elucida a origem da noção de campo, a qual, em sua gênese, surge em oposição à ideia que considera os conteúdos textuais como suficientes para o conhecimento de determinada produção, ou mesmo à noção de relação direta entre o texto e o contexto para a compreensão do mundo social. Nesse cenário, o conceito de campo surge em oposição à ideia de partenogênese, a qual considera a produção científica como livre de intervenção externa. Deste modo, o sociólogo apresenta a ideia de campo para contribuir para a compreensão do desenvolvimento dessas produções culturais, as quais constituem objetos de análise com pretensões científicas.

O termo "campo", que, num primeiro momento, remete à ideia de espaço ou área delimitada, em Bourdieu é definido como "o universo no qual estão inseridos os agentes e as instituições que produzem, reproduzem ou difundem a arte, a literatura ou a ciência. Esse universo é um mundo social como os outros, mas obedece a leis sociais mais ou menos específicas" (Bourdieu, 2004BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. Tradução: Denice Barbara Catani. São Paulo: UNESP, 2004., p. 20). Esse espaço social configura o lugar de constituição de uma forma específica de capital. Nele, as relações de forças indicam as tendências e probabilidades objetivas, as quais não se orientam ao acaso. Nesse universo, nem tudo é igualmente possível e impossível em cada momento (Bourdieu, 2004BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. Tradução: Denice Barbara Catani. São Paulo: UNESP, 2004.). Assim, ao comparar o espaço geográfico ao espaço social, pode-se indicar a seguinte relação: se no exemplo geográfico temos em seu interior recortes que dividem regiões, no contexto social essas ramificações são estabelecidas por lutas ideológicas. Os campos são formados por agentes que podem ser indivíduos ou instituições, os quais criam os espaços e os fazem existir pelas relações que aí estabelecem.

Todo campo é objeto de luta, em sua representação e em sua realidade. Se for entendido como um jogo, pode-se dizer que ele mesmo coloca as regras, pois a noção de campo embasa esse espaço relativamente autônomo, dotado de leis próprias, um tipo de microcosmo. Enquanto macrocosmo, ele é submetido a leis sociais, exercendo uma autonomia parcial que pode ser mais ou menos acentuada (Bourdieu, 2004BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. Tradução: Denice Barbara Catani. São Paulo: UNESP, 2004.). Uma grande questão com relação aos campos ou subcampos científicos diz respeito a esse grau de autonomia de que cada um usufrui. Algo que os diferencia, mas que nem sempre é fácil medir, quantificar.

Ao tratar dos princípios de autonomia e heteronomia de determinado campo, Bourdieu afirma que "uma das manifestações mais visíveis de autonomia do campo é sua capacidade de refratar, retraduzindo sob uma forma específica as pressões ou as demandas externas" (Bourdieu, 2004BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. Tradução: Denice Barbara Catani. São Paulo: UNESP, 2004., p. 22). Ou seja, quanto mais autônomo for um campo, regras internas serão criadas e, ao mesmo tempo, as imposições externas serão transfiguradas a ponto de se tornarem irreconhecíveis. Assim, "todo campo, o campo científico por exemplo, é um campo de forças e um campo de lutas para conservar ou transformar esse campo de forças" (Bourdieu, 2004BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. Tradução: Denice Barbara Catani. São Paulo: UNESP, 2004., p. 22-23). De maneira oposta, a heteronomia manifesta-se quando demandas exteriores influenciam a ponto de serem modificadas as estruturas internas de determinado campo.

O conceito de campo científico reforça tal perspectiva ao definir esse campo como espaço de lutas simbólicas, com intensa competição entre seus concorrentes. Diz respeito à "capacidade de falar e agir legitimamente, isto é, de maneira autorizada e com autoridade que são socialmente outorgadas a um agente determinado" (Bourdieu, 2003aBOURDIEU, Pierre. O campo científico. In: ORTIZ, Renato. (org.). A sociologia de Pierre Bourdieu. São Paulo: Olho d’Água, 2003a., p. 112). Trata-se de um espaço ideológico marcado por forças e conflitos intensos, que tem por objetivo a conservação ou a transformação.

Ao tratar especificamente do campo formação de professores, Jardilino afirma que o crescimento comprovado pelas discussões e publicações na área colocaram um marco de saída do que por um momento ele propôs como uma moldura, e hoje configura-se a consolidação do campo científico de pesquisa. Nesse contexto, cabe pensar o contorno desse campo como parte de um maior: o campo da educação (Romanowski e Jardilino, 2021ROMANOWSKI, Joana Paulin; JARDILINO, Jose Rubens Lima. O campo de pesquisa sobre a formação de professores: avanços e desafios. In: SIMPÓSIO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO, 4., 2021, Rio de Janeiro. Anais […]. Rio de Janeiro: Anped, 2021.). Nota-se a existência de lutas e tensões que permeiam a temática que há décadas vem conquistando o seu espaço social de reconhecimento e legitimação, as quais podem ser observadas pelo viés das transformações da legislação e políticas públicas, sobretudo nas últimas décadas. As pesquisas na área comprovam essa conquista e apresentam delineamentos com focos de interesse específicos. Ao superar paradigmas, demonstram avanços nas lutas ideológicas dos educadores e pesquisadores, conforme demonstram esses levantamentos.

Outro conceito formulado por Bourdieu que contribui para a compreensão do campo é a ideia de capital, uma vez que, na construção do espaço social, são diferentes espécies de poder ou capital que ocorrem nos diversos contextos. Cada campo está ligado a determinados capitais, ao constituir o espaço onde eles são movimentados, valorizados, legitimados. Nesse movimento, um ou outro terá maior valor e importância, de acordo com suas características e finalidades. Assim, a noção de capital social é apresentada como o único meio de designar o fundamento dos efeitos sociais (Bourdieu, 2004BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. Tradução: Denice Barbara Catani. São Paulo: UNESP, 2004.). No campo científico, esse poder relaciona-se com o reconhecimento de quem conquista a autoridade de dominação científica para formar as regras, por meio da acumulação de capital científico, ou seja, prestígio no campo.

Conforme Bourdieu (2004BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. Tradução: Denice Barbara Catani. São Paulo: UNESP, 2004.), assim como no campo econômico a decisão dos dominantes em relação à alteração de preços dos produtos muda o panorama de todas as empresas, do mesmo modo, no domínio da pesquisa científica, os pesquisadores ou as pesquisas dominantes, pela posição que ocupam nesse campo, definem o conjunto das questões que importam num dado momento, e assim é estabelecido o que é possível e que é impossível em determinado período histórico. Vale ressaltar que essas posições não se colocam de forma arbitrária. Segundo o autor, "nada é mais difícil e até impossível de ‘manipular’ do que um campo" (Bourdieu, 2004BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. Tradução: Denice Barbara Catani. São Paulo: UNESP, 2004., p. 25). Assim, trata-se de uma posição conquistada de acordo com os princípios construídos no interior do campo científico, como as regras de um jogo.

No campo também se encontra o habitus, pois cada espaço privilegia um habitus específico. Por definição, o habitus refere-se às estruturas mentais por meio das quais apreendemos o mundo social. Trata-se de um "sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, apreciações e ações, e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas" (Bourdieu, 2003aBOURDIEU, Pierre. O campo científico. In: ORTIZ, Renato. (org.). A sociologia de Pierre Bourdieu. São Paulo: Olho d’Água, 2003a., p. 65). Em essência, são produto da interiorização das estruturas do mundo social, com uma espécie de corporificação do comportamento e da estrutura social estabelecida.

Segundo Bourdieu (2003bBOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003b., p. 60), "a noção de habitus exprime, sobretudo, a recusa a toda uma série de alternativas nas quais a ciência social se encerrou, a da consciência (ou do sujeito) e do inconsciente, a do finalismo e do mecanicismo, etc.". O habitus pode ser entendido por um conjunto de propensões — formas de pensar, agir, sentir — que permitem aos indivíduos agir dentro de uma estrutura determinada, com vistas à manutenção de sua dinâmica organizacional, na busca de conservar a dinâmica social. As práticas cotidianas expressam um habitus incorporado ao sujeito que se traduz nas situações, por isso tem a ver com aspectos como as experiências, a educação, a construção do sujeito e de que forma isso se materializa nas disposições sociais; portanto, envolve a posição que cada indivíduo ocupa na sociedade.

De maneira dialógica ao conceito de habitus, pode-se considerar o que Paro (2018PARO, Vitor Henrique. Professor: artesão ou operário? São Paulo: Cortez, 2018.) destaca com relação à influência das experiências na construção do professor enquanto sujeito. Segundo Paro (2018PARO, Vitor Henrique. Professor: artesão ou operário? São Paulo: Cortez, 2018., p. 109), "a boa formação do professor inicia-se no berço e prolonga-se durante o ensino fundamental". Suas ideias acerca da formação docente chamam a atenção para a necessidade da qualidade devida a essas etapas da educação básica, pois, na verdade, a "preparação" para a docência começa com as primeiras vivências do indivíduo. Assim, entende-se que as memórias escolares compõem, de maneira significativa, a identidade docente. Do ponto de vista profissional, quanto aos professores, considera-se que a identidade é construída em seu cotidiano, com base em suas vivências no contexto escolar, as quais são marcadas por suas relações sociais (Peixoto, 2018PEIXOTO, Priscila de Andrade Barroso. Formação de professores: percursos na constituição de um campo de estudos. 2018. 84 f. Dissertação (Mestrado em Cognição e Linguagem) – Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Campos dos Goytacazes, 2018.). Desse modo, ela contempla o processo de construção dos sujeitos enquanto profissionais, como se reconhecem e como são reconhecidos pelos outros.

Outra teoria que corrobora a influência do habitus no processo de formação é a que aborda o lugar dos saberes docentes. Com grande ascendência nas pesquisas sobre a educação, a consideração dos saberes e práticas docentes emerge não apenas como tendência investigativa nas pesquisas, mas como aspecto central que suporta a ação prática do docente, conforme apontam os estudos de Pimenta (2009PIMENTA, Selma Garrido (org.). Formação de professores: identidade e saberes da docência. In: PIMENTA, Selma Garrido. Saberes pedagógicos e atividade docente. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2009. p. 15-34.) e Tardif (2010TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2010.). Apreende-se que, primeiramente, esses saberes são produzidos para subsidiar a ação prática, porém, do mesmo modo que a embasam, também se reelaboram e se reestruturam com base nela, tornando-se um elemento constitucional para os mecanismos de análise das teorias postas pelo campo apoiadas nos elementos que a prática fornece.

Segundo Diniz-Pereira (2013DINIZ-PEREIRA, Júlio Emílio. A construção do campo da pesquisa sobre formação de professores. Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 22, n. 40, p. 145-154, jul.-dez. 2013. Disponível em: https://revistas.uneb.br/index.php/faeeba/article/view/7445/4808. Acesso em: 13 ago. 2021.
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), em seu percurso histórico, o campo de pesquisa sobre formação de professores, concebido como um espaço de lutas e interesses em que se estabelecem relações de força e de poder, constitui-se dinâmico e tem-se delimitado conforme a compreensão dos elementos que o constitui. Tais elementos referem-se aos processos formativos dos professores, objetos que lhe são próprios, a saber: a aprendizagem da docência; os saberes docentes; e a formação inicial e continuada.

Nesse sentido, observa-se que, na delimitação do campo, é ainda fundamental clarificar qual o seu núcleo definidor. No que diz respeito à formação de professores, trata-se de eleger o próprio campo como objeto de estudo, com ênfase em "como" se constitui o aprendizado e o desenvolvimento do "ser" e do "saber ser" professor, nos processos de construção do conhecimento e do desempenho profissional docente (Roldão, 2007ROLDÃO, Maria do Céu. A formação de professores como objecto de pesquisa – contributos para a construção do campo de estudo a partir de pesquisas portuguesas. Revista Eletrônica de Educação. São Carlos, v. 1, n. 1, p. 50-118, set. 2007. Disponível em: https://www.reveduc.ufscar.br/index.php/reveduc/article/view/5. Acesso em: 10 fev. 2021.
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). Apesar de possuir objeto próprio, elemento fundamental para a constituição do campo (García, 1999GARCÍA, Carlos Marcelo. Formação de professores. Para uma mudança educativa. Porto: Porto Editora, 1999.), na demarcação desses espaços, o campo da formação de professores coloca-se numa posição dialógica com outras áreas de estudo da educação, como por exemplo didática, currículo, identidade docente, trabalho docente, educação e tecnologias. Essa parece ser uma importante marca identitária do campo, de abertura a muitos outros conexos com que necessariamente interage. Na seção a seguir essa caracterização será aprofundada com base em autores brasileiros que se dedicam ao estudo do campo da formação de professores.

PERSPECTIVAS PARA A ÁREA: DESAFIOS E TENDÊNCIAS

Esta seção foi construída com base nos relatos apresentados na mesa de fechamento do IV Simpósio de grupos de pesquisa sobre formação de professores, organizado pela ANPEd em maio de 2021. O evento teve por objetivo discutir o campo formação de professores. A mesa de fechamento contou com a presença dos professores Joana Romanowski, do Centro Universitário Internacional (UNINTER) e José Rubens Jardilino, da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).

Eventos como esse contribuem para os avanços dos debates no que diz respeito à delimitação do campo e perspectivas para a área da educação. De acordo com Romanowski, os simpósios têm se constituído como um espaço de socialização das pesquisas e de discussões permanentes sobre o campo (Romanowski e Jardilino, 2021ROMANOWSKI, Joana Paulin; JARDILINO, Jose Rubens Lima. O campo de pesquisa sobre a formação de professores: avanços e desafios. In: SIMPÓSIO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO, 4., 2021, Rio de Janeiro. Anais […]. Rio de Janeiro: Anped, 2021.). Os simpósios da ANPEd acontecem quinquenalmente, com edições em 2006, 2011, 2016 e 2021, e contam com a participação de grupos de pesquisa de todo o país.

Romanowski, ao apresentar um panorama histórico dos eventos, destaca que o I Simpósio, ocorrido em 2006, foi um marco inovador para a problematização da temática da formação de professores como campo de conhecimento e, em consequência, para o campo da educação. Segundo a professora, as pesquisas do tipo estado da arte realizadas ao final da década de 1990 foram responsáveis por revelar os conhecimentos que compõem esse campo de pesquisa, como: formação inicial; formação continuada; desenvolvimento profissional docente; identidade, saberes e aprendizagem profissional docente; e políticas em formação de professores (Romanowski e Jardilino, 2021ROMANOWSKI, Joana Paulin; JARDILINO, Jose Rubens Lima. O campo de pesquisa sobre a formação de professores: avanços e desafios. In: SIMPÓSIO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO, 4., 2021, Rio de Janeiro. Anais […]. Rio de Janeiro: Anped, 2021.).

Esses conhecimentos indicam uma concepção de formação não dissociada da realização do trabalho docente que define a escola como lócus privilegiado para o aprendizado da docência. Entre eles, o termo "desenvolvimento profissional docente", primeiramente utilizado nos Estados Unidos e no Canadá no início dos anos 1990, destaca-se por reforçar a ideia do continuum com base no entendimento de que a formação de professores não termina com a conclusão de um curso preparatório, seja de nível superior, seja de nível médio (Diniz-Pereira, 2019DINIZ-PEREIRA, Júlio Emílio. Desenvolvimento profissional docente: um conceito em disputa. In: IMBERNON, Francisco; NETO, Alexandre Shigunov; FORTUNATO, Ivan. (org.). Formação permanente de professores: experiências ibero-americanas. São Paulo: Edições Hipótese, 2019. p. 65-74.). No Brasil, essa ideia começou a ganhar força a partir da primeira metade dos anos 1990 e, até hoje, algumas lacunas ainda necessitam de ajustes, principalmente no que diz respeito ao princípio da indissociabilidade entre a formação e as condições adequadas para a realização do trabalho docente.

As pesquisas sobre a formação de professores indicam a necessidade de avanços no que diz respeito ao desafio persistente da dicotomia entre teoria e prática educacional. Nesse processo, merecem destaque as relações dialógicas de natureza complexa que caracterizam a formação dos professores e o papel destes enquanto profissionais, tendo em conta que a teoria somente se legitima na ação.

Apesar da importância de tais discussões nos espaços de trabalho, nota-se certa dificuldade dos docentes na compreensão sobre o sentido e o valor da pesquisa em suas vidas. Os professores parecem divididos entre uma pesquisa voltada para uma meta acadêmica e outra voltada para a sua prática enquanto docentes (Lüdke, 2012LÜDKE, Menga. A complexa relação entre o professor e a pesquisa. In: ANDRÉ, Marli (org.). O papel da pesquisa na formação e na prática dos professores. 12. ed. Campinas: Papirus, 2012.), porém a teoria constitui um recurso indispensável para lidar com os desafios da prática. A efetivação do trabalho conjunto, que aproxime a universidade e a escola, desponta como caminho propício ao considerar as necessidades reais do ambiente escolar, os aparatos e condições oferecidas, em direção a uma reflexão coletiva sobre a formação e o trabalho docente.

Nessa perspectiva, o III Simpósio, em 2016, foi organizado com o objetivo de ampliar e aprofundar as discussões acerca do campo da pesquisa sobre formação de professores e suas implicações para a prática escolar. Em sua fala, o professor Jardilino relembra o percurso e reafirma a busca necessária para compreender a concretude contextual em que se delineia o campo, dada a sua característica de pluralidade e interdisciplinaridade. Ao citar Romanowski, o professor fala sobre a elasticidade desse campo, marcado pela diversidade de temáticas afins. Trata-se de um campo que se avizinha de outros ao compartilhar e receber contribuições.

Jardilino reforça a intenção dos pesquisadores na defesa de constituir o campo de pesquisa sobre formação de professores na perspectiva bourdieusiana (Romanowski e Jardilino, 2021ROMANOWSKI, Joana Paulin; JARDILINO, Jose Rubens Lima. O campo de pesquisa sobre a formação de professores: avanços e desafios. In: SIMPÓSIO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO, 4., 2021, Rio de Janeiro. Anais […]. Rio de Janeiro: Anped, 2021.). Nesse sentido, o campo vem, ao longo dos anos, comprovando os elementos necessários para a concretude dessa constituição, assim como apontam García (1999GARCÍA, Carlos Marcelo. Formação de professores. Para uma mudança educativa. Porto: Porto Editora, 1999.) e André (2010aANDRÉ, Marli. A pesquisa sobre formação de professores: contribuições à delimitação do campo. In: DALBEN, Ângela; DINIZ, Júlio; LEAL, Leiva; SANTOS, Lucíola (org.). Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente. Belo Horizonte: Autêntica, 2010a. p. 273-287.) com relação aos cinco indicadores mencionados nas considerações iniciais deste artigo.

Andrade (2006ANDRADE, Roberta Rotta Messias de. A formação de professores nas dissertações e teses defendidas nos programas de pós-graduação em educação entre os anos de 1999 e 2003. 2006. 82 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006., p. 13) comenta que "balanços da produção científica sobre formação de professores no Brasil despertaram interesse de vários autores". Em estudos publicados entre 2010 e 2013, autores como André (2010bANDRÉ, Marli. Formação de professores: a constituição de um campo de estudos. Educação, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 174-181, set./dez. 2010b.) e Diniz-Pereira (2013DINIZ-PEREIRA, Júlio Emílio. A construção do campo da pesquisa sobre formação de professores. Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 22, n. 40, p. 145-154, jul.-dez. 2013. Disponível em: https://revistas.uneb.br/index.php/faeeba/article/view/7445/4808. Acesso em: 13 ago. 2021.
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) observaram grande presença de pesquisadores estrangeiros compondo as referências ditas "obrigatórias" no campo de pesquisa sobre formação de professores no Brasil, os quais, por via de consequência, influenciariam significativamente a literatura nacional sobre o tema. Quanto a isso, André (2010bANDRÉ, Marli. Formação de professores: a constituição de um campo de estudos. Educação, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 174-181, set./dez. 2010b.) apresenta alguns questionamentos: será que as nossas pesquisas sobre formação de professores têm levado em conta a especificidade de nossos contextos? Será que os pesquisadores têm procurado adaptar propostas geradas em outros países à nossa realidade? Entre os autores mais citados, Diniz-Pereira (2013DINIZ-PEREIRA, Júlio Emílio. A construção do campo da pesquisa sobre formação de professores. Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 22, n. 40, p. 145-154, jul.-dez. 2013. Disponível em: https://revistas.uneb.br/index.php/faeeba/article/view/7445/4808. Acesso em: 13 ago. 2021.
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) destaca: Ken Zeichner (Estados Unidos), Philippe Perrenoud (Suíça), António Nóvoa e Isabel Alarcão (Portugal), Maurice Tardif, Clermont Gauthier e Claude Lessard (Canadá), Carlos Marcelo García (Espanha) e Anne Marie Chartier (França).

Em contrapartida, os levantamentos mais recentes trazem dados que marcam a forte presença de autores brasileiros que se debruçam sobre a temática, ganhando destaque como referências nas publicações, demonstrando certa independência de referências estrangeiras sobre o tema, o que revela a existência de uma referência nacional sobre o campo. Alguns deles são: Maria das Graças Feldens, Menga Lüdke, Marli André, Júlio Emílio Diniz-Pereira, Vera Candau e Iria Brzezinski.

Na conferência de abertura do IV Simpósio de Grupos de Pesquisa sobre Formação de Professores do Brasil, realizado em maio de 2021, o professor e pesquisador da área, Júlio Emílio Diniz-Pereira, ao apresentar dados do levantamento que realizou com base na produção científica dos Programas de Pós-graduação em Educação conceito 7, da CAPES, publicada entre 2006 e 2015, destaca uma informação animadora nesse sentido. Diniz-Pereira destaca que, entre os autores mais citados nos trabalhos, sete são pesquisadores do campo, a saber: Tardif, Nóvoa, Cunha, Gauthier, Zeichner, Pimenta, Perrenoud. Ou seja, pode-se dizer que hoje há a configuração de uma comunidade paradigmática de pesquisadores desse campo (Diniz-Pereira e Gariglio, 2021DINIZ-PEREIRA, J. E.; GARIGLIO, J. A. Tendências da pesquisa sobre a formação de professores no Brasil: o estado do conhecimento em questão. In: SIMPÓSIO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO, 4., 2021, Rio de Janeiro. Anais […]. Rio de Janeiro: Anped, 2021.).

Sobre as tendências na área, o professor Jardilino ressalta a presença de novos indivíduos e grupos no campo, como espaço estruturado de posições sociais e poder onde se consomem e produzem bens e objetos de conhecimento, bem como de pesquisas que olham para a formação de professores contemplando diferentes perspectivas. Segundo o professor, ganham espaço pesquisas sobre as diversas áreas de ensino, das licenciaturas. Outra tendência percebida tem a ver com a forma como outras áreas correlatas se relacionam com o campo, comportando-se de maneira híbrida. Essa pluralidade, que por um momento parecia ser uma dispersão que enfraqueceria o campo, hoje se mostra como característica marcante no que diz respeito a certa elasticidade de um campo que acolhe diversos vieses. De acordo com o professor, o eco da produção científica também constitui um ponto dessa consolidação por meio da divulgação das pesquisas para outros espaços, e ainda a aproximação com a escola básica, materializando o movimento de ligação universidade-escola (Romanowski e Jardilino, 2021ROMANOWSKI, Joana Paulin; JARDILINO, Jose Rubens Lima. O campo de pesquisa sobre a formação de professores: avanços e desafios. In: SIMPÓSIO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO, 4., 2021, Rio de Janeiro. Anais […]. Rio de Janeiro: Anped, 2021.).

Como principais tendências do campo, destacam-se a hibridização das temáticas, o retorno de pesquisas do trabalho do professor e suas práticas, sem ter como foco a perspectiva da formação continuada, e, principalmente, a construção de redes de pesquisa sobre formação de professores. Essa última característica pode ser solução para ampliar as pesquisas sobre o campo ao proporcionar uma amplitude de olhares que possa romper com as barreiras geográficas, por meio de um coletivo que alcance abrangência nacional, tornando possível a realização de pesquisas com caráter longitudinal e minimizando as dificuldades geradas por falta de financiamento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo buscou apresentar aspectos que delineiam o campo de pesquisa sobre formação de professores, tendo em vista as lutas que ainda são impostas para o seu fortalecimento enquanto campo de estudo autônomo. As tensões existentes não têm paralisado a conquista de espaço acadêmico. Ao longo de aproximadamente 50 anos de pesquisa, o campo evidencia contornos que lhe são próprios.

Com base na revisão de literatura, observa-se não apenas o crescimento da produção científica, mas abordagens que discutem a formação de professores como ramo do conhecimento da ciência da educação, demonstrando a necessidade de expansão e aprofundamento das pesquisas com vistas a uma maior compreensão do delineamento desse campo, diante da sua recente constituição.

Destaca-se a complexidade existente na caracterização de um campo de estudo, uma vez que definir o objeto é algo que pode demorar décadas até se consolidar. O campo da formação de professores apresenta, em sua gênese, uma relação histórica de emancipação em relação ao campo da didática, tendo como característica a pluralidade e a interdisciplinaridade, por dialogar com tantos outros.

Essas informações contribuem para os estudos sobre a configuração do campo da formação de professores como campo de estudo autônomo, sobretudo na perspectiva do diálogo com a teoria de campo de Bourdieu. As iniciativas da comunidade científica possibilitam que esse campo se torne mais reconhecido e valorizado perante as áreas de conhecimento que possuem maior tradição. Nesse processo, conforme aponta André (2010), torna-se fundamental que o coletivo de pesquisadores assuma posições claras e coerentes, com vistas ao fortalecimento da formação de professores como campo de estudo, na consolidação do lugar ocupado em meio às tensões existentes entre as áreas.

O estabelecimento de uma agenda de discussões sobre a formação de professores em eventos (congressos e simpósios), o fortalecimento dos grupos de trabalho e a criação da Revista Formação Docente — Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação de Professores, com sua primeira edição publicada em 2009, são alguns marcos que reforçam o espaço conquistado pelo campo da formação de professores no contexto brasileiro.

  • 1
    Neste trabalho o termo ramo é utilizado como sinônimo a campo de pesquisa sobre formação de professores.
  • Financiamento:

    O estudo não recebeu financiamento.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Out 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    24 Mar 2023
  • Revisado
    27 Jun 2023
  • Aceito
    30 Jun 2023
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